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CapítuloCapítulo 4 Briófitas 119Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Objetivos l Demonstrar a relação evolutiva existente entre algas verdes e briófitas. l Apresentar características que distinguem briófitas e das demais plan- tas terrestres. l Identificar características exclusivas das briófitas. l Compreender aspectos gerais relacionados à morfologia e à reprodução. l Diferenciar os diferentes filos existentes de briófitas. 1. Reino Plantae O Reino Plantae compreende vegetais representados pelas bri- ófitas (Figura 74), pteridófitas, gimnospermas e angiospermas. Todos os organismos pertencentes a esse grupo são plurice- lulares, constituídos por células eucarióticas possuidoras de vacúolos, envolvidas por paredes celulares de celulose, que realizam sua nutrição através de fotossíntese. As características próprias dos representantes classi- ficados como plantas são resultado do processo evolutivo e determinaram o domínio do ambiente terrestre pelos vegetais, por meio do desenvolvimento de órgãos especializados para a fotossíntese, a fixação e a sustentação. A organização estrutural das plantas pode atingir níveis de complexidade diferenciados, observados nos diversos gru- pos inseridos nesse reino. Assim, temos aqui espécies que se reproduzem principalmente por meio de esporos, como briófitas e pteridófitas, ou que pro- duzem flores como órgãos reprodutivos importantes. A reprodução assume uma padronização em relação ao que acontece entre os protistas, pois se observa a ocorrência de ciclos oogâmicos, com al- ternância de gerações gametofítica e esporofítica, que resultam na produção de um embrião, inicialmente ligado à planta-mãe. Devido a essa característica comum, todas as plantas são denominadas embriófitas41. 41Embriófitas são plantas que desenvolvem embriões durante o processo de reprodução. São embriófitas: briófitas, pteridófitas, gimnospermas, angiospermas. Figura 74 – Musgos e liquens recobrindo ro- chas nuas. Fonte: www.infoescola.com/biologia/briofitas-bryophyta/ 120 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. 1.1. Colonização do meio terrestre Em função de diversas evidências, como as características bioquí- micas e metabólicas compartilhadas, acredita-se que as plantas terrestres tenham se desenvolvido a partir de algas verdes aquá- ticas. Como exemplo, podemos citar a presença de carotenoides, clorofilas a e b, celulose como componente da parede celular, além de amido como substância de reserva, características comuns às algas verdes e às plantas terrestres. Como consequência do processo evolutivo e para sobreviver às novas condições impostas pelo ambiente terrestre, uma das adapta- ções mais importantes observadas em todas as plantas é a presença de uma camada cerosa, denominada cutícula, essencial contra a eva- poração e o dessecamento dos tecidos vegetais. Porém, ao imperme- abilizar o vegetal, a cutícula dificulta a realização de trocas gasosas, essenciais à fotossíntese e à respiração e, como resposta, surgem adaptações como poros, câmaras aeríferas ou estômatos, que permi- tem as trocas gasosas sem haver a perda excessiva de água. Outra adaptação fundamental está relacionada à absorção de água e de nutrientes pelos vegetais terrestres, que, nesse novo contexto, devem retirar esses elementos do solo. Para isso, as plantas possuem raízes que desempenham as funções de fixação e de absorção de nutrientes ou rizoides (presentes nas briófitas), relacionados apenas à fixação. Adaptações relacionadas à condução de água e de sais minerais foram resolvidas com o aparecimento da lignina42, que se constitui em um exemplo interessante da evolução bioquímica relacionada aos grupos vegetais. Outro aspecto importante referente à colonização do ambiente terrestre diz respeito à reprodução. Nas plantas, os órgãos sexuais multicelulares, ou gametângios, apresen- tam, pela primeira vez, uma camada de células estéreis protetora dos gametas nas briófitas e nas pteridófitas, substituídos, posteriormente, nas gi- mnospermas e nas angiospermas, por estruturas mais complexas. Nesse contexto, algumas plantas terrestres dependem da água para fecundação, uma vez que o gameta masculino tem que nadar até o gameta feminino. Ao longo do processo evolutivo, gimnos- permas e angiospermas desenvolveram indepen- dência em relação à água, através da produção de tubos polínicos. 42A lignina é uma substância que se deposita nas células vegetais do xilema, relacionadas aos processos de condução e de sustentação da planta. Figura 75 – Seção longitudinal de um arquegonióforo, mostrando arquegô- nios circundados por células estéreis (paráfises). Fonte: Raven et al. (2007). Figura 76 – Seção longitudinal de um anteridióforo, mos- trando anterídios e suas paráfises. Fonte: simbiotica.org/briofita.htm 121Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Nas plantas, a reprodução acontece por meio da alternância de gera- ções bem definidas, representadas por uma geração gametofítica, ou produ- tora de gametas, e outra esporofítica, ou produtora de esporos resultantes de meiose. A partir de agora também, todos os gametas são oogâmicos. Briófitas e plantas vasculares compartilham características comuns que as distinguem das algas verdes, como a presença de gametângios-masculinos: anterídios (Figura 75) – e femininos-arquegônios (Figura 76), que, pela primeira vez, possuem uma camada protetora de células estéreis; a retenção do embrião dentro do gametófito feminino; a presença de esporófito diploide pluricelular, resultante da fecundação; os esporângios multicelulares, formados por tecido esporógeno envolvido por células protetoras estéreis; os esporos com parede de esporopolenina43; os tecidos resultantes de um meristema apical. 2. Características gerais das briófitas As briófitas são consideradas criptógamas e formam extensos tapetes verdes em lugares sombreados e úmidos. Com isso, protegem o solo contra a ero- são, reduzindo, nas encostas, os riscos de deslizamentos. Há ainda briófitas epífitas, que se desenvolvem nos troncos e nos galhos de árvores. Todo o grupo é destituído de flores, de frutos e de sementes. Apesar de muitas semelhanças compartilhadas com algas verdes e com plantas vasculares, as briófitas são úni- cas no reino vegetal, pois não possuem vasos condutores lignificados (xilema e floema). A condução da seiva nas bri- ófitas é realizada célula a célula, sendo esse transporte bas- tante lento, o que limita o tamanho das briófitas. Sua reprodução compreende ciclos de vida hetero- mórficos, em que a fase gametofítica é dominante, diferen- temente do que acontece em todas as demais plantas. Isso significa que, quando observamos essas plantas no am- biente, estamos diante de gametófitos de vida livre (Figura 77). Ao contrário, os esporófitos são menores, dependentes nutricionalmente do gametófito e vivem pouco tempo, so- mente o necessário para produzir e dispersar os esporos em condições adequadas. Algumas espécies possuem gametófitos compostos por rizoides, filídios e caulídios (gametófitos folhosos), enquanto outras são talos prostrados nas quais não se distinguem essas estruturas (gametófitos talosos). Os esporófitos nunca são ramificados e apresentam diferentes graus de complexidade. Na maioria das briófitas, os esporófitos são estruturados 43Esporopolenina é uma substância presente na parede dos esporos e nos grãos de pólen, muito resistente à decomposição. A esporopolenina foi uma importante molécula na conquista do ambiente terrestre pelas plantas. Para as briófitas, representam a possibilidade de tolerar a exposição ao ambiente e ao ataque por microrganismos, garantindo a sobrevivência de seus descendentes. Figura 77 – Gametófito folhoso/musgo. Fonte: sandrobiologo.blogspot.com/2008_05_01_archive... 122 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. em pé, seta e cápsula (Figura 78). O pé permanece ligado à planta-mãe, promovendo a absorção de substâncias nutritivas e de água. O esporângio terminal, ou cápsula, se encontra sustentado pela seta e possui um envoltório externo protetor. No seu interior, encontram-se os esporos originados por meiose, a partir do tecido esporógeno. Como dito, o esporófito é a fase passageira do ciclo reprodutivo das briófitas e é dependente do gametófito, pois as células do esporó- fito não realizam fotossíntese, necessitando, portanto, retirar seus nu- trientes do gametófito, que é autótrofo. As briófitas ocorrem principalmente em ambientes terrestres úmidos, mas algumas espécies desenvolveram adaptações que per- mitem a ocupação dos mais variados tipos de ambientes, que podem ser aquáticos, terrestres, muito quentes ou muito frios (regiões polares). Não existem registros de briófitas nos ambientes marinhos, embora al- gumas espécies possam habitar regiões costeiras. Além da reprodução gamética e espórica, as briófitas são capazes de se reproduzir vegetativamente por: l Fragmentação - desenvolvimento de fragmentos do talo em outro indivíduo; l Gemas ou propágulos - estruturas diferenciadas produzidas em conceptá- culos, que são capazes de produzir novos indivíduos. Em resumo, todas as briófitas possuem: l Clorofila a e b; l Amido como substância de reserva; l Parede celular de celulose; l Cutícula; l Esporófito parcial ou completamente dependente do gametófito; l Reprodução oogâmica; l Ciclo de vida heteromórfico, diplobionte; l Caulídio, filídio e rizoide; l Esporófito não ramificado, com um único esporângio terminal; l Gametângios e esporângios envolvidos por camada de células estéreis; l Fecundação em presença de água; l Gametas masculinos flagelados; l Estômatos ou poros; l Geração gametofítica dominante; l Duas gerações durante parte do ciclo de vida. Figura 78 – Aspecto geral de um musgo; gametófito e esporófito. Fonte: www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ reino-plan... 123Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas 3. Classificação das briófitas A maioria dos autores dividem as briófitas em três grupos principais. Alguns de- les consideram a existência de três classes (Hepaticae, Anthocerotae e Musci), enquanto outros sugerem a existência de três filos, organizados segundo as características filogenéticas observadas no Quadro 8. Quadro 8 RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DOS FILOS DE BRIÓFITAS FILO Hepatophyta Anthocerophyta Bryophyta Gametófitos Estrutura Talosos ou folhosos Talosos Folhosos Simetria Dorsiventral ou radial Dorsiventral Radial Rizóides Unicelulares Unicelulares Pluricelulares Cloroplastos por célula Vários Um Vários Protonema Reduzido Ausente Presente Anterídios e arquegônios Superficiais Imersos Superficiais Esporófitos Estrutura Pequeno e aclorofilado Grande e clorofilado Grande e clorofilado Crescimento Definido Contínuo Definido Seta Presente Ausente Presente Forma da cápsula Simples Alongada Diferenciada em opérculo e peristômio Maturação dos esporos Simultânea Gradual Simultânea Dispersão dos esporos Elatérios Pseudoelatérios Dentes do peristômio Columela Ausente Presente Presente Deiscência Longitudinal ou irregular Longitudinal Transversal Estômatos Ausente Presente Presente Fonte: Brito e Porto (2000). 3.1. Filo Hepatophyta As hepáticas são plantas características, encontradas em ambientes úmidos, cujos gametófitos podem ser folhosos ou talosos, constituindo um grupo de apro- ximadamente 6.000 espécies. Entre as hepáticas, estão incluídas as briófitas mais simples que conhecemos, e seus representantes podem possuir gametó- fito taloso, com simetria dorsiventral, havendo também representantes folhosos. 124 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. a) Hepáticas talosas São plantas organizadas em talos diferenciados em uma porção superior ou dorsal (fina e rica em clorofila) e outra inferior ou ventral (incolor e mais es- pessa) (Figura 79). Figura 79 – Seção transversal do gametófito de Marchantia sp., mostrando as cama- das superior e inferior, cloroplastos, escamas, rizoides, poros e câmaras aeríferas. Fonte: www.revistaciencias.com/publicaciones/EpZyFuF... Os gametófitos são responsáveis pela formação dos gametas, que po- dem se apresentar imersos no talo, como em Riccia e em Ricciocarpus, e, dessa forma os esporófitos resultantes da fecundação se desenvolverão den- tro do gametófito feminino (Figura 80 A e B). (A) (B) Figura 80 A - Corte de Ricciocarpus sp., mostrando seus esporófitos imersos; B – Ga- metófito de Ricciocarpus sp. Fonte: kentsimmons.uwinnipeg.ca/2152/lb7pg3.htm No caso de Marchantia sp., gênero bastante representativo entre as he- páticas talosas, os gametângios são produzidos em estruturas elevadas, de- nominadas gametóforos ou gametangióforos. Como resultado, os esporófitos são também elevados em relação ao gametófito (Figura 81). 125Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Figura 81 – Arquegonióforos44; Corte mostrando os arquegônios em Marchantia sp. Fonte: kentsimmons.uwinnipeg.ca/2152/lb7pg3.htm Os esporófitos das hepáticas talosas constituem-se em um pé, uma seta curta e uma cápsula (Figura 82). Quando maduro, o esporângio contém esporos em seu interior que dividem o espaço com elatérios, estruturas sensíveis a mudanças de umidade e res- ponsáveis pela dispersão desses esporos. Hepáticas são capazes de se reproduzir assexuadamente por fragmentação ou pela formação de gemas (Figura 83). Para que possamos compreender o processo reprodutivo característico das hepáticas, tomaremos, como exemplo, o ciclo de vida de Marchantia sp. Podemos começar a explicar o ciclo reprodutivo a partir da liberação de esporos originários do esporófito, os quais germinam e produzem gametófitos femininos e masculinos. Os gametófitos masculinos produzem anteridióforos45, que irão sustentar anterídios cheios de anterozoides flagelados. Já os gametófitos femininos produzirão arquegoni- óforos portadores de arquegônios em sua base, os quais têm, como função, proteger a oosfera. Quando gotas de água caem sobre os gametóforos, anterozoides são transportados até as estruturas femininas. Nesse momento, os anterozoides chegam aos canais do colo dos arquegônios e nadam até suas oosferas, promoven- do a fecundação, que irá resultar em um zigoto que sofre- rá mitoses sucessivas e formará um esporófito jovem. Esse esporófito irá amadurecer, sofrer meiose e produzir esporos que serão novamente liberados com a ajuda dos elatérios, reiniciando o ciclo desses vegetais (Figura 84). 44Arquegonióforos são ga- metóforos femininos relacio- nados aos gametas femini- nos (arquegônios). 45Anteridióforos são gametó- foros que produzem e sus- tentam gametas masculinos (anterídios). Figura 82 – Esporófito de Marchantia sp. Fonte: kentsimmons.uwinnipeg.ca/2152/lb7pg3.htm Figura 83 – Corte transversal do talo com con- ceptáculo e seus propágulos. Fonte: kentsimmons.uwinnipeg.ca/2152/lb7pg3.htm 126 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. Figura 84 – Ciclo reprodutivo de Marchantia sp. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7f/Marchantia_cyclus.png b) Hepáticas folhosas As hepáticas folhosas diferem das talosas, pois seus representantes apresen- tam arranjo corporal diferenciado (em filídios, caulídio e rizoide) se comparada aos observados nos musgos (Figura 85). Aqui também se observa a produção de um perianto, que é responsável pela proteção do arquegônio e do esporó- fito durante seu desenvolvimento. 127Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Figura 85 – Gametófito e esporófito de uma hepática folhosa: Chiloscyphus polyanthos. Fonte: chestofbooks.com/reference/Encyclopedia-Brita... 3.2. Filo Anthocerophyta Os antóceros fazem parte de um pequeno filo de aproximadamente 300 espé- cies, distribuídas em 4 gêneros, entre os quais Anthoceros é o mais represen- tativo e abundante no Brasil. O filo Anthocerophyta é representado por plantas talosas, fixas ao subs-trato por rizoides unicelulares. Nessas plantas, anterídios e arquegônios se encontram imersos no tecido vegetativo. São facilmente reconhecidos pela sua coloração verde-escuro e por sua forma de pequenas rosetas. Suas célu- las possuem apenas um cloroplasto e apresentam pirenoides. É também importante salientar a existência de cavidades cheias da mu- cilagem no gametófito, no qual sobrevivem cianobactérias do gênero Nostoc ou Anabaena, responsáveis pelos tons azulados, características de antóceros. Os esporófitos são muito particulares e se constituem em estruturas alongadas e clorofiladas, as quais são possuidoras de células meristemáticas em sua base (Figura 86) que são responsáveis pelo crescimento indefinido e pela liberação constante de esporos. Além disso, possuem, em seu interior, uma columela, ao redor da qual estão dispostos esporos em diversos estágios de desenvolvimento, associados a pseudoelatérios, que facilitam sua disper- são através da abertura de fendas longitudinais (Figura 87). 128 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. Figura 86 – Desenho de um antócero. Fonte: biodidac.bio.uottawa.ca/thumbnails/ filedet.ht... Figura 87 – Corte esquemático mos- trando a anatomia do esporófito de um antócero. Fonte: biodidac.bio.uottawa.ca/thumbnails/ catquery.h... 3.3. Filo Bryophyta Os representantes desse filo são gametófitos folhosos, normalmente eretos, fixos ao substrato por rizoides pluricelulares. Eles possuem vários cloroplastos por célula e desenvolvem protonema. Anterídios e arquegônios são superfi- ciais, localizados na porção terminal dos ramos, protegidos por filídios. Essas plantas variam em tamanho, algumas espécies podem ultrapassar 30 cm de comprimento, e podem habitar os mais diversos ambientes. Entre os musgos, o esporófito é bem visível, clorofilado, apresenta cápsu- la envolta por tecido multiestratificado, e, em seu interior, estão os esporos dis- postos ao redor de uma columela. A dispersão dos esporos acontece através da abertura do opérculo, auxiliada por movimentos higroscópicos do peristômio46. Aqui se encontram as briófitas popularmente conhecidas como mus- gos, que possuem características bem diferenciadas em relação às demais, com aproximadamente 14.000 espécies conhecidas, distribuídas em três classes principais: Sphagnidae, Andreaeidae e Bryidae. a) Sphagnidae Essa classe é representada principalmente pelo gênero Sphagnum, de mor- fologia e de anatomia bastante particulares, cujas espécies encontram-se dis- tribuídas por todo o planeta. Sphagnum é reconhecido por sua capacidade de absorção e de retenção de líquidos, sendo utilizado na horticultura pela propriedade de aumentar a acidez do solo, ou como biorremediadores. 46Peristômio é o conjunto de dentes dispostos ao redor da abertura da cápsula do esporófito, sensível a mudanças de umidade do ambiente e, por isso, responsáveis pela dispersão dos esporos. 129Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Os depósitos de Sphagnum47, conhecidos como turfeiras (Figura 88), são compostos por um material orgânico que é bastante utilizado como com- bustível, além de ser empregado na destilação do uísque escocês, para con- ferir seu aroma característico. Os gametófitos maduros não apresentam rizoides e têm coloração ver- de-clara, devido à presença de células mortas, capazes de armazenar água, em meio a células clorofiladas (Figura 89 e 90). Os esporófitos não possuem peristômio, sua seta é curta (pseudopódio) e o protonema é muito pequeno e simplificado, características bastante dife- rentes das observadas nos musgos verdadeiros (Figura 91). Figura 88 – Turfeira de Sphagnum - Ilha das Flo- res, Açores. Fonte: www.ambienteinsular.uac.pt/artigos1.htm Figura 89 – Imagem do gametófito de Sphagnum sp. Fonte: www.botany.ubc.ca/.../index.htm Figura 90 – Anatomia do filídio, com as células vivas verdes em meio a células mortas. Fonte: www1.fccj.org/dbyres/plants.htm Figura 91 – Esporófito de Sphagnum sp. Fonte: www.botany.ubc.ca/.../Sphagnum_sporophyte.html 47Devido a sua elevada capacidade de absorção, Sphagnum pode ser utilizado como biorremediador em derramamentos de petróleo. 130 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. b) Andreaeidae Compreende plantas de coloração marrom, verde escura ou avermelhada, que ocorrem sobre rochas graníticas, que, por esse motivo, são conhecidas como musgos-de-granito. Seus gametófitos também não possuem rizoides, e o protonema é pouco comum (Figura 92). Os esporófitos (Figura 93) possuem cápsulas com fendas transversais, que, ao secar, liberam os esporos por grandes distâncias, mecanismo não observado em nenhum outro musgo. Figura 92 – Imagem de Andreaea rothii, espécie de musgo de granito. Fonte: www.una.edu/faculty/pgdavison/Andreaeidae.htm Figura 93 – Esporófito de Andre- aeidae com suas fendas abertas para liberação de esporos. Fonte: www.botany.ubc.ca/bryophyte/LAB6b.htm c). Bryidae As plantas consideradas nessa classe são conhecidas como musgos verdadeiros (Figura 94) e se constituem em gametófitos folhosos eretos ou pendentes, os quais se de- senvolvem a partir de protonemas característicos. O tamanho dos indivíduos pode variar bastante, mas todos apresentam rizoides pluricelulares, filídios e caulídio, que, muitas vezes, pode apresentar certo grau de espe- cialização, revelado pela presença de células conhecidas como hidroides e leptoides, que promovem a condução de água e de substâncias orgânicas, respectivamente. Figura 94 – Morfologia típica de um musgo ver- dadeiro representada pela espécie Polytrichum formosum. Fonte: www.meemelink.com/prints%20pages/prints.musci.htm 131Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Reprodução A reprodução se dá por meio da alternância de gerações (Figura 95), da se- guinte maneira: 1. Os esporos são liberados de uma cápsula que se abre quando o opérculo cai e germinam uma estrutura filamentosa verde, o protonema; 2. O protonema desenvolve gemas que originam novos gametófitos folhosos; 3. Nos ramos dos gametófitos masculinos, são produzidos anterídios; en- quanto nas plantas femininas, desenvolvem-se arquegônios; 4. Quando gotas de água atingem os ramos sexualmente maduros, antero- zoides são transferidos aos ramos femininos e nadam até a oosfera para que aconteça a fecundação; 5. O zigoto produzido se desenvolve e se transforma em um esporófito, com- posto por cápsula, seta e pé, dependente nutricionalmente da planta mãe; 6. O esporófito produz esporos por meiose, que após liberados, germinam novos protonemas. Figura 95 – Ciclo de vida de um musgo verdadeiro. Fonte:http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/File/imagens/5biologia/1ciclobrio.jpg Síntese da Capítulo As plantas terrestres parecem ser derivadas de algas verdes ancestrais devi- do a uma série de características morfológicas e bioquímicas compartilhadas entre esses dois grupos. Na verdade, acredita-se que as primeiras plantas ter- 132 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. restres devem ter sido muito semelhantes às briófitas que habitam atualmente o nosso planeta, porém o registro fóssil é muito escasso para esses vegetais que não possuem lignina em sua constituição. As briófitas são pequenas e não possuem sistema condutor como o que ocorre em plantas vasculares, e, além disso, a fase dominante do ciclo repro- dutivo é a gametofítica. Essas características fazem com que essas plantas sejam únicas entre as demais. Diferentemente do que se observa nas algas, briófitas produzem estruturas reprodutivas que protegem seus gametas, denominadas anterídios e arquegô- nios. Seus embriões realizam sua nutrição a partir da planta-mãe, e seus esporos são revestidos por uma substância resistente denominada esporopolenina. Entre as briófitas, distinguem-se três grupos. As plantas mais simples de todas estão inseridas no filo Hepatophyta. O filo Antocerophytaé o menor em número de espécies, e o filo Bryophyta compreende o maior número de representantes, entre os quais se encontram os musgos verdadeiros. As briófitas encontram-se geograficamente bem distribuídas e apresen- tam importância ecológica relacionada aos depósitos de turfa que ocorrem em várias regiões do planeta. Atividades de avaliação 1. Enumere as características compartilhadas entre briófitas e: l Algas verdes l Plantas vasculares 2. Se alguém lhe perguntasse como identificar uma briófita, qual seria sua resposta técnica? 3. Através da listagem das características morfológicas principais, diferencie: l Hepáticas talosas e antóceros l Hepáticas folhosas e musgos 4. Esquematize o ciclo reprodutivo de hepáticas, antóceros e musgos. Ago- ra, identifique as semelhanças existentes e liste as particularidades dos ciclos de vida de cada grupo. 5. Qual a relação existente entre os antóceros e o gênero Nostoc sp.? 6. Elabore uma tabela que contenha as principais características das Clas- ses Sphagnidae, Andreaeidae e Bryidae. 133Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas 7. Existem turfas nas regiões tropicais? Em caso afirmativo, realize uma pes- quisa e liste algumas turfeiras existentes no mundo. Feito isso, discorra acerca da sua importância ecológica. 8. Se os musgos verdadeiros, pertencentes à Classe Bryidae, possuem célu- las especializadas na condução de água e de substâncias orgânicas, por que são considerados vegetais avasculares? 9. “Os musgos compreendem somente plantas eretas, não existindo formas epífitas.” Essa afirmativa é verdadeira ou falsa? Justifique sua resposta. 10. Construa um minidicionário definindo os termos abaixo: l Elatério l Perístoma l Protonema l Conceptáculo l Matrotrofia l Placenta l Esporopolenina l Arquegônios l Anteridióforos 11. Pesquise um artigo científico sobre a utilização das briófitas como bio- indicadores. Após realizar a leitura do texto escolhido, faça uma análise crítica, anotando os pontos fracos e fortes identificados. 12. Associe as colunas a seguir relacionando hepáticas, musgos e antóceros às briófitas às suas características particulares: BRIÓFITAS CARACTERÍSTICAS ( 1 ) Hepáticas ( 2 ) Antóceros ( 3 ) Musgos ( ) Apresentam gametófitos folhosos e talosos ( ) Somente gametófitos folhosos ( ) Presença de conceptáculos ( ) Somente gametófitos talosos ( ) Esporófitos não possuem estômatos ( ) Filo mais representativo das briófitas ( ) Engloba o gênero Polytrichum ( ) Podem estabelecer relações de simbiose com cianobactérias do gênero Nostoc. 134 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. Texto complementar Texto 1: Como é a fabricação de whisky O whisky é produzido em 4 etapas: maltagem, mahing, fermentação e destilação. Dizem os especialistas em bebidas que o bom whisky não dá dor de cabeça, aquela dorzinha no outro dia que chamam de ressaca. A boa bebida é feita seguindo rigo- rosamente os padrões de qualidade e as etapas pré-estabelecidas, usando a melhor matéria-prima. Na produção do whisky escocês, quando feito a partir da cevada maltada, as suas sementes são germinadas para que as enzimas possam preparar o amido presente para a sua conversão em açúcar. Depois, as sementes são enxutas para que a germi- nação se interrompa. Antes da germinação, a cevada é misturada e peneirada para re- mover os corpos estranhos. Posteriormente, é submersa em tanques especiais duran- te dois ou três dias e espalhada numa ampla área para que se dê início à germinação. Esta demora varia de 8 a 12 dias, dependendo da região, e pode ser interrompi- da quando as sementes germinadas alcançam o tamanho de uma polegada. O mal- te verde é posteriormente seco em estufas ou com fornos aquecidos com turfa (os chamados kilns) de forma célere. A qualidade e as características do whisky escocês dependem da turfa utilizada, uma vez que ela concede ao whisky um sabor especial. A história completa e os modelos de alambiques estão no site Copper-alembic.com. Fonte: www.arteblog.net/.../como-e-a-fabricacao-de-whisky/ Texto 2: Descongelamento da turfa Ártica aumenta a emissão de óxido nitroso, N2O O óxido nitroso, N2O, conhecido como gás do riso e utilizado, em alguns países, como anestésico, é um poderoso gás com efeito estufa. O descongelamento do Ártico está aumentando a sua emissão. Até recentemente, a maior parte das emissões de N2O era originada das flores- tas tropicais e da agricultura intensiva, mas a sua quantidade atmosférica não era suficiente para agregar valor ao aquecimento global. Mas isto pode estar mudando. Pesquisadores da University of Kuopio, Finlândia, mediram a sua emissão a partir da turfa na Rússia. Estes solos ocupam 20% de toda área do Ártico e já eram considera- dos sensíveis para o aquecimento global, pelo seu potencial de emissão de metano. De acordo com a pesquisa “Large N2O emissions from cryoturbated peat soil in tundra”, publicada na revista Nature Geoscience, durante o período sem neve, foi identificado que a emissão da turfa foi de 1.2 gramas/m2 de N2O, equivalente à emis- são por m2 das florestas tropicais em um ano. O N2O é pouco representativo entre os gases estufa, comparado com o CO2 e com o metano, mas é muito mais persistente. Em termos de potencial de aquecimento, o metano, um gás estufa 20 vezes mais potente que o CO2, persiste na atmosfera por 10 anos, enquanto que o óxido nitroso persiste por 110 anos. Em termos comparativos de potencial de aquecimento, o óxido nitroso é um gás estufa 310 vezes mais potente que o CO2. O aquecimento global, que está degelando o permafrost e, com isto, aumentando a emissão de metano, também está aumentando a emissão de N2O, pelo desconge- lamento da turfa. 135Morfologia e Taxonomia de Cripitógamas Estes são perigosos indicativos do que os cientistas chamam de “processo de reali- mentação do aquecimento”. Isto é, o aquecimento está contribuindo para que surjam novos fatores de emissão de estoques de gases estufa, que, por sua vez, aceleram o aquecimento global. Pesquisa anterior já havia destacado o risco do descongelamen- to das turfeiras árticas. Fonte: www.ecodebate.com.br/.../descongelamento-da-turfa-artica-aumenta-a-emissao-de-oxido- nitroso-n2o/ Texto 3: Até turfa brasileira interessa aos estrangeiros Em nota publicada no blog Mundo Agro da Exame, Fabiane Stefano comenta o in- teresse de investidores estrangeiros pela nossa turfa. Confesso que nem sabia que existia turfa no Brasil, apenas em países frios. Segue, abaixo, a nota completa: Fome de turfa O apetite dos fundos estrangeiros pelo agronegócio brasileiro parece não ter limites. Não são apenas as usinas de cana-de-açúcar que chamam a atenção dos investidores de fora do país. Essa turma de endinheirados está à procura de empreendimentos em infraestrutura, serviços e tecnologia para o setor agro. Recentemente, conversei com o consultor em agronegócios Marcos Françóia, que me contou sobre o interesse de um fundo estrangeiro em investir um dinheirão em um negócio com turfa. �Turfa? Não seria trufa de chocolate?�– pensei. Não! Descobri que a turfa é um composto vegetal, rico em ácidos orgânicos. Na natureza, a turfa é uma espécie de solo fossilizado que, em última instância, transformar-se-ia em petróleo daqui a 10 milhões de anos. Na agricultura, o composto orgânico é usado como condicionador de solo, produto que aumenta a eficiência da aplicação de fertilizantes e de defensivos. Consequentemente, ele gera uma economia de cerca de 15% com insumos agríco- las, além de vantagens ambientais, como a ausência de resíduos no solo. Ainda pouco conhecido no Brasil (na Europa é bem mais comum), o produto tem despertado a co- biça dos investidores por dois motivos: as altas margens de lucros das empresas que processam a turfa e as grandes reservas brasileiras do composto, que ficam principal- mente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Já há investidores, por exem- plo, interessados em comprarterras que tenham turfa no subsolo. Parece promissor... Fonte: agribizz.blogspot.com/.../at-turfa-brasileira-interessa-aos.html @ http://www.unisanta.br/briofitas/capa.htm http://www.perspective.com/nature/plantae/bryophytes.html http://www.briolat.org/briofitas/index.htm http://www.biomania.com.br/bio/conteudo.asp?cod=1250 136 MEDEIROS, J. B. L. P., MENDES, M. R. S, BRITO, LUCENA. E. M .P. CHAVES, B. E. Referências BALBACH, M.; BLISS, L. C. 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