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Indaial – 2020 Semiótica e PercePção ViSual Prof. Jorge Elias Dolzan 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. Jorge Elias Dolzan Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: D665s Dolzan, Jorge Elias Semiótica e percepção visual. / Jorge Elias Dolzan. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 217 p.; il. ISBN 978-65-5663-289-6 ISBN Digital 978-65-5663-284-1 1. Semiótica. - Brasil. 2. Percepção visual. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 745.2 aPreSentação Para iniciar o estudo relacionado à disciplina de Semiótica e à Percepção Visual é necessária uma breve contextualização destas duas temáticas, tão pertinentes à formação de profissionais ligados às áreas de projeto, planejamento e criação. A noção de que processos criativos resultem em produtos/serviços para o mercado, que precisa perceber estes produtos não apenas como necessários utilitariamente, mas como carregados de significados e sentidos, pode contribuir para demonstrar a importância da semiótica e da percepção visual na formação de profissionais ligados às áreas de projeto de produto (seja ele gráfico, industrial, moda, interiores, arquitetura, entre outros). Afinal de contas é preciso ter um vasto repertório visual para dar forma às ideias que serão geradas nos processos criativos de projeto. Ainda, é preciso entender que existe uma teoria que dá conta dos processos de significação e da linguagem visual, na qual temos pouca formação em nossa passagem escolar – há um peso considerável no letramento, mas poucas são as metodologias de ensino escolar que dão ênfase à linguagem visual. E quando optamos por áreas profissionais ligadas ao projeto – e aqui entram a arte (em todos os seus manifestos); a arquitetura; o design; entre outras; carecemos de tal formação. Em paralelo à importância do “letramento” visual – da capacidade de ler e produzir formas e elementos visuais; somos cobrados profissionalmente pela capacidade de entregar conceitos – dar e entender os significados por trás dos textos visuais, ou seja, de que nossos produtos possam se vender por si só, que o resultado de nosso trabalho seja entendido pelo nosso cliente. Além de que precisamos, de certa forma, buscar muitos destes conceitos nos contextos em que está inserido o público-alvo dos nossos projetos. De certa forma, além de ter o “letramento” visual precisamos saber o que vamos “escrever” visualmente. E aí entra a semiótica, como uma ciência que dá conta, sob certa perspectiva, desta leitura de mundo e de como podemos produzir para que este mesmo mundo compreenda. Cada vez mais nos vemos inseridos em uma sociedade onde as relações sociais estão pautadas na imagem e na capacidade de comunicação que o mundo visual (e audiovisual) proporciona. Dentro disso, a percepção visual se torna impactante, à medida que o entendimento de como percebemos e compomos o mundo à nossa volta vem se tornando ferramenta diferenciadora para o sucesso pessoal e profissional. Em outra perspectiva, mas referente ao mesmo objeto, vemos que a capacidade de interpretar coerentemente os elementos de comunicação e a inteligência de darmos sentido ao que queremos comunicar, tem base operacional na Semiótica – que de forma introdutória pode ser entendida como a “ciência que estuda os signos”. A junção destas duas áreas (Semiótica e Percepção Visual) tem coerência, mas nos coloca num cenário complexo e denso em abordagens a ser trabalhada em uma disciplina. Desta forma, além de fazer um recorte dos teóricos, vamos, num primeiro momento, dividir as duas temáticas, tratando da semiótica e depois da percepção visual, para então ao final unir as duas, dando conta do objetivo geral da disciplina: desenvolver a capacidade de análise e crítica a partir da noção de percepção visual com base na semiótica. O livro didático está estruturado em três unidades, com a pretensão de discutir os temas: a semiótica, a percepção visual e a semiótica e a percepção visual nos processos de design. Na Unidade 1, estudaremos a semiótica. Serão tratados os conceitos introdutórios de semiologia e semiótica. E, de forma específica, serão trabalhadas definições sobre a semiologia e o plano de expressão e plano de conteúdo; e sobre a semiótica e a tricotomia do signo: ícone, índice e símbolo. Na Unidade 2, estudaremos a percepção visual. Abordaremos a percepção visual e aprofundamentos nas leis da organização da forma: Gestalt; e nos princípios, técnicas e elementos básicos da composição. Na Unidade 3, estudaremos a semiótica e a percepção visual nos processos de design; com análise de casos que permitam a aplicabilidade da semiótica na percepção visual, identificando as categorias de conteúdo nos formantes da macroestrutura dos textos não verbais. Estas unidades dão conta de suportar a disciplina Semiótica e Percepção Visual que tem como objetivo geral o desenvolvimento da capacidade do discente de analisar e criticar projetos de design, a partir da noção de percepção visual com base na semiótica. Contextualizando estas duas áreas, esta apresentação permite que sejam observados que a disciplina pretende proporcionar aos alunos a instrumentalização necessária ao desenvolvimento de exercícios teóricos e práticos relacionados à semiótica e à percepção visual; promover o entendimento da semiótica como ciência base para o desenvolvimento de projeto de design; sensibilizar e instrumentalizar o discente para o uso, intencional, de elementos da linguagem visual; e potencializar a capacidade analítica e crítica do discente com base em fundamentos que suportem seus posicionamentos profissionais. Ciente de que alcançar estes objetivos está relacionado diretamente com o comprometimento de todos os envolvidos, desejamos bons estudos e sucesso! Prof. Jorge Elias Dolzan Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntosnesta caminhada! LEMBRETE Sumário UNIDADE 1 — SEMIÓTICA ............................................................................................................... 1 TÓPICO 1 — EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO ....................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO .............................................................. 3 RESUMO DO TÓPICO 1....................................................................................................................... 8 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 9 TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA ................. 11 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 11 2 BASES INICIAIS DE SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA ................................................................ 11 3 SEMIOLOGIA .................................................................................................................................... 15 4 SEMIÓTICA ........................................................................................................................................ 19 4.1 A PRIMEIRIDADE ........................................................................................................................ 21 4.2 A SECUNDIDADE ....................................................................................................................... 22 4.3 A TERCEIRIDADE........................................................................................................................ 22 5 CATEGORIAS DO SIGNO ............................................................................................................. 23 6 TRICOTOMIA DO SIGNO ............................................................................................................. 24 6.1 REPRESENTÂMEN ...................................................................................................................... 25 6.2 INTERPRETANTE ........................................................................................................................ 31 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 40 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 41 TÓPICO 3 — A SEMIOLOGIA E A SEMIÓTICA ......................................................................... 43 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 43 2 A SEMIOLOGIA E O PLANO DE EXPRESSÃO E PLANO DE CONTEÚDO ...................... 43 3 A SEMIÓTICA E A TRICOTOMIA DO SIGNO: ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO ................ 47 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 52 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 55 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 56 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 63 UNIDADE 2 — PERCEPÇÃO VISUAL ............................................................................................ 65 TÓPICO 1 — PERCEPÇÃO VISUAL – FISIOLOGIA E PSICOLOGIA DA VISÃO .................... 67 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 67 2 PERCEPÇÃO VISUAL – FISIOLOGIA E PSICOLOGIA DA VISÃO .................................... 68 3 FISIOLOGIA E PSICOLOGIA DA VISÃO .................................................................................. 72 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 79 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 80 TÓPICO 2 — AS LEIS DA ORGANIZAÇÃO DA FORMA: GESTALT ..................................... 83 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 83 2 AS LEIS DA GESTALT ...................................................................................................................... 83 3 PRINCÍPIOS DA COMPOSIÇÃO DA GESTALT ....................................................................... 88 3.1 UNIDADE ...................................................................................................................................... 88 3.2 SEGREGAÇÃO ............................................................................................................................. 89 3.3 PROXIMIDADE ............................................................................................................................ 90 3.4 SEMELHANÇA............................................................................................................................. 90 3.5 UNIFICAÇÃO ............................................................................................................................... 91 3.6 FECHAMENTO ............................................................................................................................ 92 3.7 CONTINUIDADE ......................................................................................................................... 93 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 94 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 95 TÓPICO 3 — PRINCÍPIOS, TÉCNICAS E ELEMENTOS BÁSICOS DA COMPOSIÇÃO ...... 101 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 101 2 OUTROS PRINCÍPIOS E TÉCNICAS ......................................................................................... 101 2.1 HARMONIA ................................................................................................................................ 101 2.2 CONTRASTE ............................................................................................................................... 102 2.3 EQUILÍBRIO ................................................................................................................................ 105 2.4 EQUILÍBRIO E INSTABILIDADE ............................................................................................ 108 2.5 REGULARIDADE E IRREGULARIDADE .............................................................................. 108 2.6 SIMPLICIDADE E COMPLEXIDADE ..................................................................................... 109 2.7 UNIDADE E FRAGMENTAÇÃO ............................................................................................ 109 2.8 ECONOMIA E PROFUSÃO ...................................................................................................... 110 2.9 MINIMIZAÇÃO E EXAGERO .................................................................................................. 111 2.10 PREVISIBILIDADE E ESPONTANEIDADE ......................................................................... 111 2.11 ATIVIDADE E ESTASE............................................................................................................ 112 2.12 SUTILEZA E OUSADIA .......................................................................................................... 112 2.13 NEUTRALIDADE E ÊNFASE ................................................................................................. 113 2.14 TRANSPARÊNCIA E OPACIDADE ...................................................................................... 113 2.15 ESTABILIDADE E VARIAÇÃO .............................................................................................. 114 2.16 EXATIDÃO E DISTORÇÃO .................................................................................................... 114 2.17 PLANURA E PROFUNDIDADE ............................................................................................ 115 2.18 SINGULARIDADE E JUSTAPOSIÇÃO ................................................................................. 115 2.19 SEQUENCIALIDADE E ACASO ........................................................................................... 116 2.20 AGUDEZA E DIFUSÃO .......................................................................................................... 116 2.21 REPETIÇÃO E EPISODICIDADE .......................................................................................... 117 3 ELEMENTOS VISUAIS .................................................................................................................. 118 3.1 O PONTO ..................................................................................................................................... 118 3.2 A LINHA ...................................................................................................................................... 120 3.3 A FORMA..................................................................................................................................... 121 3.4 A DIREÇÃO ................................................................................................................................. 122 3.5 O MOVIMENTO ......................................................................................................................... 123 3.6 A ESCALA ................................................................................................................................... 124 3.7 A DIMENSÃO ............................................................................................................................. 126 3.8 A TEXTURA ................................................................................................................................. 127 3.9 O TOM .......................................................................................................................................... 128 3.10 A COR ......................................................................................................................................... 129 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 132 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 138 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 139 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 143 UNIDADE 3 — SEMIÓTICA E PERCEPÇÃO VISUAL ............................................................. 145 TÓPICO 1 — A PERCEPÇÃO VISUAL E OS PRINCÍPIOS DE ESTILO ................................ 147 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 147 2 PRINCÍPIOS E HABILIDADES DE ESTILO ............................................................................. 148 3 OS DOIS ESTÁGIOS DO PROCESSAMENTO VISUAL ....................................................... 148 4 A PRIMEIRA PERCEPÇÃO GLOBAL ......................................................................................... 150 5 A HIPÓTESE VISUAL .................................................................................................................... 151 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 158 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 159 TÓPICO 2 — ANÁLISE DICOTÔMICA ....................................................................................... 163 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 163 2 ANÁLISE DICOTÔMICA: A LEITURA COM BASE NA SEMIOLOGIA OU SEMIÓTICA SAUSSUREANA ..................................................................................................... 163 3 PLANOS DE EXPRESSÃO E CONTEÚDO ................................................................................ 164 3.1 PLANO DE EXPRESSÃO .......................................................................................................... 164 3.2 PLANO DE CONTEÚDO .......................................................................................................... 166 4 ANÁLISE DICOTÔMICA: PLANO DE EXPRESSÃO E PLANO DE CONTEÚDO .......... 166 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 175 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 176 TÓPICO 3 — ANÁLISE TRICOTÔMICA ..................................................................................... 179 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 179 2 ANÁLISE TRICOTÔMICA: A LEITURA COM BASE NA SEMIÓTICA DE PEIRCE ...... 179 3 ANÁLISE TRICOTÔMICA: AS CATEGORIAS DO OBJETO – ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO ....................................................................................................................................... 185 4 REFERÊNCIAS ICÔNICAS ........................................................................................................... 194 5 REFERÊNCIAS INDICIÁTICAS ................................................................................................. 195 6 REFERÊNCIAS SIMBÓLICAS ...................................................................................................... 196 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 197 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 203 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 204 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 207 1 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender as noções de sentido dentro da noção de representação sígnica; • aprender o que é signo e como se dá o processo de significação; • conhecer os conceitos de semiologia e semiótica como fundamento para o entendimento de semiótica; • refletir acerca da capacidade humana de interpretar e produzir signos; • potencializar a capacidade analítica e crítica de leitura de objetos sígnicos com base na semiologia (plano de expressão e plano de conteúdo) e na semiótica (ícone,índice e símbolo). Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO TÓPICO 2 – CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA TÓPICO 3 – A SEMIOLOGIA E A SEMIÓTICA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO 1 INTRODUÇÃO Desde sua origem, o ser humano se questiona como as coisas são capazes de significar outras coisas. Tanto que organizou pensamento para explicar inúmeros fenômenos naturais, alguns atribuiu às divindades, outros à observação do próprio fenômeno e, para alguns se utilizou de métodos, que chamou de ciência. As divindades gregas, por exemplo, davam conta de explicar fenômenos naturais. A observação do amanhecer e do anoitecer deu conta de explicar que o sol girava em torno da Terra, que depois pelo método científico foi reorganizando colocando a Terra como um astro que gira sobre si mesmo e ao redor do Sol. Tanto o movimento dos astros quanto os fenômenos naturais observados são objetos que surgiram da capacidade de investigação humana. Parecendo suprir a necessidade e a vontade humana de dar conta de explicar, de alguma forma, o que lhe atinge. E a semiótica ocupa posição privilegiada nesse processo, se entendermos, inicialmente, que se trata da ciência geral dos signos. Veremos que, onde houver abordagens acerca de coisas e seus significados, ela se fará presente. Neste primeiro tópico vamos compreender as noções de sentido dentro da noção de representação sígnica, contribuindo para a reflexão acerca da capacidade humana de interpretar e produzir signos. Também potencializamos a capacidade analítica e crítica de leitura de objetos sígnicos com base na semiologia (Plano de Expressão e Plano de Conteúdo) e na semiótica (Ícone, Índice e Símbolo). 2 EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO Somos seres capazes de dar sentido a tudo que nos relacionamos. Quantas vezes você vivenciou situações onde o uso de uma determinada roupa durante o êxito de um time de futebol fez com que esta mesma roupa fosse usada nas próximas partidas do mesmo time, na ideia de existir sentido entre o uso de determinada peça do vestuário e a vitória dele? Note, que as duas coisas provavelmente não tenham sentido algum, passam a ter sentido para uma determinada pessoa em uma determinada ocasião – aí está um exemplo de como o ser humano é um produtor de sentido por excelência. UNIDADE 1 — SEMIÓTICA 4 Esta mesma lógica ocupa o fazer promocional de um projetista que, ao definir uma cartela de cores visa dar um sentido a sua coleção. Isso vale também para a cartela de tecidos, de texturas, de aviamentos. Todavia, diferente do exemplo do time de futebol, os sentidos aqui deverão ser partilhados por outros – pelo mercado, pelo público-alvo. Esta noção de “sentido” é importante ser entendida para que possamos iniciar nosso entendimento sobre a semiótica. Então, de forma introdutória, trataremos sobre o “sentido”. A abordagem sobre “sentido” pode se limitar ao entendimento que você tem do dia a dia. Que tal buscar o conceito do termo “sentido” em um dicionário? Quanto tem relação com o seu fazer profissional? Veja os que podem ser encontrados: 1. Que se ofende ou melindra facilmente; suscetível, sensível. 2. Que causa pesar; plangente, lamentoso, "canto SENTIDO". 3. Repassado de mágoa; ressentido, magoado. 4. Que está em começo de decomposição, um tanto podre ou estragado. 5. Substantivo masculino (FISIOLOGIA) – faculdade de perceber uma modalidade específica de sensações, que correspondem a órgãos determinados [são cinco os sentidos: tato, visão, audição, paladar e olfato.]. 6. Substantivo masculino – faculdade de sentir ou perceber, de compreender; senso. 7. Substantivo masculino – faculdade de julgar; bom senso, tino. 8. Substantivo masculino – aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação; alvo, fim, propósito. "suas últimas ações não tiveram SENTIDO nenhum". 9. Substantivo masculino – ponto de vista, modo de considerar; aspecto, face. "em que SENTIDO você está falando?" 10. Substantivo masculino – encadeamento coerente de coisas ou fatos; lógica, cabimento. "a renúncia do ministro não tem SENTIDO". 11. Substantivo masculino – consciência, razão, discernimento (mais us. no pl.). "recuperou os SENTIDOS depois de meses em coma". 12. Substantivo masculino – concentração da atividade mental; atenção, pensamento. "ele estuda, mas com o SENTIDO na televisão". 13. Substantivo masculino – aplicação dos sentidos para evitar (algo ruim); cuidado, cautela. "tenha SENTIDO no que faz". 14. Substantivo masculino – orientação segundo a qual se efetua um movimento. "SENTIDO horário". 15. Substantivo masculino (FILOSOFIA) – faculdade de captar determinada classe ou grupo de sensações, estabelecendo um contato intuitivo e imediato com a realidade, e assentando desta maneira os fundamentos empíricos do processo cognitivo. 16. Substantivo masculino (LEXICOGRAFIA•LEXICOLOGIA) – cada um dos significados de uma palavra ou locução; acepção. INTERESSA NTE TÓPICO 1 — EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO 5 17. Substantivo masculino (LINGUÍSTICA•LÓGICA) – aquilo que uma palavra ou frase podem significar num contexto determinado; significado. "falam em relatividade, no sentido einsteiniano do termo". 18. Conjunto de funções da vida orgânica que buscam experimentar o prazer físico, a sensualidade. 19. Faculdades intelectuais; o raciocínio. 20. Interjeição expressa cautela, advertência, recomendação. 21. Interjeição (MILITAR – TERMO) – voz de comando para chamar a atenção da tropa. São muitos os conceitos, atenção aos de número: 5, 6, 7, 15, 16, 17, 18 e 19; estes ficam mais em linha ao SENTIDO que se quer para “sentido” em nossa abordagem. FONTE: https://www.google.com/search?q=SENTIDO&oq=SENTIDO&aqs=chrome. .69i57j0l7.980j1j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 23 set. 2020. O termo sentido pode ser compreendido como o processo fisiológico de receber e reconhecer as sensações e os estímulos que nos chegam através dos cinco sentidos – visão, audição, olfato, tato e paladar. Este processo ancora a base conceitual de semiótica, afinal, se estamos tratando, como já foi dito, da ciência que estuda o signo; a capacidade de receber e reconhecer as sensações e os estímulos que nos chegam e acabam tendo algum significado, é relevante. O entendimento para esta atividade de dar sentido aos fenômenos se ajusta à ideia de “semiose”. O significado de semiose vai aparecer mais à frente. Neste momento, é interessante considerar que semiose é o processo cognitivo humano, ou seja, é o processo que ocorre quando elaboramos qualquer raciocínio lógico para interpretar fenômenos que nos chegam pelos sentidos. ESTUDOS FU TUROS É importante considerar então que os seres humanos são produtores de sentido por excelência (HOHLFELDT; MARTINO; FRANÇA, 2014), para que se possa assegurar que haverá sentido em tudo, basta que o ser humano interfira de forma intencional. Ao passearmos na rua, encontramos inúmero objetos, e aplicamos, de alguma forma, uma atividade semelhante à da leitura: no nosso dia a dia passamos nosso tempo a ler. Lemos primeiro imagens, formas, gestos, posturas, comportamentos: tal cor nos chama a atenção, tal celular nos diz o status social de seu proprietário, tal roupa nos diz da dose de excentricidade de seu portador. Sim! Nestas leituras, além de receber os estímulos, reconhecemos em nosso repertório e damos certo sentido – ou seja, certo significado. UNIDADE 1 — SEMIÓTICA 6 Ao olharmos para a história, encontraremosexemplos do ser humano ser um produtor de sentidos – um bom exemplo disso está na arte, na arquitetura, na própria indumentária. Cada um em sua época, a partir dos fenômenos vividos, produziu objetos de acordo com seus contextos – e, em alguns casos, entregaram para a humanidade documentos capazes de representar (de significar) seu período. Escolha uma obra de um artista famoso! Uma pintura, uma escultura, uma música. Faça uma busca na internet e veja o quanto esta obra representa para a época em que foi criada – note que ela é capaz de representar uma época! DICAS A capacidade de dar sentido às coisas coloca o ser humano na condição de ser um ser significador, pois para ele uma cor, um desenho, um cheiro, um barulho, tudo pode significar alguma coisa. Este processo está diretamente relacionado com a capacidade deste ser humano de interagir com seu ambiente. Afinal, o processo de significação – a princípio – é um processo de interação do ser humano com os fenômenos de seu ambiente, conhecido como processo fenomenológico. Para ajudar neste entendimento da capacidade de significarmos através de processos fenomenológicos, assista ao curta de comédia romântica “Signs”, de 2008. Apresentado no Schweppes Short Film Festival 2009, o curta-metragem foi premiado com o Ouro na categoria Cyber, do Cannes Lions International Advertising Festival, em 2009. Foi dirigido por Patrick Hughes, estratégia proposta pela agência neozelandesa Publicis Mojo para a subsidiária do Coca-Cola Group. Foi um dos vídeos mais vistos na Internet naquele ano (2009). Acesse o link: https://youtu.be/H0QoU59B37E. Acesso em: 15 ago. 2020. DICAS TÓPICO 1 — EFEITOS DE SENTIDO NO PROCESSO SEMIÓTICO 7 Ainda abordando a noção de sentido, podemos fazer a seguinte reflexão: “um objeto só tem sentido se for sentido”. Perceba que o verbo sentir aqui oferece duas maneiras de ser interpretado, a primeira na capacidade de representar (de significar); e a segunda na capacidade de tocar nossos sentidos – seja o da visão, da audição, do olfato, do tato e/ou do paladar. O ponto de honra desse pensamento que interessa à abordagem semiótica é a noção de efeito de sentido. Os objetos, não apenas têm sentido, mas são sentidos. “Produzir sentido não é transmitir algo já dado, mas construir uma dimensão sensível em ato de troca” (HOHLFELDT; MARTINO; FRANÇA, 2014, p. 290). Interessante isso, pois muitas coisas que passam a ter sentido para a gente, ganham sentido quando nos permitimos interagir (promover “atos de troca”) com esta coisa. Mais interessante é que a cada nova interação com esta mesma coisa, podemos construir novos sentidos. Fica evidente aqui que é a ação intencional que parece mover esta capacidade de dar sentido. Perceba que um produto de moda, carregado de conceito e em linha com uma tendência de consumo, precisa apresentar em sua composição elementos que produzam o sentido desejado pela marca, e construam um espaço sensível de troca. Como exemplo, podemos pensar este produto composto não apenas pela roupa, mas com um tag, uma arara, com uma vitrina, posicionado em uma loja, que tem uma iluminação, uma música ambiente, uma fragrância, que se bem trabalhado estimularão o ato de troca – ou seja, vão promover discursos e interações que serão experenciados por parte do consumidor, induzindo-o ao entendimento do conceito de coleção e ao estilo que a marca está comercializando. Desta forma, o processo de significação é resultado de um processo relacional onde se tem as propriedades da coisa e as potencialidades de significar desta coisa. 8 Neste tópico, você aprendeu que: • O ser humano é um ser produtor de sentido por excelência. • Sentido tem uma variedade de significados, mas é importante entendê-lo como a faculdade de perceber uma modalidade específica de sensações, que correspondem a órgãos determinados; faculdade de sentir ou perceber, de compreender; senso; como a faculdade de julgar; bom senso, tino, e como faculdade de captar determinada classe ou grupo de sensações, estabelecendo um contato intuitivo e imediato com a realidade, e assentando desta maneira os fundamentos empíricos do processo cognitivo. • É importante entender o sentido como cada um dos significados de uma palavra ou locução; acepção; como aquilo que uma palavra ou frase podem significar num contexto determinado; seu significado; tem a ver como o raciocínio. • A noção de “sentido” é importante para que possamos iniciar o entendimento sobre a semiótica, à medida que esta noção tenha relação com a semiose. RESUMO DO TÓPICO 1 9 1 Uma forma de exercitar o conteúdo até agora é aproveitar uma saída sua pelas lojas de sua cidade. Escolha uma vitrine específica e procure tirar delas algumas afirmações. Qual é o público-alvo da loja? Que tipo de produto vende? É possível arriscar o valor médio de um produto? Qual seria o diferencial da loja? E, então, aponte quais os elementos da vitrine que deram estes sentidos para você? Vamos praticar tomando como base uma das vitrines da rede De Fursac: VITRINE E SEUS SENTIDOS FONTE: <https://i2.wp.com/farm6.static.flickr.com/5301/5660386039_bde9ceb848. jpg?zoom=2>. Acesso em: 12 abr. 2020. Qual o público-alvo da loja? Que tipo de produto vende? É possível arriscar o valor médio de um produto? Qual seria o diferencial da loja? Com base nos elementos da vitrine que dão sentidos é possível afirmar: I- Uma primeira coisa: o que é sentido para você é correto, afinal, sentimos coisas diferentes, o que importa neste momento é que exista lógica. II- A vitrine da imagem nos declara alguns sentidos: o do público-alvo ser masculino; vende trajes masculinos, como ternos. Dá para arriscar que a alfaiataria seria um diferencial, e que os valores colocam a loja como de produtos caros. III- Os objetos que dão sentido, são: os dois manequins masculinos; o traje que cada um está vestido; os elementos explodidos que fazem menção a camisaria e acessórios (caso das gravatas) sugerem alfaiataria, e o conceito clean – minimalista, cujo estilo (tanto no design, quanto na arquitetura) induz a um determinado perfil de consumidor, voltado mais para a classe A. IV- É impossível perceber que uma vitrine é uma peça de comunicação, pois, mesmo bem trabalhada, ela não dá conta de dizer (declarar) um determinado conteúdo. AUTOATIVIDADE 10 Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a alternativa I está correta. b) ( ) Todas as alternativas estão corretas. c) ( ) Somente a alternativa III está correta. d) ( ) As alternativas I, II e III estão corretas. 2 O termo “semiose” surge de forma introdutória neste tópico. Ao que foi declarado, ele tem relação com a noção de dar sentido às coisas. Noção de excelência do ser humano. Dentro disso é possível afirmar: a) ( ) Que o ato ou efeito de dar sentido é exclusivo do ser humano. Nem um outro ser vivo dá conta disso. b) ( ) Que o ser humano somente dá sentido aos fenômenos que lhe chegam pela visão. Ao ver o homem é um significador por excelência. c) ( ) O processo de sentir só terá sentido se for sentido. d) ( ) Que sentir é uma abstração e apenas existe no campo das ideias. 3 Ainda que de forma introdutória, o termo “processo fenomenológico” apareceu no conteúdo, que afirmação abaixo dá conta de explicar o mesmo? a) ( ) Trata da noção espiritualizada dos fenômenos extraterrenos. b) ( ) Trata de um processo de interação do ser humano com os fenômenos de seu ambiente. c) ( ) Trata de um processo de interação do ser humano com os fenômenos internos de sua psiquê. d) ( ) Trata de um processo de interação fenomenológica do ser humano com ele mesmo, desconsiderando qualquer agente externo. e) ( ) Trata da noção ativa do ser humano ao excluir acontecimentos que estão agindo no ambiente onde ele estáoperando. 4 Os seres humanos são produtores de sentido por excelência. Explique como se dá a noção de efeito de sentido, dentro do pensar um projeto: 5 A noção de “sentido” é importante para que se possamos iniciar o entendimento sobre a semiótica, a medida que esta noção tem relação com a semiose. Que relação é essa? 11 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 1 INTRODUÇÃO Iniciamos o segundo tópico desta unidade. Nela aprenderemos o que é signo e como se dá o processo de significação. Contribuiremos para a reflexão acerca da capacidade humana de interpretar e produzir signos e, potencializaremos a capacidade analítica e crítica de leitura de objetos sígnicos, com base na semiologia (Plano de Expressão e Plano de Conteúdo) e na semiótica (ícone, índice e símbolo). Como já vimos o ser humano é produtor de sentido por excelência. Sentido que tem uma variedade de significados, e que neste momento é importante entendê-lo como a faculdade de perceber uma modalidade específica de sensações, que correspondem a órgãos determinados. São cinco os sentidos: tato, visão, audição, paladar e olfato; faculdade de sentir ou perceber, de compreender; senso; como a faculdade de julgar; bom senso, tino, e como “faculdade de captar determinada classe ou grupo de sensações, estabelecendo um contato intuitivo e imediato com a realidade, e assentando desta maneira os fundamentos empíricos do processo cognitivo. Esta noção de “sentido” é importante para que se possamos iniciar o entendimento sobre a semiótica, à medida que esta noção tem relação com a semiose, e que a mesma se dá no processo dar significação as coisas – sendo a semiose o objeto principal de toda abordagem semiótica. 2 BASES INICIAIS DE SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA O ponto de partida da ciência que estuda os signos é o axioma de que toda esta capacidade de dar sentido às coisas se faz essencialmente por um processo que a semiótica aborda. Seu objeto de estudo – o signo, pode ser considerado uma ideia que se refere a outras ideias e objetos do mundo, tendo assim “sentido”. Desta forma, somos levados a criar e acumular repertório à medida que vamos significando nosso mundo. Um signo precisa ser percebido por pelo menos um dos nossos sentidos. Podemos ver (uma forma, uma cor), podemos escutar (um som, uma fala), podemos cheirar (um perfume, uma fumaça), podemos tocar (uma superfície quente, áspera) ou ainda podemos saborear (um amargor, um cítrico), podemos 12 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA absorver fenômenos do mundo e ainda dar a eles sentidos outros – que passam a significar algo naquele instante. Quando sentimos o cheiro de fumaça podemos deduzir que estamos perto do fogo (sem mesmo ver o fogo) – a fumaça, neste momento, significa fogo. É com isso que a semiótica se ocupa. Veja que interessante isso no campo da moda: quando uma coleção quer falar de liberdade e romance, deve ser capaz de apresentar peças de roupa, acessórios que conseguem representar isso. Que no momento que o cliente vê a peça, prova-a, sente estes conceitos, e se somarmos então um editorial, a vitrine, a loja, o tag, a abordagem de vendas – constatamos o quão importante é ter a semiótica em nossa formação. Para Elisabeth Walther-Bense (2000), as primeiras noções de signo são encontradas nos gregos, que sustentavam sua existência como: sinal – sobretudo verbal. Tendo em vista que ao sinalizar, o verbo duplicava uma coisa, um fenômeno, uma realidade; permitindo debates acerca do original e da cópia, ou seja, a palavra “maçã”, que dá conta de duplicar a coisa (a fruta), é mais original? É cópia? Em comparação com a fruta que passa a representar (perceba que ao ler a palavra “maçã”, deve ter vindo uma imagem na sua cabeça que dá conta do “seu” real de maçã). O termo “semiótica” vem do grego “seme” – semeiotikos: “intérprete de signos”. Enquanto o termo “signo” deriva do latim “signum”, que vem do grego “secnom”: “extrair uma parte de”, “seccionar”, portanto, a “semiótica”, como disciplina, dá-se na análise do funcionamento dos sistemas de signos e de suas interpretações. A ideia platônica de signo é de que o mundo real não passava de uma imitação do mundo das ideias. Seu modelo se mostrou triádico com os seguintes componentes: nome; noção (ou ideia) e coisa (WALTHER-BENSE, 2000). Quando exemplificamos anteriormente com “maçã”, dá para perceber este modelo triádico acontecendo – o nome [“maçã”]; fez surgir a noção/a ideia [imagem da maçã na cabeça], que nos leva à coisa [a fruta]. Já a ideia aristotélica de signo, estava pautada na crença de que Aristóteles tinha do mundo perceptível sensorialmente. Acreditava que prevaleciam as funções intelectuais do homem, desta forma o signo era fruto de convenções e davam conta de representar realidades nas quais os homens se inseriam (WALTHER-BENSE, 2000). Assim, delineou uma separação entre “signo certo” e “signo incerto”, sendo o primeiro resultante das interações naturais – no sentido de prova: se tem febre, logo está doente (febre significa estar doente); e o segundo resultante de hipóteses, de generalizações – que ele considerava “signo fraco”: se tem lábios estourados, então tem febre (nem sempre lábios estourados tem relação com febre). TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 13 Por volta do ano 300 a.C., ainda na Grécia, a abordagem aconteceu em diferenciar “signos naturais” (aqueles que ocorrem livremente na natureza) dos “signos convencionais” (aqueles que foram criados para dar conta dos fenômenos de comunicação) (WALTHER-BENSE, 2000). Na Idade Média, Santo Agostinho estabeleceu bases ocidentais sobre o signo, apresentando uma definição interessante, em que signo seria uma coisa que além de produzir sensações, faz com que estas tragam à mente, de quem está sentido, uma outra coisa como consequência de si mesma. E conseguiu dar uma distinção aos “signos naturais” e “signos convencionais”, em que os primeiros são produzidos sem intenção, mas são capazes de remeter a outras coisas. E os segundos são os que os seres humanos partilham, intencionalmente, para dar conta de serem compreendidos. Desta forma expressou a capacidade de as palavras parecerem correlatos das ideias – das palavras mentais; o que afetaria muitos estudos futuros sobre os signos (WALTHER-BENSE, 2000). Esta noção de sentido e capacidade de dar significado aos fenômenos que nos circulam, como já foi dito, nos acompanha historicamente. Durante o século XVII, várias abordagens trouxeram o entendimento sobre esta noção de sentido que abordamos aqui, de maneira a dar um nome para ela (WALTHER- BENSE, 2000). Caso do médico Eric Henry Stubbes, que, em 1670, tratando da ideia de sintomas, organizou suas abordagens nominando-as de “semiótica” – num sentido bem restrito à ciência médica dedicada ao estudo e a interpretações de sinais patológicos (dentro da lógica que uma dor pode ser sintoma de uma enfermidade). Vinte anos depois, John Locke usou o mesmo termo, em sua obra o “Ensaio acerca do Entendimento Humano”. Ao nos aproximarmos do século XIX, a teoria do signo se consolidava cada vez mais com as questões do conhecimento – dando conta do contexto que se formava como moderno, e muitas demandas relacionadas à sociedade da informação, no movimento das mensagens – como eram produzidas e compartilhadas. Um contexto que contribuiu para afirmar a “semiótica” como a ciência que se ocupa da vida dos signos no interior da convivência social. Indo dos mecanismos relativos ao conhecimento até as orientações formais – dos conteúdos, dos sentidos. E, foi neste século (XIX) que as correntes contemporâneas da semiótica surgiram, em especial duas delas: uma europeia – maisrestritiva tendo como base a linguística, e outra norte-americana – mais abrangente, com base em todo e qualquer fenômeno capaz de representar algo em seu lugar, inclusive o signo linguístico. 14 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA Dois termos que apareceram neste momento precisam ser apresentados: “Linguística” que é a ciência que tem por objeto: a linguagem humana em seus aspectos fonético, morfológico, sintático, semântico, social e psicológico; as línguas consideradas como estrutura; de forma bem grosseira: a língua escrita; as palavras, e “signo linguístico” que é um elemento representativo que tem dois aspectos: o significado e o significante. Exemplo da palavra “maçã”: quando a escutamos, vem a nossa mente uma imagem do objeto, e não a palavra (ao escutar a palavra “maça” é pouco provável que em nossa mente se construa o “M”, o “A”, o “Ç” e “A” com “~”, rapidamente visualizamos a fruta maçã). Aí está a noção de signo, pois um termo linguístico (uma palavra), é capaz de representar algo em seu lugar. NOTA A capacidade de representar algo é a base primeira para o entendimento de signo. São muitos os exemplos possíveis e todos levam à lógica de que ao entrarmos em contato com algum fenômeno (um objeto, um cheiro, um som, uma palavra escrita/falada), somos levados a lembrar alguma coisa que não está a nossa frente, estando então em contato com um signo. Todos já vivemos momentos em que falamos: “Isto me fez lembrar de uma coisa” – um perfume que fez lembrar de uma pessoa; um barulho que nos fez afirmar que uma motocicleta se aproxima; uma fumaça que nos fez crer que havia fogo. Em todos estes momentos: o cheiro do perfume; o barulho do motor; a visão da fumaça – fizeram lembrar de uma pessoa sem que estivesse ali (no caso do perfume); fez afirmar que estava se aproximando uma moto sem se quer vermos tal veículo (no caso do barulho do motor); e fez pensar no fogo (vendo apenas fumaça). Tal qual um detetive, nos relacionamos com os fenômenos que nos circulam, desvendando-os e assumindo posturas frente às pistas. Uma dada situação nos oferece fenômenos que sugerem leituras (que sejam identificados) – perceba que o barulho do motor, no exemplo anterior, para ser assumido como de moto, tem certas peculiaridades, que diferem de um carro, de um liquidificador. Há quem já tenha vivenciado muito este determinado fenômeno que pode ter maiores informações sobre ele – assim, um mecânico de motocicletas ou um motociclista experiente em motos, pode não só afirmar que está se aproximando uma moto, mas dizer o tipo de moto, quiçá até sua marca e potência. Neste momento, vale o entendimento de que signo tem a capacidade de representar algo para alguém em determinado contexto. No design de moda, disciplinas técnicas como modelagem, costura nos habilitam a decifrar elementos do vestuário, da mesma forma que o mecânico/ motociclista consegue dar considerações mais específicas apenas ouvindo um barulho de motor. Percebe-se neste caminho, à medida que vamos estudando um determinado conteúdo, ficamos mais aguçados em identificar elementos e afirmar conceitos que dão conta de explicá-los. TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 15 O ser humano significa o que lhe é significante. Esta afirmação nos dá a primeira noção para entendermos a lógica europeia, em que a partir do entendimento das palavras, elas passam a significar. À medida que vamos aprimorando o nosso vocabulário, vamos permitindo significar e fazer com que muitas palavras nos sejam significantes, ou seja, uma palavra tem a capacidade de representar algo em seu lugar, quando escutamos a palavra “praia”, somos capazes de trazer o conceito que temos de praia – com nossa vivência de praia. Deixando evidente que se trata de um processo dicotômico, escuto a palavra e penso em seu conceito. Toda e qualquer palavra será signo quando este processo dicotômico ocorrer – ou seja, uma palavra (significante) tem que ter significado (seu conceito, seu entendimento) para que se possa afirmar que é signo. Vale ressaltar que todo e qualquer termo que você lê ou escuta e tem pouco entendimento sobre ele parece que ele não faz tanto sentido para você. Perceba aqui um exemplo legal para signo linguístico, perceba o desconforto de entrar em contato com uma palavra que você nunca ouviu (ou leu), ela não tem sentido, não faz sentido – ou seja, ela não tem capacidade de representar algo em seu lugar – aí é bom pesquisar sobre ela. No caso de palavras, o dicionário (que pode ser on-line) é um lugar bom para pesquisar – que tal fazer isso para o termo “dicotômico”, lido anteriormente? Você pode pesquisa por “dicotomia”. O entendimento deste termo ajudará como base conceitual para o conteúdo que estamos tratando aqui. NOTA A noção do signo linguístico está veiculada diretamente com a corrente mais restritiva das duas que surgiram no século XIX – a europeia, que ficou conhecida como semiologia e tem como principal expoente Ferdinand de Saussure. 3 SEMIOLOGIA O filósofo e linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) elaborou teorias que contribuíram para o desenvolvimento da linguística como ciência autônoma, exercendo grande influência sobre o campo literário e dos estudos culturais. Para Saussure, signo tem sua base conceitual e organizativa na estrutura linguística de uma determinada cultura, ou seja, na língua – principalmente falada (WALTHER-BENSE, 2000). 16 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA Aqui fica evidente pensarmos que, à medida que nos letramos (que vamos estudando e aprendendo) mais significativa fica nossa linguagem – tal raciocínio ajuda no entendimento de que o signo para Saussure tem arbitrariedade inerente, pois precisa das convenções linguísticas. Perceba que quando buscamos, no dicionário, o entendimento de uma palavra, entramos em contato com seu significado convencional e quando damos uso a ela em nosso processo de comunicação, estamos sujeitos à arbitrariedade do termo, da capacidade de ele representar o que queremos expressar – ou seja, estamos sujeitos à arbitrariedade do signo. Por isso que é muito inteligente saber para quem estamos falando, assim podemos escolher as palavras mais coerentes para este perfil de pessoas. É claro, existem palavras cuja convenção não é arbitrária, elas são transmitidas de diferentes tipos de estruturas gramaticais, percebidas de forma funcional – caso das onomatopeias – a partir da reprodução aproximada, com os recursos que se dispões da língua, de um som natural a ela associado, um exemplo se dá quando imitamos um animal para nominá-lo: “miau-miau” para gato; “au-au” para cachorro. Voltamos à noção de signo linguístico e, de como a palavra enunciada (significante) precisa de seu conceito (significado) para que, dicotomicamente, o signo exista. FIGURA 1 – SIGNO DICOTÔMICO FONTE: O autor O significado é o conceito que é assimilado mentalmente quando lemos ou ouvimos a palavra. O significante tem a ver com a forma semântica e fonética da palavra que, por sua vez, é composta por letras e sons. O olhar de Ferdinand de Saussure tratava de noções meramente psicológicas, mas, atualmente, o significante seria a forma material perante o significado. TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 17 No tópico a seguir vamos ampliar a visão saussuriana, dando conta de tratar do significante como forma material perante o significado. ESTUDOS FU TUROS Para Saussure (1990, p. 124), signo não une: uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última não é o som material, puramente físico, mas a marca psíquica desse som, a sua representação fornecida pelo testemunho dos sentidos, é sensorial e se, por vezes, lhe chamamos material é neste sentido e por oposição ao outro termo da associação,o conceito, geralmente mais abstrato. Dentro disso, “imagem acústica” / “significante” é arbitrário, não motivado, pois não existe relação entre ele e a coisa que representa. Para Saussure (1990), o signo é sempre mental, sendo uma representação que um sujeito tem de algo na sua mente em determinado momento de sua vida. FIGURA 2 – IMAGEM ACÚSTICA E CONCEITO FONTE: O autor 18 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA Se a palavra “gato” for pronunciada, o som desta pronúncia cria na mente de quem escuta algo correspondente a ela, perceba que existe na mente deste sujeito uma estrutura capaz de reconhecer o som da palavra e, a sua maneira, cria- se uma imagem referente à palavra – esta seria a “imagem acústica” – existindo assim uma imagem da palavra na mente de quem a escutou. Desta forma, o significante é a imagem mental de uma rede sonora (repertório de quem escutou). Então, toda vez que chega um som (que é sentido por um dos sentidos – no caso o auditivo) e tem sentido no cérebro tendo significado, estamos na presença de um processo de signo. Dentro desta lógica, o signo é sempre mental. Se, neste momento, entendermos que o som que ouvimos não é puramente físico, mas também a impressão deste som em nossos sentidos, e que quando recebido se torna significante por ter, de alguma forma uma “imagem mental” associada a ele, nos levando a um significado (conceitos relacionados ao determinado som), estamos em linha com o pensamento de Saussure. Ao tornar o signo uma entidade mental, Saussure faz com que o signo sempre associe um significante a um significado, possibilitando que esta concepção tenha papel central na distinção histórica entre “signos naturais” (que ele entende como motivados) e “signos arbitrários” (ou convencionais). Esta arbitrariedade “deve dar a ideia de que o significante não depende da livre escolha do sujeito falante”, este não tem motivação alguma, pois não existe “na realidade, qualquer ligação material” entre a palavra e a coisa que ela representa (SAUSSURE, 1990, p. 83). Esta corrente considera que o signo é resultado do [significante] + [significado], sendo ele sempre mental, e é a representação de algo que se tem na mente. Em se pensando na língua, essa se fecha em regras e convenções de um determinado sistema significante, perceba que para o mesmo significado vamos ter significantes diferentes dependendo do sistema cultural que estamos inseridos – fica evidente quando pensamos a palavra “gato” no português, e “cat” no inglês; mas da mesma forma nos regionalismos – em nosso país temos inúmeras palavras que significam a mesma coisa, mas são diferentes dependendo da região em que estamos. No mercado de moda isto pode ser pertinente quando nos reportamos às tribos e aos estilos. Estas regras e convenções colocam a existência do signo, para Saussure, como arbitrária. Colocando a perspectiva estruturalista como fundamento, em que o significante surge, primeiro, a partir de uma imagem mental – de um conceito, ou seja, um objeto (um fenômeno) só será signo se já existir um conceito relacionado a ele – aí temos a arbitrariedade deste signo. TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 19 Quantas vezes você se perguntou por que tal palavra está atribuída para um determinado objeto? Por que “mesa” é “mesa”? Note que a resposta não tem uma lógica (caso de palavras como as onomatopeias: au-au para cachorro; miau para gato). Mesa tem um significado atribuído por convenções, por regras, ou seja, ela foi atribuída e é usada de forma arbitrária na língua portuguesa. INTERESSA NTE Esta capacidade dicotômica de significante e significado do signo no pensamento saussuriano apresenta dois grandes problemas: Primeiro: não considera a matéria externa, ficando somente com a palavra. Segundo: ao afirmar que o significado é o conceito da coisa, não especifica a coisa, pois se existem significantes diferentes, haverá variações nos significados. Estes dois problemas mostram uma vontade de expandir para que possamos assumir sons, cores, gestos, odores, gostos, texturas, formas, ou seja, toda e qualquer coisa (inclusive as palavras) que sejam capazes de representar algo em seu lugar. E aí entramos na corrente mais abrangente – a norte-americana –, que tem como base todo e qualquer fenômeno capaz de representar algo em seu lugar, inclusive o signo linguístico – esta corrente é a Semiótica. 4 SEMIÓTICA O filósofo e físico norte-americano, Charles Sanders Peirce (1839-1917), assentou as bases da semiótica alicerçado em um pensamento: “O simples ato de olhar está carregado de interpretação". Trazendo uma abordagem mais ampla, ao que vinha sendo construído por Ferdinand de Saussure, na Europa no mesmo período. Quando analisamos o pensamento “alicerce de Peirce”, percebemos que a corrente norte-americana tem fundamento nos processos fenomenológicos, ou seja, na fenomenologia, que pode ser entendida como uma postura frente ao mundo. Como uma metodologia que dá importância aos fenômenos em si, e quanto afetam nossos sentidos. Se pararmos para pensar, muito do que sabemos sobre nosso mundo vem deste método: os cheiros; as texturas; as formas; um ruído; uma imagem em uma revista; até mesmo uma palavra. Enfim, tudo que se apresenta a nossa mente através de nossos sentidos. Lembra a “maçã”, é possível afirmar que a imagem que se forma na sua cabeça tem a ver com as experiências de maçãs como fenômenos – se você só viu imagens desta fruta – terá uma imagem 20 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA mais visual, mas se já comeu uma, conseguirá atribuir barulho, gosto, acidez. Imagina se você já colheu uma na macieira. Perceba que a fenomenologia pode ser encarada como uma postura frente ao mundo – ao se pesquisar um público-alvo, só ver imagens na tela pode dar uma noção diferente, do que poder participar de momentos, dos fenômenos que este público vive em seus contextos. Trazer o pensamento de Peirce como um de seus alicerces pode ajudar: “O simples ato de olhar está carregado de interpretação". Para Peirce (2005, p. 46) signo é aquilo que representa algo para alguém. É alguma coisa que se dirige: a alguém, isto é, cria, na mente da pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu, por vezes, denominei fundamento do representâmen. Para Peirce (2005), é irrelevante discutir o que é mental e o que não é mental no debate sobre o signo, mas se torna importante determinar se o pensamento é dirigido ou não aos objetos reais, afinal real é o que significa, que tem sentido, em qualquer coisa de real. Esta postura ajuda a evitar posicionamentos falsos de dar a uma palavra, por exemplo, um sentido universal externo ao pensamento e se afastar da ideia de que se pode conceber coisas de forma independente das relações que se tem no espírito (capacidade inventiva do ser humano). A noção de signo para Peirce, é toda e qualquer coisa que representa uma outra coisa em seu lugar – objeto, e que produz um efeito interpretativo. Se pensarmos dentro da lógica da semiologia vemos que aqui a semiótica peirciana dá conta dos problemas saussurianos: Peirce considera a matéria externa e dá conta de especificar a coisa. Com isso, se a semiologia era dialógica, aqui vamos ter um posicionamento triádico – em que o signo é composto de três partes, que serão chamadas de categorias: a primeiridade, a secundidade e a terceiridade. Estas partes podem ser assim pensadas: FIGURA 3 – PARTES QUE COMPÕEM O MODELO TRIÁDICO FONTE: O autor TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 21 Interessante perceber que essa “alguma coisa”é captada pelos órgãos dos sentidos, mas também percebida de forma intencional – dentro de uma noção de que perceber é traduzir “alguma coisa” (fenômeno, evento, objeto) captado pelos sentidos em um julgamento. Uma vez captada, é levada a um processo de comparações com outras coisas já percebidas, chegando até a capacidade de nominá-la. Pensando estas três partes como categorias, temos a primeiridade (como aquele momento de percepção primeira, inicial – quando captamos “alguma coisa”), temos a secundidade (como o momento de comparação com o que já fora percebido), e temos a terceiridade (como o momento de construção, de definição, de nominação). Como já mencionado, a teoria do signo de Charles S. Peirce está alicerçada à fenomenologia, permite alargar as capacidades interpretativas à medida que entende o intérprete, o observador, o sujeito com autonomia em relação ao produtor de sentido, ao enunciador. Em outras palavras, a noção e efeito de sentido nesta teoria é fugidia à medida que o enunciador pode ter pensado em “dizer” algo, mas seu intérprete não precisa necessariamente entender da maneira que enunciador pretendia. Esta liberdade faz com que o enunciador esteja preparado para isso e tenha competência para ajustar o signo para tenha êxito em sua comunicação. A teoria de Charles S. Peirce está concebida como doutrina em que todo e qualquer tipo de semiose é possível. Ela “é tão geral e abstrata a ponto de poder dar conta de qualquer processo sígnico, esteja ele no invisível mundo físico [...] nos movimentos sociais” (SANTAELLA, 2002, p. 36). A noção peirciana é pragmatista, está pautada num processo lógico- semiótico de como as ideias surgem. Tal processo é pensado em três ramos (SANTAELLA, 2002): o primeiro que se ocupa da fisiologia das formas, das funções e dos elementos formais – a gramática especulativa; o segundo que consiste na abordagem classificatória e de comparações – a lógica crítica; e o terceiro que se dá no estudo dos métodos, nas fórmulas que os mais variados tipos de raciocínio dão origem – a retórica especulativa. A abordagem do signo por Peirce, por ser pragmatista, baseia-se na noção de que o sentido de um conceito pode ser explicado ao considerarmos seus efeitos práticos, desta forma, ela se mostra metodológica, tendo uma ordem e procedimentos que são as categóricas: de primeiridade, secundidade e terceiridade. 4.1 A PRIMEIRIDADE É a primeira das categorias de uma experiência de mundo. É a categoria do ser. Está nas qualidades das coisas. Relativa às propriedades de um fenômeno que podem ser descritas, por exemplo: tal coisa é azul. Esta categoria direciona para a ideia de primeira concepção sígnica de Peirce, que é pré-reflexiva – o da abstração pura. De forma prática, é mais ou menos como um sentimento, uma sensação primeira – não é consciente nem elaborada. É aquilo que é, nada mais que isso. 22 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA 4.2 A SECUNDIDADE Em contraposição à primeiridade (categoria do ser), a secundidade é a da ocorrência, da existência segundo ao que já se sentiu. Diferente da primeiridade, na secundidade já existe uma elaboração consciente, já se faz comparações, já se enseja particularidades do fenômeno em análise. Enquanto a primeira é atemporal, na secundidade existe a noção de tempo, afinal para se chegar às comparações é preciso ter passado pela primeiridade. Nesta categoria só se tem consciência da qualidade de algo, pois é possível constatar com outra qualidade. Acidental e singular, a secundidade tem na existência, no registro de sentimento, um fato. Se a primeira é da qualidade, esta, a segunda, é da relação. 4.3 A TERCEIRIDADE Completa a tríade. Se a primeiridade é a do ser, a secundidade é do existir, a terceiridade é do interpretar – na capacidade de a coisa ser signo – ou seja: tem a ver com o que o fenômeno é (primeiridade), no que existe nele em comparação a outros (secundidade) e no quanto é possível construir algo que não está ali – de significar. Se a primeira é da qualidade, a segunda da relação, esta é da representação – do que Peirce vai chamar de signo em si. De forma geral, a primeiridade sempre será a percepção (algo rápido e abstrato), a secundidade está relacionada ao fato quanto o que foi percebido permite ensejar particularidades (processo de comparação, de dúvida) e a terceiridade está atrelada à capacidade, do que foi percebido e fez pensar, representar algo em seu lugar (de ser signo). Esse processo triádico, em que se tem o signo, o elemento designado e a pessoa a quem ele se destina como signo, se chama semiose: que para Peirce é “o processo no qual o signo tem um efeito cognitivo sobre o intérprete” (NÖTH, 1998, p. 128). Se a semiótica é a ciência que tem por tarefa estudar todos os tipos possíveis de ações sígnicas, a semiose é o seu objeto de estudo. Se no projeto de produtos para o mercado estamos mergulhados em processos de desenvolvimento de conceitos que planejam causar algum efeito cognitivo no público-alvo de uma marca, fica evidente o valor da semiótica para os profissionais desta área. E quanto a entender os processos de significação (de semiose) dos consumidores frente aos valores comercializados é definidor do sucesso. Dentro da teoria de Charles S. Peirce essas três categorias são chamadas, no âmbito fenomenológico, de faculdades. Sendo a primeira condicionada à capacidade de ver (de sentir); conduzindo à segunda faculdade, que implica um TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 23 esforço, ou seja, quando se atenta para (ensejando particularidades); chegando então na terceira faculdade, que faz com que tal aspecto incidental (do sentir da primeira) e consciente (das relações da segunda) possa ser generalizado, cabendo poder chegar a um conceito (de nominar o fenômeno sentido, por exemplo). Interessante perceber que as faculdades que devemos entender para dar conta das categorias e principalmente para compreendermos a semiótica como uma metodologia dos processos cognitivos que vivemos cotidianamente, são três: A primeira é a rara faculdade de sentir o que está diante da gente. Tal como se apresenta, sem qualquer interpretação. Veja se consegues exercitar tal faculdade observado uma cena, um objeto, um evento, uma música e descrevendo-a como ela é, sem atribuir nenhum valor. A segunda faculdade é mais como um compromisso. Um comportamento que deve ser treinado, uma postura frente ao fenômeno observado de detetive, de busca de aspectos específicos ao fenômeno em observação que só pode estar nele e em nenhum outro similar. Buscando o que o faz único, detectando os elementos desta unicidade sob todos os seus disfarces. Esta faculdade nos pede tempo, quanto mais tivermos mais vamos construir relações possíveis. A terceira faculdade é a de generalizar, como um matemático devemos buscar definir fórmulas que sejam capazes de da conta dos elementos que fazem do fenômeno, agora único, ser pensado de forma generalizada. Esta fórmula abstrata, garantirá a compreensão do fenômeno purificando-o de todos os elementos estranhos e irrelevantes, nos dando bases para construção de conceitos. Esta faculdade, se bem trabalhada, nos coloca como construtores de novos conhecimentos. Com base nestas faculdades e nas categorias, Peirce classifica o signo como Representâmen; objeto e interpretante. 5 CATEGORIAS DO SIGNO A variação e a quantidade dos signos são tão grandes que, Charles S Peirce organizou-os em categorias, classificando-os a partir das faculdades em uma tríade composta pelo representâmen – aquilo que funciona como signo; pelo objeto – o que é referido pelo signo; e pelo interpretante– no efeito do signo de quem o interpreta. 24 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA FIGURA 4 – TRICOTOMIA DO SIGNO EM PEIRCE FONTE: O autor A ideia central é que dentro das faculdades já discutidas, o signo é composto pelas três categorias simultaneamente, mas de forma didática (pragmatista) Peirce apresenta cada uma delas numa sequência. Dentro disso, a primeira categoria é a capacidade de ser signo, ou seja, a capacidade de funcionar como signo – de ser representativa: o representâmen. É através dele que o signo tem sentido (seja por semelhança, por alguma relação ou por convenção). O objeto é a coisa externa do signo (o fenômeno que toca os sentidos) enquanto o interpretante dá conta do processo interpretativo (e não deve ser confundido com o ser humano). Estas nomenclaturas são importantes para o entendimento da semiótica peirciana. Uma dica legal é pegar uma folha A4 e montar este triângulo bem no centro dela – e a partir desta parte, ir completando com as novas nomenclaturas que surgirem. ATENCAO 6 TRICOTOMIA DO SIGNO A noção tricotômica fica declarada na figura anterior, onde para que o signo exista é preciso ter os três pontos – representâmen, objeto e interpretante, porém, Peirce (2005) organizou um raciocínio em sua teoria que em cada um destes pontos, existem outros três pontos – cada ponto é tricotômico, ou seja, que no representâmen existem três categorias internas a ele; da mesma forma no objeto e no interpretante. Parece confuso! Mas vamos por partes. TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 25 Se até agora foram apresentadas as faculdades: primeiridade, secundidade e terceiridade; que pelas categorias seriam, respectivamente: representâmen, objeto e interpretante. E que na primeira estarão relacionadas às capacidades e às qualidades iniciais de já serem representativas – ou seja, de serem signo; na segunda estarão relacionadas às condições de sentido, como sugestões possíveis de representar – de ser signo; e na terceira a capacidade de afirmar, de como convenção garantir a representação – de ser signo. Perceba que o conteúdo parece repetitivo. E é isso mesmo, por isso a dica anterior é boa, pois a repetição vai construindo o entendimento. IMPORTANT E 6.1 REPRESENTÂMEN A capacidade de ser signo é a primeiridade dele. Ela terá as três faculdades também, condicionadas aos fatores que dão capacidade de ser signo: suas qualidades, suas propriedades que lhe são singulares, e suas características que o legitimam – em caráter de lei. Assim, temos: FIGURA 5 – TRICOTOMIA DO REPRESENTÂMEN FONTE: O autor 26 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA Qualissigno é a qualidade que já é signo. Diz respeito aos elementos menos particulares, como cores, texturas, formas, entre outras. Para assumir esta capacidade é preciso expor os sentidos aos fenômenos sem nenhum juízo, somente sentir os fenômenos pelos fenômenos. O qualissigno está nas qualidades. Como descreve Santaella (2002, p. 12): uma cor, qualquer cor, um azul-claro, sem considerar onde essa cor está corporificada, sem considerar se é uma cor existente e sem considerar seu contexto. Tomemos apenas a cor, nela mesma, só cor, pura cor. Quantos artistas não fizeram obras para nos embriagar apenas com uma cor? Por que e como uma simples cor pode funcionar como signo? Ora, uma simples cor, como o “azul-claro”, imediatamente produz uma cadeia associativa que nos faz lembrar céu, roupa de bebê etc.; por isso mesmo, esse tom de azul costuma ser chamado de azul-celeste ou azul- bebê. A mera cor não é o céu, não é roupa de bebê, mas lembra, sugere isso. Esse poder de sugestão que a mera qualidade apresenta lhe dá a capacidade para funcionar como signo, pois quando o azul lembra o céu, essa qualidade da cor passa a funcionar como quase-signo de céu. O mesmo tipo de situação, também se cria com quaisquer outras qualidades, como o cheiro, o som, os volumes, as texturas etc. Nos projetos de design de moda, os qualissignos predominantes estão nas formas e elementos puros: cores, tons, manchas, brilhos, contornos, formas, texturas, movimentos, ritmos, contrastes, entre outros, sendo que a combinação destes não vem de conexão alguma extraída da experiência externa. Podem ser entendidos como formas não objetivas, por não representarem nenhum objeto identificável – ficam no campo das abstrações: a cor pela cor, a textura pela textura, a forma pela forma. Exemplos práticos para qualissigno são encontrados nas experiências estéticas modernistas, caso da obra Delicate Tension no 85, de Wassily Kandinsky: FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO EM TONS DE CINZA DA OBRA: DELICATE TENSION Nº 85, DE WASSILY KANDINSKY FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/42/23/ec/4223ec9ee31a88ee6b462a6279186996.jpg>. Acesso em: 14 abr. 2020. TÓPICO 2 — CONCEITOS INTRODUTÓRIOS: SEMIOLOGIA E SEMIÓTICA 27 Em obras como essa, as qualidades sensíveis se fazem presentes, permitindo visões de formas nunca vistas em experiências externas. Cores (no caso da imagem gradações de cinzas), formas, linhas, planos nos oferecem uma experiência totalmente nova – nada de semelhante existe e por isso então tudo pode se assemelhar – aqui está o “frescor” da primeiridade do representâmen da possibilidade de ser signo – do qualissigno. Acesse o link que está como fonte da figura acima, ou pesquise na internet pelo nome da obra para poder ver a imagem colorida. DICAS A partir do momento que os fenômenos sentidos fazem pensar, ganham juízo de valor (mesmo que bem inicial), estamos na secundidade – no sinssigno em que o aspecto de ser signo já o particulariza, já o individualiza. Para assumir esta capacidade é preciso assumir a observação do modo particular como o signo se forma – observando características existenciais, que no fenômeno observado é irreptível, é único. A noção de que se está na experiência de sinssigno quando, abandonada a abstração do qualissigno, é possível, de um modo ou de outro, de alguma maneira identificar representações reconhecíveis fora do objeto experenciado. No campo da moda, o desenho de moda terá elementos gráficos – cores, linhas, texturas, formas que combinadas nos permitem ver representado um corpo, um tecido. Nos desenhos do estilista Christian Lacroix é possível ter a secundidade do representâmen declarada, à medida que as linhas se organizam para dar a sugestão de braços, de rosto, de volume, de movimento. Da mesma forma que a representação do vestido, se dá pela singularidade das manchas cromáticas e das texturas do conjunto de linhas do desenho. 28 UNIDADE 1 — SEMIÓTICA FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO EM TONS DE CINZA DE UM DESENHO DO ESTILISTA CHRISTIAN LACROIX ONTE: <https://i.pinimg.com/474x/eb/55/89/eb55892fd2817193da0de8ac5a00ec53.jpg>. Aces- so em: 14 abr. 2020. Havendo a capacidade de observar as particularidades do fenômeno pode ser possível, a partir destas particularidades abstrair o geral deste particular, colocando-o em uma classe geral, potencializando o fenômeno à uma convenção, uma regra, uma norma. Esta seria a terceiridade – o legissigno. O legissigno é uma convenção que representa algo em seu lugar, é uma lei que é signo. Não é algo singular, mas alguma coisa que se tem acordado ser significante. São predominantes nas formas que só podem ser entendidas com a ajuda de alguma convenção cultural. Um exemplo interessante aqui está nas representações gráficas de moda – é preciso entender as convenções para saber o que é um desenho estilizado ou croqui; um desenho técnico; uma ilustração de moda; um desenho de figurino. Cada uma dessas representações gráficas, tem suas convenções que as legitimam dentro de determinado conceito. OBJETO Dependendo do representâmen, ou seja, da propriedade do signo será diferente a maneira como o signo se faz
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