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ANA CLARA GUIMARÃES VENTURI – MED UFR – T4 - INTERNATO Síndrome da Abstinência Alcoólica Introdução ▪ É o conjunto de sinais e sintomas específicos causados pela suspensão abrupta do consumo de álcool em pacientes usuários crônicos. ▪ Transtornos relacionados ao consumo de álcool consistem na repetição de problemas decorrentes do uso do álcool que levam a prejuízos e/ou sofrimento clinicamente significativo, cuja gravidade varia de acordo com o número de sintomas Epidemiologia ▪ Álcool é responsável por cerca de 3,8% das mortes no mundo, aproximando de 6% no Brasil (48% das mortes por cirrose). ▪ Segundo dados da OMS, 5,5% dos brasileiros apresentam problemas relacionados ao álcool ▪ Mais comum em homens (8% entre os homens e 3,1% entre as mulheres). ▪ Álcool é responsável por: ✓ 50 a 85% dos homicídios. ✓ 60% das agressões sexuais. ✓ 57% das agressões familiares. ✓ 64% dos incêndios e queimaduras. ✓ 30 a 50% das mortes no trânsito. ✓ 39% das ocorrências policiais. ✓ 20 a 30% dos suicídios. Fisiopatologia ▪ A ingestão aguda de álcool leva inicialmente a uma liberação de opioides endógenos, causando euforia e reforço para o uso contínuo, seguido por uma ativação dos receptores inibitórios GABA tipo A (que causam efeitos sedativos e ansiolíticos, alteração da coordenação) e inibição dos receptores excitatórios glutamato tipo NMDA (N-metil D-aspartato) (causando sedação, intoxicação e distúrbios cognitivos). ▪ Com o uso crônico do álcool, ocorrem alterações no número e na função dos receptores, como uma resposta compensatória aos efeitos depressores do álcool. Assim, há uma diminuição (“down- regulation”) dos receptores GABA tipo A e um aumento (“up-regulation”) dos receptores glutamato tipo NMDA ▪ A origem dos sintomas e sinais presentes nos indivíduos com síndrome de abstinência pode ser traçada aos elevados níveis de liberação de neurotransmissores excitatórios, noradrenalina e dopamina (como evidenciado pelo aumento de catecolaminas detectado nesses pacientes), bem como à hiperatividade de receptores NMDA, identificada como responsável pela liberação aumentada de noradrenalina. ▪ Outro efeito da retirada do álcool é o aumento do hormônio hipotalâmico liberador de cortisol (CRF) com aumento secundário de cortisol e outros hormônios adrenais. ▪ A interrupção abrupta ou diminuição significativa do uso de álcool desencadeia a síndrome de hiperexcitabilidade que caracteriza a síndrome de abstinência alcoólica. ▪ Pacientes que entram em SAA com frequência apresentam outras condições associadas, responsáveis pela interrupção do seu consumo habitual de álcool, como: trauma craniano, quadros infecciosos, gastrointestinais ou cardiovasculares, entre outras. Além disso, o uso abusivo de álcool pode estar associado a outras complicações como hepatite alcoólica, pancreatite aguda e encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. Fatores de risco 1. Uso sustentado de álcool 2. História prévia de delirium tremens ou de internação prévia por síndrome de abstinência 3. Idade maior que 30 anos 4. Presença de doença precipitante 5. Alcoolemia elevada (raramente disponível no Brasil) 6. Tempo de última dose de álcool maior que 2 dias 7. Escore CIW-A > 15 na admissão 8. Uso prévio de benzodiazepínico 9. Sexo masculino Clínica ANA CLARA GUIMARÃES VENTURI – MED UFR – T4 - INTERNATO ▪ GRAU I: Sintomas leves como tremores, irritabilidade, ansiedade, inquietação e insônia. ➔ Acontece aproximadamente após 8 horas da última dose da bebida (dorme com a garrafa de pinga do lado). ▪ GRAU II: Grau I + Alucinações (animais asquerosos, aranhas, cobras que sobem nas pernas ou pela parede) ▪ GRAU III: Grau II + Convulsões (tônico clônicas generalizadas) ▪ GRAU IV (Delirium tremens): Quadro confusional agudo e flutuante, desorientação têmporo-espacial, prejuízo da memória de fixação, desagregação do pensamento, alucinações. É a manifestação mais grave da síndrome de abstinência alcoólica, que pode ocorrer dentro de 48 a 96 horas após a última ingesta de álcool e dura na maioria dos casos 3 dias, mas pode persistir por até 14 dias. Suas manifestações incluem: - Desorientação e confusão mental importantes. - Extrema agitação com necessidade na maioria dos casos de restrição mecânica. - Tremores grosseiros. - Instabilidade autonômica, com taquicardia importante, aumento de pressão arterial (PA) e alterações hidroeletrolíticas. - Ideação paranoide. - Acentuada resposta a estímulos externos. - Alucinações usualmente visuais, mas podem ocorrer outros tipos de alucinações, incluindo até mesmo as auditivas. Diagnóstico ▪ Diagnóstico clínico! ▪ Para o diagnóstico da síndrome são necessários história de interrupção da ingestão de álcool ou redução do consumo de álcool e pelo menos mais dois sintomas (que causem prejuízo funcional, social ou laboral), incluindo: 1. Hiperatividade autonômica (evidenciada por taquicardia com frequência cardíaca [FC] > 100 bpm ou sudorese; hipertensão pode ocorrer, mas não é critério). 2. Tremores de mão. 3. Insônia. 4. Náuseas e vômitos. 5. Alucinações visuais, táteis ou auditivas. 6. Ansiedade. 7. Agitação. 8. Crises convulsivas (tônico-clônicas generalizadas). ▪ O aparecimento dos sintomas ocorre usualmente após 6 a 24 horas da última ingesta de álcool. ▪ Outros sintomas considerados menores em pacientes com síndrome de abstinência alcoólica incluem tremores, ansiedade, cefaleia, anorexia e palpitações. Podem ainda ocorrer sintomas gastrointestinais como náuseas e vômitos, anorexia e dispepsia que ocorrem por retardo do esvaziamento gástrico associado a aumento da atividade autonômica, além de aumento de temperatura. ▪ Deve-se avaliar se existe presença de outras condições associadas, incluindo a encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. ANA CLARA GUIMARÃES VENTURI – MED UFR – T4 - INTERNATO Exames Complementares 1. Hemograma. 2. Glicemia. 3. Ureia, creatinina, sódio, potássio, magnésio, cálcio. 4. Enzimas hepáticas. 5. Tempo de protrombina. 6. Amilase e lipase. 7. Eletrocardiograma. 8. Radiografia de tórax. 9. Urina tipo 1. 10. Dosagem da concentração sérica de álcool (pouco disponível e raramente necessária). 11. Gasometria arterial (em casos moderados a graves). 12. Creatinofosfoquinase (CPK) (em casos moderados a graves). 13. Tomografia computadorizada de crânio (se história de trauma cranioencefálico (TCE), déficit neurológico focal no exame físico ou primeiro episódio convulsivo). 14. Culturas (conforme indicação clínica se suspeita de infecção associada). Diagnósticos diferenciais ▪ Delirium (precipitado por infecções e alterações metabólicas) ▪ Quadros psiquiátricos (alucinações) ▪ Intoxicação por outras substâncias ▪ Hipoglicemia (alteração do nível de consciência) ▪ Epilepsia (convulsões) ▪ Encefalopatia de Wernicke-Korsakoff (pode estar associada a abstinência ou não) Complicações CRISES EPILÉPTICAS ▪ Tônico-clônica generalizadas ▪ Pico: primeiras 24hrs ▪ Pode ser secundária a outras questões (desnutrição, hipoglicemia, infecção) ▪ Atentar para epilepsia primária DELIRIUM TREMENS ▪ Quadro confusional agudo de natureza orgânica ▪ 1/3 dos pacientes evolui para DT ▪ Grave: mortalidade de 20% ▪ 5% tem convulsões ▪ Flutuante ▪ Pico: 1 a 4 dias ▪ Sintomas: Confusão, alteração de nível de consciência, alucinações e sintomas autonômicos. ▪ Prevenção: Tratamento precoce SÍNDROME DE WERNICKE-KORSAKOFF ▪ Deficiência de Tiamina ▪ Muito subdiagnosticado ▪ Encefaloptia de Wernicke: Oftalmoplegia, Ataxia e Confusão mental. ▪ Síndrome de Korsakoff: Amnésia retrógrada e anterógrada e desorientação Avaliação ▪ A monitorização próxima e repetida desses pacientes é necessária e o uso de escalas objetivas podeauxiliar o tratamento. ▪ Escala mais utilizada: CIWA-Ar (Revised Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol scale), desenvolvida para avaliar e monitorar a terapêutica dirigida por sintomas nesses pacientes. ANA CLARA GUIMARÃES VENTURI – MED UFR – T4 - INTERNATO ANA CLARA GUIMARÃES VENTURI – MED UFR – T4 - INTERNATO Tratamento 1. Alocar paciente em local tranquilo e com pouco barulho + Orientação constante pela equipe 2. Contenção mecânica/física (sempre fazer antes da contenção química devido ao risco para o profissional de saúde) 3. Observação clínica: Colher eletrólitos (Na, Mg), monitorização sinais vitais (de 1/1h) ➔ Complicações comuns: Hipoglicemia, Desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos. 4. Hidratação vigorosa: 1-2L/dia de SF (necessidade pode chegar até 5L/dia) 5. Tiamina (Vit.B1): 100-200 mg IM 1 a 2 vezes ao dia OU 100 a 300 mg oral ao dia ✓ Usada para evitar a Sínd. De Wernick Korsacoff (amnésia anterógrada, distúrbio mental, marcha atáxica e nistagmo) ✓ Álcool e glicose depletam tiamina, por isso ela deve ser administrada pelo menos 30min antes do soro glicosado ou alimentação VO. ✓ Porcentagem de tiamina no complexo B é muito baixa. ✓ Mg é um cofator para a absorção de tiamina (checar hipomagnesemia) ✓ Se hipomagnesemia: reposição de 1 a 2 g diluídos em 100 mL de salina fisiológica ✓ Reposição de ácido fólico? 6. Solicitar exames: HMG, Ureia, creatinina, eletrólitos, TGO, TGP, GamaGT, fosfatase alcalina, Bilirrubina total e frações, Glicose, triagem infecciosa (PCR, VHS, sorologias), Glicose. 7. Encaminhar ao serviço de Psiquiatria: Paciente que possui dependência. Indicar terapia ou CAPS-AD, grupos de mútua ajuda (AA). Medicações: Naltrexona, Dissufiram, Acamprosato, Topiramato? ▪ O esteio do tratamento são os benzodiazepínicos. ✓ Diazepam 10mg VO de hora em hora ✓ Se hepatopatas: Lorazepam 2mg ✓ Intramuscular: Midazolam ✓ Terapia guiada por sintoma: Reavaliar a cada hora e administrar um Diazepam até melhora clínica/Leve sedação OU CIWA-Ar < 8. Fazer isso nas primeiras 24hrs. Soma a quantidade e deixa 50% dela em dose fixa posteriormente. ✓ Diazepam não tem dose máxima (bula traz entre 100-120mg), pois depende da quantidade de álcool ingerido. ▪ Único caso da agitação psicomotora que não entra com Haloperidol, pois essa medicação diminui o limiar convulsivo. ✓ INTOXICAÇÃO por álcool ou cocaína = Haloperidol ✓ ABSTINÊNCIA de álcool = Diazepam ABSTINÊNCIA LEVE A MODERADA: ✓ Diazepam 5 a 10 mg via oral a cada 6/6 ou 8/8 h, com ajustes após as primeiras doses. ▪ Benzodiazepínico pode ser prescrito por poucos dias; ▪ As doses são rapidamente diminuídas (5 mg ao dia) nos próximos dias até descontinuação. ABSTINÊNCIA GRAVE (MAIS DE 20 PONTOS NA CLASSIFICAÇÃO CIAW-AR) ✓ Diazepam de 5 a 10 mg/hora IV lentamente ✓ Lorazepam 1-4mg/hora IM ▪ Benzodiazepínico via parenteral ▪ Dependendo da resposta, pode-se repetir várias vezes, a cada 15/15 minutos ou 30/30 minutos. O objetivo é deixar o paciente calmo, evitando deixá-lo rebaixado (aumenta o risco de complicações e aspiração). ▪ Alguns autores recomendam o uso de uma dose inicial maior de benzodizepínico, como 20 mg de diazepam, e repetir a cada 2 horas. Esse esquema diminuiria o risco de convulsões, DELIRIUM TREMENS ✓ Diazepam de 5 a 10 mg/hora IV lentamente ✓ Midazolam EV contínuo 5 mg em bolus e depois 2 mg/hora com adequação da dose. ▪ É necessária nesses casos a monitorização respiratória intensiva ▪ Os neurolépticos, apesar de diminuírem o limiar convulsivo, podem ser usados em associação com os benzodiazepínicos em pacientes extremamente agitados e com muitas alucinações, especialmente após as primeiras 24 a 48 horas da abstinência, quando diminuem as chances de convulsão. A olanzapina em dose inicial de 10 mg ou o haloperidol em doses de 5 mg IM são opções, e as fenotiazidas devem ser evitadas INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO: ▪ Pacientes com SAA com escore CIWA > 20 pontos ▪ Pontuação entre 16 e 20 pontos com indicação de internação hospitalar individualizada. ▪ Delirium tremens (UTI) ANA CLARA GUIMARÃES VENTURI – MED UFR – T4 - INTERNATO
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