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MEDULA ESPINAL, REFLEXOS E VIAS I. ANATOMIA MACRO E MICROSCÓPICA DA MEDULA ESPINAL 1. Localização e Extensão • Início: Forame magno (base do crânio), alinhada com a decussação das pirâmides e emergência do 1º nervo cervical (C1). • Término: Entre as vértebras L1 e L2 — estrutura af i lada denominada c o n e medular. • F i l a m e n t o t e r m i n a l : Pro longamento meníngeo (pia-máter) que atravessa o saco dural (em S2), f ixando-se ao cóccix (ligamento coccígeo), fundamental para estabilizar a medula durante movimentos. 2. Crescimento Diferencial • Embriologia: No início da vida intrauterina, a medula tem o mesmo comprimento da coluna vertebral. Com o crescimento, o osso vertebral ultrapassa a medula, formando a c a u d a e q u i n a ( r a í z e s n e r v o s a s descendentes para emergir nos forames apropriados). Isso explica por que a punção lombar é segura abaixo de L2. 3. Intumescências • Cervical (C5–T1): Relacionada ao plexo b r a q u i a l , i n e r v a ç ã o d o s m e m b r o s superiores. • Lombar (T11–L1): Relacionada ao plexo lombossacral, inervação dos membros inferiores. • Justificativa: Necessidade de maior quantidade de neurônios para inervar membros. 4. Morfologia em Cortes Transversais • Substância cinzenta (central): Formato de H, rica em corpos celulares, composta por cornos anteriores (motores), posteriores (sensitivos) e laterais (autonômicos, entre T1–L2). • Substância branca (periférica): Axônios m i e l i n i z a d o s q u e f o r m a m f e i x e s ascendentes e descendentes (funículos anterior, lateral e posterior). O volume de substância branca é maior nos segmentos cervicais e diminui em direção ao sacro (pois as fibras vão saindo ao longo do trajeto). 5. Canal Central • Vestígio embrionário do tubo neural, preenchido por líquor. Pode dilatar-se em patologias como siringomielia. II. MENINGES E ESPAÇOS DA MEDULA 1. Dura-máter • Mais externa, resistente, forma o saco dural até S2. • Prolonga-se envolvendo raízes nervosas e se continua com o epineuro dos nervos espinais. • F u n ç ã o : P r o t e ç ã o m e c â n i c a e compartimentalização do líquor. 2. Aracnoide • Membrana intermediár ia , avascular , trabeculada (“teias de aranha”) que se liga à pia-máter. • Espaço subaracnoide: Contém líquor, entre aracnoide e pia-máter, formando a cisterna lombar. 3. Pia-máter • Mais interna, aderida ao tecido nervoso. • Forma os ligamentos denticulados (fixação lateral) e o filamento terminal. • Função: Nutrição, proteção e fixação da medula. 4. Espaços Clínicos • Epidural (extradural): Entre dura e osso/ ligamento amarelo; contém tecido adiposo e vasos. Local da anestesia peridural. • Subdural: Potencial, entre dura e aracnoide. • Subaracnoide: Entre aracnoide e pia; local de circulação do líquor e da raquianestesia. III. NERVOS ESPINAIS E SEGMENTAÇÃO • Formados pela união das raízes ventral (motora) e dorsal (sensitiva). ◦ Raiz dorsal: Contém o gânglio espinal (sensitivo). ◦ Raiz ventral: Motores. Máyra Dias T38 • 31 pares: 8 cervicais, 12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais, 1 coccígeo. • Ramos: Após sair pelo forame intervertebral, o nervo se divide em ramo anterior (forma plexos e inerva membros e parede anterior/ lateral do tronco) e posterior (inerva músculos e pele do dorso). • Dermátomos: Áreas cutâneas inervadas por cada segmento medular; fundamentais na avaliação clínica para mapear lesões. IV. VIAS ASCENDENTES (Aferentes/Sensitivas) 1. Trato Espinotalâmico Lateral • Função: Dor aguda, temperatura, prurido. • Trajeto: Neurônio sensitivo periférico (pseudounipolar) → entra pela raiz dorsal → s i n a p s e n a s u b s t â n c i a c i n z e n t a → decussação → sobe pelo funículo lateral → tálamo → córtex sensitivo (giro pós-central). • Importância clínica: Lesões neste trato c a u s a m p e r d a d e s e n s i b i l i d a d e termoalgésica contralateral. 2. Trato Espinotalâmico Anterior • Função: Tato grosseiro, pressão. • Trajeto: Semelhante ao lateral, mas sobe pelo funículo anterior. 3. Fascículos Grácil e Cuneiforme (Coluna Dorsal) • Grácil: Conduz informações do membro inferior e tronco inferior. • Cuneiforme: Membro superior e tronco superior. • Funções: Tato epicrítico (discriminativo), propriocepção consciente, v ibração, estereognosia (reconhecimento de objetos pelo tato). • S i n a p s e : No bulbo (núcleos gráci l/ cuneiforme) → decussação → tálamo → córtex. Resumo dos Neurônios na Via Sensitiva 1. 1º neurônio: Pseudounipolar, corpo no gânglio da raiz dorsal. 2. 2º neurônio: Medula (espinotalâmico) ou bulbo (coluna dorsal). 3. 3º neurônio: Tálamo → córtex sensitivo. V. VIAS DESCENDENTES (Eferentes/Motoras) 1. Vias Piramidais • Trato Corticoespinal Lateral (90%): Cruza no bulbo (decussação das pirâmides), desce controlando movimentos voluntários de precisão (motricidade fina). • Trato Corticoespinal Anterior (10%): Desce ipsilateral, cruza no segmento medular de destino, controla musculatura axial. 2. Trato Corticonuclear (Bulbar) • Do córtex motor para núcleos de nervos cranianos → movimentos voluntários da cabeça/face. 3. Vias Extrapiramidais • Trato Rubroespinal: Coordenação de movimentos distais e finos. • Trato Vestibuloespinal: Ajuste postural e equilíbrio. • Trato Tectoespinal: Coordena movimentos oculocefálicos. • Trato Reticuloespinal: Tônus muscular e atividade reflexa. Obs.: Lesões acima da decussação produzem déficit contralateral; abaixo, déficit ipsilateral. VI. REFLEXOS MEDULARES 1. Arco Reflexo: • Componentes: 1. Receptor sensorial 2. Neurônio aferente (sensitivo) 3. Centro integrador (substância cinzenta medular) 4. Neurônio eferente (motor) 5. Efetor (músculo ou glândula) • Importância clínica: Alterações nos reflexos podem indicar local da lesão (central/ periférica). 2. Reflexo Miotático (de Estiramento) • Monossináptico: Exemplo: reflexo patelar. • Função: Mantém tônus e postura, ajusta comprimento muscular. • Alteração clínica: Hiperreflexia em lesão do trato corticoespinal (neurônio motor superior). 3. Reflexo de Retirada e Cruzado • Polissináptico: Resposta nociceptiva rápida (reflexo flexor), acompanhada de extensão Máyra Dias T38 contralateral (reflexo cruzado), fundamental para proteção corporal. VII. APLICAÇÕES CLÍNICAS E PATOLOGIAS RELACIONADAS 1. Punção Lombar • Local: Espaço subaracnoide, geralmente entre L3–L4 ou L4–L5 (abaixo do cone medular). • Usos: Diagnóstico (meningite, hemorragias, doenças autoimunes), administração de anestésicos (raquianestesia). • Planos anatômicos atravessados: Pele, t e c i d o s u b c u t â n e o , l i g a m e n t o s (supraespinhoso, interespinhoso, amarelo), dura-máter, aracnoide. 2. Síndromes Medulares • Cone Medular: Anestesia em sela (períneo), disfunção esfincteriana (urinária, sexual). • Cauda Equina: Sintomas do cone + paresia/ paralisia MMII, retenção urinária e fecal, hiporreflexia. • Neurônio Motor Superior (ex.: ELA): Espasticidade, hiperreflexia, sinal de Babinski. • Neurônio Motor Inferior (ex.: poliomielite): Hipotonia, atrofia, fasciculações, arreflexia. • Lesão raquimedular: Tetraplegia (cervical), paraplegia (torácica/lombar). • Hérnia de disco: Compressão de raízes, radiculopatia. • Espinha bífida: Defeitos no fechamento do t u b o n e u r a l ( m e n i n g o c e l e , mielomeningocele). 3. Avaliação Clínica • Exame de dermátomos e miótomos: Localiza o nível da lesão. • Testes reflexos: Diagnóstico diferencial de patologias centrais x periféricas. • Lesão focalizada: AVCs acima do bulbo → déficit motor contralateral; lesão abaixo → déficit ipsilateral. V I I I . F U N D A M E N T O S H I S T O L Ó G I C O S E MOLECULARES • S u b s t â n c i a c i n z e n t a : N e u r ô n i o s multipolares, células gliais, sinapses (zona de integração e processamento local). • Substânciabranca: Axônios mielinizados, células de oligodendrócitos (produção de mielina). • Canais iônicos: Fundamentais para a transmissão dos potenciais de ação em vias ascendentes e descendentes. • S i n a p s e s e x c i t a t ó r i a s / i n i b i t ó r i a s : Integração dos reflexos e do controle motor. IX. RELEVÂNCIA EM EXAMES, CIRURGIA E ANESTESIOLOGIA • Localização precisa da medula, cone medular e cauda equina é fundamental para evitar danos em procedimentos como punção lombar e anestesia regional. • Mapeamento de dermátomos e miótomos a u x i l i a n a a b o r d a g e m d e l e s õ e s , compressões radiculares, tumores e doenças degenerativas. X. CASOS CLÍNICOS ILUSTRATIVOS • T r a u m a r a q u i m e d u l a r e m C 4 – C 5 : Tetraplegia, comprometimento respiratório (inervação diafragmática C3–C5). • Síndrome da cauda equina em idosos (estenose do canal): Fraqueza progressiva MMII, incontinência, dor lombar. • Poliomielite: Paralisia flácida, atrofia muscular localizada. Conclusão Técnica A medula espinal é o principal elo entre o SNC e a periferia, processando informações sensoriais e motoras, e realizando integração reflexa essencial à vida. Suas doenças e lesões possuem manifestações clínicas típicas, sendo o exame físico detalhado (reflexos, força, sensibilidade, função esfincteriana) crucial no diagnóstico. A compreensão profunda da anatomia, f is iologia, histologia e suas aplicações é imprescindível para atuação clínica segura e eficaz. DERMÁTOMOS: EXPLICAÇÃO COMPLETA, ORGANIZADA E CLÍNICA 1. DEFINIÇÃO E CONCEITO • Dermátomo é a área da pele inervada pelas fibras sensoriais de um único nervo espinal (raiz dorsal de determinado segmento medular). Máyra Dias T38 • Cada segmento medular possui um dermátomo correspondente, exceto C1, que raramente tem um território cutâneo próprio. • Os dermátomos são essenciais na localização de lesões neurológicas (ex.: trauma, hérnia de disco, neuropatias, infecções herpéticas). 2. ORGANIZAÇÃO SEGMENTAR DOS DERMÁTOMOS Nervos Espinais e Distribuição dos Dermátomos • 8 Cervicais (C1–C8) • 12 Torácicos (T1–T12) • 5 Lombares (L1–L5) • 5 Sacrais (S1–S5) • 1 Coccígeo Obs.: O território de cada dermátomo geralmente se sobrepõe parcialmente ao território vizinho, criando áreas de transição (sobreposição sensorial). 3. MAPA DOS DERMÁTOMOS MAIS IMPORTANTES (CLINICAMENTE RELEVANTES) Principais Pontos de Referência • C2: Occipital (nuca) • C3: Região cervical lateral e anterior do pescoço • C4: Região clavicular e acrômio • C5: Região lateral do ombro (deltoide) • C6: Face lateral do antebraço e polegar • C7: Face posterior do braço, antebraço e 2º-3º dedos (indicador e médio) • C8: Face medial do antebraço e dedos 4-5 (anelar e mínimo) • T1: Face medial do braço e antebraço proximal • T4: Região do mamilo (tórax) • T6: Região do apêndice xifoide/epigástrio • T10: Região do umbigo • T12: Região da sínfise púbica • L1: Região inguinal • L2: Face anterolateral da coxa • L3: Face medial da coxa e joelho • L4: Face medial da perna e maléolo medial (tornozelo) • L5: Face lateral da perna, dorso do pé e hálux (dedão) • S1: Face posterior da perna, calcanhar e lateral do pé • S2: Face posterior da coxa e perna (linha média) • S3–S5: Região glútea, períneo, região perianal (“em anel” ao redor do ânus) 4. PRINCÍPIOS CLÍNICOS E USO DOS DERMÁTOMOS A) Exame Neurológico • Testes sensitivos (tátil, doloroso, térmico, vibratório): permitem localizar o segmento comprometido. • Avaliação em traumas raquimedulares: delimitação da área com perda de sensibilidade ajuda a definir o nível da lesão. • Exemplo: • Perda de sensibilidade até o umbigo → lesão em T10. • Sensação preservada até a sínfise púbica → lesão em T12. • Exame em neuropatias periféricas: herpes- zóster segue o trajeto de um dermátomo específico. B) Aplicações em Anestesia • Bloqueios anestésicos regionais (peridural ou raquidiana): conhecimento dos dermátomos é crucial para prever o território anestesiado. C) Hérnia de disco e Radiculopatia • Dor, parestesia ou perda de sensibilidade em dermátomos específicos indicam a raiz comprimida: • Exemplo: Hérnia de disco em L5-S1 → sintomas em L5 ou S1 (dor irradiada, dormência na lateral da perna e pé). 5. DETALHES AVANÇADOS • Sobreposição: Dermátomos adjacentes se sobrepõem (principalmente para sensibilidade tátil leve), garantindo redundância sensorial (importante em lesões incompletas). • Discrepâncias: O mapa anatômico clássico é uma aproximação; pode haver variações interindividuais. • Herpes-zóster: O vírus reativa-se em um gânglio sensitivo, produzindo lesão cutânea limitada ao dermátomo daquele segmento. Máyra Dias T38 6. QUADROS CLÍNICOS FREQUENTES RELACIONADOS • Herpes-zóster: Lesões cutâneas em faixa, limitadas a um dermátomo. • Trauma raquimedular: Nível da lesão definido pela última região sensível ao estímulo. • Hérnias discais: Dor irradiada no trajeto do dermátomo correspondente à raiz comprimida. • Tumores espinhais e esclerose múltipla: Perda de sensibilidade segmentar. Resumo prático para a prova: • T4 = mamilo; T10 = umbigo; L1 = região inguinal; S2–S5 = períneo e região anal. Máyra Dias T38