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CAPA 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 3 2 FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO: INTRODUÇÃO, TENDÊNCIAS, CONCEITOS E REMISSÕES. 4 3 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA SOB O OLHAR DA FILOSOFIA 6 3.1 A religião experimentada pela filosofia é vista pela ciência 7 3.2 Filosofia, sociologia e fenomenologia da religião (Descrição sociológica e definição filosófica do fenômeno religioso) 15 4 A experiência da religião na filosofia MEDIEVAL E NA moderna 20 4.1 A filosofia medieval da religião (alguns aspectos) 21 4.2 A teoria do profeta e dos atributos divinos de Maimônides e os argumentos filosóficos de Aristóteles 37 4.3 Algumas questões da filosofia da religião na modernidade (Descartes, Leibniz, Spinoza e os desdobramentos) 41 5 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO 49 5.1 A releitura da filosofia tomista no século XX e sua importância no âmbito da filosofia da religião. 49 5.2 Filosofia analítica da religião 57 6 A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO E A FILOSOFIA (CONSIDERAÇÕES FINAIS). 66 REFERÊNCIAS 71 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO: INTRODUÇÃO, TENDÊNCIAS, CONCEITOS E REMISSÕES. As religiões em seus aspectos sociais e psicológicos podem ser estudadas por diversas disciplinas, como a psicologia, a antropologia, a psicanálise, a fenomenologia das religiões e da experiência religiosa, a sociologia e também pela filosofia, que engloba em seu interior uma disciplina que chama filosofia da religião e cogita investigar radicalmente as raízes do fenômeno religioso e seu significado, muitas vezes relacionando-se com métodos e questões trabalhadas por outras disciplinas. Compreender como o fenômeno religioso pode ser investigado através da racionalidade filosófica é uma tarefa árdua, complexa e interdisciplinar. Já que a filosofia da religião se coloca esse objetivo, preservando sua especificidade em relação a outras áreas do saber, estamos diante de uma área complexa e rica de conteúdo. Trata-se, de um aspecto que objetivamos mostrar no espaço dessa exposição, através da conexão entre a filosofia da religião, considerada em suas dimensões históricas e temáticas, posta em consonância com o sentido sociológico do fenômeno religioso. Para compreender os estudos realizados pela filosofia da religião, é preciso, no entanto, entender como se constitui o campo de experiência teórica denominado filosofia. O Dicionário Houaiss (2001), apresenta uma definição genérica e popular do termo, que pode, nos ajudar a adentrar nesse campo e começar a entender como a filosofia se constitui no âmbito da cultura. Segundo o Dicionário (2001), a filosofia é um conjunto de reflexões a respeito da realidade, baseado no uso da razão. Ainda nos termos do dicionário, a filosofia também é uma sabedoria prática, isto é, um modo de regular e conceber a vida para aqueles que aderem aos seus preceitos. Destas duas compreensões, entendemos que a filosofia é primeiramente algo como um esforço de saber através do uso do entendimento, sendo uma disciplina que valoriza processos de argumentação e demonstração, no que diz respeito à sua possibilidade de relação com a verdade. Por outro lado, a filosofia também tem sentido ético e autogestionário, pois implica práticas 5 de existência autônomas e investiga os princípios pelos quais o sujeito deve conscientemente gerir e orientar sua existência. A filosofia, dessa maneira, parece oscilar entre o esforço de ser uma investigação 'científica' da realidade em suas dimensões mais profundas; e a busca pelo desenvolvimento de uma prática de existência; aspecto frisado, por importantes filósofos contemporâneos, como Foucault (2007) e Hadot (2014), quando indicam em seus trabalhos que a filosofia grega expressa em suas raízes a necessidade de criar e tornar possível uma “estética da existência”, algo que teria sido perdido na modernidade, onde a filosofia assume uma forma teórica antes de tudo, visando-se como ciência dos fundamentos e mesmo como epistemologia. Wilkinson e Campbell (2014), contudo, definem o pensamento filosófico como uma reflexão sobre questões fundamentais, pondo em relevo o aspecto teórico da filosofia; pois, segundo os autores, a filosofia tem tentado definir e compreender o mundo e as coisas quando visa se definir a através da sua relação com o que se mostra para a experiência, mais precisamente através das relações entre sujeito e objeto, como também sujeito e mundo, em sua forma múltipla de apresentação, que inclui também uma posição do sujeito enquanto filósofo, isto é, que busca uma relação de investigação radical da realidade (WILKINSON; CAMPBELL, 2014). A sociologia, por outro lado, é uma disciplina que estuda a existência humana em função do meio e dos processos que interligam os indivíduos em associações, grupos e instituições. Enquanto o sujeito é destacado em sua singularidade pela psicologia, a sociologia tem uma base teórica e metodológica voltada para o estudo dos fenômenos sociais, tentando explicá-los e analisá-los a partir das relações humanas. Compreender as diferentes sociedades e culturas é uma das tarefas da sociologia; considerando que o sujeito humano está inserido em uma história pessoal que surge marcado pelo pertencimento a uma classe social, a uma formação profissional e intelectual e a uma religiosidade, considerada também uma das formas pelas quais as relações sociais se constituem. Assim, a sociologia surge como uma investigação científica que busca entender de que modo as sociedades funcionam, utilizando dados empíricos, visíveis e 6 comprováveis, voltando-se para o que pode haver de estatístico e objetivo na vida social, mas não esquecendo das múltiplas formas pelas quais os fenômenos sociais também têm características irredutíveis a uma concepção ciência que tome como modelo aquele da física ou das ciências naturais, já que mesmo onde pode haver o estatístico, o medível e a repetição na vida social, é necessário encontrar o singular e o acontecimento concreto. Visando as duas disciplinas, nosso estudo apresenta conteúdos históricos e metodológicos das duas disciplinas, buscando evidenciar relações entre elas no âmbito do estudo do fenômeno religioso. 3 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA SOB O OLHAR DA FILOSOFIA As religiões são fortes influências nas sociedades e na cultura humana; por isso, podemos falar que a religião atua para construir ou justificar uma ética; ‘pensando’ ou aderindo uma política; visando e formatando vivências; ou questionando e justificando moralidades constituídas. Atualmente, por exemplo, as religiões ocupam, através de seus membros, instituições como partidos políticos, associações e universidades; atuando, assim, em espaços políticoscada vez mais diversos e amplos; no caso do Brasil, ela ocupa o poder através de seus vereadores, deputados e senadores que estão cada vez mais presentes na mídia, na internet, difundindo comportamentos e valores. Por outro lado, essa mesma experiência religiosa que age sobre seu meio quando se faz instituição e ação humana é utilizada pelo poder e pelo Estado como ferramenta de manutenção de privilégios, já que a fé também está relacionada ao mundo humano das afecções, das emoções e do pensamento; dimensões de uma frágil condição pelas quais os seres humanos se engajam ou podem ser engajados em ambientes e necessidades, muitas vezes, sem se permitir o distanciamento da crítica. Nesses casos, a fé, uma experiência singular do sujeito, acaba se tornando algo utilizado pelo estado, pelos líderes religiosos inescrupulosos e por ideologias religiosas fabricadas que não coincidem com as necessidades e sentido da fé 7 enquanto sistema desejante de experiência que institui a relação humana com suas divindades. Colocando em nosso horizonte a complexidade do fenômeno religioso, estudaremos neste capítulo, de que forma a filosofia pode compreender ‘racionalmente’ a fé, isto é, por um distanciamento crítico, mas também aberta às peculiares e complexas dimensões da vida humana, quando ela se volta para a vivência de uma fé religiosa. Para descrever o caminho desta possibilidade; considerando sua diferença em relação a outras abordagens empreendidas pela filosofia; primeiramente falaremos da religião a partir das concepções e dimensões metafísicas e ontológicas, visando entender a diferença entre o sagrado e o profano, pondo em relevo a ideia que toda fé está fundamentada em uma fé mais antiga e originária: a fé perceptiva, aspecto que a fé religiosa partilha com a filosofia, com as ciências e com todas as formas de criação e expressão nas quais descrevemos, refletimos e ampliamos nossa condição de existência encarnada. 3.1 A religião experimentada pela filosofia é vista pela ciência A filosofia e as ciências interrogam as religiões através da racionalidade sistemática e orientada por métodos específicos. Compreender como isso é possível é um problema prático e teórico que implica para a filosofia e as ciências um pensar sobre sua própria realidade. Ciência e filosofia mobilizam e constroem conceitos através do contato concreto com os fenômenos. A religião também lida com processos conceituais e visa dar ao ser humano uma visão de mundo pela qual ele possa explicar e justificar sua existência. Por isso, nos perguntamos: é apenas pelo uso sistemático da racionalidade que podemos diferenciar a religião da ciência e da filosofia? Ou não haveria uma racionalidade religiosa? É importante lembrar, nesse sentido, que as formas de experiência religiosa e sua organização talvez tenham sido o primeiro esforço humano para compreender seu 8 lugar no mundo e na natureza; aspecto reconhecível pelo estudo das inúmeras mitologias que antecedem o pensamento filosófico na Grécia Antiga; ou mesmo considerando a proeminência dos sistemas religiosos e suas estruturas nas civilizações antigas como base de justificação moral e política da existência (BRANDÃO, 2010; TURCAN, 2001). Por isso, em alguma medida, a fé religiosa pode ser reconhecida como uma relação de conhecimento do ser humano com o mundo, pela qual ele retoma e transforma seu contato imediato consigo e com o universo pela retomada de outra fé, que não é religiosa em sentido estrito, mas é fé anterior; a fé na existência do mundo e em nosso contato com ele, o que fenomenólogo francês Merleau-Ponty chama de fé perceptiva. Por fé perceptiva, entende-se, seguindo o texto de Merleau-Ponty, a abertura do corpo humano ao mundo, no âmbito de uma discussão ontológica sobre o corpo enquanto experiência vivida. Merleau-Ponty define da seguinte maneira a fé perceptiva: “Observamos as coisas mesmas, o mundo é aquilo que vemos, — fórmulas deste tipo exprimem uma fé comum ao homem e ao filósofo quando ele abre os olhos, remetem a uma camada profunda de ‘opiniões’ mudas, implícitas em nossa vida” (MERLEAU-PONTY, 2007, p. 30). Em uma nota de rodapé, do texto citado acima, Merleau-Ponty considera ainda que a fé perceptiva é um conceito a se precisar; pois não pode ser entendida como uma escolha do sujeito ou como uma crença simultaneamente inconsciente e cultural; mas como uma abertura ‘animal’ do corpo ao mundo, impossível de não ser realizada enquanto é a experiência inicial de um ser enquanto for vivo. Em nossa cultura, ela se dá primeiramente pelo contato do corpo do bebê com seus cuidadores: imediatamente com a mãe ou com a ausência da mãe, mas também estaria em movimento em nós diariamente, porque em nossa atitude natural tomamos o mundo como existente, referido e acessível a nós (MERLEAU-PONTY, 1971). Assim, quer se trate de corpo, do mundo natural, do passado histórico ou subjetivo, do nascimento ou da morte, a questão, em qualquer investigação filosófica, é compreender como podemos estar abertos a fenômenos que nos ultrapassam e, 9 todavia, apenas existem na medida em que são retomados e vividos (MERLEAU- PONTY, 1999). Uma vez que as religiosidades pressupõem e vivenciam aspectos ligados diretamente à fé; não diretamente a fé perceptiva, mas que, como qualquer experiência humana, elas têm fé perceptiva como fundo, não seria equívoco pensar que uma religião, um pensamento religioso ou uma forma de viver religiosamente apenas começa pela abertura imediata da existência humana ao mundo, ou seja, pela fé perceptiva. Desta forma, é interessante perguntar, como estudar a fé religiosa, essa atitude específica de um sujeito em relação ao mundo? Ou seria, por outro lado, a fé religiosa uma forma peculiar de conhecimento onde não se aplica a ciência e a filosofia, tampouco, deve algo a fé perceptiva, na medida em que a ultrapassa? O que falar da teologia que busca uma explicação racional para fé tendo em vista uma racionalidade alinhada ou submetida a fé? Mais ainda, o que pode campo de pesquisas tais como o que estamos trabalhando aqui, isto é a filosofia da religião e sociologia da religião, quando se deparam com o fenômeno religioso e principalmente com fé? Para responder tais questões, são necessários métodos que possam ajudar a compreender os elementos distintivos das religiões nas suas dimensões fenomenológicas, estruturais e existenciais. Temos em vista três tradições de pensamento contemporâneas quando nos referimos a estas três dimensões: a fenomenologia, o estruturalismo e o existencialismo. São formas diferentes de considerar os fenômenos, havendo uma proximidade maior entre fenomenologia e existencialismo, o que não implica a ausência de diferenças razoáveis e fundamentais entre tais correntes. O estruturalismo, por outro lado, é uma filosofia que surge na França e se desvia e critica a fenomenologia e o existencialismo, ainda que muitos estruturalistas tenham tido que passar pelo pensamento de Husserl para fazer algo com a noção de estrutura; Derrida, por exemplo, que cria as bases para o pensamento da desconstrução. Mas para além dessa contextualização, o que visamos é o seguinte: pela fenomenologia podemos encontrar o visar a fé e os fenômenos que ela implica pelo 10 sujeito religioso em sua essência, entendendo o que significa ter fé quando se está nessa posição de sujeito, se abrindo, portanto, pergunta: o que é acreditar em Deus? O que é ter fé? No âmbito de uma investigação pela estrutura, por outro lado, consideramos os ritos, as instituições religiosas, mundo de utensílios e práticas dadas em uma religião, conquistadas e transformadas pela pessoa religiosa quando ela aparece como momento de uma estrutura onde dimensões visíveis e invisíveis passam compor sua vida pessoal e coletiva.Por fim, quando falamos de existência visamos o sujeito da fé em sua singularidade: aquele que vive sua fé, que pode ou não estar em uma relação de coincidência com as tradições religiosas de sua cultura. Certamente, não será possível responder todas as essas questões durante a exposição, mas visamos, ao falar delas, mostrar como o campo da filosofia da religião se configura complexamente; são questões importantes e respondendo algumas delas, ainda que de modo provisório, o estudante talvez possa se interessar por elas; e inclusive saber observar a sua própria fé (se for religioso) ou se não for religioso se permitir entender a fé do outro como experiência. A filosofia é desde sua origem uma preocupação com a totalidade, com as relações, com o tentar pegar em fenômeno em sua relação com outro, tendo em vista a cadeia de sentido que está com ele relacionado. Isso se dá na história da filosofia, primeiramente como a busca pelo elemento a partir do qual todos os outros existem e adquirem sentido, os primeiros filósofos gregos falavam da physis e identificavam em elementos da natureza ou de ordem ontológica (água, o fogo, o átomo, o ar e o infinito) a essência do mundo (BRUN, s/d). Na filosofia posterior, com Sócrates, Platão e Aristóteles, passa-se a falar de princípios e essências, de um mundo das ideias e um mundo sensível, buscando então descrever elementos ideais e essenciais que determinam o sentido do mundo e da experiência, como também entender as implicações éticas, antropológicas e políticas da investigação filosófica (BURNET, 1994). Nos dois casos, o que se tem em vista é uma descrição do todo e não somente da parte. Nesse aspecto, o objeto da filosofia e seu conteúdo difere das ciências 11 particulares, limitadas a estudar uma região específica da experiência e do ser. Assim, se há a possibilidade de uma investigação filosófica do fenômeno religioso, ele visará entender o fenômeno religioso em sua totalidade, buscando descrever e explicitar sua origem, estruturas, princípios e essência, como também suas implicações éticas, políticas e existenciais na vida dos seres humanos. Nesse sentido, ela se difere da sociologia da religião, preocupada com o sentido social do fenômeno religioso, enquanto dimensão de sociabilidade e de relações de poder, que surgem em uma sociedade e uma cultura, o que não impede também inúmeras trocas entre as duas áreas, já que onde há sociologia pode haver filosofia e seria insuficiente uma filosofia que desconsiderasse as relações humanas e instituições sociais. A segunda dimensão da filosofia é o método pelo qual se busca uma explicação "racional'' para aquilo que é vivido e observado filosoficamente. Serão apresentadas duas metodologias nessa exposição: a analítica e a fenomenológica. A descrição fenomenológica busca a essência do fenômeno em seu aparecer, neutralizando nossas posições adquiridas e nossos hábitos de pensamento sedimentados. No que tange a investigação do fenômeno religioso isso é determinante, já que sempre nos aproximamos da fé do outro tendo a nossa como base ou como verdade, o que pode ser teoricamente desastroso. A especificidade da filosofia analítica é estudar o modo como as teorias estão estruturadas como linguagem. Nesse caso, ela considerará as formas pelas quais a fé, a crença na divindade e o sagrado podem ser pensados filosoficamente, investigando como essas experiências são expressas pela linguagem. Diferentemente de qualquer filosofia da religião, uma sociologia do fenômeno religioso se baseia, inicialmente, em reunir fatos e descrever as formas de sociabilidade implicadas em uma dada instituição religiosa. A religião pode ser tratada como fato social e como estrutura, dotada de leis de funcionamento quase universais. A diferença entre filosofia e sociologia, se revela na comparação entre a filosofia, arte, ciência e religião. A primeira forma de aproximarmos tais fenômenos e visitá-los pela sua diferença é nos voltarmos ao tema da fé perceptiva e entender como 12 todas essas formas de experiência humana estão remetidas primordialmente ao mundo da percepção, enquanto algo que é retomado e ampliado pela potencialidade de expressão humana. O artista retoma, transforma e amplia o mundo da percepção nos dando ver sua obra. O filósofo, por outro lado, busca dar sentido e investigar as estruturas da abertura da experiência ao mundo, ou seja, muitas vezes tem que começar pela percepção e pelos sentidos enquanto tais. A ciência tende a esquecer que está fundada em um corpo que se abre ao mundo através da percepção, mas cria complexos instrumentos de análise e recuperação das formas ideais que determinam o sentido dos fenômenos, mesmo quando lida com fatos e estruturas extremamente empíricas. A religião se constrói a partir das vivências perceptivas, das afecções e das pulsões humanas: é a forma de conhecer e experimentar o mundo pela aposta de um corpo na condição de fé que ele carrega desde sua abertura ao mundo, seja pela adesão aos valores de uma religião socialmente constituída, ou pela 'heresia' do experimento de uma fé religiosa singular e individual. Em todos os casos, a questão é que estamos lidando com formas de expressão e contato da experiência consigo, com outros, com a divindade, e com uma virtualidade de ser que é a própria existência humana em sua possibilidade. A especificidade da filosofia que nos interessa agora em relação a essas outras formas de experiência e conhecimento é a relação com o puro desejo de conhecer, que também pode ser encontrada em algumas ciências, mas não na religião e na arte. A religião não busca simplesmente conhecer e experimentar a divindade: o ‘ser humano' religioso se orienta e vive por sua religião, o seu caso é totalmente interessado, é quase de vida ou morte, pois seu mundo está organizado em torno da fé. O artista busca a criação e a expressão; se por uma eventualidade, sua arte exprime uma relação com a verdade, é porque aí onde ele se encontra, no estado da busca e da criação, pode haver um acontecimento do Ser, enquanto fenômeno de conhecimento, mas a finalidade da arte não é o conhecimento por ele mesmo. 13 Segundo Aristóteles, por outro lado, quando se faz filosofia, é preciso se interessar por essa verdade sem buscar a utilidade imediata para as demandas que caracterizam nossa ordinária vida mundana. A filosofia nasce de uma busca pelo saber, por meio da liberdade de pensamento daquele que pensa: o espanto de observar as coisas e pensá-las. A filosofia “[…] é fim em si mesma porque tem por objetivo a verdade: procurada, contemplada e desfrutada como tal […] toda a outras ciências podem ser mais necessárias do que esta, mas nenhuma será tão radical” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 23). Isso não quer dizer que a filosofia não tenha uma função prática; um lugar na vida social e um dizer sobre o que os seres humanos devem construir para tornar suas vidas mais interessantes. Sua radicalidade é nos dar os instrumentos para distinguir a autenticidade das nossas experiências, inclusive no campo ético e político e na vida social de todos os dias, revelando como ela está inserida na nossa vida cotidiana. Em Gaia Ciência (2001), encontramos, por exemplo, um filósofo como Nietzsche afirmando que autêntica filosofia é aquela que se preocupa até como os seres humanos constroem suas casas, já que aí eles fazem um momento importante do acontecer de sua habitação no mundo. Por isso também, mais do que nunca, a filosofia se interessa por tudo que o ser humano faz, inclusive pelas ciências e suas formas de consideração dos fenômenos. Assim, para compreender como a filosofia pode ser capaz de se comunicar e de interpretar a fé, é essencial, portanto, entendermos o que é a religião, nos interessando em examinar como outras ciências tratam aquilo que afilosofia quer compreender essencialmente. Segundo Émile Durkheim (1996), um sociólogo, a religião é um sistema solidário constituído por práticas e crenças que se baseiam em uma experiência do sagrado. Ou seja, mediante uma consonância entre as pessoas, mantém-se a harmonia em torno de valores e práticas que remetem a uma esfera de fenômenos que se diferenciam de outros que acontecem na vida ordinária; porque o passar da rua para o templo significa uma mudança de perspectiva e surgimento de relações sociais que se diferem daquelas que temos no trabalho e na escola. Assim, é formada 14 a crença religiosa entre aqueles membros que aderem a essa comunidade sem prejudicá-la e sem afetar a presença dos demais que a formam (DURKHEIM, 1996). Para Croatto (2010), o sagrado é a expressão humana repleta de religiosidade e fé, buscando o encontro e o contato com o transcendente, ou seja, com dimensões que ultrapassam o mundo tal como ele aparece em seu sentido material e ordinário. O autor cita que: “[…] pode-se afirmar que o sagrado não é a meta da atitude ou da experiência religiosa. Esse fim seria o próprio transcendente” (CROATTO, 2010, p. 61). Ou seja, os atos religiosos são praticados para se encontrar o divino e o sagrado e através deles estamos lançados na possibilidade do encontro com o transcendente. Para Eliade (1992, p. 13), é o “Deus que fala com o homem” através da hierofania, ou seja, a manifestação do transcendente para com o ser humano em sua vida, transfigurando o seu mundo material e ordinário em signo de um não estar na sua singularidade, mas em um grande outro. Na história da religião esse grande Outro, familiar e distante do ser humano, comunica-se pela forma do ‘invisível’ que se manifesta no visível, voltando-se a alma que se confessa através do corpo e religa os seres humanos ao espírito. Nesse sentido, segundo Mendonça (1999), a ultrapassagem do sentido humano de uma experiência evidencia aquilo que é considerado sagrado. A partir dessas considerações, de que maneira é possível que a razão entenda a fé? Essa é a missão da filosofia da religião. Sweetman (2013, p. 16) define esse estudo como “[…] a tentativa feita por filósofos de investigar o sentido e mesmo a racionalidade das afirmações religiosas básicas”. Conforme o autor, a filosofia da religião não prevê que o indivíduo tenha uma determinada crença específica, tampouco, o contrário. Torna-se necessário, contudo, um distanciamento da filosofia da religião daquilo que é uma crença pura, a qual deposita uma total confiança na existência e na ação divina. Por isso, é necessária uma fenomenologia da religião. 15 3.2 Filosofia, sociologia e fenomenologia da religião (Descrição sociológica e definição filosófica do fenômeno religioso) O tratamento conceitual do fenômeno religioso teve, e ainda tem, muitas variações na história do pensamento filosófico e científico. Utilizar o termo ‘religião’ de modo universal acaba sendo muito difícil e mesmo incongruente, em razão dos diferentes contextos históricos e sociais em que as religiões se inserem. No Brasil, por exemplo, o tratamento do fenômeno religioso não pode esquecer como a sociedade brasileira e sua cultura se formou, como as diversas culturas e instituições religiosas estão ligadas a uma cultura que é sincrética, múltipla, conflituosa e marcada por grandes desigualdades políticas, econômicas e sociais. De acordo com Coutinho (2012, p. 175), podemos dividir essas diferentes definições de religião em duas classes: substantivas ou substancialistas, e funcionais. As substantivas se ocupam do que a religião é, “[…] da sua essência, das suas crenças e práticas, da experiência do Outro ou do sagrado”. Já as funcionais referem- se ao que a religião faz, à sua função social. Nos dois casos, temos algumas relações que indicamos acima: de um lado a religião é um fato social e uma estrutura cultural; do outro ela é uma experiência e mesmo uma forma de ‘conhecer’ o mundo através de sua organização em mitos, crenças e narrativas sócio existenciais. Entre as tantas definições do fenômeno religioso podemos indicar pelo menos duas que estão enraizadas em nossa cultura e remetem a formas e momentos históricos determinados. A primeira, pode ser encontrada em Cícero, pensador da Roma Antiga, utiliza a origem de religio como a “[...] observância cuidadora” (HOCK, 2010, p. 17). Com base nisso, Cícero define religio como cultus deorum, isto é, como culto aos deuses, ressaltando a importância dos rituais corretos nesse culto. Nesse caso, religio se atrela mais à correção dos ritos dirigidos aos deuses do que ao crer corretamente. A segunda definição foi apresentada por Lacâncio, escritor e orador cristão dos séculos III e IV e, mais tarde, adotada e explorada por Agostinho Hipona, o maior filósofo da patrística medieval. Segundo os dois pensadores, religio deriva de religare, expressando um religar, ligar de novo, fazendo ressurgir o laço que indica a ligação 16 do humano com o sagrado. Por isso, a religião seria um meio de orientar as almas que se afastaram de Deus; a “religião verdadeira”, portanto, seria aquela capaz de permitir essa religação do sujeito com a divindade. O termo religião passou a ser empregado de maneira universal no Iluminismo. De acordo com Coutinho (2012), podemos considerar que a característica comum a todas as religiões seja a ligação dos seres humanos com algo superior ou transcendente. Não se trata de uma ligação com o divino, pois o divino possui diferentes interpretações nas diversas religiões que existem, não podendo ser utilizado como termo comum a todos. O transcendente pode ser identificado como um deus, ou como deuses, em sentido panteísta. Por isso, várias designações buscam identificar o objeto da religião para dele abstrair seu conceito, como seres espirituais, poderes superiores, sagrado, realidades transcendentes, entre outras. Ao conceituar religião em seu sentido substantivo, ou substancialista, isto é, orientado por sua essência, Coutinho (2012) afirma que dessas definições sobressai a separação de realidades ou a designação de uma outra realidade ou instância para além da humana, considerada sagrada. Eliade (1992, p. 16) explica que “O sagrado manifesta sempre uma realidade inteiramente diferente das realidades ‘naturais’” e que “[...] o homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano” (ELIADE, 1992, p. 16). Trata- se, definitivamente, de dois modos de ser no mundo, como duas modalidades da experiência. O sagrado não pode ser contido na existência natural dos seres humanos e, por isso, pode ser considerado real ou uma mera construção humana, mas vige na experiência pela ambivalência de envolver práticas que são realizadas por humanos, mas se fundamentam na presença de estruturas que também transformam aquele que pratica sua religião (COUTINHO, 2012). Assim, de acordo com as definições substantivas, o sagrado é o elemento central, não importando se é real ou uma mera abstração dos seres humanos. O mais importante é considerá-lo elemento existente no sentido de um conjunto de crenças. Uma das dificuldades das definições substantivas é traspassar conceitos de sagrado, de transcendente, de experiência transcendente a todas as religiões. Isso porque o 17 sagrado e o transcendente podem se apresentar de modos distintos e, em alguns sistemas de pensamentos e crenças, pode ser complexo identificá-los. Esse problema faz com que não seja possível descrever com nitidez o que é religião. Tendo em vista que se trata de um fenômeno cultural que envolve outras áreas, pode ser difícil definir qual é o seu conteúdo essencial em diferentes sistemas (HOCK, 2010). Por outro lado, é possível pensar o conceito de religião de modo funcional; colocandoem primeiro plano não a essência da religião, mas sua função social, momento em que as abordagens sociológicas entram em cena e determinam um possível tratamento científico do fenômeno. As definições funcionais não perguntam pelo que é a religião, mas o que ela faz e causa (HOCK, 2010). Sob essa perspectiva, a religião é pensada como sistema que inclui “[...] crenças, práticas, símbolos, visões do mundo, valores, coletividades e experiências” (COUTINHO, 2012, p. 177), que influenciam os seres humanos pela sua estrutura e pelo seu contexto. A compreensão funcional da religião tem a vantagem de prescindir da identificação de um elemento essencial a todas as religiões, ou seja, ela não se depara com o problema ontológico que perpassa todos os fenômenos humanos. O que se analisa são seus efeitos comuns, vinculando a religião à suposição de sua universalidade, mas não buscando atestar o que é essa universalidade. Entende necessário se perguntar por aspectos específicos do fenômeno religioso com objetivo de suprir alguma necessidade ou resolver problemas que se mostram irresolúveis aos seres humanos. Podemos citar como exemplos as perguntas sobre o que acontece após a morte, quais são os fundamentos das regras sociais, morais e éticas, entre outros. O problema, nesses casos, já se mostra pela multiplicidade de questões a serem resolvidos pelas religiões, sendo, então, fundamental avaliar e descrever a função e a estrutura das respostas dadas em contexto religioso. Tendo em vista as diferenças culturais e o papel distinto de cada uma delas, pode ser difícil a tarefa de encontrar uma explicação comum e definitiva do que é religião, talvez isso nem seja necessário. Por isso, a sociologia da religião deve investigar, junto com a história, as modificações que surgem em uma orientação religiosa conforme o próprio desenvolvimento da sociedade. O catolicismo 18 contemporâneo não é o mesmo praticado no final do século XIX. No Brasil, o crescimento das religiões protestantes determinou modificações na prática religiosa católica. No mesmo sentido, podemos identificar trocas substanciais e quase inconscientes entre os cultos pentecostais e religiões de matriz africana, ainda que em alguns contextos existam, infelizmente, relações de intolerância de alguns grupos religiosos com outros. Desta maneira, perguntas sobre a morte, sobre a existência de Deus e sobre as formas de relação que são instituídas (e possíveis) entre os humanos e o sagrado adquirem novas formas e novas funções conforme o momento histórico considerado. Tendo em vista esses dois aspectos, isto é, a religião pensada segundo a busca da sua essência (substancialismo) e a percepção de que ela pode ser pensada pela multiplicidade de funções que assume na vida social, a fenomenologia enquanto método de investigação aponta para uma reunião das duas perspectivas, segundo a ideia que uma essência não se separa do modo como ela se manifesta. Em outros termos, se a função revela o lugar, o tecido social, no qual uma prática religiosa acontece, é também aí que a fenomenologia encontra uma descrição mais concreta da essência da experiência religiosa, já que para fenomenologia somente se descreve uma essência em sua relação com a existência (MERLEAU-PONTY, 1999). Nesse sentido, a fenomenologia da religião foi um grande marco para os estudos da religião, permitindo demarcar o fenômeno religioso como objeto central da filosofia e das ciências da religião. A fenomenologia da religião teve início no século XX, com sua institucionalização em universidades europeias. Fortalecendo-se através da realização de ciclos de palestras, além da publicação de periódicos, coletâneas e enciclopédias sobre religiões, mas tem também sua origem no impacto da fenomenologia de Husserl em campos diversos das ciências humanas. Além disso, a partir do que escrevem Hock (2010) e Usarski (2014), é possível notar que a fenomenologia da religião tem sua origem relacionada à história da religião e a antropologia, disciplinas onde encontramos um esforço de descrever religiões diferentes das vigentes no mundo europeu e ocidental. 19 Nesse caso, a primeira abertura fenomenológica identificada é a presença do Outro a ser descrito pela religião que pratica, considerando sua experiência de fé e seu modo de estar no mundo. Assim, o conceito de ser-no-mundo, originalmente destacado dos textos de Husserl e Heidegger pode assumir a função de permitir uma descrição não do sujeito, mas do ‘sujeito coletivo’ que forma uma religião, apresentando-se também um ser-no-mundo. É nesse aspecto que se insere a fenomenologia da religião como uma proposta para avançar nos estudos das religiões para além da simples descrição histórica e funcional, mas buscando unir o esforço de uma definição filosófica do fenômeno religioso, considerando os dados culturais e sociais que envolvem o fenômeno religioso. A fenomenologia da religião propõe, desse modo, uma especial contribuição aos estudos das religiões ao se voltar aos fenômenos religiosos de uma maneira que ultrapassa a simples descrição de fatos. Por isso, como aponta Rodrigues (2015), a abordagem fenomenológica expressa um forte potencial hermenêutico. Ao analisar as correntes clássicas da fenomenologia da religião, Hock (2010) afirma que possuem em comum a pergunta e o interesse pelo sentido dos objetos e fatos religiosos quando comparados aos fatos não religiosos, por meio de um método capaz de acessar coisas religiosas de um modo distinto das demais ciências que já tratavam da religião. Essa forma de tratar o fenômeno religioso ampliou significativamente as possibilidades de abordagem, de modo que, mesmo dentro da fenomenologia da religião, existem abordagens distintas. Entre as correntes fenomenológicas da religião, é possível citar a abordagem proposta por W. Brede Kristensen (1867–1953), que propõe que a descrição e a comparação entre religiões são estágios prévios ao processo interpretativo, cujo objetivo final é compreender a experiência do crente em sua perspectiva (RODRIGUES, 2015). É possível, além disso, reconhecer o fenômeno religioso da perspectiva sociológica e fenomenológica de Georg Simmel (1958-1918), para quem o sentido ontológico da religião é suficiente para justificar a sua relevância. Husserl descreve os trabalhos de Simmel como aqueles que mais se aproximam de uma prática em ciências humanas não alinhada ou determinada por pressupostos 20 positivistas, estando, deste modo, próximo ao modelo fenomenológico de tratamento da experiência (HUSSERL, 1973). Simmel compreende a religião como mais uma forma de organizar a vida e com grande reflexo social, não se mostrando apenas como algo empírico, mas um tipo particular de fato humano capaz de ordenar o mundo. Desse modo, é uma concepção que busca reconhecer um aspecto profundo da religião que se comunica e impacta outros âmbitos da vida dos seres humanos (RODRIGUES, 2015; WAIZBORT, 2000). A principal contribuição da fenomenologia da religião às ciências da religião é, portanto, a proposta de estudar o fenômeno religioso em um aspecto amplo, analisando interpretativamente o significado e os efeitos dos fenômenos religiosos. Segundo Rodrigues (2015, p. 62), “[…] o ato de falar sobre algo e de explanar a respeito de algum tema com a finalidade de torná-lo compreensível ou revelá-lo é, em si, um ato de interpretação que produz conhecimento sobre a coisa”. O estudo dos fenômenos religiosos ultrapassa, portanto, através da fenomenologia, os limites do substancialismo e do funcionalismo, pois considera que uma descrição do fenômeno religioso é fazer aparecer a singularidade de cada prática e forma de religião, como também identificar e exprimir a sensível teia que liga o ser humano à necessidade de comunicação e expressão de uma experiência do sagrado.4 A EXPERIÊNCIA DA RELIGIÃO NA FILOSOFIA MEDIEVAL E NA MODERNA Nesse tópico, trataremos de tendências históricas do pensamento filosófico, tendo em vista o modo como uma discussão sobre a filosofia da religião começou a se formar a partir da Idade Média, enquanto uma forma de pensamento inicialmente ligada a teologia, para em seguida buscar independência, tornando-se na modernidade se formar como um campo laico de investigação. Ainda que seja impossível separar o problema teológico da filosofia da religião, no que tange a compreensão da religião cristã como base de pensamento e moralidade do ocidente, seja pela exclusão de outras formas pensamento religioso ou pela apropriação e transformação daquilo que é herdado de outras culturas, 21 consideramos pertinente notar a importância da seguinte ideia: o fenômeno religioso tal como investigado no medievo foi dominado pelo cristianismo, mais precisamente uma dada interpretação do cristianismo, a doutrina católica, e não tem caráter universal em relação a nenhuma outra forma de intepretação do sagrado. A modernidade começa pela abertura a outras formas de religiosidade e pelo esforço de pensar 'conceitualmente' os aspectos da experiência religiosa enquanto tal. Começaremos, nesse sentido, pela filosofia medieval. Não estamos com isso afirmando ou sugerindo a inexistência algo como uma filosofia da religião entre os gregos, ou helenistas, já tratamos de alguns aspectos importantes do esforço do pensamento da antiguidade em definir a experiência religiosa, quando tratamos das definições de religião dadas por filósofos estoicos como Cícero, ou apresentamos as diferenças entre uma abordagem ontológica e metafísica fenômeno religioso nos referindo as filosofias de Platão e Aristóteles, figuras que também surgirão ainda com todo seu brilho no restante da nossa exposição. 4.1 A filosofia medieval da religião (alguns aspectos) Com o início da Idade Média, a filosofia greco-romana passou por diversas reformulações. Podemos dizer que tais desdobramentos filosóficos se deram em torno de argumentos religiosos, em especial das religiões abraâmicas, ou seja, do cristianismo, do judaísmo e do islamismo. Nesse contexto, no Ocidente e no Oriente, os filósofos medievais buscavam fundamentar a fé a qual pertenciam a partir da filosofia grega. Assim, cristãos, judeus e islâmicos buscaram pensar filosoficamente o problema da fé e as questões teológicas postas por suas religiões. As filosofias de Platão e Aristóteles se tornaram, assim, fundamentais, pois era através deles que as três grandes formações da filosofia medieval (medieval ocidental cristã, islâmica e judaica) buscaram conciliar a experiência religiosa com o caráter sistemático e racional do pensamento platônico e aristotélico. O cristianismo, em seu momento mais primitivo, ainda quando era uma forma de religião perseguida pelo Império Romano, carecia de formas e fundamentos 22 filosóficos. Nesse sentido, quando comparada com outras formas de pensamento vigentes naquele período, ele se apresentava como uma experiência que precisava de respaldo teórico, mas também se apresentava fortemente capaz de se mesclar com outras culturas, inclusive dando orientação interna às formas de pensamento estrangeiras ou estranhas ao cristianismo. Podemos entender isso, tomando, como exemplo, Paulo de Tarso. Nos últimos anos do helenismo, o cristianismo surgiu e conquistou cada vez mais fiéis, sendo que grande parte, destes cristãos, não pertencia à elite greco- romana ou a qualquer elite das culturas, ou comunidades a quais os cristãos se sentiam inclinados a levar a Boa Nova, ou seja, a doutrina da salvação descrita nos Evangelhos. Assim, o cristianismo, enquanto religião que pregava que todos pertenciam ao reino de Deus e que Deus fez o homem à sua semelhança, acabou por dignificar a todos. Esse discurso de uma igualdade entre os seres humanos, pelo menos perante o olhar autêntico da divindade, acabou fazendo surgir suspeitas, questionamentos e mesmo resistência ao cristianismo na sociedade greco-romana e seu regime escravista, pois imbuia os escravizados da certeza de um direito à liberdade, já que é a única autoridade verdadeira era aquele que proviesse do Deus cristão. Nesse contexto, como dissemos, a figura do apóstolo Paulo foi essencial. Paulo era helenista e discípulo de Cristo. Foi também o principal responsável pela disseminação do cristianismo (GILSON, 2001). Após a morte de Cristo, Paulo (nascido na cidade de Tarso, na Cilícia, em 5 d.C. e falecido em Roma, por volta de 60 d.C.) percorreu diversas cidades conduzindo a pregação dos ensinamentos de Jesus. O apóstolo tinha uma leitura combativa em relação à filosofia grega, e os padres gregos admitiam que Paulo fora formado como homem helenista, mas que soube absorver o cristianismo e contornar sua formação cultural aos moldes da fé cristã. Outro aspecto importante é que o cristianismo não se tratava de uma ilustração da filosofia, ou de seu elemento essencial, a saber, a verdade, e sim de uma substituição da filosofia pela fé (GILSON, 2001). 23 Foi a partir deste contexto, que a filosofia se tornou uma importante ferramenta para a religião cristã. Nesse sentido, podemos dizer que a filosofia, principalmente a platônica, serviu de base inicial para o cristianismo. Não estamos mais na época de Paulo, mas de um cristianismo organizado como Igreja que se apresenta enquanto religião de grande alcance cultural e institucional, buscando, também, se justificar através da filosofia grega. A primeira produção filosófica do contato do cristianismo com a tradição grega ficou conhecida como patrística. O maior representante da patrística foi, sem dúvida, como indicamos anteriormente, o filósofo Santo Agostinho (430 – 354 d.C.), que estabeleceu paralelos entre a concepção dualista platônica e as noções de bem e mal, principalmente em A cidade de Deus e As confissões. Enquanto ser humano, em busca de sua verdade e uma existência pautada na sustentação de um desejo autêntico, Agostinho teve uma trajetória singular: o bispo nasceu na África e se converteu ao cristianismo com 33 anos de idade. Sua conversão é descrita por ele como um processo que aconteceu até o fim de sua vida, sendo como uma dimensão fundamental do que podemos considerar como sua filosofia. Na obra Confissões (1996), o filósofo trata sobre o seu processo de conversão, que não se encerrou com o batismo em 387, em Milão, com o bispo Ambrósio. Nesse contexto, Agostinho trabalha as questões filosóficas e teológicas da fé cristã a partir da elaboração de uma concepção teórica. Nesse sentido, Agostinho foi um dos responsáveis por estabelecer os alicerces cristãos por meio da filosofia platônica. Contudo, é necessário compreender os principais princípios estabelecidos em sua obra para definir como se dá a leitura da obra platônica por uma ótica cristã. Antes de tudo, Agostinho conseguiu reunir a história, a fé e a filosofia. Em A cidade de Deus (1999), é apresentada uma crítica ao politeísmo greco-romano; desse ponto vista, Agostinho busca compreender a formação histórica do cristianismo, seus inúmeros embates com outras formas de religião, doutrinas filosóficas e comportamentos políticos e morais. Desta maneira, ele uniu uma crítica às religiões que ele considerava “bárbaras, selvagens” a uma crítica à invasão de Roma, que já se mostrava como a capital católica da Europa. 24 Ao contrário das problematizações que se deram posteriormente, em que o sistema fé e história significava um paradoxo inconciliável, criando uma distinção entre o Jesus histórico e o Cristo, tal como na teologia moderna, Agostinho entendia a história como chave de sentido ao cristianismo, buscando relações entre os poderes temporais do mundo e poder intemporal de Deus. Tratava-se, nesse sentido,de pensar a cidade dos homens através da cidade de Deus. Ao pensar a história, Agostinho a entendia como o espaço de criação divina. Assim, o homem é somente um ser que habita nesse espaço histórico criado e determinado por Deus e, inclusive, seu avanço só é possível porque Deus quis criar o tempo (AGOSTINHO, 1999). Portanto, a história humana existe porque Deus criou as formas de temporalização que caracterizam o viver humano em sua ocupação do mundo. Entende-se, assim, que a cidade dos homens só tem sentido através da cidade de Deus. É sob esse aspecto que podemos encontrar grandes paralelos entre a compreensão agostiniana e o dualismo platônico. Em A República (2000) e em outros textos, Platão apresenta a dualidade que caracteriza a existência humana e também o conjunto da realidade. Ele fala de um mundo material, acessível aos sentidos, localizado onde acontece o corpo humano e onde os corpos se comunicam e se refere também a uma realidade inteligível que dá sentido ao mundo material, porque é verdade e um conjunto de significações autênticas, marcadas pela universalidade e pela atemporalidade, escapando, assim das contingências do mundo sensível. O mundo das ideias platônica, o universo inteligível, não é um produto da mente humana, mas uma realidade que repousa na sua própria existência, marcada por uma densidade ontológica descrita em termos transcendentalidade. A ideia de um mundo inteligível, indica, portanto, para um universo de perfeição desde onde tudo se origina e toma sentido. No mundo dos sentidos, acessível através dos sentidos, temos apenas uma cópia do que são as coisas e os seres no mundo perfeito. Assim, até mesmo as virtudes — tais como a bondade (conhecimento), a amizade, a honestidade, entre outras — são reflexos desse mundo ideal com seu sentido dado pela sua remissão ao 25 arquétipo inteligível que orienta as formas de ser dos entes em sua essência e densidade. Retomando a perspectiva platônica, a interpretação agostiniana, nos apresenta duas formas de cidade: a cidade de Deus, remetida ao mundo inteligível, mas em uma perspectiva cristã, isto é, trata-se do mundo espiritual revelado pela palavra de Deus; e a cidade dos homens onde o desgoverno surge da incapacidade de dos seres humanos de considerarem que a cidade dos homens deve estar submetida a cidade de Deus. A esse primeiro nível de apresentação segue outro. Através das duas cidades, Agostinho, ilustra a diferença entre cristãos e não cristãos. A cidade de Deus se torna emblema da cidade orientada pelo cristianismo; são apresentadas duas sociedades para ilustrar o dualismo entre cristãos e não cristãos. Trata-se, assim, de duas cidades: a cidade de Deus, do povo de Deus; e a cidade dos ímpios, a cidade mundana, terrestre: [...] dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens e tem esta por máxima glória a Deus, testemunha de sua consciência (AGOSTINHO, 1999, p. 28). Uma das questões mais relevantes sobre a qual a filosofia se debruçava nesse período consistia na própria cristianização da filosofia e da linguagem gregas após o surgimento do cristianismo. Consequentemente, a principal tarefa da filosofia cristã foi compreender a realidade tal qual revelada por Cristo (no sentido de que todos os acontecimentos eram revelações de Cristo na realidade), mas utilizando determinados conceitos filosóficos. No caso da descrição de Santo Agostinho vemos isso acontecer com clareza: o argumento de uma dualidade da experiência e do ser atravessa o pensamento grego a partir de Platão e conforma a várias modalidades de experiência religiosa, entre elas o cristianismo. No entanto, a fé revelada não parece ser suficiente para convencer todos os seres humanos da necessidade de conversão, por isso, também os padres cristãos se farão filósofos. 26 Nesse sentido, Agostinho buscará demonstrar em seu livro que ambas as cidades formam um só povo, que deve conviver em suas diferenças; além disso, para alguns desses cidadãos, a cidade humana é a possibilidade de se misturar o cristianismo com outras doutrinas e religiões pagãs, no sentido de um embate que não precisa ser violento, mas que deve buscar vencer as doutrinas falsas através do testemunho da fé e também da filosofia (AGOSTINHO, 1999). No entanto, Agostinho denota o caráter teológico da história, pois é nesse sentido que o desenrolar da história como escrita por Deus acontece. Mesmo misturadas, existem duas cidades dentro dessa, dois povos dentro desse: trata-se daquela cidade, daqueles que se findarão com o Juízo Final e daqueles que reinarão ao lado de Deus, pois são os celestiais, que não se renderam às malícias terrestres. A obra de Agostinho é marcada por tais dualidades, que, apesar de decorrerem da leitura platônica, também foram influenciadas por outras dicotomias. Em relação à divisão entre as cidades, Agostinho recorre também às figuras simbólicas de Abel e Caim, que prefiguram, nessa narrativa, a distinção, a divisão entre os povos: enquanto Caim pertence à cidade terrestre, dos ímpios, Abel faz parte do povo de Deus. A partir dessa narrativa, podemos identificar a divisão entre ação moral e norma da fé em Agostinho. Se podemos falar em uma moral já preestabelecida pelo cristianismo, certamente ela se encontra ligada a uma forma de conceber a justiça e as virtudes ligadas a Deus. Logo, a moral agostiniana se enquadra naquilo que podemos chamar de moral teocêntrica — com ênfase para o cristocentrismo. Isto é, uma moral estabelecida com vistas ao juízo final, portanto, que trabalha a punição, a culpa, o mérito, a recompensa como norma, enquanto conduta, o que significa que a moral agostiniana está fundamentada na ação prática. Para tanto, o filósofo estabelece que, para se agir bem, de acordo com Deus, deve o humano se encontrar consigo para poder falar sobre Deus (AGOSTINHO, 1999). Encontrar-se consigo, nesse sentido, é agir bem, virtuosamente. Vale ressaltar que, no período em que viveu Agostinho, na Patrística, o humano era entendido como sujeito, aquele que se sujeita socialmente: à monarquia, à Igreja, à sociedade, a 27 outrem. A salvação só era possível em relação a todos, uma vez que o amor-próprio era considerado um ato de vaidade, de individualismo e, por isso, de pecado. Esse novo pathos filosófico que marca o medievo encontra-se originalmente ligado ao pensamento judaico e, posteriormente, seria aprofundado também pelos filósofos árabes. No que concerne a uma história do monoteísmo, é importante entender que o cristianismo é uma ‘heresia’ e uma dissidência oriunda do judaísmo; e o islamismo está ligado a história da religião judaica, tanto do ponto de vista de uma mitologia onde o povo árabe já parece como indigno de uma fé que eles não podem assumir, a fé de Abraão, como também por inúmeros processos históricos que unem e separam essas culturas irmãs. Nesse sentido, encontramos muitos pontos em comum entre a proposta de uma filosofia judaica, orientada pelo estudo dos filósofos gregos, e a forma de fazer filosofia dos pensadores cristãos da Idade Média, onde será notável o papel dos árabes nesse processo de conformação da tradição filosófica a partir do helenismo pelas traduções e investigações que fizeram, inclusive apresentando maior liberdade na interpretação dos textos gregos, dando até um aspecto mais laico a suas interpretações. Uma questão a ser observada sob esse ponto é que no caso das três tradições: judaísmo, islamismo e cristianismo, estando em jogo uma apropriação da filosofia grega, tendo em vista uma justificação teórica da doutrina, cada uma delas contribui decisivamente para oambiente em que surgirá a filosofia moderna. A Filosofia Judaica propriamente dita surgiu com Filon de Alexandria (século I). Judeu egípcio helenizado. Trata-se de um pensador que pode ser classificado no âmbito do médio-platonismo. É considerado o primeiro a se lançar no esforço de tentar uma compatibilização sistemática entre a filosofia grega e as Escrituras. Partindo de uma leitura alegórica das Escrituras, Filon empreende uma espécie de exegese filosófica, buscando traçar equivalências entre a palavra revelada e a especulação racional, visando a defesa de uma única verdade expressa de modos diferentes. Seu modelo de compreensão teológica e metafísica é de inspiração platônica, comportando uma concepção monoteísta da divindade, isto é, ele concebe 28 a presença de Deus único, absolutamente transcendente, acompanhado de “potências” através das quais atua. Entre essas potências, ele considera a existência de um ente intermediário, responsável por poupar o ser divino do contato direto com a matéria impura. Essa potência intermediária ele nomeia Logos, caracterizando-o como formado de uma 'face' transcendente e uma expressão imanente. Seu pensamento teve grande impacto entre os cristãos e foi pouco absorvido pela comunidade judaica. Entre os cristãos, o Logos Filônico foi associado ao Verbo Encarnado, ou seja, a figura de Jesus. Dentre os filósofos que contribuíram com a reflexão filosófica judaica desse período medievo, alguns são de maior destaque: como Isaac Israeli (955–865 d.C.). Isaac Israelense ben Salomão, também conhecido como Isaac Israelense, o Velho, ou Isaac Judeu, foi um importante médico judeu e também filósofo, vivendo entre os judeus que viviam no mundo árabe de sua época. Ele se enquadra no âmbito de um pensamento neoplatônico; apresentando-se, como o iniciador desta perspectiva em ambiente judeu. Sua trajetória intelectual e científica ficou mais conhecido pelas investigações no campo da fisiologia (GILSON, 2001), por aproximar a medicina do exercício reflexivo, uma vez que era médico; e por dar os primeiros impulsos a uma reflexão filosófica propriamente judaica. Ao longo de suas principais obras: O livro das definições, O livro dos elementos, O livro do espírito, encontramos um constante paralelismo entre a noção dualista platônica e sua concepção emanatista sobre a origem do mundo e sobre a doutrina da alma, assim como concepções agostinianas neoplatônicas e dualistas em relação à realidade e à alma. Interessante notar, que mesmo sendo judeu, ele recolhe formas de pensar e compreender oriundas de formulações do cristianismo católico, tal como séculos antes os cristãos tomaram de Filó, uma doutrina do Logos que estaria em consonância com o sentido da encarnação do sagrado através da pessoa de Jesus. Saadi ben Josef de Fayyum (892–942. d.C.) foi outro nome importante dos primórdios da filosofia judaica. Sua filosofia, ao contrário da de Israeli, apresenta uma preocupação fundamental com a conciliação entre a ciência filosófica da época e a 29 religião judaica. Na juventude chegou a se corresponder com Isaac Israeli, mas sua preocupação era mais propriamente em relação à construção de uma teologia racional, pois julgava a investigação racional como um preceito religioso, o que não estava em consonância com o pensamento médico neoplatônico. Assim, suas principais obras, como o “Comentário do Livro Jeira” e o “Livro das crenças e das opiniões”, apresentam argumentos em torno da prova da existência de Deus e da origem do mundo, paralelos à origem do tempo, visando fazer uma crítica das posições cristãs e islâmicas. No Livro das “Crenças e Opiniões”, por exemplo, expõe seu sistema e critica os seus oponentes, especialmente os dualistas, os cristãos e os muçulmanos, assim como qualquer concepção que se apresente contrária aos ensinamentos do judaísmo. Ele defende, assim, que a religião judaica é a única verdadeiramente revelada por Deus e se difere, por isso, de todas as outras que são construções intrinsecamente humanas, que reivindicam falsamente uma origem divina (GILSON, 2001). Nesse sentido, Fayyum argumenta que, se o universo é finito, composto de substância e acidente, não pode ser eterno, o que, por outro lado, comprova que nunca existiu um tempo infinito, pois o mundo, como é descrito nas escrituras, começou com o tempo. Assim, paralela à filosofia aristotélica, a filosofia de Fayyum tem em vista refutar o argumento platônico da dualidade do real, adotado pelos primeiros pensadores cristãos. Para ele, Deus é uno, sua composição, sua vida, seu poder e sabedoria em nada alteram a sua unidade, pois seus atributos metafísicos não são excludentes entre si, mas se conformam a sua absoluta perfeição (GUTTMANN, 2001). Com isso, refuta também a concepção cristã da Trindade. Além disso, a alma não é entendida pelo filósofo como pré-existente e sim como criada por Deus no instante em que cria o corpo, estando, portanto, duplamente unidos. Após a morte, a alma adormece e espera até a ressurreição, que deverá acontecer no dia do Juízo Final. Tal reflexão, como aponta Gilson (2001), se aproxima do movimento escolástico, protagonizado por São Tomás de Aquino, que buscava aplicar a teoria aristotélica como método de compreensão da realidade conforme a cosmologia cristã, 30 o que será possível pelo enfraquecimento do platonismo no ambiente intelectual da cristandade. O primeiro filósofo originalmente árabe e muçulmano foi Al-kindi (não se sabe a data de nascimento, mas faleceu em 873 d.C). Além de um grande pensador, era também uma figura enciclopédica ou multidisciplinar, pois tinha profundos conhecimentos em geometria, aritmética, medicina, lógica, psicologia, política e meteorologia. O seu título de «o filósofo dos árabes» justifica-se, certamente, elo facto de ter sido o primeiro a levantar um paradigma autenticamente filosófico, em consonância com a verdade revelada pela religião islâmica e no cumprimento de um determinado programa que adotou. Como aponta Carvalho (2020), a orientação básica desse programa era o de que se deve captar a verdade em qualquer lugar onde ela se encontre. Desta maneira, “[...] semelhante perfil confere-lhe uma visão culturalmente pluralista e torna-o sensível à necessidade de transmissão da tradição filosófica grega no mundo árabe” (CARVALHO, 2020, p. 58). Sua principal obra intitula-se "Do intelecto" desenvolve uma abordagem do pensamento, suas normas e formações, a partir da filosofia aristotélica. Para Al-kindi, o intelecto é sempre a ação de uma potência ao ato. Portanto, o intelecto se efetiva na demonstração da finalidade do ato de compreender, isto é, se investiga o pensamento pelo modo como ele faz pensar os objetos visados e representados pela mente humana. Ele considera, ainda, que a inteligência é superior à alma, pois a inteligência tem o papel e a responsabilidade de tornar a alma inteligente em ato e de retirá-la do estado inerte de potência. A filosofia árabe compreendida entre os séculos X ao XII seguiu sob intensa influência da filosofia greco-aristotélica. Com o surgimento do islamismo ao longo do século VII d.C., a religião avistou na filosofia aristotélica a possibilidade de fundamentação da fé muçulmana. Nesse contexto, o Alcorão, enquanto ensinamentos e práticas reveladas por Alá ao profeta Maomé, necessitava ser compreendido e pensado em relação à realidade como revelação divina. Cabe dizer que a fé muçulmana, em seus costumes e práticas, foi fortemente influenciada tanto pelo judaísmo quanto pelo cristianismo, mas também influenciou essas tradições, na 31 medida, em que levou muito sério a investigação das filosofias gregas, principalmente, o pensamento de Aristóteles. Entende-se, assim, que a filosofia islâmica desse período apresentava uma extensaprodução que mais do que se dissociar do pensamento grego, partiu dele rumo à sua própria filosofia. Diversos pensadores cunharam filosofias nesse contexto. No entanto, destaca-se, no século X, o esforço filósofo de Al-Farabi (870–950 d.C.) Esse filósofo estudou e lecionou em Bagdá e ficou conhecido por suas traduções e comentários da obra Organon, de Aristóteles. Além disso, produziu as obras A alma, inteligência e o inteligível, A Unidade e o uno e a mais importante, Concordância de Platão e Aristóteles (CARVALHO, 2020). Convém ressaltar que a filosofia islâmica desse período apresenta uma extensa produção que mais do que se dissociar do pensamento grego, partiu dele rumo à sua própria filosofia. Al-Farabi, por exemplo, opera em sua reflexão um esforço de junção entre as perspectivas de Platão e Aristóteles, o que revela que os intelectuais árabes daquele período estavam convencidos de que Platão e Aristóteles concordavam e que suas concepções não eram irreconciliáveis. Esse traço conciliador ficou bem conhecido dos árabes daquele período, que antes tiveram que operar a conciliação entre o Antigo Testamento e o Deus islâmico, Alá, para se chegar a um acordo sobre a criação. Tal problematização sobre a criação foi uma das temáticas centrais entre os séculos X e XII. A principal questão em torno do tema era: quais são os direitos de Deus sobre a realidade que se mostra autossuficiente? Um dos grandes protagonistas dessa problematização foi Al-Achari (873–935 d.C.), que também ficou conhecido como um reformador do Islã e que chegou à constatação de que o universo fora criado pela luz espontânea de Deus, enquanto manifestação direta de seu ser perfeito. Portanto, Deus é compreendido por esse pensador como aquele que depende totalmente de seu próprio poder e que elaborou tanto o bem quanto o mal. Esses princípios metafísicos guiaram os pensadores do período em suas reflexões sobre o universo e sua origem. A compreensão recorrente pode ser sintetizada da seguinte maneira: […] tudo era desarticulado para permitir que a onipotência de Deus pudesse 32 circular à vontade. Uma matéria de átomos disjuntos perdurando num tempo composto de instantes disjuntos, efetuando operações nas quais cada momento é independente que o precede e sem efeito sobre o que o segue (GILSON, 1995, p. 428). Nesse contexto, Al-Farabi, porém, nutria uma concepção um pouco distinta. Para ele, a criação deve ser compreendida a partir da distinção entre essência e existência; posição que se tornou um marco na história da metafísica, pois Al-Farabi conseguiu de uma só vez unir a filosofia grega à existência mística de Deus, tal como concebido pelos orientais, partindo de uma diferenciação do acontecimento da necessidade e da experiência da contingência. A concepção de experiência da contingência proposta por Al-Farabi consiste na compreensão de onde e como os seres naturais, os corpos humanos e animais e também os eventos do universo estudados pela física, são necessariamente contingentes; pois, simultaneamente, em que são dotados de uma materialidade física, também são dotados de uma essência que dá vida à existência e que pode ser perdida, tornando-se assim matéria morta. Desse modo, Al-Farabi estabelece a distinção entre existência e essência, garantindo que Deus tenha sido a causa primeira, já que nem toda essência deve participar da mesma essência de Deus, que não pode ser contingente, mas é necessariamente absoluta e atemporal. Essa teoria foi inspirada na filosofia aristotélica, especificamente na concepção de que o que a coisa é não comporta, necessariamente, o que ela possa ser; a essência, portanto, não é existência, ainda que a essência de alguns seres seja simplesmente existir e existir materialmente. O importante, nesse caso, é a compreensão de que se essência e existência fossem a mesma coisa, não haveria necessidade de se distinguir, logo o fato de existir já significaria o fato de ser. Assim, a operação da morte, por exemplo, seria inconcebível, pois o corpo teria de portar necessariamente uma essência chamada vida enquanto estivesse vivo. Outro aspecto é que, se a essência e a existência fossem a mesma coisa, a imaginação não poderia criar uma distinção entre ambas. Al-Farabi, para exemplificar sua tese, ainda introduz uma hipótese bastante ilustrativa: podemos saber que do 33 outro lado do mundo habitam humanos sem que tenhamos de ir até lá verificar, logo a existência é um acidente acessório. Segundo Gilson (2001), a teoria de Al-Farabi foi responsável por introduzir a distinção metafísica com base na lógica aristotélica. Para tanto, sua hipótese passava por três momentos: a) análise das noções de essência e existência; b) a constatação de que a essência não necessariamente participa da existência; c) A existência se configura como um acidente da essência. Tal operação permite compreender uma união entre a teoria de Aristóteles e Platão. A teoria aristotélica se mostra presente na compreensão lógica relacionada à análise da coisa em si, ao passo que a existência enquanto resultado acidental da essência se mostra fundamentalmente platônica. Tal dignificação da existência frente à essência acontece, posteriormente, somente com a obra de Tomás de Aquino. Nesse sentido, Al-Farabi se destaca ao associar as coisas à possibilidade epistemológica contida nelas, teoria profundamente aplicada e demonstrada na obra em seus comentários da obra de Aristóteles. Assim, a filosofia alfarabiana entende que a finalidade do homem seja utilizar sua inteligência para compreender a inteligibilidade do mundo, realizando de uma só vez sua capacidade intelectiva e descobrindo uma superioridade inacessível a não ser pelo amor. A obra desse importante filósofo tratou também sobre outras temáticas caras ao mundo islâmico. Sobre a política, pensava que, mesmo que houvesse uma cidade quase perfeita, qualquer experiência comunitária não expressa a necessidade de a cidade ser o seu próprio fim. Tal compreensão deriva da noção de que uma cidade perfeita fará parte somente de um mundo supraterrestre. Segundo Gilson (2001), um dos movimentos mais curiosos nesse período foi a influência de uma seita franco-maçônica criada originalmente em IV d. C. sobre os filósofos muçulmanos de então. Os membros dessa seita se tratam por “irmãos da 34 pureza” e tinham como principal objetivo não a compreensão das revelações religiosas por meio da filosofia, mas antes recorrer à filosofia para aprimorar as leis religiosas e legitimá-las racionalmente. Essa seita produziu 51 tratados sobre física, matemática, religião, teologia e doutrina da alma. A relevância dessa seita consiste na disseminação da filosofia entre os muçulmanos, principalmente a partir do século X. Foi nesse meio que se destacou a figura de Avicena (980–1037 d.C.), que se tornou um dos nomes mais importantes da filosofia árabe, inclusive no Ocidente. A obra que mais intrigou Avicena desde a juventude foi a aristotélica. Ao entrar em contato com a filosofia de Al-Farabi, mais precisamente com a leitura alfarabiana de Aristóteles, Avicena decidiu se dedicar aos problemas contidos na metafísica do filósofo grego. A obra de Avicena que mais se destacou foi a Al Schifá (A cura), que, mais do que tecer comentários elucidativos sobre a obra aristotélica, apresenta uma interpretação própria. Nela, a doutrina aristotélica é combinada ao neoplatonismo, com a religião islâmica e a judaica. Outro aspecto da obra é o argumento lógico. Para Avicena (GILSON, 2001), a categoria universal só pode ser aplicada a uma definição específica de realidade mental, entendida como essência. No mais, cada realidade é composta de propriedades distintas. Assim, universal, por exemplo, é a alma, essencial, já o corpo não afeta as propriedades da alma, proporcionando-lheou não sensações internas, ou externas. Avicena concebe, então, o universo como que composto por essências, sendo elas o objeto da especulação filosófica metafísica. A essência é compreendida como aquilo que define a si mesma, o que acaba por criar uma cisão entre a metafísica e a ciência, antecipando um problema que veio a se aprofundar na Idade Moderna. Nesse sentido, se quando falamos de essência não importam as categorias de universalidade ou de singularidade, é porque ela é independente das propriedades adquiridas. Como ressalta Gilson (2001), a essência do cavalo é a cavalidade, não sendo necessário que todos os cavalos sejam iguais em suas propriedades. A ciência 35 e a lógica, portanto, partem de pressupostos universais para compreender ao máximo os seres em suas propriedades, sem que isso lhes afete a singularidade essencial. Entende-se, assim, que mesmo partindo dos pressupostos filosóficos gregos, em especial os aristotélicos, a filosofia árabe se construiu não com os gregos, mas a partir deles. Avicena, que se tratou de um personagem caro à tradição medieval, contribuiu para a filosofia ocidental com reflexões que ainda não haviam sido desenvolvidas, como a unidade da inteligência do agente como possibilitadora da compreensão da inteligibilidade. Nesse horizonte, encontramos o diálogo entre Al- Farabi e Avicena. Este último admitiu diversas vezes que sem a filosofia alfarabiana não teria sido possível o desenvolvimento de sua lógica e metafísica. Uma figura que deve também ser considerada nesse contexto é o pensador Averróis. Com ele o aristotelismo se torna a tendência fundamental do pensamento do medievo, sendo possível encontrar pontos de consonância entre ele e o pensamento de Tomás de Aquino; como também diferenças fundamentais, já que Averróis defendeu, em sua época, a ousada tese de uma diferença fundamental entre filosofia e doutrina religiosa, baseando-se na consideração de investigação racional não é igual ou substituível pelo ‘conhecimento’ revelado através da fé. Nascido em Córdoba, Espanha, após ter estudado matemática e filosofia, Averróis se dedicou ao estudo e fazer comentários sistemáticos dos escritos de Aristóteles. Foi condenado por heresia em razão da polêmica contra os teólogos do Islã, apresentada na obra “Destruição da destruição Filosofia”, onde ele planejou delimitar os campos do saber e da fé islâmica (HERNÁNDEZ, 1997). Esse livro consiste também em uma réplica as objeções que o teólogo Algazali (1050 – 1111) moveu contra a filosofia e os filósofos A questão mais proeminente posta pelo livro, é que se trata da defesa de uma posição intelectual precisa, baseada na diferença entre teologia e filosofia. O teólogo é o personagem, na perspectiva de Averróis, que tende ao primado absoluto da fé, baseado na experiência mística da divindade ou mesmo no costume religioso como fonte de sentido de sua existência. O filósofo, por outro lado, é aquele que se preocupa em compreender racionalmente 36 aquilo que o místico considerava aceder através do salto religioso. As posições de AL ghazali e Averróis podem ser usadas para compreender essa diferença. Para Alghaza li, no mundo não existem causas estáveis e necessárias, não existe propriamente uma ordem e tampouco podemos falar de uma racionalidade como essência das coisas ou do ser humano; tudo é contingente uma vez que procede de Deus que não é concebido como um tirano, mas como um bom príncipe que governa segundo leis justas e estáveis impostas por ele mesmo. Para Averróis, por outro lado, o mundo é uma espécie de escritura divina: a filosofia e a ciência nos ajudam a compreender o seu significado mais profundo. Na grande construção do mundo, o que se deve reconhecer é a "engenharia divina", isto é, a realização de um benéfico projeto racional, o que é mais acessível pela filosofia do que pela fé. Nesse sentido, a razão o levou a afirmar, com Aristóteles, a eternidade do mundo, mas negação da imortalidade da alma individual. Justamente, porque construída sobre estas bases, o caminho percorrido por Averróis se transformou em uma fonte de preocupação para as autoridades religiosas e em grandes debates entre os mestres da filosofia católica parisienses. O caminho percorrido por Averróis foi o de conciliar fé e razão, atribuindo à filosofia a missão de interpretar e desenvolver a verdade revelada no Alcorão. O pressuposto desta tentativa é que a investigação racional é a continuação coerente, lógica e histórica da doutrina presente no alcorão. Em razão disso, o ensinamento religioso deve aprofundar e desenvolver esta investigação de tal forma que a torne supérflua. A perspectiva de tal caminho é aquela destinada a conservar somente um valor prático e ético junto às multidões incultas. Em relação às elites intelectuais, administradas pela filosofia e pela ciência, a perspectiva é outra. Averróis considera que a religião possui uma função política; isto é, serve para afirmar os princípios de uma ética necessária à convivência civil. As pessoas comuns, isto é, os movidos de paixões destrutivas, incapazes de compreender e administrar tais paixões, podem aceitar os princípios desta convivência pacífica somente na perspectiva dos prêmios 37 e dos castigos divinos; os intelectuais dominam tais paixões e podem aderir livremente a estes princípios. Contra o teólogo do Islã, Algazali (1050 – 1111), que reivindicara a superioridade do espírito religioso islâmico sobre as demais expressões de fé e sobre a ciência, Averróis sustenta o primado da razão sobre todo tipo de fé. O impacto do pensamento de Averróis e sua leitura da filosofia aristotélica pode ser considerado revolucionária, uma vez que contribuiu para uma maior valorização da investigação racional em relação à fé, pondo em relevo ainda que a vida contemplativa não é superior à vida ativa. Por isso, a tradução latina da obra de Averróis, ocorrida por volta de 1230, influenciou, não somente pensadores dispersos, mas adquiriu a forma de uma verdadeira tendência, constituindo o que foi posteriormente denominado de averroísmo latino ou aristotelismo integral. 4.2 A teoria do profeta e dos atributos divinos de Maimônides e os argumentos filosóficos de Aristóteles O pensamento de Maimônides se faz incontornável ao se tratar dos desdobramentos da obra aristotélica na cultura judaica. Nascido em uma região onde a cultura hebraica se mesclava com a cultura islâmica, na cidade de Córdoba, atual Espanha, o filósofo judeu pode desenvolver suas teorias à luz das obras de Al-Farabi, Avicena e Averróis, às três figuras máximas do pensamento aristotélico no mundo islâmico (GILSON, 2001). Trata-se, portanto, de um dos mais importantes pensadores medievais, autor de obras que influenciaram profundamente os autores latinos da escolástica cristã, sendo, ainda, atualmente muito lido entre intelectuais de judeus e cristãos. Sua obra mais conhecida e famosa é o Guia dos perplexos, onde são tratados muitos temas, dentre eles: a função do profeta e do filósofo, como também da questão do mal, bem como discussões éticas e teológicas. Seu mestre foi o filósofo Abacar Maomé ibne (Avempace), um filósofo originário da Saragoça, Espanha, conhecido por ser estudioso da obra aristotélica; principalmente no que compete aos tratados sobre a alma, o intelecto e o pensamento 38 ético. Avempace teve também como referência a obra do filósofo Al-Farabi, que, como vimos, se orientava segundo uma leitura original da obra de Platão (PEREIRA, 2015). Ainda que não seja seu objetivo, Leo Strauss, em seu clássico estudo sobre a fundamentação da Lei na filosofia, acaba por fornecer um guia para a compreensão da filosofia de Maimônides. Ele carateriza a posição do filósofo judeu, como um pensamento medieval das luzes em matéria de religião. Todavia, como observaStrauss, esse caráter 'iluminista' do pensamento Maimônides não significa fecundizar a luz com objetivo de educar ou os membros mais simples de uma congregação religiosa. Não se trata, assim, de esclarecer uma maioria; mas medir a quem essa luz deve ser dirigida e porque quem ela deve ser conquistada (STRAUSS, 1988). Desta perspectiva, considera-se que verdades conquistadas pela razão filosófica e pela revelação profética devem ser guardadas em segredo e mantidas à distância das massas, que, em muitos aspectos, são incapazes de suportar o que pode haver de desconcertante no mundo visto pelo profeta e pelo filósofo. Seguindo uma tradição que remonta a Platão, Maimônides, entende, que ocultas essencialmente ao vulgo, as verdades são acessíveis somente a uma elite de sábios, capazes de suportá-las e entendê-las. Como bem observa, Strauss, o caráter “esotérico” das “Luzes medievais” postas pelo pensamento de Maimônides está alicerçado no ideal grego da vida contemplativa: ou seja, na atividade de contemplar (theorein) — elucidado por Aristóteles no final do seu texto Ética Nícomâco —, que, para os medievais, ainda pressupõe ainda uma acesse religiosa e qualidades que não surgem distributivamente entre os seres humanos. É a partir desse contexto que podemos compreender como no pensamento de Maimônides se constitui sua doutrina da profecia. A questão colocada pelo filósofo é estipular as condições necessárias à profecia; portanto, aos atributos necessários ao profeta, enquanto aquele que recebe e guarda a verdade. Assim, segundo o filósofo (MAIMÔNIDES, 1997), o profeta deve ser aquele dotado de intelecto, imaginação, bons hábitos, coragem, capacidade imaginativa e liderança sobre os demais. Vale ressaltar que a postura de Maimônides correspondia com a tradição filosófica de origem platônica, segundo a qual o filósofo é aquele que acessa verdades dado o 39 grande exercício intelectual e, portanto, deve guiar a sociedade para o conhecimento e não simplesmente fornece-lhe os caminhos necessários. Assim, a figura do profeta e do filósofo se confundem no pensamento de Maimônides, o que indica também para uma aproximação, ainda que mística, entre filosofia e profecia. Na busca da perfeição de sua tarefa, o profeta e o filósofo devem viver uma vida dedicada à theoría, à contemplação de seu objeto supremo, a saber, Deus. A Revelação divina é considerada absolutamente necessária ao ser humano, pois ela lhe concede a Lei que o educa no conhecimento das verdades. Enquanto a Lei e a verdade são concedidas por Deus a um profeta, a Revelação, deve ser usada por ele, para orientar aqueles que conseguem filosofar, mas não são profetas A finalidade do seu trabalho é tornar possível o chamamento à vida contemplativa e à educação que proporciona ao homem aptidão para contemplar. A mediação do profeta é o argumento de base para que a Revelação não seja compreendida como um milagre de Deus, pois, se assim fosse, não poderia ser apreendida pelas faculdades humanas, mais precisamente por aqueles que têm o desejo da filosofia. A Revelação deve ser um acontecimento natural inserido na totalidade da natureza criada por Deus. Compreender a Revelação significa, portanto, compreendê- la a partir do homem, uma vez que o profeta, apesar de se tratar de alguém que se destaca do conjunto da humanidade, é sempre um ser humano, possuidor de uma natureza humana. Temos, portanto, uma não coincidência direta entre o profeta e o filósofo. O profeta é uma figura anterior, originário, que torna possível ao filósofo aquilo que deve ser investigado racionalmente e conquistado pela filosofia. O filósofo pode interpretar aos homens a profecia recebida pelo profeta, que por essência é líder dos homens, porque tem em si o atributo do contato com Deus. Maimônides compreendeu a Bíblia partindo do pressuposto de que ela se comunica com os humanos. As profecias, nesse contexto, surgem como portadoras de uma linguagem mais esotérica. Interpretação deste discurso caberia apenas a uma elite intelectual e espiritual. Maimônides fundamenta sua teoria profética. Entende-se, assim, que as verdades, ou os conhecimentos, oriundos da experiência profética, só podem ser revelados àqueles que singularmente se mostram à altura de 40 tamanha decifração, ou seja, profetas e filósofos. Maimônides reconhece Moisés como um desses iluminados, aquele cuja capacidade intelectiva se fazia um farol; ao passo que os filósofos seriam aqueles que por um profundo estudo e exercício conseguem enxergar lampejos de verdade. Por fim, há aqueles que vivem para sempre na escuridão, compondo a massa ignorante e os iluminados. Não tratamos neste tópico de todos os principais filósofos da Idade Média, já que a questão não era expor a história da filosofia enquanto tal, mas oportunizar ao estudante o conhecimento de um momento da história da filosofia, onde o filosofar se apresenta fortemente vinculada ao fenômeno religioso, conforme a necessidade de tratar das relações entre fé e razão. Quase todo o pensamento do medievo se constitui como uma filosofia da religião, quando o observamos sob a ótica desta relação. O objetivo da exposição, portanto, foi mostrar que qualquer um que se debruce sobre a filosofia elaborada no mundo medieval, não deixará de notar a estreita correlação entre a formação e o desenvolvimento da filosofia e formas de pensamento oriundas dos ambientes culturais judeu, árabe-islâmico e do cristão. A intenção destas filosofias era resolver determinados problemas e as soluções levantadas pelos sábios das três comunidades põem em relevo que pertencem ao “Povo do Livro” (“Ahl al-Kitāb”), como são designadas no Corão. Fundadas na experiência da Revelação do Livro — a Torá para os judeus, o Corão para os muçulmanos e os Evangelhos para os cristãos –, essas culturas deixaram um legado de capital valor, cuja influência, direta e indireta, pode ser constatada até em Descartes, que, a despeito de anunciar o rompimento com a tradição de pensamento inaugurada por Tomás de Aquino, não consegue se desvencilhar completamente da visão de mundo recebida de seus professores jesuítas. Veremos, a seguir, como essa relação entre filosofia e religião acaba por se modificar nos séculos posteriores; o que também tornou possível outras formas de fazer 'filosofia da religião'. Outros autores importantes da tradição medieval serão retomados e indicados no decorrer da exposição, principalmente quando eles influenciam tendências modernas e contemporâneas no âmbito da filosofia em geral e, especialmente, da investigação filosófica do fenômeno religioso. 41 4.3 Algumas questões da filosofia da religião na modernidade (Descartes, Leibniz, Spinoza e os desdobramentos) No século XIV, a filosofia medieval e seus temas, apresentavam-se o semblante fortemente decadente, abrindo espaço para novas formas de fazer filosofia, fundadas em uma nova imagem da racionalidade e práticas de investigação desvinculadas da cristandade em sentido institucional. No entanto, essa mudança de semblante, não apagou do cenário a preocupação dos filósofos com questões teológicas ou de cunho religioso. Os filósofos modernos também abordaram a questão da fé, mas conforme os critérios da modernidade nascente. Com o humanismo e o Renascimento, por exemplo, buscou-se inspiração no antropocentrismo da cultura grega para dar centralidade ao que se constituía, naquele momento, como uma nova imagem do mundo e da natureza humana. A Igreja católica, nesse cenário, testemunhou também sucessivas divisões e, consequentemente, perda de influência. Para a Igreja Católica, houve três grandes catástrofes no campo da fé e da política desde a Idade Média até a modernidade: a cisma entre oriente–ocidente (1054), a Reforma (século XVI) e a condenação de Galileu. Desde então aprofundou-se o abismoentre a Igreja e a cultura moderna tal como ele começava nascer (ZILLES, 1991). Nesse contexto, as pautas filosóficas foram se transformando através de deslocamentos que refletiam um novo tempo em que o protagonismo de uma filosofia exclusivamente teológica se tornava cada vez menor. Assim, ao encontrar diante de si um mundo não mais orientada pela ideia de interação com o sagrado e pela doutrina cristã interpretada pelo catolicismo, mas atravessada pela luz natural da razão, os pensadores modernos precisaram também remanejar suas crenças e teses religiosas, aquelas que recebiam por educação e através de uma formação educacional, ainda transmitida exclusivamente por instituições religiosas Descartes, enquanto portador de uma filosofia de caráter racionalista, foi responsável por uma profunda transformação no modo como se concebia a filosofia desde o medievo, como também por uma radical transformação da posição do sujeito em filosofia, o que torna inovador relação à tradição fundada pelos gregos. 42 Inicialmente, o filósofo partiu da ideia de que todos os conhecimentos adquiridos pela educação, pelos costumes e mesmo pelas disciplinas mais científicas se apresentavam como passíveis de questionamento, porque não fundados em um axioma ou ideias distintas. Nesse sentido, ele escreveu alguns livros fundamentais para qualquer um que se interesse pela filosofia. Dois livros permitem um entendimento das ideias defendidas pelo filósofo e seu percurso de formação espiritual: discurso do método e as meditações cartesianas. No discurso do Método, o filósofo apresenta o que ele considera o método necessário para o desenvolvimento das ciências e a busca da verdade em filosofia. No contexto da filosofia cartesiana, a palavra “método” nada mais significa do que um “caminho” que o pensamento deve percorrer em sua busca pela verdade. O método cartesiano baseia-se na suspensão das ‘verdades’ adquiridas pela experiência em favor do uso ativo e pleno da razão. Descartes dizia que, para buscar a verdade, as pessoas devem, antes de tudo, abandonar as opiniões que receberam por meio de professores, livros, poesias, literatura ou senso comum. Ou seja: para descobrir a verdade, é preciso duvidar daquilo que parece óbvio (DESCARTES, 1973). É importante lembrar que “suspender” uma verdade não quer dizer simplesmente considerar que o que os outros pensam e defendem como falso, ou que tudo o que os sentidos indicam é mera ilusão — isso seria o absoluto ceticismo, o que não corresponde à filosofia de Descartes, para quem é possível ter certeza sobre a existência da realidade, mas, essa certeza deve ser conquistada e demonstrada pela reflexão. Através da dúvida metódica ou estratégica, isto é, da suspensão do saber adquirido, Descartes descobriu a existência do cogito, a subjetividade, que resiste aos questionamentos e se apresenta como o ponto de partida e fundamento de toda investigação radical e teoria fundamentada. As ideias de Descartes exerceram grande influência para o avanço da ciência no século XVII. Suas investigações revolucionaram o campo das matemáticas e também os estudos da natureza. Ele desenvolveu uma filosofia sistemática, organizada por meio de longas cadeias de deduções, entre a última realidade 43 ontológica resistente à dúvida metódica, isto é, o eu penso; e os fenômenos e acontecimentos concretos de experiência (SILVA, 1996). Todavia, suas proposições sobre a existência de Deus recuperaram muitos aspectos da escolástica, ainda que apresentassem inovações em relação aos pensadores do medievo. Para Descartes, Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical, que funcionava de forma determinista e sem a intervenção divina, já que a finalidade do universo foi dada ao universo, por Deus, no momento de sua criação (DESCARTES, 1973). Em suas considerações sobre a existência de Deus e o modo como ele se relaciona com o ser humano e com mundo, Descartes tinha o objetivo de oferecer um caráter epistemológico à questão teológica. Tratava-se, assim, não apenas de provar a existência de Deus, mas se deslocar para o âmbito de uma investigação que descrevesse como era possível a razão humana um conhecimento satisfatório da divindade. Assim, partindo da sua concepção de ideias inatas, distinguindo aquelas que podem ser originadas de outras e aquelas que não podem, ele percebeu que se não houvesse um fundamento epistemológico para sua teoria que alinhasse em seu interior a questão teológica, ela correria o risco de apresentar a realidade das ideias nos termos de uma espiral interminável. Desta forma, acabou por inferir que a ideia de Deus, “[...] na medida em que a infinitude é o predicado de todos os predicados de Deus” (SILVA, 1996, p. 66), é a causa das ideias inatas, que, tendo sua origem em Deus, sempre são claras e distintas na forma como se impõem à realidade. Desse modo, na filosofia de Descartes, Deus é a fonte dos pensamentos e tudo o que dele provém é verdadeiro. Tudo aquilo que portar clareza e distinção tem sua evidência garantida por Deus, “[...] verdade suprema e razão de ser de todas as demais” (SILVA, 1996, p. 68). Entende-se, assim, que o percurso da dúvida metódica posto pelo filósofo, sua descoberta de fundamentos através dele, acaba por ter um fundamento teológico, o que o torna próximo aos escolásticos e um verdadeiro herdeiro da filosofia da religião medieval. Deus não é em sua filosofia um problema entre outros, mas o problema fundamental, 44 já que todos os fundamentos surgem dele, na medida em que ele é a fonte das ideias inatas, aquelas que dão clara distinção a experiência. Interessante notar, que para argumentar sobre a prova da existência do Ser perfeito, entendido como Deus, Descartes parte da presença da ideia de Perfeito no ser humano, que não pode ser causado pelo homem, mas tem sua fonte na própria perfeição enquanto atributo divino da existência do Perfeito da sua própria essência. Trata-se, de uma filosofia que busca unir a realidade absoluta de Deus como a experiência do divino pela subjetividade. Essa metafísica da subjetividade parte da intelecção do sujeito, mas busca manter a realidade divina como independentemente da existência do mundo e dos seres humanos, o que nos leva também a considerar que todas as ideias que estão presentes no homem também surgem do movimento da Divindade nele, o que faz mais uma vez retornar a questão teológica e a Deus como fundamento de toda verdade possível. Assim, para demonstrar a existência de Deus, o ponto de partida seria o conhecimento da essência divina. Entretanto, para conhecer o que Deus é, torna-se necessário algo como uma filosofia, baseada na distinção e na racionalidade, porque para o filósofo a fé não é suficiente, o que podemos perceber no percurso da dúvida metódica cartesiana. Nesse ponto, o filósofo expressa um aspecto fundamental de toda modernidade e até do mundo contemporâneo: o esforço de elaborar e exprimir as relações entre o universal e particular através da existência humana. Orientando-se pelas elaborações cartesianas, tomando lógica e a matemática como modelo, o matemático e filósofo alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646–1716) foi figura central da filosofia moderna e da matemática. Criticado, em sua filosofia, pelo reconhecido otimismo, afirmou que o universo no qual vivemos é o melhor dos mundos possíveis que Deus poderia ter criado. Voltaire, um filósofo do iluminismo, famoso por usa língua afiada e autor de inúmeras polêmicas, foi um dos primeiros a sintetizar essa concepção de Leibniz, ainda que de modo bastante caricatural. O personagem do livro de Voltaire é um ser humano extremamente ingênuo, que por ser 45 excessivamente otimista acaba por se envolver em inúmeras situações que lhe causam prejuízo e sofrimento. Leibnizfoi um dos grandes racionalistas da modernidade, ao lado de Immanuel de Espinoza e René Descartes. De acordo com Walter Kaufmann e Forrest E. Baird (2008), Leibniz aplicou a Razão aos princípios primevos, às definições a priori, desconsiderando as experiências empíricas, na medida em que adotava uma posição idealista acerca da realidade e também tendida para uma compreensão em que o mundo material poderia ser reduzido e explicado por entidades mínimas espirituais que ele chamava de mônadas. Para o filósofo, “a reflexão não constitui outra coisa senão uma atenção àquilo que está em nós, haja vista que os sentidos não nos dão aquilo que já trazemos dentro de nós” (LEIBNIZ, 1988, p. 6). Uma das consequências deste idealismo metafísico, é que em sua perspectiva, o ser humano não deve se limitar somente as suas experiências empíricas, o que exige examinar de modo analítico e racional a gênese da possibilidade do conhecimento e desta maneira reconhecer a “[...] a vastidão e soberania de Deus” (LEIBNIZ, 1998, p. 89). Assim como Descartes, Leibniz se ocupou da busca da verdade baseada na racionalidade e no questionamento do princípio de autoridade, mas apresentou uma metafísica que em muitos sentidos se diferenciava daquela de Descartes. Uma diferença importante entre os dois autores se refere a maneira como eles compreendem a ciência e seu lugar no conjunto dos saberes humanos, o que será determinante no tratamento dado por eles ao problema religioso. Em Descartes, a questão epistemológica termina e se fundamenta em uma dimensão teológica, pois Deus, como vimos, surge como fundamento e origem das ideias inatas que são a verdade a ser atingida pelo ser pensante. Para Descartes, o discurso e a prática científica possuem uma ordem própria, um encadeamento que não depende da maneira imediata como absorvemos o mundo, por isso o conhecimento efetivo depende do método assumido pelo sujeito; ou seja, só é possível chegar as ideias inatas e ao seu fundamento metafisico (Deus) através da suspensão das formas de conhecimento adquirido e do entendimento de 46 que através dos sentidos não temos acesso a verdades distintas e definitivas. Em Leibniz, por outro lado, encontramos uma consonância entre a ordem da realidade e da teoria, como se já estivéssemos em qualquer ponto da experiência em contato com a verdade divina, sendo necessário o esforço de sistematização disso que é dado naturalmente a nossa racionalidade. Nesse sentido, ele valorizará profundamente o estudo da lógica, tendo em vista a expressão desta verdade sistemática na qual já estamos. Ele entende, portanto, que o fundamento da ‘verdade’ reside no encadeamento de um discurso sistemático, de modo que, para o autor da Monadologia, a concepção de sistema engloba tanto a realidade como o discurso e como experiência: a solidariedade da verdade na teoria corresponde à solidariedade entre as coisas no universo, isto é, à harmonia. Por isso, o mundo atual é ao que se aplica por excelência o vocábulo "sistema": trata-se do "[...] melhor dos sistemas possíveis", base do ótimo que caracteriza a sua filosofia, ou mais precisamente, base de um realismo quase trágico a partir do qual é necessário a aceitação da ordem do universo pelo indivíduo e não inútil briga com ele. Entende-se, assim, porque na filosofia de Leibniz, Deus não pode mudar sua natureza, nem agir fora da ordem que ele mesmo estabeleceu, já que existe uma consonância entre realidade e experiência e isso inclui a experiência divina que não pode ser quebrada ou expandida. Todavia, com isso, surge a seguinte pergunta: como Deus pode ser dotado de uma vontade soberanamente boa e criar um mundo tão cheio de imperfeições? Entre os argumentos que apresenta na obra Ensaios de Teodicéia, Leibniz (2013), infere que Deus não age sem razão guiada pelo princípio do melhor, nem sempre designado pela nossa experiência tão limitada no espaço e no tempo. Dessa forma, a filosofia de Leibniz sustenta que não há incoerência lógica entre a existência de Deus e a do mal (ESTRADA, 2004). Assim, ele reivindica legitimidade para o pleno uso da liberdade humana, sendo essa a origem de muitos males humanos, combinados com forças alheias. Criados livremente por Deus e inseridos harmonicamente na dinâmica da criação, há aqueles 47 que agem mal e outros que sofrem por essas escolhas. Sendo assim, o filósofo indica que o caminho é assumir a condição humana com suas alegrias e dores. Encontramos uma concepção que se difere de Descartes e Leibniz em Spinoza. O filósofo holandês Baruch Spinoza (1632–1677) foi estudioso do racionalismo de Descartes, sem, contudo, aceitar seu entendimento acerca das substâncias regentes do mundo. O que o atraía era a concepção de Descartes de uma substância homogênea sublinhando todas as formas de matéria, e outra substância homogênea sublinhando todas as formas da mente; essa separação da realidade em duas substâncias finais era um desafio à paixão unificadora de Spinoza e atuou como uma motivação para as inquietações de seu pensamento (DURANT, 1996, p. 157). Deste modo, o grande holandês, decidido a superar a compreensão cartesiana sobre o ser perfeito, voltou sua atenção não somente à metafísica da questão religiosa sobre a natureza divina, mas buscou desenvolver uma concepção de Deus como substância unitária e presente em todos os lugares pensáveis ou não, querendo, assim, entender os ser divino que abarca todos os seres e todas as coisas. Na obra Ética, publicada originalmente em 1667, o filósofo interpela as doutrinas religiosas tradicionais com a ideia primordial de Deus, não enquanto uma pessoa ou ente, e sim como causa racional, sendo, portanto, nessa condição, responsável pela produção de todas as coisas. Nesse sentido, Deus é causa imanente da realidade e, por isso, as criaturas detêm certas propriedades da divindade, além de dividirem com ela algo de sua essência. Para construir sua tese sobre a imanência, o ponto de partida do filósofo é a questão da substância. Para a possibilidade de relacionar a essência divina à existência, Spinoza delimita uma identidade entre a existência e a potência constituinte da essência de Deus, definindo Deus como substância existente em si e por si, ou seja, substância incriada, infinita e eterna (SILVA, 2009, p. 51). Spinoza aborda a eternidade e infinitude expondo a eternidade da substância divina. Sendo Deus eterno, não se pode pensá-lo presente no tempo, ou na totalidade do tempo, pois começo e fim não são 48 atributos possíveis ao eterno e infinito. Assim, Deus é substância, ou seja, o que existe por si e em si, e por si é concebido (SILVA, 2009). Com o conceito de substância, Spinoza quer alertar para o modo como o conhecimento da realidade é possível. Ele entende que só há conhecimento verdadeiro quando há aproximação das leis pelas quais a natureza é regida, que são determinantes da própria natureza. Partindo desse pressuposto de Deus-natureza, o alcance do conhecimento verdadeiro é dado por essa dimensão divina, cujo restante é apenas expressão. Assim, Spinoza coloca o pensamento e seu potencial intelectivo como atributos infinitos de Deus, defendendo que o ser perfeito não é puro espírito, como defendido pela tradição teológica, mas também matéria. Para Spinoza, a existência de toda e qualquer coisa só é possível se admitirmos a existência da natureza divina, isto é, a Natureza Naturante, de onde todas as coisas provêm, e a qual não carece de nada para existir, pois existe em si e é concebida por si, sendo assim definida por Deus, substância eterna e infinita (SILVA, 2009, p. 53). Para Spinoza, a res extensa e a res cogitans são atributos da substância, enquanto para Descartes esses dois elementos também são substâncias, daí a clássica diferença entre os dois filósofos. Spinoza atribui ainda aDeus o poder de agir segundo a sua natureza, e como causa livre disso resultam todas as outras coisas. O filósofo não usa o termo natureza com uma única interpretação. Na verdade, pode abarcar como possibilidades válidas tanto a essência quanto a totalidade do real. Quanto à expressão Deus sive substancia sive natura (Deus é tanto substância como natureza“), ele não pretende referir-se ao mundo visível, e sim à causa primeira, imanente a tudo quanto existe, imposta pelas leis da natureza. Não há desvios na ordem natural, e, portanto, a possibilidade do sobrenatural, que justificaria os milagres, por exemplo, não é aceita na teoria da substância universal. Nessa visão, a substância (Deus) é causa imanente das coisas e manifestação da potência divina. O homem está inserido na natureza e sua realização passa pela progressiva consciência da sua inter-relação e dependência dos outros seres. Essa é uma visão que diverge de Descartes, que previa o acesso ao conhecimento do ser perfeito por si mesmo, no protagonismo racional do sujeito. Em Spinoza (SILVA, 49 2009), o eu é solidário, em sinergia com a realidade ao seu redor. Ele é parte da natureza. Por meio do corpo, dos modos de pensamento ou da mente, o humano toma consciência da totalidade da qual faz parte e com que deve viver em harmonia, sua concepção de Deus e de experiência religiosa se encontra no próprio mundo. 5 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO Durante os séculos XIX e XX, surgiram diversas filosofias que, ou tiveram caráter religioso, pelo fundo ontológico e paradigmático que adotaram, ou colocaram em relevo questões relacionadas ao fenômeno da religião. O pensamento desse período evidenciou diversidade tanto na quantidade de tendências e correntes filosóficas, quanto na quantidade de pensadores que voltaram a debater fenômeno religioso, considerando questões acerca da divindade e da experiência religiosa. As formulações filosófico-teológicas destas diferentes correntes de pensamento surgiram de modo simultâneo ou separadas por breves intervalos cronológicos. Todavia, é possível verificar uma grande diferença entre elas, com também pontos em comum. Nesse tópico, apresentaremos aspectos da neoescolástica, da filosofia analítica e da fenomenologia no campo de investigações que pode ser circunscrito como filosofia da religião. 5.1 A releitura da filosofia tomista no século XX e sua importância no âmbito da filosofia da religião. Como vimos anteriormente, o pensamento cristão, tal como ele está constituído oficialmente, na atualidade, tem início com os filósofos do medievo, no âmbito do ficou conhecido como patrística, a filosofia dos primeiros padres da Igreja. O que se entende como filosofia medieval é comumente divido em duas correntes: patrística e escolástica. “A Patrística consiste no pensamento dos chamados Padres da Igreja, isto é, os pais, os fundadores do pensamento cristão medieval” (VASCONCELLOS, 2014, p. 11). Essa corrente situa-se entre os anos 100 d.C., — época considerada o 50 fim da era apostólica, isto é, após a escrita do Apocalipse de João (o último dos livros bíblicos) — e o século V. Já a escolástica se inicia por volta do século V e se estende até o início do Renascimento, ou seja, o século XIV (VASCONCELOS, 2014). Entende-se, assim, que de acordo com Vasconcelos (2014), a Idade Média se inicia por volta do ano 476, com a queda do Império Romano do Ocidente, e termina em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos povos turcos e a consequente queda do Império Romano do Oriente. No entanto, se adotássemos uma periodização mais afeita à divisão histórica, colocaríamos a Patrística no final da Antiguidade, entendo que esse pensamento cristão medieval se revela somente quando confrontado com as inúmeras influências que ele recebe da cultura pagã, como mostramos anteriormente. Desta maneira, podemos compreender o Medievo, do ponto de vista filosófico, como um período marcado pela relação entre a filosofia grega e o pensamento cristão, judeu e árabe: tal período se estende por um tempo demarcado, aproximadamente do ano 100 até 1500. Dizer que há a construção de um pensamento filosófico nesse período significa, portanto, apontar que houve uma reflexão que fincou raízes na Antiguidade, mas que buscou dar respostas aos problemas de seu tempo, “[...] um tempo em que as questões religiosas não são relegadas a um segundo plano” (VASCONCELLOS, 2014, p. 12). No período da Idade Média Central, mais precisamente no século XIII, ocorre o desenvolvimento das escolas universitárias. É nesse período que surge a escolástica, cuja origem está relacionada à criação das escolas e das universidades modernas. A esse período corresponde também a entrada dos textos de Aristóteles no Ocidente, fato responsável por mudanças na filosofia medieval, algo que foi possibilitado pelos filósofos árabes que recuperam através de inúmeras traduções o pensamento do mestre grego (SANTOS; COSTA, 2015). No contexto desta tradição, a neoescolástica, ou neotomismo, designa um movimento filosófico e teológico que se iniciou no final do século XIX a partir da publicação da encíclica Aeterni patris (1879) pelo Papa Leão XIII, mas que procura recuperar o passado glorioso de uma igreja que tinha como mestre intelectual uma 51 figura do tamanho de Tomaz de Aquino, que está, sem qualquer sombra de dúvida entre os maiores pensadores de todos os tempos. A encíclica Aeterni patris é, portanto, um documento que visa refundar as bases da filosofia cristã através de uma retomada do pensamento de Tomás de Aquino. São diversas as divisões dos historiadores da filosofia acerca da escolástica e seu desenvolvimento na história do pensamento católico. Trata-se, inicialmente, de uma tradição de pensamento que se origina no século XIII com a filosofia de Tomás de Aquino e os outros esforços que buscavam alinhar teologia e filosofia, como também fé e razão. Enquanto movimento filosófico e teológico, ela ressurge nos séculos XVI e XVII, dentro das universidades, principalmente da Espanha e Portugal, mas também da Itália e de alguns outros países enquanto uma reação à cultura científica moderna tal como ela começava a se constituir a partir das posturas filosóficas de Galileu Galilei e Descartes. Por fim, a neoescolástica do século XX, enquanto uma tendência da filosofia cristã que busca atualizar aspectos da filosofia de Tomás de Aquino. A neoescolástica busca, nesse sentido, explicitar as potencialidades do texto de Tomás de Aquino, fazendo aparecer os elementos que possam corroborar o valor da fé cristã, de orientação católica, no mundo contemporâneo. Ela visa falar das verdades da fé, para estabelecer os preambula fidei, discutindo temas como as provas da existência de Deus e as possíveis respostas do cristianismo as diversas questões e dimensões da vida dos seres humanos no mundo contemporâneo. Em sua perspectiva 'universalista', ela pretende também compreender a essência do homem e da racionalidade humana, dando fundamento a normas morais tais como podem ser inferidas e interpretadas a partir dos Evangelhos. Para os neoescolásticos, a fé expressa o essencial: somente ela salva e pode dar sentido à vida humana. Todavia, a razão não é indiferente para a fé e a filosofia see configura como ancilla theologia (serva e ‘aliada’ da teologia). Reale e Antiseri (2006) corroboram que a filosofia neo escolástica e a filosofia cristã não são a mesma coisa: a filosofia neoescolástica é aquela que pretende tomar o pensamento filosófico construído pelos padres da Igreja durante a Idade Média, 52 visando a utilização destas construções teóricas como base para pensar o mundo contemporâneo. Trata-se de um comportamento teórico que surge como reação às tendências progressistas e laicas da modernidade, por isso, entende-seque a neoescolástica é uma crítica conservadora ao modernismo. Por modernismo, os neoescolásticos entendem, nesse contexto, os aspectos culturais, sociais e filosóficos da modernidade que possam colocar em risco a fé cristã. Nesse sentido, ao buscar em Tomás de Aquino fundamentação, os neoescolásticos buscam combater tendências de pensamento como marxismo, o futurismo, o existencialismo ateu e as filosofias cristã, consideradas excessivamente antropológicas porque buscam substituir a experiência da fé pela ideia de um mundo sem Deus ou no qual a religião possa ser substituída por uma experiência de fé existencial e mesmo política. Certamente, essa posição dos neoescolásticos é redutora e se torna emblemática das tendências conservadoras do pensamento contemporâneo, porque busca combater qualquer viés progressista nos mais diversos setores da vida contemporânea. Esse caráter antimodernista da neoescolástica pode ser compreendido a partir de seus principais documentos: As encíclicas Aeterni patris, do Papa Leão XIII (1879), e a Pascendi, do Papa Pio X (1907). A primeira, como já observamos, pretendia restaurar o cristianismo católico em reação a diversas teorizações e criações laicas relacionadas às ciências e ao Iluminismo (REALE; ANTISERI, 2006). Nesse sentido, ele defende que todos os males presentes no mundo moderno encontram sua causa no abandono pelo ocidente de uma relação de fé com a doutrina cristã, buscando valorizar a razão mais que a fé. A encíclica leonina buscava, assim, ainda reagir à atonia dos católicos diante do vivaz dinamismo laico (científico, cultural, industrial, imperialista) da Europa da segunda metade do século XIX. Podemos entender, assim, que semelhante a tantas formas de apologética e ideologia que caracterizam o século XX, o pensamento neoescolástico não é só uma filosofia, mas um esforço de fortalecer a Igreja através de uma escolha filosófica precisa: a tradição dos grandes padres católicas (teólogos e filósofos) que poderiam 53 concorrer com outras formas de pensamento que estavam determinando o fazer e o viver no mundo moderno. Ampliando e radicalizando os objetivos e conteúdo do primeiro documento, A encíclica Pascendi foi uma drástica condenação do movimento modernista, isto é, daquela “cultura” de católicos que pretendiam adotar as correntes de pensamento mais atuais a fim de criar uma teologia. Nesse sentido, podemos entender como a neoescolástica condenava tendências filosóficas progressistas ou existencialistas que advogam para si aspectos da fé cristã, tais como o personalismo de Mounier. Segundo Reale e Antiseri (2006), Pio X compreendia o modernismo como a encarnação de todas as heresias e tentou cortar a “erva daninha” pela raiz. Desse modo, ele conseguiu criar mecanismos de divulgação e difusão do movimento neoescolástico, mas pelo exagero de conservadorismo e reatividade dificultou o diálogo da fé católica com a cultura contemporânea. A radicalidade de suas posições que eram naquele momento representação oficial da Igreja pode ser lida na seguinte passagem da encíclica de 1907, na qual ele faz uma defesa radical do pensamento de Tomás de Aquino: No que se refere aos estudos, queremos em primeiro lugar e mandamos terminantemente, que a filosofia escolástica seja tomada por base dos estudos sacros [...] O que importa saber, antes de tudo, é que a filosofia escolástica, que mandamos adotar, é principalmente a de Santo Tomás de Aquino [...] E todos aqueles que ensinam fiquem cientes de que não será sem graves prejuízos que especialmente em matérias metafísicas, se afastarão de Santo Tomás (PIO X, Sobre as doutrinas modernistas, documento on-line) A posição apresentada na passagem acima é típica da cultura medieval, onde o pensamento dos padres da Igreja, que faziam filosofia, deveria ser considerado como a verdade de todos os cristãos e até mesmo de todos os seres humanos. Todavia, é importante notar que a clareza extrema dessas palavras provinha de grande preocupação pastoral, baseada, assim, em uma forte reação às concepções modernistas. Leão XIII, ao contrário, havia dado indicações mais sutis, ainda que extremamente críticas as tendências modernistas da cultura daquele tempo: elogiara Santo Tomás porque “distinguiu como convém a razão da fé, mas, estreitando 54 amigavelmente uma à outra, de ambas conservou íntegros os direitos e intacta a dignidade”. Ademais, Leão XIII sugeria que se buscasse a sabedoria de Tomás, suas próprias fontes, para evitar as interpretações dos seguidores do Doutor Angélico, que nem sempre se apresentavam oportuna e esclarecedoras. E, por fim, o Papa alertava contra a excessiva sutileza dos filósofos escolásticos e contra todas as teorias medievais que fossem superadas. Assim, parece clara a posição diferente de Leão XIII e de Pio X em relação à neoescolástica: o primeiro está mais atento à historicidade do pensamento tomista e usa de reservas e cautelas ao aconselhá-lo; o segundo, em situação diversa, considerada “perigosa”, deixa de lado distinções e reservas, mostrando-se muito mais decidido e até drástico em suas escolhas 'ideológicas' (REALE; ANTISERI, 2006). Todavia, dentro desse âmbito conservador, é possível identificar filósofos e teólogos progressistas, defensores de uma maior abertura da Igreja, dentre os quais é possível destacar a figura de Jacques Maritain que pode ser considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. O filósofo francês Jacques Maritain (1882–1973) é provavelmente o pensador mais conhecido da neoescolástica. Como explicam Reale e Antiseri (2006, p. 391), o lema que sintetiza o seu pensamento é ‘distinguir para unir’, pois, para Maritain, os seres que estão presentes na realidade são análogos uns aos outros, o que permite que a unidade do todo conviva com o fato da distinção das partes. Ou seja, a analogia entre os seres permite que sejam pensados como uma unidade não indistinta, mas ao mesmo tempo uma unidade. Desse modo, a analogia permite a análise da realidade e dos seres em sua distinção e unidade sem ferir a lógica. Segundo essa concepção, conhecemos a coisa ela mesma e não a sua representação, mas não se trata de uma adequação absoluta entre coisa e conhecimento, visto que a coisa é captada sempre sob algum aspecto. Reale e Antiseri (2006) explicam que Maritain se inspirou na antiga ontologia aristotélico-tomista e dividiu o conhecimento ou a cultura em três temas: a pedagogia, a arte e a política. Sua concepção de educação ressalta a sabedoria prática na 55 formação da pessoa. A educação visa tornar a natureza humana mais livre, promovendo valores relacionados à plenitude pessoal e social. Maritain afirma que a educação é uma arte ministerial que objetiva servir a natureza, representando, portanto, um modo de desenvolver o que naturalmente já está presente. Além disso, nega o uso da violência e da imposição e ressalta os valores humanistas, científicos e da ação moral do educador em um processo de cooperação com o educando. Segundo essa visão, o objetivo da educação deve ser: “[...] o homem que existe de bom grado, por se sentir respeitado em sua personalidade, reconhecer-se inserido na comunidade humana sem ser esmagado, e pode expressar seu próprio desejo de verdade e sua própria tendência para o bem” (REALE; ANTISERI, 2006, p. 432). Sobre a arte, Maritain considerava que ela estivesse radicada no intelecto. Ainda que seja possível identificar dois tipos de razão, a razão lógica e discursiva e a razão intuitiva e criativa, a produção artística sempre será racional, de modo que na sua produção a razão lógico-discursiva é instrumento da razão intuitiva-criativa, concepção (REALE; ANTISERI, 2006). Quanto à sua concepção política, Maritain defende a construção de um humanismo integral, no qual as instituições laicas tenham independênciada Igreja, mas que o cristianismo seja a inspiração e motivação para formação desse humanismo. Não se trata da confusão entre Estado e Igreja, mas que ambas as instituições cooperem entre si de tal modo que o Estado seja considerado o instrumento de realização de fins sociais decorrentes da soberania da qual ele foi investido pelo poder de Deus que age através do povo. À Igreja caberia apreciar esses fins e colaborar a seu modo. Assim, Maritain defende a existência de uma sociedade orientada por um “Estado secular, democrático, leigo, pluralista e tolerante, constituído por católicos engajados politicamente e outros agentes sociais, avessos aos regimes liberais tradicionais, às democracias burguesas e aos regimes totalitários” (SOUZA, 20190). Tal Estado, na perspectiva de Maritain, deve constituir como facilitador de um ambiente social capaz de permitir o desenvolvimento pessoal e social, pautado na dignidade dos seres humanos, dignidade à qual o Estado deve estar submetido por 56 meio da participação democrática da sociedade civil. Para isso, os valores morais são imprescindíveis e devem sustentar o Estado, de modo que nem o Estado, nem o povo são soberanos em si e por si mesmos, tendo em vista que a autoridade emana de Deus, que reveste os seres humanos de dignidade e as instituições de realidade e coerência (REALE; ANTISERI, 2006). Maritain defende ainda a existência de uma lei natural cujo conteúdo é o direito a existência, a liberdade e a obtenção da perfeição moral, bem como que os valores morais sejam universais e suficientes por si para julgar todos os seres humanos individualmente e como classe. Outro filósofo considerado neotomista é o escritor inglês G. K. Chesterton (1874–1936) que aparece na foto acima. Trata-se de um grande escritor que contribui fortemente para formulação de um pensamento conservador na Europa, sendo referência do movimento conservador contemporâneo. No entanto, é preciso que não se trate de um pensador qualquer porque estamos diante de um dos maiores escritores de língua inglesa. Segundo Chesterton, um dos grandes problemas da filosofia modernista era adoção de um ceticismo de base kantiana segundo a qual a realidade em si nunca era atingida pelo intelecto. Opondo-se, tal perspectiva, ele considerava que o universo, os seres humanos e Deus são inteligíveis e o real pode ser compreendido e entendido, o que o enquadra como um pensador realista. Chesterton foi um crítico da filosofia moderna, já que para ele era necessário dar destaque ao ser e à realidade no processo de conhecimento (MUNIZ; SANTOS, 2018). É possível ainda afirmar que Chesterton defende a filosofia do senso comum, que consiste em perceber e acreditar que os entes e os fenômenos apreendidos pelos seres humanos são plenamente conhecidos. Trata-se de aceitar a realidade tal qual ela é, inclusive quando ela se revela incompreensível. Mais do que mera aceitação, essa é uma postura de humildade em relação à realidade e de crença de que o mundo não nos enganar: apresentando-se como intuitiva-criativa, trata-se, de uma concepção que se opõe à estética romântica, ao kantismo, ao perspectivismo de Nietzsche e a diferença entre ideologia e saber proposta por Marx, isto é, a todas as tendências de pensamento que formarão as bases do modernismo (REALE; ANTISERI, 2006). 57 Através de sua visão realista, Chesterton, acaba, por reconhecer o cristianismo como uma religião da verdade e alegria, capaz de ensinar os seres humanos o autoconhecimento, a admiração e o entusiasmo para com a realidade, fazendo frente o que ele considera a insanidade da cultura moderna (MUNIZ; SANTOS, 2018). Para Chesterton, retomar a visão cristã é uma forma de afirmar e defender os princípios básicos da realidade e da existência que estão presentes na filosofia cristã e no próprio cristianismo. Assim, essa também representa uma posição crítica frente à filosofia moderna em geral. Porém, Chesterton não nega a possibilidade de se possuir uma visão correta, a que chama de ortodoxa, e uma visão católica das coisas. Mais do que isso, afirma que existe o risco de se perder naquilo que chama de filosofias insanas e heréticas (MÜLLER, 2017). Conforme Chesterton, há apenas um ângulo ou uma visão a partir dos quais os seres humanos podem se firmar para escapar das filosofias insanas e heréticas, que é o catolicismo. Assim, enxerga a necessidade de uma autoridade ou instituição sobrenatural, identificada como a Igreja Católica, para gerar e garantir a perpetuação de certos dogmas. Nesse caso, tais dogmas devem ser primários e inquestionáveis, para que se proteja o que foi perdido com a filosofia moderna e se “[...] proteja a aventura mundana dos homens” (MULLER, 2017, p. 428). 5.2 Filosofia analítica da religião Segundo Marcondes (2004), a expressão 'filosofia analítica' pode ser entendida de dois modos. Em um sentido mais amplo, ela indica uma forma de fazer filosofia que recorre ao método analítico da linguagem baseado na lógica para o tratamento de problemas filosóficos. Cabe ressaltar, no entanto, que não se trata de uma filosofia que funda seus métodos na linguagem empírica, tais como manifestam os idiomas. A filosofia analítica também não adota métodos oriundos da linguística, o que acontece com as filosofias e investigações de tendência estruturalista. A filosofia analítica se interessa pela linguagem enquanto estrutura lógica, isto é, “[...] subjacente a todas as formas de representação, linguísticas e mentais” (MARCONDES, 2010, p. 294). 58 Considerada em sentido estrito, a expressão 'filosofia analítica' se refere a uma corrente da história da filosofia que começa se constituir no final do século XIX e atravessa todo século XX. Atualmente, apresentando-se como uma forma de investigação amplamente difundida nos departamentos e escolas de filosofia em todo o mundo. Trata-se, assim, de um conjunto de posturas plurais que se caracterizam por uma série de tendências que visam conjuntos amplos de problemas e fenômenos. Enquanto movimento filosófico, ela tomou corpo a partir da virada linguística em filosofia, onde alguns filósofos, a exemplo de Gottlob Frege (1848 – 1925) e Bertrand Russell (1972 – 1970), propuseram a aplicação do método lógico para análise do pensamento e da filosofia (MARCONDES, 2004). Conforme Micheletti (2007) e Hasker (2005), o início do que se chama filosofia analítica da religião ocorreu a partir das críticas do filósofo inglês A. J. Ayer (1910– 1989) aos assuntos de teologia, em seu trabalho Truth, Language and Logic, publicado em 1936. O livro de Ayer é considerado como o primeiro texto estruturado para uma genuína filosofia analítica da religião, além de conter uma nova análise da tese de Rudolf Carnap, segundo a qual a metafísica é um campo de conhecimento marcado por erros grosseiros, de caráter lógico-linguísticos, exprimindo-se, assim, através de falsas proposições que não poderiam ser empiricamente verificáveis. Alfred Jules Ayer (1910 – 1989) era britânico e tornou conhecido por defender e divulgar as ideias do positivismo lógico na Grã-Bretanha. O positivismo lógico foi uma prática filosófica desenvolvida pelos pensadores do Círculo de Viena, um conjunto de pensadores, lógicos e cientistas que voltando-se a teoria do conhecimento e a epistemologia, se esforçavam para diferenciar as proposições científicas, em sentido autêntico e verdadeiro, isto é, com validade, das proposições metafisicas, que não dariam nenhuma representação consistente de conhecimento sobre o mundo. Além de adotar posturas do positivismo lógico, Ayer se considerava continuador da tradição empirista inglesa, identificando-se com as filosofias de Locke e Hume. É considerado, ao lado de Bertrand Russell, uma das principais figuras da filosofia analítica praticada na Grã-Bretanha. Todavia, em suaforma de pensar, principalmente os fenômenos religiosos e teológicos, Ayer foi profundamente 59 influenciado pelo filósofo austríaco Wittgenstein; mais precisamente pela obra Tractatus Logico-Philosophicus, que, aliás, era o texto referência dos filósofos do Círculo de Viena, porque apresenta-se como um trabalho pautada na delimitação entre as proposições que podem ter sentido e aquelas que não. Como veremos, é desta distinção que parte de Ayer. Conforme, Mandel, “[…] em uma rápida, porém pungente passagem de sua célebre introdução ao Tractatus, Anscombe nos diz que a filosofia do primeiro Wittgenstein desfere um golpe fatal na teologia” (MANDEL, 2020, p. 244). Poderíamos acrescentar que o golpe desferido pela primeira teoria da linguagem de Wittgenstein ao problema teológico estende- se, ainda, a questão da experiência religiosa enquanto tal. Seguindo Ascombe (1965), podemos dizer que a teoria figurativa da linguagem apresentada no Tratactus, ocasiona impossibilidade da teologia e mesmo de uma teorização filosófica da experiência religiosa, não é apenas devido a algum “positivismo”; mas, principalmente, pela forma como entende e explica o sentido das proposições, já que separa o mundo da linguagem em proposições, radicalmente, em proposições com sentido e destituídas de sentido (ANSCOMBE, 1965, p.78). A questão teológica se restringe, inicialmente, a questão de um conhecimento ‘teórico’ e mesmo, para algumas correntes da teologia, ’científico’ sobre a existência de Deus, visando suas formas de manifestação e a relação do sagrado com o ente humano. Desse ponto de vista, a questão teológica está remetida a experiência religiosa, que cobre um campo amplo, pois se relaciona a vivência daqueles que buscam afirmar e expressar sua crença sem ter como finalidade uma ciência teológica e mesmo uma explicação filosófica, por isso, as posições de Wittgenstein também vão atingir proposições ligadas a experiência religioso, que poderão ser avaliadas do mesmo modo que as proposições desenvolvidas no campo da teologia. Segundo Mandel (2020), uma das formas de se pensar como a primeira filosofia da linguagem de Wittgenstein ocasionaria a impossibilidade de uma investigação racional da experiência religiosa e do fenômeno teológico está no princípio da bipolaridade que caracteriza a concepção de linguagem como figuração. Tal princípio 60 indica que qualquer proposição deve poder ser verdadeira e também falsa. Proposições, conforme esse princípio, possuem um polo positivo e um polo negativo. O polo positivo indica que uma proposição pode mostrar as coisas tal como elas estão acontecendo em determinado contexto e tempo da realidade; o segundo, por outro lado, mostra que esta combinação específica de elementos, postos pela proposição, não é o caso. Entende-se, assim, que as proposições possuem uma relação interna com a sua negação. Compreender uma proposição é, assim, compreender o seu sentido. Isso consiste em entender o que seria o caso se proposição fosse verdadeira ou falsa. Todavia, para compreendermos melhor o que consiste esse princípio e ver suas consequências, conforme nosso tema e objetivos, precisamos retomar alguns aspectos gerais da concepção figurativa da linguagem defendida no Tratactus. O pensamento de Wittgenstein pode ser dividida em duas fases, sendo ainda marcado por um frutífero e determinante período de transição a partir do qual ele abandona as posições lógicistas de sua primeira filosofia, direcionando-se, paulatinamente, para uma formulação pragmática da linguagem (MARCONDES, 2010). Não faremos aqui uma exposição detalhada do pensamento de Wittgenstein. Deixamos ao leitor a indicação de que se trata de um dos mais importantes pensadores do século XX, responsável por tornar possível toda uma forma de pensar tanto em filosofia analítica como em outras tendências teóricas. A questão que nos interessa é mais restrita. Pretendemos mostrar como as concepções do filósofo austríaco influenciaram Ayer e como o conceito de jogo de linguagem, também elaborado por Wittgenstein, nos dá uma alternativa de compreensão da experiência religiosa diferente daquela que Ayer constrói a partir da teoria da linguagem apresentada no Tratactus. A primeira fase do pensamento de Wittgenstein (1994), exposta no Tractatus logico-philosophicus, apresenta-se como um esforço de compreender a linguagem da ciência e a linguagem significativa de modo geral. O Tractatus lógico-philosophicus foi escrito em circunstâncias extremamente singulares. Podemos nos especular que talvez, por isso, o livro se constitua como um texto tão excepcional: marcado por um 61 estilo elíptico e pela presença de questionamentos radicais, acerca da existência humana e da experiência (ou não experiência) da morte. O texto foi escrito entre 1915 e1918; o filósofo estava em no Front, já que tinha se alistado como voluntário no exercício austríaco. É da prisão de um hospital militar que ele envia para Bertrand Russell o seu texto; fazendo o anúncio, de que apesar de tudo, sobreviverá a guerra; podendo, assim, mostrar a quem se interessar, a solução encontrada para alguns problemas fundamentais sobre as proposições lógicas: questões, que segundo seu testemunho, há anos o afligiam. Para Wittgenstein (1994), o pensamento representa a realidade como uma imagem e essa representação deve ser manifesta pela linguagem. Uma linguagem com sentido é aquela que consegue mostrar o mundo através da figuração objetivante possível pela linguagem. A realidade é composta de fatos que podem ser separados em fatos atômicos, que, no que lhe concerne, são formados de objetos simples. A linguagem, ao representar o mundo, é composta, da mesma maneira, por proposições complexas (moleculares) que podem ser divididas em proposições simples (atômicas), que, no que lhe concerne, são formadas por nomes. Assim, a analogia é a seguinte: fatos-proposições moleculares, fatos atômicos- proposições atômicos, objetos simples-nomes. Por exemplo, 'o menino é bonito’ é uma proposição atômica formada pelos nomes 'menino' e 'bonito'. Já a afirmação 'o menino é bonito e parece com a mãe' é uma proposição complexa composta pelas proposições simples “o menino é bonito” e 'parece com mãe'. Dessa maneira, já que a legalidade de uma proposição simples é o fato atômico que lhe corresponde, consequentemente as proposições complexas exigem a verdade das proposições simples. Em nosso exemplo, a proposição complexa 'o menino é bonito e se parece com mãe' exige que seja verdade que o menino é bonito e que ele pareça com a mãe. Portanto, as únicas proposições significativas são aquelas que fazem referência, em última instância, a um objeto simples. Com isso, tudo o que está além das propriedades lógicas da linguagem e do mundo não pode ser dito, ou seja, importantes 62 questões da vida humana jamais poderiam ser enunciadas, significando não ser possível fazer julgamentos teóricos e científicos de tais dimensões de existência. Por isso, em seu último aforismo do Tratactus, ele afirma: “[…] sobre o que não podemos falar, devemos permanecer em silêncio” (WITTGENSTEIN, 2002, p. 89). Após a publicação do Tractatus logico-philosophicus, Wittgenstein permaneceu alguns anos sem escrever sobre filosofia, pois acreditava que teria resolvido os problemas filosóficos, não tendo, de fato, mais nada a dizer. Do ponto de vista desta teoria, podemos inferir que proposições sobre Deus e religião são proposições de caráter subjetivo que não podem reduzidas a fatos e, assim, não teriam sentido. Wittgenstein não nega a existência dessa forma de proposições, mas afirma que elas não possuem um conteúdo verificável capaz de garantir a possibilidade de se falar com sentido de tais fenômenos e as experiências que elas envolvem. Proposições do tipo “Esse cachorroé preto/esse cachorro é branco” falam sobre o mundo e são hipóteses de mundo. São verificáveis, pois basta ver a cor do cachorro sobre o qual se enunciam essas proposições para verificar se são verdadeiras ou falsas. Assim, a verificabilidade da proposição decorre de um objeto existente que aparece diretamente a nossos sentidos. Por sua vez, nessa linha de raciocínio as proposições “Deus existe/Deus não existe” são ambas sem sentido, pois não possuem qualquer conteúdo empírico. Apesar de ambas proposições fazerem sentido em termos gramaticais, são proposições sem significado, pois carece a elas a possibilidade de verificação. Assim, o teísta e o ateu nada podem enunciar sobre Deus, pois qualquer proposição sobre ele será sem sentido, extrapolando os limites da linguagem com significado (PORTUGAL, 2010). É exatamente essa distinção que Ayer transporta para o âmbito da filosofia da religião e que Ascombe considera como um forte golpe desferido sobre as questões de ordem teológico, já que, nos dois casos, as proposições pelas quais o crente e o teólogo tentam afirmar e compreender sua fé são proposições que não alcançam um sentido, pois não podem ser confrontadas com aquilo que pode ser o caso, isto é, fatos e acontecimento no mundo. No entanto, esse critério de verificação foi objeto de muitas críticas, já que dava demasiada relevância as proposições cientificas com 63 modelo de explicação da experiência religiosa, esquecendo que as diferenças entre as duas formas de habitação do mundo pelo sujeito. Em uma perspectiva diferente, influenciado pelo pensamento de Karl Popper, Antony Flew propõe que, para que as afirmações tenham sentido, elas devem ser passíveis de serem falseadas empiricamente. Desse modo, não se exige a verificação empírica, mas a possibilidade de ser falseada (PORTUGAL, 2010). Ou, como explica Micheletti (2007, p. 38) “uma asserção, para sê-lo, deve afirmar que as coisas estão assim, e não de outro modo, e uma explicação, para sê-lo, deve explicar por que um fato acontece, e não um outro”. Dentre os muitos assuntos abordados por Ayer, o que mais chamou a atenção de Flew foi a chamada “tese verificacionista”, em que qualquer asserção religiosa é destituída de significado, pois não pode ser verificada empiricamente, o que seria fundamental para ser aceita como asserção. Ayer afirmava que toda a metafísica trata de uma realidade transcendente que desobedece às regras que regem a linguagem. Seguindo a linha empirista lógica do início do século XX, afirmava que o fato da impossibilidade de verificação empírica ou da análise de uma verdade lógica das asserções metafísicas indica que tais asserções não são aceitas nem como sentenças da matemática ou da lógica, nem como sentenças de questão de fato. As proposições metafísicas seriam meras tautologias destituídas de sentido, mesmo sem parecerem nonsenses. O verificacionismo de Ayer afeta diretamente às asserções teológicas, pois não seriam asserções factuais por não estarem suscetíveis ao controle empírico, e conclui que todo o discurso teológico carece de significância cognitiva, seja ele ateísta, agnóstico ou deísta. As conclusões de Ayer iniciaram um grande debate no âmbito da filosofia analítica da religião que começava a se desenvolver. Isso porque as posições positivistas radicais de Ayer atacavam sem distinção qualquer discurso metafísico; o que, consequentemente, coloca em jogo a possibilidade de uma ciência teológica e uma filosofia da religião, já que o vivido pelo ser religioso não pode ser expresso por preposições válidos, o que aponta ou para inacessibilidade do sagrado pelo ser humano ou para sua inexistência. 64 No entanto, Ayer não se coloca em uma posição de negação do sagrado, mas no âmbito da posição dada por Wittgenstein, de que daquilo que não se pode falar, é necessário calar. Por isso, sua filosofia busca, mostrar a impossibilidade de qualquer posição verdadeira quando se trata investigação do fenômeno religioso. Um dos principais críticos ao positivismo preconizado por Ayer foi o filósofo e teólogo inglês John Wisdom. Para Wisdom, a crença em Deus poderia ser compreendida racionalmente, justamente por conter elementos empíricos de entendimento, além de ser cognitivamente relevante porque está expressa nas relações de linguagem adotadas pelos seres humanos. Ele compreende, assim, que, por envolverem asserções que tratam da realidade do mundo; mas que fogem ao controle empírico proposto por Ayer; seria preciso, no tratamento do fenômeno religioso, realizar a formulação de uma teoria geral do significado, que trataria tanto de asserções verificáveis empiricamente, quanto de asserções metafísicas que tratam da realidade do mundo, sem a restrição verificacionismo. Cabe ainda, mostrar que não apenas a primeira teoria da linguagem de Witgenstein traz contribuições para filosofia analítica da religião e influencia outros autores. Em suas duas obras, Wittgenstein não trata especificamente de uma filosofia da religião, mas sua filosofia serve de base para construção de uma filosofia da religião a partir delas. Como escreve Lucas Hernández (1999), mesmo no Tratactus já existe um esboço da filosofia da religião, ainda que “negativa”. O texto que exprime a segunda fase da filosofia de Wittgenstein se chama “Investigações filosóficas”. As concepções defendidas são bastante diversas daquelas desenvolvidas anteriormente, sendo possível afirmar que a teoria geral da significação indicada como necessária por Widson encontre ali as bases de sua fundação. Inclusive, para marcar a diferença entre às duas obras, Wittgenstein chega a referir- se a si mesmo na terceira pessoa como “[…] o autor do Tractatus Logico- Philosophicus” (WITTGENSTEIN, 1991, p. 19), efetuando, assim, uma crítica radical de suas posições anteriores. Nessa obra, Wittgenstein introduz o conceito de jogos de linguagem como um modo de explicar a linguagem e abarcar toda a multiplicidade e modos de emprego 65 da linguagem. Nessa tarefa, o sentido e significado da linguagem é analisado sob o aspecto de seu uso comum e o modo pela qual a linguagem adquire seu sentido em seu uso comum. Assim, a linguagem deixa de ser analisada sob o aspecto lógico em prol do modo pelo qual a significação se dá pelo uso dentro de um contexto, o qual é chamado por Wittgenstein de forma de vida. A partir disso, Wittgenstein propõe uma análise da estrutura e de como se dão os diversos jogos de linguagem em seu sentido amplo. A linguagem lógica deixa de ser privilegiada frente a outros jogos de linguagem, cada qual desempenhando seu papel, enquanto uma forma de vida. Assim, Wittgenstein (1991) não nega a validade da linguagem lógica de sua obra anterior ou mesmo da obra de outros filósofos analíticos, mas considera que a linguagem lógica é um dos tipos de jogos de linguagem possíveis. O sentido e o significado de uma proposição devem ser analisados dentro de um jogo de linguagem, considerando as regras seguidas para haver um significado na proposição. Desse modo, por consequência, caracteres empíricos e métodos científicos não podem ser aplicados no âmbito dos fenômenos e vivências religiosas, pois as regras que determinam o uso da linguagem conformam um tipo de jogo específico. Em razão disso, é forçoso reconhecer a existência de vários modelos de racionalidade e realidade frente a diferentes contextos, tais como o religioso, o científico, o filosófico. A crença prévia em Deus é elemento essencial e necessário e não pode ser colocada em questão na discussão da linguagem religiosa, de tal modo que “[…] o papel da filosofia não é ser contra ou a favor de crenças religiosas, mas apenas esclarecer a gramática dessas crenças” (PORTUGAL, 2010, p. 88). No contexto do jogo de linguagem que acontece entre os membros de uma comunidade religiosa, não importamas palavras em sentido estrito ou as representações mentais que surgem naqueles que usam uma linguagem; mas a forma com que estas pessoas se relacionam como suas palavras e crenças, já que a prática que confere às palavras o seu sentido. 66 Entende-se, assim, que a elaboração de uma investigação filosófica ou teológico sobre o fenômeno da religião e sua experiência, deve ser compatível como a prática religiosa se constitui em um certo contexto e conforme usos específicos da linguagem. Isso atinge a filosofia da religião e a teologia nuclearmente. O místico, teólogo ou o filósofo da religião, podem utilizar a linguagem significativamente a partir de dentro do contexto valorativo/religioso, porém, de acordo com Wittgenstein, devem evitar um arremedo de ciência, dado que a significação no campo valorativo é a concordância entre as palavras e as performances das pessoas envolvidas. 6 A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO E A FILOSOFIA (CONSIDERAÇÕES FINAIS). Na seção anterior tratamos de alguns aspectos da filosofia da religião contemporânea, indicando a importância da neoescolástica e da filosofia analítica neste contexto; tratamos ainda de aspectos da sociologia da religião em seu encontro com a filosofia da religião, buscando mostrar ao estudante como as duas disciplinas convergem em uma abordagem holística do fenômeno religioso. Agora, trataremos, mais especificamente da sociologia da religião, mas sem esquecer que as disciplinas chamadas ciências humanas, encontram-se radicalmente relacionadas com a filosofia. Estudar a religião para entender as estruturas da sociedade, eis um dos desafios para a sociologia em seu surgimento como ciência. A sociologia surgiu juntamente com a sociologia da religião. Émile Durkheim foi um dos sociólogos precursores no estudo da religião nas sociedades. Ele buscou compreender a relação entre indivíduo e sociedade e o poder da religião nessa relação. Para ele, a religião é uma ação coletiva que abarca diferentes condutas dos seres humanos na interação com os seus pares e grupos. A religião, em sua abordagem, apresenta-se enquanto um sistema uniformizado de crenças e práticas relacionadas ao sagrado em contraposição ao profano (DURKHEIM, 2016). O sagrado, enquanto experiência humana, compreende a reunião de práticas específicas que abrangem eventos que transcendem o cotidiano 67 e geram o temor e o respeito religioso. O profano, por sua vez, se refere vida cotidiana em suas mais variadas formas. As noções de sagrado e profano dependem da interpretação das representações simbólicas que o ser humano atribui para os objetos e as suas ações. Nesse caso, o sagrado pode ser visto como algo completamente ausente das relações profanas que mantemos com as coisas e o mundo. No mundo cotidiano, por exemplo, as coisas são vistas conforme seu uso e estão determinadas pela finalidade a qual respondem. Eles são profanas porque não remetem a nenhum lugar onde a experiência do cotidiano possa ser transfigurada, tornando, portanto, o indicativo de dimensões da experiência que marcadas pela utilidade e pelo valor instrumental, mais precisamente, os objetos como aquilo que podem “ter” em relação a nós. Pensa-se, assim, que o sagrado está ausente das coisas, sendo necessário outros espaços e formas de relação com os objetos para que uma relação com sagrado possa ser instituída. Todavia, para Durkheim (2000), a religião tem o poder de unir os laços de coesão social e realizar a solidariedade entre os membros da sociedade. Ela funciona como uma cola social e mantém a estrutura social em harmonia, por isso, muitas vezes uma religião pode justificar comportamentos sedimentados, limitando até a relação dos seres humanos com o sagrado. Portanto, promove a estabilidade e a não ruptura. Em uma perspectiva deste tipo, o sagrado estaria presente no cotidiano, disseminado nele, significando e expressando valores humanos, que por sua insuficiência buscam justificação em algo outro, ou querem, ideias firmes (para se tornarem válidas (VATTIMO, 2012). Para pensar o fenômeno religioso, Durkheim pesquisou os aborígenes da Austrália. Nesse local, ele descobriu o sistema do totemismo. O que seria um totem? Um totem é um objeto tido como sagrado pelos moradores locais, um símbolo cultuado nos rituais e cerimônias. A religião surge, nesse contexto, como um poder de impor significados a coisas e animais que são consideradas sagradas e possuem um caráter transcendental. Nesse caso, a sociologia da religião não pode deixar de se referir ao outro de qualquer religião para entender sua possibilidade. Ela não se limita a este ou aquele 68 dogma religioso; por isso, abre espaço para um debate com a história, com a antropologia, com a psicologia e com a filosofia. Aliás, é necessário compreender que o fenômeno religioso só se mostra, se revela, se compreende, quando habitado por um olhar que é capaz de integrar em si muitas disciplinas, muitas histórias e culturas. Outro autor muito importante para a sociologia e para a sociologia da religião foi Max Weber. Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (WEBER, 2000), ele defende que existe uma relação de afinidade entre a crença religiosa protestante e o comportamento capitalista. A Reforma Protestante teve valor essencial para o desenvolvimento do sistema capitalista, porque se apresentava como a ideologia da ética da prosperidade, dando sentido à ação daquele que dedica sua existência à acumulação e produção de riqueza. Isso porque a ética protestante tem como valor o trabalho enquanto maneira de glorificar a Deus. Mais uma vez, o que pode ser vivenciado como sagrado por um conjunto de indivíduos aparece entre as coisas profanas, mostrando que o limite entre as duas dimensões é muito tênue. Em outras palavras, mais uma vez, a sociologia nos mostra que uma religião pode ter uma função ideológica: ela pode indicar a uma coletividade a maneira de lidar com uma realidade que surge, com mudanças de perspectiva, no caso da reforma protestante, suas consequências morais e visões de mundo, estavam em maior consonância com as relações mercantis que surgiam na Europa. No caso em questão, a realidade que surge é o capitalismo que precisa ser justificado por uma religião, na medida em que uma visão de mundo religiosa pode ser a maneira mais forte e profunda pela qual um agrupamento humano pode justificar sua forma de estar no mundo. Entende-se, assim, porque os primeiros teólogos protestantes acreditavam que o trabalho tornava o homem nobre e apreciável aos olhos de Deus. Assim, deveriam se envolver no trabalho, evitar os prazeres do mundo, ter disciplina e lutar para obter prosperidade. Esses fatores ideológicos, de fundo religioso, moveram radicalmente transformações no mundo do trabalho e, com isso, a economia da Europa. O acúmulo de capitais realizado pelos protestantes e a produção de riqueza geraram lucro. Assim, a economia cresceu, possibilitando o desenvolvimento do capitalismo. A ética 69 protestante estimulou a poupança, modificando o cotidiano e as ações humanas e gerando novas formas de viver e novos hábitos. Tendo em vista, a teoria dos sociólogos clássicos apresentados acima, entende-se que sociologia da religião analisará as funções da religião nas situações cotidianas e também em situações extremas, como guerras e crises políticas e econômicas. Ela analisa o papel essencial que a religião exerce na sociedade, tentando abarcar a linha tênue que separa o sagrado do profano, a fé do poder, como também diferenciar o que é uma religião enquanto instituição política e os laços comunitários que podem se formar no âmbito de uma vivência religiosa e o que isso pode significar para experiência humana. A diferença entre sociologia da religião e filosofia da religião, surge, assim, não pelo objetovisado pelas duas disciplinas, mas pelo modo como tais objetos são tratados. O filósofo da religião se situa no nível existencial ou analítico do fenômeno religioso, buscando identificar o sentido de determinadas proposições religiosas, ou se ater ao papel que as crenças religiosas possuem para o indivíduo, os grupos e as nações. Os sociólogos, por outro lado, estudam as normas e os valores das crenças, buscando compreender os seus fundamentos sociológicos e a sua importância; visando ainda as formas quase inconscientes pelas quais seres humanos podem se entregar a experiência de um rito, na medida em que este se configura também como uma demanda coletiva justificada por uma ordem existência. Por isso, as organizações religiosas tendem a moldar comportamentos de acordo com uma ética e uma moral próprias, porque respondem a uma demanda de existência. A diversidade das religiões que há no mundo origina o pluralismo religioso e as demandas também são múltiplas: são políticas, sociológicas, existenciais e psicológicas. A liberdade religiosa — a liberdade de culto e de organização religiosa — é fundamental para a construção de uma sociedade justa, igualitária, com respeito às diversas crenças e combate à intolerância religiosa, já que o fenômeno religioso se confunde com a própria história humana, que não homogênea, única ou universal. Torna-se, portanto, complicado pensar sobre a religiosidade sem respeitar suas diferentes manifestações no mundo. O não respeito às diferentes manifestações gera 70 a intolerância religiosa e as formas de abordagem do fenômeno religioso que se pautam pelas visões diminutas, em que a crença de uma busca se tornar parâmetro para pensar a crença de outro. Filosofia e ciência da religião buscam, cada uma ao seu modo, essa perspectiva em que todas as perspectivas e experiências possam ser cientificamente consideradas, vistas e explicitadas, sempre presumindo, que olhar do cientista e do filósofo são olhares humanos, por isso, não podem se fazer sem considerar como e onde estão limitados. Cada religião possui ainda seu sistema de credos, rituais, cerimônias, rezas e orações, símbolos, tradições, bem como lugares que são tidos como sagrados, de adoração. Algumas religiões possuem locais sagrados físicos, como igrejas, templos, sinagogas, mesquitas, terreiros e congregações. Outras praticam sua fé ao ar livre. Essas divindades tanto podem ser seres invisíveis como deuses e deusas, quanto, por exemplo, animais. É o caso da vaca na Índia, que é tida como sagrada até os dias atuais. Também há religiões que atribuem poderes aos elementos naturais, como o vento, a água e o fogo, acreditando que os deuses regem esses elementos. O Brasil tem como religião predominante o catolicismo, mas convive com a diversidade de credos. Nos últimos anos, houve um aumento maciço dos evangélicos. O País também abriga cultos de origem africana, que convivem com diferentes grupos espíritas, além de comunidades judaicas e de pessoas sem religião. Além disso, o sincretismo religioso, em que símbolos e ideologias de diferentes religiões se misturam, permanece presente no Brasil. Os santos do catolicismo, por exemplo, se mesclam com os santos do candomblé. A maioria das instituições religiosas também usa livros considerados sagrados para guiar a conduta dos fiéis. O cristianismo utiliza a Bíblia, os muçulmanos, o Alcorão. A prática da religião envolve ritos, liturgias e rituais como cultos, missas, procissões, sermões, transes, sacrifícios. Muitas religiões utilizam músicas, danças e festas para a adoração dos seus deuses. A fé em uma religião é ao mesmo tempo uma experiência pessoal e coletiva. Na maioria das vezes, os fiéis se reúnem em um local para expressar a sua fé. Contudo, a prática da religiosidade não precisa necessariamente estar atrelada ao comparecimento e à participação em rituais 71 realizados em um lugar físico. A maioria dos conflitos mundiais se originam de questões religiosas somadas a aspectos de ordem política, econômica e geográfica. O filósofo e sociólogo da religião devem se envolver com essa diversidade, inclusive denunciar quando a fé é usada como estratégia para a violência, buscando precisar através do seu trabalho como um conjunto de crenças pode ser motivo de perseguição ao outro e violência. Ao recorrermos a filosofia e à sociologia para compreender o fenômeno religioso, encontramos diversos pensadores das mais distintas tendências, alguns deles não querem apenas compreender a religião, mas também a praticam; outros mantêm certa distância e consideram que a religião muitas vezes pode ser opressiva, ainda que em suas raízes possa haver alguma promessa de liberdade ou ‘liberação’. Atualmente, podemos afirmar que o campo religioso compreende um agenciamento marcado por constantes ressignificações e deslocamentos. A religião não pode ser compreendida apenas a partir de instituições regionais ou mesmo através de uma universalidade sem limites. No campo simbólico atual, podemos perceber que as maneiras como os indivíduos se relacionam com seu sagrado é parecida com a forma como se aproximam do seu corpo, querem tocar e sentir diferentes campos e possibilidades, o que nos leva a pensar como se dá a mobilidade religiosa: uma mobilidade corporal e emocional. A filosofia e sociologia da religião precisam, nesse sentido, acompanhar esses deslocamentos, pois a condição humana se expressa e se manifesta com toda sua ambivalência, no ser-aí das religiões. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. ARISTÓTELES. Metafísica. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. artístico e o ideal; Introdução à história da filosofia. São Paulo: Ed. Nova Cultural, AVICENA: Metafísica: do Livro da cura (Kitab al-shifa'). Trad: Tadeu Mazzola Verza. Belo Horizonte: Editora UMFG, 2020. 72 BELLOTTI, K. K. História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea. História: Questões & Debates, v. 55, n. 2, p. 13–42, 2011. BRANDÃO, J.S. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1987. BRUN, Jean. Os pré-socráticos. Trad. Armindo Rodrigues Lisboa. Edições 70, s/d. (Biblioteca Básica de Filosofia). BURNET, John. O despertar da filosofia grega. Trad. Mauro Gama. São Paulo: Siciliano, 1994. CAPPS, W, H. 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