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esse conceito muito bem. Segundo esses autores, a subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós constrói ao longo da vida, a partir do nosso contato com a cultura e com as relações sociais que estabelecemos. Em síntese, a subjetividade diz respeito ao mundo de ideias, significados e emoções construídos internamente pelo sujeito e que nos diferencia dos outros por ser única; ao mesmo tempo que nos iguala, já que tendemos a ter características semelhantes expostas a um mesmo contexto histórico-social. UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 130 IMPORTANT E Termo utilizado frequentemente como sinônimo de subjetividade é o de personalidade, que nos últimos tempos acabou por ser menos utilizado na Psicologia. O termo personalidade, diferente de subjetividade, é mais estático, prevê um conjunto de características fixas que nos acometem e, por isso, inclusive, buscou ser medido através de testes psicométricos. Dessa forma, o mundo social e cultural, conforme é experienciado por nós, faz com que possamos construir nosso mundo interior. Esse mundo interior pode ser considerado a nossa subjetividade, a nossa maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um. Em suma, é o nosso modo de ser. Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 23) trazem de forma mais concreta o que consiste nossa subjetividade: Sou filho de japoneses e militante de um grupo ecológico, detesto Matemática, adoro samba e black music, pratico ioga, tenho vontade, mas não consigo ter uma namorada. Meu melhor amigo é filho de descendentes de italianos, primeiro aluno da classe em Matemática, trabalha e estuda, é corinthiano fanático, adora comer sushi e navegar pela internet. Esse exemplo deixa claro o quanto que cada um de nós tem suas singularidades. Essa síntese, que revela o que somos (subjetividade), é construída aos poucos, ao nos apropriarmos do mundo e, ao mesmo tempo, enquanto atuamos nesse mundo, ou seja, criando e transformando esse mundo (externo), o homem constrói e transforma a si próprio (interno). Dito de outra forma, o indivíduo é, ao mesmo tempo, personagem e autor: personagem de uma história que ele mesmo constrói. Nessa relação, o homem acaba sendo construtor ao mesmo tempo que é construído e, nesse sentido, podemos afirmar que a subjetividade não é fabricada, produzida, moldada pura e simplesmente. Ela é automoldável, ou seja, o homem tem um papel ativo nesse processo ao não assimilar e “digerir” de forma inerte tudo o que é vinculado nos meios de comunicação de massa, ao questionar criticamente muitos hábitos considerados “normais” ou “naturais” etc. Dessa forma, o ser humano não é um mero produto do meio, mas sim participa da construção de si próprio. Essa perspectiva que nos convoca à ação é compartilhada por Sartre, um dos precursores do Existencialismo, que em várias de suas obras afirma que somos livres, porque fazemos escolhas. Nesta concepção, não importa o que fizeram de nós, mas sim o que fazemos com o que fizeram de nós. Essa afirmação tem o intuito de provocar o homem e convidá-lo para a ação. Se tendemos a ter atitudes “X” e crenças “Y” na nossa sociedade, diante das informações que nos são apresentadas, isso não significa que não há saída para isso ou que não há como nos comportarmos e crermos em coisas diferentes. TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE 131 A construção da subjetividade é um processo contínuo e isso fica claro nas palavras de Guimarães Rosa em “Grande sertão: Veredas”. “O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”. (ROSA, apud BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 24). A ideia de que as pessoas não foram terminadas, ou ainda, que nunca serão terminadas, é bastante válida, já que o que se percebe é que a subjetividade, nosso mundo interno, estará sempre em movimento e as novas experiências trarão sempre novos elementos para renová-la. Essa ideia de constante modificação já foi expressa há muito tempo pelo filósofo Heráclito, quando afirmou que um homem jamais poderá entrar duas vezes no mesmo rio, pois nem o homem e nem o rio serão os mesmos. Embora seja comum a ideia de que não nos modificamos ou pouco mudamos, e isso possa ser explicado por acompanharmos de perto nossas próprias transformações, nós mudamos de vontades, de gostos, nossa subjetividade se transforma. Posto de outra forma, subjetividade não é o ser, mas os modos de ser, uma emergência constituída em um determinado tempo e espaço e, por isso, convém falarmos em processos de subjetivação, já que se tem a constituição de um sujeito, de uma subjetividade, a partir das relações que esse estabelece cotidianamente ou, então, a subjetividade como produto da subjetivação da objetividade. Em Psicologia Social, o estudo da subjetividade acaba sendo central, pois essa ciência busca frequentemente compreender como nos tempos atuais são produzidos novos modos de ser, isto é, as subjetividades emergentes, cuja fabricação é social e histórica. O estudo dessas novas subjetividades permite acessarmos ao ser humano, ao mesmo tempo que nos remete às condições que esses estão submetidos. Segundo Mancebo (2003), nos dias atuais, multiplicam-se as possibilidades de organização subjetiva e novas exigências comportamentais se desdobram velozmente, ao ponto de afrontar os padrões subjetivos até então defendidos e verificados. Segundo essa mesma autora, por essa razão a discussão a respeito da subjetividade diante da complexidade que tem marcado a contemporaneidade é fundamental. Os efeitos dessa dinâmica múltipla e veloz são verificados em diversas áreas do cotidiano – trabalho, lazer, vida familiar, relacionamentos afetivos – e atingem em cheio as subjetividades. Essa constatação evidencia o fato da subjetividade não poder ser compreendida como uma coisa em si, uma essência imutável. Os modos de existência, ou de subjetivação, são históricos e têm estreitas relações com uma conjuntura dada. Conforme Guattari (apud MANCEBO, 2003, p. 83), “[...] na era das revoluções informáticas, do surgimento das biotecnologias, da criação acelerada, de novos materiais, de uma “maquinização” cada vez mais fina do tempo, novas modalidades de subjetivação estão prestes a surgir”. UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 132 Essa citação nos convida a refletir sobre a subjetividade nesse contexto. De acordo com Mancebo (2003), são vários os reflexos subjetivos verificados no mundo contemporâneo. O primeiro deles seria a convocação permanente de rearranjos e reconfigurações internas no sentido de dar conta de assimilar e se relacionar com um tempo no qual as mudanças surgem em uma velocidade nunca então vista. Outro reflexo seria a tendência a um individualismo diante da aceleração do ritmo de vida e a falta de tempo para coisas agora consideradas supérfluas. Ao invés de perdermos tempo com conversas na rua, por exemplo, procuramos nos ater a nossos “amigos virtuais”. Outra característica do homem moderno e que fica evidente mais do que nunca é a própria necessidade do consumo em demasia, verificado em massa, ou seja, irmos muito além da satisfação das nossas necessidades básicas. Constroem- se desejos e a necessidade desenfreada de satisfazê-los a todo custo. Essas seriam algumas características, dentre muitas possíveis de serem mencionadas, que permitem pensarmos e repensarmos sobre qual a configuração subjetiva emergente no nosso tempo. Para vários autores, temos hoje a chamada “síndrome do loop”, somos tomados por instabilidade e velocidade (semelhante ao loop de uma montanha russa), que exige “deletarmos” muitos valores e estilos de vida até então ressaltados e adentrarmos ao que Jameson (apud MANCEBO, 2003) chama de “mentalidade