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Se Fermat e Descartes tiveram ideias matemáticas que levavam praticamente a um mesmo fim, embora por caminhos diferentes, suas personalidades e trajetórias de vida foram muito distintas. Fermat era um pacato advogado que exercia uma função pública ligada à sua formação acadêmica em Toulouse, perto da cidade onde nasceu, da qual, aliás, pouco se afastou em toda a sua vida. E embora tenha sido o mais importante matemático de sua época, cultivava a Matemática como um hobby. Sua contribuição à Matemática é muito mais diversificada do que a de Descartes. Avesso a publicar seus trabalhos, preferia divulgá-los na correspondência com outros matemáticos, por isso é menos lembrado do que Descartes na introdução das coordenadas na Geometria. Mas, graças a um filho, sua obra completa foi publicada em 1679. Descartes fez seus primeiros estudos com o pai, que o chamava de "pequeno filósofo", devido à sua curiosidade insaciável. Depois, estudou como interno num colégio jesuíta. Em 1612 deixou o colégio e foi para Paris, onde dedicou parte de seu tempo ao estudo de Matemática. Aos 20 anos de idade, graduou-se em Direito, mas, ao contrário de Fermat, não quis fazer carreira nessa área. Muito pelo contrário: em 1617 dirigiu-se para Holanda, onde ingressou como voluntário (sem remuneração e sem obrigações de participar de batalhas) no exército do príncipe Maurício de Nassau. Nesse mesmo ano, na cidade de Breda, viu um cartaz com um problema de Geometria, proposto como desafio, afixado numa árvore da praça principal da cidade. Por não conhecer ainda bem a língua holandesa, pediu em latim a um homem que estava perto que lhe traduzisse o enunciado. Esse homem era o matemático Isaac Beeckman que, no dia seguinte, para sua surpresa, recebeu a visita daquele francês garboso, com a solução correta do problema. Assim, com muita satisfação, Beeckman tornou-se amigo e mestre do promissor Descartes. Em 1621 abandonou a carreira militar. Depois de várias viagens pela Europa, ficou cerca de dois anos em Paris onde jamais interrompeu seus estudos de Matemática. Em 1628, desejoso de uma vida intelectual mais livre, mudou-se para a Holanda, onde viveu os vinte anos seguintes, consagrando-se à Filosofia, à Matemática e às Ciências. Em 1649, relutantemente, foi para a Suécia a convite da rainha Cristina. No ano seguinte morreu, vítima de uma pneumonia. Descartes in Amsterdam (1629), de um desenho de Felix Philippoteaux. Coleção particular. A essência da ideia que uniu Fermat e Descartes na história da Matemática, quando aplicada ao plano, consiste em estabelecer uma correspondência que associe a uma reta ou curva do plano uma equação em duas variáveis que represente a figura e vice-versa. Para isso é preciso contar com um referencial no plano. Modernamente o referencial é formado por duas retas numeradas (eixos coordenados) perpendiculares e com a mesma origem. Numa carta de 1629 ao matemático francês Roberval (1602-1675), Fermat afirmou, por exemplo, que ax + by + c = 0, em que a, b, c são números reais dados, com a ? 0 ou b ? 0, é a equação de uma reta. (Lembrar que cada solução é um ponto (x0, y0) cujas coordenadas tornam verdadeira a equação.) Mas Fermat e Descartes não usavam o semieixo das ordenadas nem coordenadas negativas. A figura 1 mostra como a extremidade superior do segmento y (ordenada) levantado a partir da extremidade do segmento variável x (abscissa) representava o ponto P = (x, y). Fermat faria o mesmo só que com duas vogais maiúsculas, por exemplo (A, E). As ordenadas tinham uma inclinação constante em relação ao eixo horizontal — às vezes, de 90°. O referencial atualmente usado impôs-se com o tempo, vindo a ser adotado universalmente por volta do fim do século XVIII.