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Para Oliveira e Werba (1998), um dos instrumentos mais utilizados na investigação das representações sociais tem sido a técnica dos grupos focais. UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 156 Os grupos focais podem ser descritos como entrevistas realizadas com vários membros pertencentes a um grupo, no qual é conduzida uma discussão no grupo, semelhante a uma conversação realizada entre amigos ou vizinhos. Os dados são discutidos e aprofundados pelos membros do grupo e exatamente por essa razão a fidedignidade dos dados pode ser considerada superior aos dados coletados em uma entrevista individual. Chega-se mais próximo às compreensões que os participantes têm a respeito do tema de interesse do pesquisador, já que as respostas e as representações são elaboradas coletivamente. Para Geerz (apud SPINK, 1995), é importante se destacar que ao trabalhar com o senso comum não cabe somente buscarmos o que é estável e consensual. Muitas vezes, os conteúdos são heterogêneos e, da mesma forma que a homogeneidade, a heterogeneidade e a contradição também são informações ricas para serem analisadas. DICAS A teoria das representações sociais é recente, o que explica a pouca bibliografia em português na área. Entre os poucos materiais disponíveis encontram-se “O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da Psicologia Social”, livro organizado por Mary Jane Spink e com a colaboração de pesquisadores da PUC de São Paulo, e “Textos em representações sociais” que apresenta os trabalhos desenvolvidos na PUC do Rio Grande do Sul, sob a coordenação de Pedrinho Guareschi. TÓPICO 3 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 157 LEITURA COMPLEMENTAR A seguir será apresentada uma pesquisa realizada com o intuito de buscar compreender o porquê que frequentadores de grupos neopentecostais ao apelo do pregador dão seu dinheiro, mesmo que seja tudo que têm. A partir de uma perspectiva crítica, os pesquisadores em questão buscaram dar conta das seguintes questões: como é possível tal exploração? Será que as pessoas não se dão conta de tamanha manipulação? As respostas para essas perguntas podem ser encontradas no campo das representações sociais. IMPORTANT E Guareschi chama de “pentecostais novos” ou “neopentecostais” os grupos religiosos surgidos nas últimas duas ou três décadas, originando-se de todos os tipos de igrejas tradicionais. “SEM DINHEIRO NÃO HÁ SALVAÇÃO”: ANCORANDO O BEM E O MAL ENTRE NEOPENTECOSTAIS P. A. Guareschi Metodologia Nossos dados foram coletados em situações bastante diversas. A maior parte deles foram tomados de observações participantes (ao redor de 50) de cultos e práticas das várias igrejas. Além disso, foram gravados programas de TV (10) e rádio (5) das igrejas que os transmitem. Finalmente, foram feitas entrevistas com pastores (95) e com os fiéis (25), procurando saber, da parte deles, o que achavam das práticas econômicas das igrejas. Os pastores mostravam-se extremamente arredios, dizendo que nada se exige dos fiéis, que tudo é espontâneo. A prova central disso (muitas vezes repetida durante as pregações) é de que nunca se cobrou entrada. O que verdadeiramente nos interessava era compreender como os membros se colocavam diante da questão econômica. É de suas falas que se pode perceber como funcionam as estratégias empregadas pelos pregadores para, a partir de uma necessidade que é fundamentalmente econômica, ancorar a extorsão do dinheiro a representações já existentes na mente dos fiéis para, a partir daí, tirar, deles mesmos, o que eles mais necessitavam. A dimensão econômica nas práticas neopentecostais: dados [...] A forte ênfase dada ao econômico, nas igrejas pentecostais, salta imediatamente à vista. Não há reunião, oração, serviço ou concentração, em UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 158 que a necessidade de contribuir não seja constantemente lembrada. Hugarte (1990) sintetiza as práticas cerimoniais dessas igrejas como sendo uma série de discursos ininterruptos, nos quais os pastores insistem fundamentalmente sobre as necessidades materiais da igreja, a virtude do desprendimento, os benefícios do jejum e das esmolas (“dar para receber”) e a importância de se escutar os programas de rádio ou televisão dessas próprias igrejas. Lembra-se continuamente que é graças às contribuições dos fiéis, que a igreja pode continuar a crescer, ampliando-se geograficamente e no número de seguidores de sua mensagem; com isso aumenta o número de milagres e curas. É admirável a capacidade dos pregadores em convencer os fiéis da obrigação e necessidade de contribuir, até mesmo para eles se salvarem, e de o que se pede é insignificante se comparado, por exemplo, ao preço de uma cerveja, a uma passagem de ônibus, ou mesmo a um refrigerante. Alguns exemplos desses raciocínios e motivações: “Você não pode ganhar nada de graça, nem mesmo Deus; para se conseguir uma graça você tem de pagar”. “É dando (dinheiro) que você vai receber (a graça)”. A atividade milagrosa de igreja é apresentada como se fosse um serviço e, com isso, tem-se como normal e justificado o fato de que se cobre. Algumas falas que mostram isso: “Se pagamos a um médico, se pagamos o aluguel, por que não pagar a quem cura nossos males?” “É necessário aumentar, ou reconstruir a igreja, desse modo Deus poderá continuar a operar o ‘festival de milagres’”. “Precisamos continuar com nossos programas de rádio e televisão para podermos vencer o demônio”. “Você tem de se livrar de seu dinheiro, desse modo você poderá se purificar”. “Se você doar seu dinheiro para a igreja, você poderá até certo ponto purificar o mundo”. “Se você doar dinheiro para a igreja, você não estará dando dinheiro ao pastor, mas a Deus”. Os fiéis estão convencidos de que eles não estão sendo explorados economicamente por seus pastores. Nem chegam a pensar nessa possibilidade. Eis a reação de uma mulher à tentativa de questionamento sobre a possibilidade de exploração econômica: “Exploração? Nunca! A pessoa dá o que ela quiser. Não há obrigação de dar. Você não paga por tudo o que compra? Do mesmo modo, por que não pagar a Deus?” FONTE: Guareschi (1995, p. 205-208). A partir dos dados coletados na pesquisa é possível serem feitas algumas considerações a partir da teoria das representações sociais e analisados os mecanismos empregados nesse processo. Esse é o intuito de Guareschi (1995) ao propor a análise desse fenômeno a partir de dois processos considerados por ele fundamentais: a situação da não familiaridade e o processo de ancoragem. Na pesquisa apresentada, o não familiar, ou o grande temor dos frequentadores das instituições em questão, está nas dificuldades presentes no dia a dia, dificuldades essas de ordem financeira e pessoal. Lembrando Moscovici (apud OLIVEIRA; WERBA, 1998) e a afirmação de que o grande propósito de todas as representações é o de transformar algo não familiar em familiar, nesse TÓPICO 3 | REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 159 caso, o mistério ou angústia dos fiéis é a impotência de não poder solucionar os seus problemas. Entram em jogo, então, os “interpretadores” do mistério e que se municiam com um instrumento absolutamente legitimado: a Bíblia. “O importante é obedecer cegamente, crer sem restrições, atirar-se confiantemente em seus braços”. (GUARESCHI, 1995, p. 213). Para Guareschi (1995), a ancoragem é outro processo que auxilia a compreender esse fenômeno, ao analisar o universo simbólico dessas pessoas, as representações sociais já existentes e como as práticas empregadas pelos pregadores nada mais fazem que ligar, “ancorar” essas novas práticas a situações anteriores, representações tradicionais típicas da religiosidade popular de nosso povo. Entre elas é possível citar a representação da reciprocidade (dar e receber), a representação