As regras que permitem o exercício de autonomia privada são chamadas de “regras dispositivas”: quer dizer, elas estabelecem uma forma básica para a relação jurídica, mas esta forma básica pode ser alterada pelos sujeitos.
Os melhores exemplos estão no campo dos contratos, nos quais os sujeitos têm grande liberdade para disporem a respeito das cláusulas contratuais: se pensarmos num contrato de compra e venda de natureza civil, entre sujeitos que estão em pé de igualdade, então eles têm liberdade para disporem respeito do preço, prazo de pagamento, forma de entrega, e assim por diante. Por isso é que se diz que as regras dispositivas podem ser derrogadas (quer dizer, deixadas de lado) pela vontade dos sujeitos (dispositivas porque são facultativas): elas estabelecem uma forma jurídica mínima, um ponto de partida, mas os sujeitos podem mudar a forma de ser da relação jurídica.
Mas se este contrato de compra e venda já for um contrato de consumo, regulamentado pelo Código de Defesa do Consumidor (a Lei 8.078/1990), aí a coisa já é diferente. Isso porque, partindo da ideia de que o consumidor é vulnerável na relação de direito material, quer dizer, está numa posição de inferioridade no plano dos fatos, o CDC restringe em muitos aspectos a liberdade contratual. Como, na prática, não há igualdade fática entre os sujeitos para negociarem os termos do contrato, então o Direito assume que não há liberdade. A liberdade do consumidor se limita a escolher se vai comparar o produto ou pagar pelo serviço: todo o resto é ditado pelo fornecedor.
Por isso, o Direito estabelece uma série de restrições que não podem ser derrogadas pelos sujeitos. Essas restrições são encontradas em normas de ordem pública, ou normas cogentes. Cogentes por que são obrigatórias. Elas estabelecem o limite até onde se pode ir: não se pode passar daquele limite. Então, por exemplo, no âmbito dos contratos de consumo, a lei estabelece uma garantia de 90 diaspara troca do produto defeituoso, e o fornecedor não pode se negar a fazer a troca neste período. No Direito de Família, o direito de um dos cônjuges ou dos filhos à pensão alimentícia é indisponível e, ainda que eles não queiram receber, eles não perdem o direito. No Direito do Trabalho, conhecemos muitas normas de ordem pública, como o salário-mínimo, os limites de jornada, a irrenunciablidade do salário, e assim por diante.
Todos estes exemplos com os quais lidamos são situações da vida privada (família, consumo, trabalho) e, portanto, tradicionalmente são situações de “direito privado”: mas há uma série de regras de “ordem pública”, cogentes, que incidem sobre estas situações e o Estado, assim, limita o exercício da liberdade em razão da presença de uma pessoa que está em posição de inferioridade fática na relação jurídica. E este é um dos motivos, como vimos, pelos quais a distinção entre direito público e direito privado tem sido tão questionada hoje em dia.
As denominadas normas cogentes, ou de ordem pública, são as normas instituídas pelo legislador e que gozam de observância obrigatória, não admitindo afastamento por vontade do particular.
As normas cogentes são dotadas imperatividade e se dividem em preceptivas (obrigando a fazer alguma coisa) ou proibitivas (que veda algum ato ou comportamento).
Para escrever sua resposta aqui, entre ou crie uma conta.
Compartilhar