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caso 6 - anemia falciforme

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FTC - Faculdade de Tecnologia e Ciências
3º semestre – 2020.1 – Medicina
Ana Verena Silva 
Anemia falciforme
Caso 6
ID: M.C.S.J., sexo feminino, 9 anos , natural de Bonfim de Feira e procedente de Salvador. Informante: mãe. Grau de informação: regular
QP: Dor na perna direita há 2 dias
H.M.A.: A genitora refere que a paciente é portadora de doença crônica que se iniciou antes de 1 ano de idade e desde então, com certa frequência, apresenta episódios de dores de forte intensidade, que não melhoram com uso de analgésicos orais e que precisa ser internada para obter alívio das mesmas. As crises dolorosas ocorrem em qualquer parte do corpo e muitas vezes são articulares. Algumas vezes são associadas a sinais flogísticos e geralmente surgem após cursar com algum quadro de infecção respiratória. Notou ainda que a menor apresenta cansaço desproporcional durante as atividades físicas, com especial dificuldade para subir ladeiras e limitação para fazer uma caminhada de média distância (tanto a dor que surge no quadril quanto o cansaço físico impedem que a mesma realize o trajeto de casa para escola). Por conta dos diversos internamentos, a filha tem perdido muitas aulas, o que tem prejudicado o seu rendimento escolar. Iniciou tratamento psicoterápico há cerca de 2 meses, por indicação da pediatra, mas interrompeu. A genitora informa que há dois anos a paciente teve um quadro mais grave de dor abdominal e queda de pressão, tendo que se submeter a uma transfusão sanguínea. Atualmente a mesma cursa há 2 dias com dor intensa na virilha do lado direito e dificuldade de deambulação. Por não obter melhora após uso de analgésicos e antiinflamatórios procurou atendimento médico.
IS: Nega tosse, febre, alterações digestivas ou urinárias no período. Nega perda de peso.
AOA: vide HMA.
AMPP: Nega alergias medicamentosas ou alimentares. Quatro internamentos prévios por pneumonia associada a dores corporais e um por dor abdominal súbita. Várias idas à emergência devido a dores articulares e musculares. O cartão vacinal está completo. Uma transfusão sanguínea há 2 anos. Nega cirurgias. Teste do pezinho detectou alteração.
AMFis: Nascida de parto normal, a termo. Mãe teve ameaça de aborto no primeiro trimestre da gravidez (após presenciar assalto). Mamou até os 6 meses. Atraso no DNPM.
AFam: Pai, avós paternos e tios têm HAS. Avó materna tem Diabetes. Mãe tem histórico de anemia e dores articulares, mas nunca precisou se internar (sic). Nega outras patologias. Nega consanguinidade. Dois irmãos saudáveis.
ASoc: Vive em casa de alvenaria, com saneamento básico, Mora com os pais e irmãos. Atualmente a família passa por dificuldades financeiras, só o genitor está trabalhando. A mãe, devido às dores articulares que estavam se agravando, precisou parar o serviço de diarista. O tratamento psicológico da paciente foi interrompido por esta razão, já que era semanal e o custo do transporte ficou alto.
Exame físico: Regular estado geral, fácies de dor, taquipneica, afebril, hipocorada ++/IV, acianótica, ictérica +/IV, chorosa. TA: 100x60mmHg // FC: 100bpm // FR: 32 ipm //T: 36.8ºC //SatO2: 95%
Cabeça e pescoço: Conformação normal, olhos com icterícia +/IV e hipocromia de mucosas ++/IV; nariz, ouvidos e orofaringe sem alterações; tireoide de consistência normal à palpação, indolor, superfície lisa. Não foram palpados linfonodos.
Tórax: de conformação normal. 
AR: Expansibilidade diminuída. FTV e percussão sem alterações. MV bem distribuído, sem RA
ACV: ictus no 5º EIE, na LMC; bulhas normofonéticas em 2T, taquicárdicas,. Pulsos periféricos rítmicos, de amplitude normal e simétricos
Abdome: plano, flácido, RHA +, baço palpável a 2 cm do RCE de consistência endurecida. Fígado palpável a 3cm do rebordo costal direito, consistência firme; ambos indolores à palpação
Extremidades: sem edema ou cianose. TEC normal; dor às manobras de movimentação e limitação da amplitude de movimento (rotação interna e externa e flexão) da articulação coxo-femoral direita.
Neurológico: criança lúcida e orientada, chorosa e amedrontada; pupilas isocóricas e fotorreagentes; reflexos normais; sensibilidade preservada. Deambulação prejudicada pela dor.
ESTUDO DO CASO 
· Teste do pezinho 
O teste do pezinho é um meio de se fazer o diagnóstico precoce de diversas doenças congênitas assintomáticas no período neonatal, permitindo a prevenção contra as sequelas que podem causar se instaladas no organismo humano. As doenças triadas são: Fenilcetonúria, Hipotireoidismo Congênito, Deficiência de Biotinidase, Hemoglobinopatias, Fibrose Cística. 
· Hematopoiese e Eritropoiese 
O termo “anemia”, que define clinicamente a existência de um estado de queda da hemoglobina no sangue. A medula óssea vermelha é o órgão produtor das células sanguíneas, devido à presença de grande quantidade de hemácias e precursores eritroides. Até os 5 anos todos os ossos do corpo participam desse processo, mas na fase adulta apenas os ossos da pelve têm potencial para voltar a produzir células sanguíneas sob determinados estímulos. Os elementos do sangue (hemácias, plaquetas e leucócitos) originam-se da célula-tronco (totipotente) presentes na medula. Essa célula se diferencia na linhagem mieloide (origina as hemácias, plaquetas, granulócitos e monócitos) e a linhagem linfoide (origina os linfócitos). A célula progenitora mieloide se diferencia em uma linhagem eritroide-megacariocítica (que origina eritroblastos que amadurecem e se transformam em eritrócitos e megacarioblastos que originam os megacariócitos que se diferenciam em plaquetas). e outra linhagem granulocítica-monocítica (que se diferencia em progenitores granulóciticos / mieloblastos que originam os neutrófilos, eosinófilos e os basófilos; progenitores monocíticos / monoblastos que origina o monócito). A célula progenitora linfoide se diferencia em linfócitos B, linfócitos T (no timo). À medida que os precursores vão se diferenciando, dão origem a células CFU (unidades 
No período fetal, o saco vitelínico, o fígado, o baço, os linfonodos e a medula óssea produzem eritrócitos. Após o nascimento, são produzidas apenas pela medula óssea. A primeira célula no interior da medula óssea da série eritroide é o pró-eritroblasto. Ele se divide durante sua maturação, ocorrendo condensação da cromatina nuclear e hemoglobinização do citoplasma, passando pelas fases de: eritroblasto basofílico; eritroblasto policromatofílico; eritroblasto ortocromático (hemácia nucleada); reticulócito (perde o núcleo); e eritrócito. A meia vida de uma hemácia é de 90 a 120 dias
· Qual o papel do baço na imunidade ?
O baço tem função imunológica e hematológica desempenhados por duas polpas: uma branca (formada por tecido linfoide e que produz e armazena os linfócitos), e outra vermelha (que destrói as hemácias defeituosas e idosas e armazena células de defesa liberando-as na circulação quando necessário). As principais funções do baço são: 
· Filtrar microrganismos e partículas estranhas do sangue, como vírus e bactérias.
· Produzir linfócitos e plasmócitos que sintetizam anticorpos.
· Realizar reserva de sangue, para o caso de hemorragia intensa. O órgão pode armazenar até 250 ml de sangue.
· Remover as hemácias danificadas ou envelhecidas.
A esplenectomia leva a alterações na estrutura morfológica das hemácias e na concentração de plaquetas e leucócitos. Além disso, aumenta a suscetibilidade a infecções bacterianas, sobretudo aquelas causadas por microorganismos encapsulados como Streptococos pneumonie.
· Hemoglobinopatias
O termo hemoglobinopatia refere-se a um conjunto disperso de doenças genéticas ocasionadas por defeitos na proteína denominada hemoglobina, presente nas hemácias. As hemoglobinopatias são doenças em que mutações genéticas levam a alterações na produção da hemoglobina. Estas alterações podem ser divididas em (1) estruturais ou (2) de produção. Nas alterações estruturais, a hemoglobina produzida não funciona da forma adequada. As alterações de produção resultam em diminuição na taxa de produção da hemoglobina, com graus variáveis de anemia
·ANEMIA FALCIFORME
Definição
Anemia falciforme é uma doença genética e hereditária caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos, que perdem a forma arredondada e elástica, adquirem o aspecto de uma foice. Essas células endurecem dificultando a passagem do sangue pelos vasos e a oxigenação dos tecidos, além de e romperem-se mais facilmente, causando anemia. 
Etiologia / genética / hereditariedade
A anemia falciforme é causada por mutação genética, responsável pela deformidade dos glóbulos vermelhos. Uma mutação pontual (substituição de uma base nitrogenada do códon GAG para GTG, resultando na troca do ácido glutâmico pela valina) cria o gene βS, porém somente aqueles que são homozigotos para o gene βS (dois alelos do tipo βS = HbSHbS) desenvolvem a anemia falciforme. Indivíduos heterozigotos (HbSHbA) possuem variante falcêmica (traço falciforme) 
Acredita-se que a origem do gene βS tenha sido em uma região conhecida como cinturão da malária há cerca de 4.000 anos, onde foi fixado e se expandido. A elevada prevalência do βS nessas populações é explicada pelo processo de seleção natural: quando em heterozigose com o gene β normal (traço falcêmico), ele confere uma vantagem biológica ao proteger o indivíduo contra as formas graves de malária. Desse modo, ao longo dos séculos, o βS foi naturalmente selecionado numa espécie de “solução biológica para um problema cultural”. A disseminação do βS para o resto do mundo se deu posteriormente, devido às migrações e ao tráfico de escravos.
Epidemiologia
Estima-se que entre 8-10% dos negros norte-americanos possuam pelo menos uma cópia do gene βS. Assim, 1 a cada 600 nascimentos na população negra naquele país apresenta homozigose HbSS, enquanto 1 a cada 400 possui alguma variante falcêmica. No Brasil, a anemia falciforme incide em 1 a cada 500 nascimentos na Bahia, 1 a cada 1.200 no Rio de Janeiro e 1 a cada 8.000 no Rio Grande do Sul.
Fisiopatologia
· Comportamento anômalo pela hemoglobina 
Característica 1- baixa solubilidade: A troca do ácido glutâmico pela valina resulta em baixa solubilidade, gerando uma tendência de autoagregação, formando um polímero que produz alteração do formato da célula (afoiçamento) e prejudica sua deformabilidade, não permitindo o carreamento de oxigênio. A (1) hipóxia; (2) acidose; (3) desidratação celular acentuam o afoiçamento. 
- A hipóxia transforma a oxi-HbS em desoxi-HbS. O “limiar de solubilidade” da desoxi-HbS está muito abaixo da concentração de hemoglobina, desencadeando a polimerização. 
- A acidose reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio (efeito Bohr). Logo, na acidose, há mais desoxi-HbS para um mesmo nível de pO2, aumentando a taxa de polimerização. 
- A desidratação celular favorece a polimerização por aumentar a concentração de hemoglobina. Com isso, a concentração de desoxi-HbS também aumenta, ultrapassando seu limiar de solubilidade. 
Sem os fatores predisponentes, os polímeros de HbS se desfazem e as hemácias podem ou não retomar seu formato original. A redução na proporção de HbS dificulta a formação de polímeros, diminuindo o afoiçamento. Logo, nas variantes falcêmicas, a gravidade clínica depende da proporção de HbS dentro da célula.
Característica 2- instabilidade molecular: A HbS é uma molécula instável (tende a sofrer auto-oxidação). A HbS em contato com fosfolipídeos de membrana celular, apresenta alta instabilidade, aumentando sua oxidação e levando a formação de macromoléculas desnaturadas compostas por globina, ferro e fosfolipídeos que permanecem na face interna da membrana gerando danos. 
· Consequências para a hemácia 
- Um fenômeno secundário à instabilidade da hemoglobina é o aumento no estresse oxidativo intracelular, devido ao excesso de reações oxidativas dentro das hemácias (sejam falcêmicas ou não). As macromoléculas desnaturadas possuem o ferro não heme, resultando na catalização da síntese de espécies reativas de oxigênio (radicais livres) que agridem as células, causando danos na membrana plasmática, peroxidação de lipídeos e oxidação das proteínas, danos na fluidez da membrana dificultando que as hemácias consigam sair do estado afoiçado, gerando as ISC (Irreversibly Sickled Cells), além de lise osmótica ou mecânica, contribuindo para a anemia hemolítica. 
- A peroxidação de lipídeos aumenta a permeabilidade da membrana aos cátions, afetando o transporte iônico, resultando em desidratação celular, uma vez que a entrada de cálcio induz a perda de potássio e água. Assim, as hemácias desidratadas se afoiçam com mais facilidade, gerando um ciclo vicioso de afoiçamento e desidratação celular progressiva. 
- Modificações antigênicas na membrana (agregação da proteína banda 3), que aumenta a eritrofagocitose no sistema reticuloendotelial. Além disso, a exposição da Fosfatidilserina (molécula com propriedades adesiogênicas e pró-inflamatórias), contribui nos processos de lesão endotelial difusa e estímulo à resposta inflamatória.
· Consequências para o organismo 
Quando as hemácias falcêmicas são destruídas, ocorre liberação de seus conteúdos para o sangue. A hemoglobina S (instável e com tendência a provocar reações oxidativas), bem como as moléculas “desnaturadas” (ricas em ferro não heme catalítico), exercem efeitos negativos sobre o endotélio, como a depleção do óxido nítrico (substância com propriedades vasodilatadoras, antitrombóticas e anti-inflamatórias). Além disso, o conteúdo das hemácias e as microvesículas (ricas em fosfatidilserina), estimulam células da imunidade inata (macrófagos e monócitos), a produzir e secretar citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa e interleucinas). Assim, na anemia falciforme ocorre um estado de inflamação sistêmica crônica, que por sua vez potencializa a disfunção endotelial. O aumento na exposição de fatores adesiogênicos na superfície das células endoteliais, gera um processo de hiperplasia e fibrose na parede dos vasos de maior calibre, com obstrução progressiva do lúmem. Este fato, aliado a um aumento no afoiçamento de hemácias explica o fenômeno da vaso-oclusão capilar que caracteriza as crises falcêmicas agudas (ex.: crises álgicas). A inflamação sistêmica crônica produz hipercoagulabilidade (facilitando o surgimento de tromboses), que associada a lesão crônica da parede vascular, explica a vasculopatia macroscópica subjacente a certas complicações, como o AVE isquêmico e a hipertensão pulmonar.
· Vaso oclusão capilar 
A vaso-oclusão aguda justifica as crises álgicas, mas sabe-se que ela também ocorre de forma crônica em baixa escala, levando à disfunção orgânica lentamente progressiva.
1. Adesão de hemácias ao endotélio das vênulas pós-capilares lentificando o fluxo sanguíneo local; 
2. Impactação e empilhamento de hemácias a montante, inicialmente as ISC (menos deformáveis) e posteriormente hemácias não afoiçadas. A estase sanguínea subsequente produz hipóxia e acidose, o que faz o afoiçamento se generalizar criando a obstrução microvascular que culmina em isquemia tecidual.
A adesão de hemácias ao endotélio é estimulada por fatores exógenos (infecções, desidratação, estresse), que aumentam a polimerização da HbS e estimulam a resposta inflamatória. A agudização do estado inflamatório crônico ativa ainda mais a exposição de moléculas adesinogênicas nas células endoteliais, aumentando o número de hemácias presas na microcirculação. As consequências da vaso-oclusão são: isquemia tecidual com focos de necrose nos órgãos envolvidos (medula, baço). A isquemia localizada estimula disfunção endotelial sistêmica por meio de mediadores pró-inflamatórios liberados pelos tecidos infartados que modificam a vasculatura de todo o organismo, que facilita a vaso-oclusão capilar e a lesão na parede dos vasos, gerando o ciclo vicioso. Por isso, a disfunção orgânica da anemia falciforme apresenta curso crônico e progressivo. 
Diagnóstico
1 - Laboratório Básico: Por ser uma anemia hemolítica crônica, a anemia falciforme cursa com alterações laboratoriais estereotipadas: (1) queda leve a moderada da hemoglobina e do hematócrito; (2) reticulocitose (aumentode reticulócitos entre 3-15%, sugere produção acelerada de eitrócitos); (3) hiperbilirrubinemia indireta; (4) aumento de LDH; (5) queda da haptoglobina. Devido à resposta inflamatória sistêmica que acompanha a doença esperam-se contagens de leucócitos e plaquetas aumentadas, além de elevação dos marcadores de fase aguda (proteína C reativa). No esfregaço de sangue periférico observa-se: (1) hemácias irreversivelmente afoiçadas (ISC); (2) policromasia (material ribossômico remanescente devido à reticulocitose e atividade eritropoiética elevada); (3) corpúsculos Howell-Jolly (sinal de asplenia que é o não funcionamento do baço); (4) hemácias “em alvo” (indício genérico de que existe uma hemoglobinopatia). 
2 – Confirmação: por meio da eletroforese de hemoglobina. Neste método, as diferentes hemoglobinas presentes nas hemácias são separadas num gel em função de seu peso molecular e carga elétrica. O “perfil de distribuição” das hemoglobinas encontradas (HbS mais lenta) permite o diagnóstico diferencial entre anemia falciforme e as principais variantes falcêmicas. 
Rastreio 
Pré-natal: Nas gestações onde existe risco de HbSS no concepto pode-se realizar o diagnóstico por meio da biópsia de vilo coriônico, coletada entre 8-10 semanas de gestação e submetida à análise genética. 
Neonatal: No Brasil, todos os recém-nascidos devem realizar o teste do pezinho (entre 2-30 dias de vida), a fim de detectar uma série de doenças genéticas, incluindo a anemia falciforme. Tal conduta se justifica porque a adoção precoce de medidas preventivas é capaz de mudar a história natural da doença, reduzindo sua morbimortalidade. A partir do sangue obtido por punção do calcanhar determina-se o fenótipo de hemoglobina. 
Manifestações clínicas
A anemia falciforme se manifesta como um quadro de hemólise crônica associado a múltiplas disfunções orgânicas progressivas. A maioria dos pacientes apresenta uma evolução pontuada por crises álgicas recorrentes. Os principais “órgãos-alvo” da doença são: (1) baço; (2) ossos; (3) rins; (4) cérebro; (5) pulmões; (6) pele; e (7) coração. A expectativa de vida dos falcêmicos é inferior a da população geral, girando em torno de 42 anos para os homens e 48 anos para as mulheres.
Tratamento
Existem quatro condutas básicas que diminuem a morbimortalidade da anemia falciforme, prolongando a vida do paciente. 
Profilaxia contra o Pneumococo: A principal causa de óbito em crianças falcêmicas é a infecção pelo Streptococcus pneumoniae. O pneumococo tem comportamento mais invasivo nesses pacientes, evoluindo com pneumonia, bacteremia e meningite. Portanto, a vacinação antipneumocócica e o uso profilático de penicilina reduzem de forma significativa a morbimortalidade precoce da AF. 
· Vacinação: Para crianças com < 2 anos de idade, atualmente usa-se a vacina 13-valente (Prevenar-13) que é feita em três doses com intervalo de 6-8 semanas, iniciando a partir do 2º mês de vida, com reforço aos 12 meses. Aos 2 e 7 anos, aplica-se a vacina conjugada de polissacarídeos 23-valente (PPSV-23). 
· Antibioticoprofilaxia: A profilaxia com penicilina V oral iniciada no 2º mês de vida reduz em mais de 80% a chance de infecção invasiva pelo pneumococo. A dose é de 125mg 2x ao dia até dois anos, passando-se para 250mg 2x ao dia até os 5 anos. Nos pacientes com história de sepse pneumocócica ou esplenectomia cirúrgica, deve-se considerar a manutenção eterna.
Reativação da Síntese de Hemoglobina Fetal: A hemoglobina fetal evita a polimerização da HbS, reduzindo o afoiçamento. Indivíduos que na heterozigose apresentam HbF não apresentam sintomas, enquanto na homozigose apresentam melhora na sobrevida. A reativação da HbF é feita com a Hidroxiureia (HU) por um mecanismo desconhecido. Hematologicamente, ocorre melhora da anemia e queda na contagem de reticulóticos, leucócitos e plaquetas. Clinicamente, diminui a frequência de crises álgicas e da necessidade de hemotransfusão. 
Hemotransfusão: Existem duas modalidades básicas de hemotransfusão na AF: (1) transfusão simples: onde as bolsas de hemácias (cada uma eleva a hemoglobina em 1g/dl = 3% no hematócrito) são ministradas conforme a necessidade, com o objetivo de trazer a Hb e o Ht até um máximo de 10 g/dl e 30% respectivamente. (2) transfusão de troca parcial: onde parte das hemácias falcêmicas é removida da circulação em troca de hemácias normais. Isto pode ser feito através de uma flebotomia (retirada de 10 ml/kg de sangue) seguida pela transfusão de hemácias, ou pode-se realizar a troca de forma concomitante, por meio de um aparelho automatizado. Os alvos de Hb e Ht são os mesmos: 10 g/dl e 30%. No entanto, também ocorre redução na quantidade de HbS circulante, objetivando manter a proporção de HbS < 30%. 
As principais complicações transfusionais são a aloimunização (desenvolvimento de anticorpos contra antígenos de grupos sanguíneos incompatíveis, levando a ocorrência de reações hemolíticas tardias), a sobrecarga de ferro e as infecções virais hemotransmissíveis. Por isso, a importância do rastreio do sangue dodado 
Quelação do Ferro: Indivíduos que necessitam de hemotransfusões repetitivas estão sob risco de desenvolver sobrecarga de ferro (hemocromatose secundária). A hemocromatose, ao danificar múltiplos órgãos e tecidos (cirrose hepática, miocardiopatia dilatada) reduz a expectativa de vida. Seu tratamento, baseado no uso de quelantes de ferro (substância que sequestra o ferro e aumenta sua eliminação do organismo) diminui a morbimortalidade. Ex: deferoxamina e deferasirox. 
Complicações
Crise Álgica: A dor aguda é o sintoma inicial da AF em > 25% dos casos. A forma mais comum de crise álgica é a “crise esquelética”, sendo seu mecanismo causal a vaso-oclusão no interior da medula óssea produzindo infarto ósseo. Em crianças com menos de dois anos a primeira crise álgica costuma ser a síndrome mão-pé (dactilite falcêmica). Ocorre dor e edema nas extremidades, em consequência à isquemia/infarto dos pequenos ossos das mãos e pés. A intensidade e a frequência das crises álgicas são variáveis, podendo ir de leve a excruciante, durando de um episódio típico entre quatro a dez dias. Uma minoria desses indivíduos apresenta crises álgicas muito frequentes. A probabilidade de ocorrer uma crise álgica tende a ser maior na vigência de: (1) níveis reduzidos de HbF; (2) níveis aumentados de Hb/Ht (pela maior viscosidade sanguínea); e (3) história de apneia do sono (risco de dessaturação arterial noturna). A dor pode ser desencadeada por fatores como frio, desidratação, infecções, estresse emocional, menstruação e libação alcoólica; ou ser espontânea (sem fator desencadeante). Qualquer parte do corpo pode ser afetada, mas geralmente incide: (1) região dorso-lombar; (2) tórax; (3) extremidades; e (4) abdome. A conduta perante a crise álgica falcêmica consiste na pesquisa e correção dos fatores desencadeantes, bem como no alívio imediato, seguro e eficaz da dor. A eliminação completa da dor é um objetivo irreal, pois subtratar o paciente (deixando-o com dor residual significativa) é tão ruim quanto o supertratamento que resulta em sedação, depressão respiratória e hipoxemia (levando à piora do afoiçamento de hemácias). Utilizam-se combinações de analgésicos com mecanismos de ação distintos, o que permite reduzir a dose e a chance de toxicidade de cada droga individual. AINEs, paracetamol, dipirona e opioides devem ser prescritos a intervalos regulares. Além disso, a hidratação deve ser feita preferencialmente pela via oral (60 ml/kg/dia), ou venosa quando a oral não pode ser garantida. A hemoglobina pode cair 1 a 2 g/dl na vigência de uma crise álgica, porém não indica necessidade de hemotransfusão pois a mesma não tem papel no controle da dor, e se a Hb ultrapassar 10 g/dl pode ocorrer hiperviscosidade sanguínea e piora da vaso-oclusão capilar.
Crise abdominal: Causada por isquemia/microinfartos no território mesentérico, geralmente evoluindo com resolução espontânea e sem maiores complicações. O quadro clínico é de dor abdominal intensa acompanhada de sinais de irritaçãodo peritônio (descompressão brusca dolorosa), o que pode simular abdome agudo cirúrgico. 
Crise de dor (dor crônica): Na maioria das vezes, os portadores de AF que se queixam de dor crônica possuem fraturas vertebrais, osteonecrose da cabeça do fêmure/ou úmero, úlceras cutâneas persistentes. Para estes pacientes o uso de analgésicos a longo prazo está indicado, como formulações de morfina oral de liberação prolongada, antidepressivos tricíclicos em baixas doses e certos agentes anticonvulsivantes. Por outro lado, quando nenhum substrato anatômico é identificado, o mais provável é que se trate de um paciente com crises de vaso-oclusão frequentes. Neste caso, o tratamento “paliativo” crônico com as drogas citadas deve ser limitado, focando-se a conduta nas medidas que reduzem a vaso-oclusão. 
Crises aplásicas: São mais frequentes nos primeiros anos de vida, causadas por infecção por parvovírus, que provoca uma parada passageira da eritropoiese, e como consequência vai agravar acentuadamente a anemia. Na crise aguda, há um acúmulo repentino de sangue dentro dos sinusóides esplênicos, com aumento do órgão, diminuição da concentração de hemoglobina e elevação dos reticulócitos. 
Sequestro esplênico: É uma complicação resultante da estagnação aguda das células falciformes no baço, que aumenta seu volume em 2 cm ou mais à palpação, sendo causa de grande morbimortalidade. É de rápida instalação, com queda súbita nos valores sanguíneos de hemoglobina, evoluindo para choque hipovolêmico. A manifestação clínica caracteriza-se por súbito mal estar, piora progressiva da palidez, dor abdominal, sudorese, taquicardia e taquipnéia, esplenomegalia, polidipsia.
Úlcera de Perna: ocorre mais frequentemente próximo aos tornozelos, a partir da adolescência. As úlceras podem levar anos para a cicatrização completa, se não forem bem cuidadas no início do seu aparecimento. Para prevenir o aparecimento das úlceras, os pacientes devem usar meias grossas e sapatos. 
· Diagnósticos diferenciais: outros tipos de anemia 
Talassemia: É um tipo de anemia microcítica causada por alterações genéticas que resultam em defeitos no processo de síntese da hemoglobina, podendo causar fadiga, irritabilidade, atraso no crescimento, falta de apetite e enfraquecimento do sistema imunológico. 
Anemia ferropriva: É um dos tipos mais comuns de anemia, que é causado pela baixo consumo de alimentos com ferro, como carne vermelha, ovo ou espinafre. No entanto, este tipo de anemia também pode surgir após uma hemorragia ou menstruação severa, devido à perda de ferro pelo sangue. 
Anemia megaloblástica: É um tipo de anemia caracterizado pelo tamanho anormal dos glóbulos vermelhos e diminuição dos glóbulos brancos e plaquetas, provocado pela baixa ingestão de vitamina B12, mais comum em vegetarianos. Além dos sintomas clássicos, pode surgir dor na barriga, queda de cabelo, cansaço e feridas na boca. 
Anemia de Fanconi: É outro tipo de anemia genética caracterizado pelo tamanho anormal dos glóbulos vermelhos e diminuição dos glóbulos brancos e plaquetas, provocado pela deficiência de vitamina B12. Os sintomas incluem dor na barriga, queda de cabelo, cansaço e feridas na boca. 
Anemia perniciosa: Este é um tipo de anemia megaloblástica que acontece quando a pessoa ingere vitamina B12, mas o corpo não consegue absorvê-la, podendo resultar em graves danos neurológicos, se não houver o tratamento adequado.
Anemia hemolítica: Este tipo de anemia produz anticorpos que destroem as células sanguíneas. Ela é mais comum em mulheres do que em homens e gera sintomas como palidez, tontura, marcas roxas na pele, pele e olhos secos. 
Anemia aplásica: É uma doença auto-imune onde a medula óssea diminui a produção de células sanguíneas, causando sintomas como manchas roxas na pele, hematomas frequentes e sangramentos que demoram muito para parar. 
Aneima falciforme: É uma anemia genética causada pela destruição das células vermelhas do sangue o que gera sintomas como icterícia, inchaço nas mãos e nos pés e dor em todo o corpo.

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