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DIENCÉFALO 1. VISÃO GERAL O diencéfalo é a porção ímpar e central do prosencéfalo, profundamente situado entre os hemisférios cerebrais e encoberto pelo telencéfalo. Ele circunda o III ventrículo, com exceção do subtálamo, que não se projeta para as paredes desse ventrículo. Inclui tálamo, hipotálamo, subtálamo e epitálamo, e é o centro integrador de funções sensoriais, motoras, autonômicas, emocionais, comportamentais e endócrinas. 2. III VENTRÍCULO: ANATOMIA E LIMITES • Cavidade estreita, ímpar, mediana, situada entre os tálamos. • Limites: ◦ Laterais: tálamo (acima do sulco hipotalâmico), hipotálamo (abaixo do sulco) ◦ Inferior/Assoalho: hipotálamo (quiasma óptico, infundíbulo, túber cinéreo, corpos mamilares) ◦ Superior/Teto: tela corioide, plexos corioides, fórnix ◦ Anterior: lâmina terminal e comissura anterior (do telencéfalo) ◦ Posterior: epitálamo (glândula pineal, comissura das habênulas, comissura posterior, estrias medulares do tálamo) Relevância clínica: Obstrução do III ventrículo (tumores, cistos, inflamações) pode causar hidrocefalia (acúmulo de LCR), levando a sinais de h iper tensão int racraniana , a l terações cognitivas e visuais, distúrbios endócrinos. 3. TÁLAMO 3.1. Anatomia Macroscópica • Duas massas ovóides de substância cinzenta, um de cada lado do III ventrículo, conectadas em 70% dos casos pela aderência intertalâmica. • Separado do telencéfalo pela cápsula interna ; superiormente, faz parte do assoalho do ventrículo lateral; inferiormente, conecta-se ao hipotálamo e subtálamo. • D i v i d i d o i n t e r n a m e n t e p e l a l â m i n a medular interna (substância branca em Y), formando grupos nucleares. 3.2. Grupos de núcleos e vias principais Grupo anterior • Núcleo anterior – recebe do fascículo mamilo-talâmico (corpos mamilares do hipotálamo), projeta para giro do cíngulo e lobo frontal (circuito de Papez – memória e emoção). Grupo medial • Núcleo dorsomedial – conexões recíprocas com córtex pré-frontal, hipotálamo e corpo amigdaloide (funções comportamentais e emocionais; lesão → desinibição, labilidade afetiva). • Núcleos intralaminares – situados na lâmina medular interna; recebem fibras da formação reticular; ativam o córtex (alerta, resposta difusa à dor). Grupo lateral • Núcleo ventral anterior (VA) – recebe do globo pálido, projeta para áreas motoras do córtex. • Núcleo ventral lateral (VL) – recebe do cerebelo e globo pálido; integra motricidade voluntária (via cerebelo-tálamo-cortical; lesão → ataxia). • Núcleo ventral postero-lateral (VPL) – recebe lemnisco medial e espinotalâmico (tato, dor, temperatura, propriocepção do corpo); lesão → anestesia/parestesia contralateral. • Núcleo ventral postero-medial (VPM) – recebe lemnisco trigeminal (sensibilidade da cabeça) e fibras gustativas (n. trato solitário); lesão → perda sensibilidade facial/ gustação. • Núcleo reticular – envolvido na modulação da informação sensorial, usa GABA, regula sono e alerta, não conecta-se diretamente ao córtex. Grupo posterior • Pulvinar – áreas de associação (integração visual, atenção, linguagem simbólica). • Corpo geniculado lateral (CGL) – via visual (trato óptico → córtex occipital); lesão → hemianopsias. Máyra Dias T38 • Corpo geniculado medial (CGM) – via auditiva (colículo inferior → córtex auditivo); lesão → dificuldades auditivas centrais. Grupo mediano • Núcleos per ivent r icu lares de d i f íc i l individualização, relacionados a funções viscerais e comportamentais (conexão hipotálamo e tálamo). 3.3. Função Integrativa • C e n t r a l i z a e p r o c e s s a t o d a s a s modalidades sensoriais (exceto olfato) antes de encaminhá-las ao córtex , modulando sua intensidade e prioridade. • Atua como “porteiro” da consciência, participando do ciclo sono-vigília, do alerta, da memória (via circuito de Papez) e do comportamento emociona l (núc leo dorsomedial). 3.4. Clínica • Síndrome talâmica: dor central, anestesia c o n t r a l a t e r a l , h i p e r s e n s i b i l i d a d e , parestesias, distúrbios emocionais. • Lesões focais: déficits motores, sensitivos, alterações de memória, afasia (quando acometem regiões associativas). 4. HIPOTÁLAMO 4.1. Anatomia e Limites • Localização: sob o tálamo, formando assoalho e parte das paredes laterais do III ventr ícu lo . L imi tes : lâmina terminal (anter ior) , mesencéfalo (poster ior) , subtálamo (lateral). • Divisões anatômicas: ◦ Supraóptica (acima do quiasma óptico) ◦ Tuberal (túber cinéreo, infundíbulo) ◦ Mamilar (corpos mamilares) 4.2. Núcleos e Áreas Principais • Núcleo supraóptico/paraventricular: produção de ADH e ocitocina (neuro- hipófise) • Núcleo arqueado (infundibular): produção de hormônios l iberadores/inibidores (adenohipófise) • Núcleo ventromedial: centro da saciedade • Núcleo lateral: centro da fome e sede • Núcleo supraquiasmático: regulação do ritmo circadiano • Corpos mamilares: integração límbica/ memória 4.3. Conexões e Vias • Sistema límbico: via fórnix (hipocampo → corpos mami lares) , es t r ia te rmina l (amígdala → hipotálamo), área septal • Conexão com tronco encefálico/medula: v i a f i b r a s s o l i t á r i o - h i p o t a l â m i c a s , hipotálamo-espinhais (regulação visceral) • Regulação hipofisária: ◦ Trato hipotálamo-hipofisário: ADH/ ocitocina na neuro-hipófise ◦ Sistema porta-hipofisário: hormônios reguladores para adeno-hipófise • Aferências sensoriais e viscerais: trato solitário, retina (trato retino-hipotalâmico) 4.4. Funções e Clínica • H o m e o s t a s e c o r p o r a l : temperatura, balanço hídrico, ingestão al imentar, respostas ao estresse, comportamento sexual • Controle do sistema nervoso autônomo: respostas simpáticas/parassimpáticas, pressão arterial, motilidade visceral • Controle endócrino: regulação da hipófise (veja próximo tópico) • Comportamento e emoção: integração com sistema límbico, modulação de humor e agressividade • Ritmo circadiano/sono-vigília: núcleo supraquiasmático, lesão → distúrbios graves do sono • Regulação sexual e puberdade: área pré- óptica (tamanho diferente em homens/ mulheres), lesão → distúrbios de libido, puberdade precoce/tardia • Patologias: ◦ Tumores hipotalâmicos: puberdade precoce, obesidade, apatia, pan- hipopituitarismo ◦ Síndrome adiposogenital (Fröhlich): tumores suprasselares → hiperfagia, obesidade, hipogonadismo ◦ Diabetes insipidus: lesão dos núcleos supraóptico/paraventricular ou trato hipotálamo-hipofisário Máyra Dias T38 5. HIPÓFISE (GLÂNDULA PITUITÁRIA) 5.1. Anatomia e Relações • Sela túrcica (base do esfenóide), abaixo do hipotálamo, conectada via infundíbulo. • Divisões: ◦ Adeno-hipófise (anterior): secreta hormônios tróficos (TSH, ACTH, FSH, LH, GH, prolactina, MSH) ◦ N e u r o - h i p ó f i s e ( p o s t e r i o r ) : armazenamento/liberação de ADH e ocitocina 5.2. Integração com o Hipotálamo • N e u r o - h i p ó f i s e : p r o l o n g a m e n t o d o hipotálamo (tratos dos núcleos supraóptico e paraventricular), secreta hormônios diretamente no sangue. • Adeno-hipófise: regulada por hormônios liberadores/inibidores do hipotálamo, que chegam pelo sistema porta-hipofisário. 5.3. Clínica • Adenomas hipofisários: hiperprodução h o r m o n a l ( a c r o m e g a l i a , C u s h i n g , hiperprolactinemia), compressão do quiasma óptico (hemianopsia bitemporal). • Diabetes insipidus: lesão neuro-hipofisária → incapacidade de concentrar urina. • Síndrome pan-hipopituitarismo: perda global da função hormonal, causas diversas. • Acesso cirúrgico transesfenoidal: permite tratamento cirúrgico direto com baixo risco para o parênquima cerebral. 6. EPITÁLAMO 6.1. Estruturas e Funções • Glândula pineal: produz melatonina (controle do ciclo sono-vigília, função antigonadotrópica, imunomodulação, antioxidante) • Comissuras das habênulas:regulação dopaminérgica e integração límbica • C o m i s s u r a p o s t e r i o r : l i m i t e c o m mesencéfalo • Estrias medulares do tálamo: conexão com teto do III ventrículo 6.2. Clínica • Tumores de pineal: síndrome de Parinaud (paralisia do olhar para cima), puberdade precoce em crianças • Distúrbios do ritmo circadiano: insônia, jet lag, distúrbios sazonais (melatonina endógena/exógena) 7. SUBTÁLAMO • Zona de transição entre diencéfalo e mesencéfalo, abaixo do tálamo, lateral ao hipotálamo, medial à cápsula interna. • Principal núcleo: núcleo subtalâmico de Luys • Integra via indireta dos núcleos da base (freio motor), recebe e envia fibras ao globo pálido. Clínica • Hemibalismo: lesão do núcleo subtalâmico (AVC lacunar) → movimentos involuntários, amplos, de um hemicorpo. 8. NÚCLEOS DA BASE – APROFUNDAMENTO E INTEGRAÇÃO 8.1. Anatomia e Componentes • Núcleo caudado, putâmen, globo pálido (interno/externo), claustrum, núcleo accumbens, núcleo basal de Meynert, corpo amigdaloide • Corpo estriado dorsal: caudado + putâmen + globo pálido • Corpo estriado ventral: núcleo accumbens + partes ventrais do caudado/putâmen • Núcleo lentiforme: putâmen + globo pálido 8.2. Circuitos e Vias • Circuito motor: córtex → putâmen → globo pálido (interno) → tálamo (VA/VL) → córtex motor • Via direta: facilita movimento voluntário (putâmen → globo pálido interno) • Via indireta: inibe movimentos indesejados (putâmen → globo pálido externo → núcleo subtalâmico → globo pálido interno) • Dopamina: excita via direta (receptor D1) e inibe via indireta (D2), facilitando movimento • Circuitos cognitivos: via núcleo caudado e pré-frontal (planejamento, memória de trabalho) • Circuitos límbicos: núcleo accumbens (motivação, recompensa, comportamento dirigido) 8.3. Funções • Movimento voluntário, aprendizado motor, hábito Máyra Dias T38 • C o n t r o l e d e i m p u l s o s , m o t i v a ç ã o , comportamento social • Processamento de recompensa, tomada de decisão, automatização de respostas 8.4. Clínica • Doença de Parkinson: perda de neurônios dopaminérgicos na substância negra → bradicinesia, tremor, rigidez, instabilidade postural. • Coreia de Huntington: degeneração do corpo estriado (via indireta) → movimentos coreicos, distúrbios psiquiátricos, demência. • Hemibalismo: lesão do núcleo subtalâmico → movimentos amplos, violentos, de um lado do corpo. • Distonias e atetoses: desregulação dos circuitos putâmen-globo pálido. • Transtornos comportamentais: TOC, Síndrome de Tourette, distúrbios do impulso (via circuitos pré-frontais e límbicos). • Déficit cognitivo/apatia: degeneração do núcleo basal de Meynert (colinérgico) em Alzheimer. • Síndrome de Maury-Livre: alien hand syndrome (não reconhecimento do membro, movimentos involuntários). 9. INTEGRAÇÃO FUNCIONAL E CLÍNICA • O diencéfalo integra e coordena sensações, movimentos, homeostase, comportamento, emoção, cognição e ritmos biológicos. • Hipotálamo comanda a hipófise, regula o S N A , c o n t r o l a o a p e t i t e , a s e d e , a temperatura, o sono, a sexualidade, a resposta ao estresse, o comportamento social e a regulação endócrina. • Tálamo é central para consciência, vigília, sensações e comportamento. • N ú c l e o s d a b a s e a j u s t a m t o d o s o s m o v i m e n t o s a u t o m á t i c o s , o comportamento motivado, a tomada de decisão e os hábitos. • Epitálamo e pineal controlam ritmos circadianos, função gonadal e imunológica. • Subtálamo funciona como elo motor e “freio” das respostas automáticas. Quadro-Resumo de Síndromes Clínicas: • Tálamo → Síndrome talâmica (dor central, parestesias, distúrbios sensitivos) • Hipotálamo/Hipófise → Diabetes insipidus, pan-hipopituitarismo, puberdade precoce/ tardia, obesidade/caquexia, distúrbios de libido, apatia, agressividade • Epitálamo/Pineal → Síndrome de Parinaud, puberdade precoce, insônia, distúrbios sazonais • Subtálamo → Hemibalismo • Núcleos da base → Parkinsonismo, coreia, distonias, atetose, TOC, tique, alien hand • Corpos mamilares → Síndrome de Korsakoff (amnésia, confabulação) 10. EXEMPLOS CLÍNICOS DA AULA E DA LITERATURA • P a c i e n t e c o m h e m i b a l i s m o : l e s ã o subtalâmica, movimentos amplos, exaustão; tratamento envolve neurolépticos ou cirurgia ablativa. • Paciente com síndrome de Maury-Livre (alien hand): desconexão dos circuitos tálamo-corticais, perda de domínio sobre um membro. • Exemplo neurocirúrgico: hidrocefalia do III ventrículo (tumor, cisto) tratada com ventriculostomia endoscópica ou derivação liquórica. • Paciente com macroadenoma hipofisário: apoplex ia , compressão do quiasma ( h e m i a n o p s i a b i t e m p o r a l ) , p a n - h i p o p i t u i t a r i s m o ; a b o r d a g e m transesfenoidal indicada. CONCLUSÃO INTEGRADA O estudo do diencéfalo exige compreensão anatômica, funcional, integrativa e clínica. Suas lesões, disfunções e tumores geram síndromes diversas, com manifestações motoras, sensitivas, autonômicas, comportamentais, emocionais, cognitivas e hormonais. A aplicação clínica exige raciocínio sistêmico, com exame físico direcionado e investigação laboratorial/imagem focada nos circuitos envolvidos. Máyra Dias T38