Buscar

gênese e características do sistema jurídico romano germânico.

💡 2 Respostas

User badge image

DLRV Advogados

O sistema romano-germânico ou Civil Law, como a própria nomenclatura diz, é baseado no Direito Romano. O sistema romano-germânico ganhou força no século XII, quando começou a haver maior liberdade na busca pelo conhecimento, em um momento pré-renascimento, e as universidades européias puderam retornar a estudar os moldes do Direito da sociedade Romana. Dá-se, nesse momento, atenção especial ao Corpus Iuris Civilis, que consistia em um sistema jurídico extremamente bem elaborado. 

O direito romano começa, desde então, a influenciar o direito de todos os Estados europeus, e, consequentemente espraia-se pelo mundo.

São caracteristicas deste sistema:

  • o caráter escrito do direito;
  • a generalidade das normas jurídicas, que são aplicadas pelos juízes aos casos concretos;
  • competências rígidas e distintas entre o julgar e o legislar;
  • divisão sistemática entre direito público e privado;
  • importante papel da doutrina na elaboração do Direito;
  • importante papel da hermeneutica jurídica, diante da abstratividade e generalidade das normas jurídicas;

 

 

 

1
Dislike0
User badge image

uema direito

1. INTRODUÇÃO

O sistema jurídico romano-germânico, que, em oposição ao fenômeno tipicamente inglês da common law, é denominado pelos britânicos de civil law, formou-se na Europa continental, a partir do século XIII d.C., e, ainda hoje, conserva essa região como seu principal centro (DAVID, 1972, p. 57). Decorre dos princípios e regras dos antigos direitos romano e canônico, os quais, associados aos costumes dos povos germânicos que definitivamente ocuparam a Europa central após o século V d.C., formaram um conjunto elaborado de normas jurídicas que estão na base dos ordenamentos dos países direta ou indiretamente influenciados pelas nações do continente europeu (LIMA, 2013, p. 79-82). Neste estudo, examinam-se as origens e fundamentos do regime de civil law.


2. CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

A história do sistema jurídico romanista se desenvolve em três períodos: um, que se inicia com o renascimento dos estudos de direito romano nas universidades, por volta dos séculos XII e XIII d. C.; outro, no qual, durante cerca de cinco séculos, a doutrina tem destaque e chega a exercer grande influência no conteúdo de diferentes direitos nacionais; e um último, iniciado no século XVIII com a Escola do Direito Natural, e que persiste até os dias atuais, em que há o predomínio da legislação como fonte do direito (DAVID, 1972, p. 57).

O Império Romano, fundado por Augusto em 27 a.C., conheceu uma civilização brilhante, cujo gênio legou ao mundo um sistema jurídico nunca antes visto. As invasões de diversos povos bárbaros, em especial os germanos, contudo, levaram à queda do Império Romano do Ocidente no século V d.C. (MELLO; COSTA, 1995, p. 172). [1] Em decorrência, as populações romanizadas e os bárbaros passaram a viver lado a lado, seguindo, uns e outros, as suas próprias leis. Gradualmente, foi-se verificando a miscigenação entre os diversos grupos étnicos e, com a feudalidade crescente, voltaram a vigorar os costumes locais, com perda do valor primitivo conferido à lei (DAVID, 1972, p. 58).

Esse movimento de abstração normativa conduziu a um declínio do direito escrito, que, por sua vez, levou à decadência da própria ideia de Direito durante a Alta Idade Média (séculos V ao XI d.C.). Com efeito, muitos dos costumes vigentes no auge do período medieval contavam com a utilização de ordálios ou “juízos de Deus” (judicium Dei) como critérios para a solução de litígios. Tratava-se de uma espécie de prova judiciária usada para determinar a culpa ou a inocência do acusado por meio da participação de elementos da natureza, cujo resultado era interpretado como um juízo divino. [2]

Tal apelo a um processo místico, de resultado aleatório e potencialmente injusto, associado à inexistência de uma autoridade que garantisse, por meio da força, nas demandas de interesse individual, a execução dos julgados em favor do vencedor, contribuíram para o descrédito da ideia de Direito, ocasionando a resolução de conflitos pela lei do mais forte, pela decisão arbitrária de um chefe ou pelo estímulo à fraternidade e à caridade, estes últimos, ideais profundamente desenvolvidos pela teologia cristã. É o que esclarece René David:

Para que serve conhecer e precisar as regras do direito quando o sucesso duma parte depende de meios tais como o juízo de Deus, o juramento das partes ou dos “conjuradores” (compurgação) ou a prova dos “ordálios”? Para que serve obter um julgamento se nenhuma autoridade, dispondo de força, está obrigada ou preparada para pôr esta força à disposição do vencedor? Nas trevas da Alta Idade Média, a sociedade voltou a um estado mais primitivo. Pode existir ainda um direito: a existência de instituições criadas para afirmar o direito (as rachimburgs francas, as laghman escandinavas, as eôsagari islandesas, as brehons irlandesas, as withan anglo-saxônicas) e até mesmo o simples fato da redação de leis bárbaras tende a convencer-nos disso. Mas o reinado do direito cessou. Entre particulares como entre grupos sociais os litígios são resolvidos pela lei do mais forte ou pela autoridade arbitrária de um chefe. Mais importante que o direito é sem dúvida a arbitragem, que visa menos a conceder a cada um o que lhe pertence, segundo a justiça e como o direito exige, do que manter a solidariedade do grupo, assegurar a coexistência pacífica entre grupos rivais e fazer reinar a paz. O próprio ideal de uma sociedade fundada no direito é abandonado pela maior parte: uma sociedade cristã não deverá antes procurar fundar-se sobre as ideias de fraternidade e de caridade? S. Paulo, na sua primeira epístola aos Coríntios, exalta a caridade em vez da justiça e recomenda aos fiéis que se submetam antes à arbitragem dos seus pastores ou dos seus irmãos em vez de recorrerem aos tribunais. Santo Agostinho defende a mesma tese. No século XVI, também um adágio, na Alemanha, diz Juristem, böse Christen (Juristas, maus cristãos); se se aplica de preferência aos romanistas, o adágio vale para todos os juristas; o próprio direito é coisa má. (DAVID, 1972, p. 59-60)

O afastamento geral da ideia de Direito não coincide, contudo, com um período de total inexistência de legislação. No Império Romano do Oriente, e, em certa medida, na Itália, Justiniano publicou, de 529 a 534 d. C. um conjunto de obras que, no século XVI, veio a ser denominado de Corpus Iuris Civilis (o Código, o Digesto ou Pandectas, as Novelas e as Institutas). [3] Os dois primeiros são compilações consolidadas e sistematizadas, respectivamente, das leis e doutrinas romanas, do reinado de Adriano ao de Justiniano; as Novelas registram as normas editadas por Justiniano e seus sucessores diretos, ao passo que as Institutas representam um manual de estudos, contendo os princípios do Direito extraídos do Código e do Digesto, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Imperador, formada por Triboniano, Doroteu e Teófilo, professores das escolas de Constantinopla e de Bento, nos moldes das Institutas de Gaio, do século II d. C. (MELLO; COSTA, 1995, p. 202). No território do antigo Império Romano do Ocidente, a partir do século VI, foram redigidas leis bárbaras para a maioria das tribos germânicas, reunidas, em 1861, na coleção das Monumenta Germaniae Historica. Na França e na península Ibérica, a Lex Romana Wisigothorum ou Breviário de Alarico, promulgada em 506 d.C. – compilação de leis romanas em vigor no reino visigodo de Tolosa, durante o reinado de Alarico II (487-507 d.C.) –, ilustra, igualmente a utilização do direito escrito pelos povos bárbaros que ocuparam o continente europeu (DAVID, 1972, p. 58).

Por conseguinte, não obstante o valor conferido ao costume e o desapego à noção de Direito na Europa Ocidental dos séculos V ao XI, fruto da descentralização política inerente à estrutura feudal, associada ao aumento da influência dos ideais de fraternidade e caridade da Igreja, sobreviveu um corpo normativo escrito, produzido no limiar da Idade Média, que serviria de base à reformulação de uma teoria jurídica no alvorecer da Idade Moderna. O renascimento comercial e urbano iniciado no século XI e, de resto, o inteiro fenômeno do renascimento cultural na Europa, que atingiu seu apogeu dos séculos XIV ao XVI, marcando o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, repercutiu no plano jurídico com a retomada de consciência da necessidade do direito.

Com o ressurgimento das cidades e do comércio, a sociedade constata novamente a imprescindibilidade do direito, visto como o único instituto capaz de assegurar a ordem e a segurança que permitem o progresso. Abandona-se o ideal de uma sociedade cristã fundada na caridade e a própria Igreja distingue a sociedade religiosa dos fiéis da sociedade laica, elaborando um direito privado canônico. Estabelece-se a distinção entre religião e ordem civil (regras morais e regras de direito) e se confere ao sistema jurídico uma função própria e autônoma. O retorno à noção romana de que a sociedade deve ser regida pelo direito é, pois, no século XII, uma revolução: filósofos e juristas passam a exigir que as relações sociais se baseiem no direito e que se encerre o regime de anarquia e de arbítrio que reina há séculos na Europa continental (DAVID, 1972, p. 60).

A formação do sistema de direito romano-germânico, pois, está ligada ao renascimento cultural que se produz nos séculos XII e XIII no Ocidente europeu, que preparou o caminho para o amplo movimento de retorno aos valores da antiguidade clássica operado nos séculos XIV a XVI. O principal meio pelo qual as novas ideias se espalharam, favorecendo a retomada do valor conferido ao direito romano, foi constituído pelos novos focos de cultura criados na Europa, em especial as universidades, dentre as quais a primeira e mais ilustre foi a Universidade de Bolonha, na Itália (DAVID, 1972, p. 61).

Invenção tipicamente medieval, era na universidade que os homens adquiriam formação específica nas chamadas “disciplinas maiores”, a saber, direito, teologia e medicina, que tomavam de 6 a 8 anos de estudo, normalmente dos 20 aos 26 anos de idade, após uma formação básica em “artes liberais”, dos 14 aos 20 anos de idade, composta de duas grandes partes, o trivium (lógica, retórica e gramática do latim) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Logo sugiram centros de excelência nos diferentes campos de conhecimento: Paris, nas áreas de filosofia e teologia, Bolonha, no direito, Salerno, na medicina e, posteriormente, Montpellier, em direito e medicina (LOPES, 2008, p. 104).

O ensino do direito nas universidades medievais, contudo, não era pautado em regras positivas, mas em princípios gerais e postulados filosóficos que buscavam expressar os sentidos da justiça. Tratava-se de realidade imposta, inclusive, por restrições de ordem prática, na medida em que o direito positivo, na maioria dos países, incluindo a Itália e a França, berço do novo modelo de estudos, apresentava-se de modo caótico e incerto, ante o predomínio do regime feudal e a inexistência de um soberano geral e incontestado, em cenário no qual se presenciava intenso conflito entre as ordens normativas positivas, tais como os direitos reais, feudais, comunais e corporativos (DAVID, 1972, p. 62).

Nesse contexto, objeto de grande admiração era o direito romano, sobre o qual a Igreja havia edificado o direito canônico. O direito romano encontrava-se disponível na forma das compilações de Justiniano e seu conteúdo havia sido preservado na língua que a Igreja conservou e divulgou, o latim. Ademais, era a lex romana a obra de uma civilização brilhante, “que se estendera do  Mediterrâneo até o Mar do Norte, de Bizâncio à Bretanha, e que evocava no espírito dos contemporâneos, com nostalgia, a unidade perdida da Cristandade” (DAVID, 1972, p. 63). Em decorrência, e tendo em vista, ainda, o caráter transnacional das universidades e a incoerência das ordens normativas internas, que inviabilizavam o estudo do direito positivo, o direito romano e o direito canônico passaram a ser utilizados como o modelo de sistema jurídico sobre o qual deveriam as faculdades debruçar-se em esforço de análise e interpretação.

O estudo sistemático dos direitos romano e canônico pelo meio acadêmico culminou na constituição do denominado jus commune, o direito comum das universidades, ensinado nos diferentes Estados nacionais, que serviu de base à formação do jurista do continente europeu. Diferentemente dos juízes e solicitadores da Inglaterra, que aprendiam a profissão a partir de um treinamento eminentemente prático, o jurista europeu era tipicamente letrado e sua formação, centrada em princípios suprapositivos, contribuiu para a estabilização da ideia de Direito nas sociedades politicamente divididas do alvorecer da Idade Moderna. Nesse sentido, José Reinaldo de Lima Lopes afirma que

é o caráter transnacional do ensino jurídico que acrescenta à cristandade uma familiaridade a mais: o ius commune, o direito comum a todos, que é o direito romano interpretado pelos doutores. Até quando se formam os Estados Nacionais, o ius commune continua a ter um papel de harmonização, que desaparecerá finalmente só no século XVIII. A universidade medieval promoveu o surgimento dos juristas e eles se identificaram com ela. Desde então, exceto na Inglaterra, os juristas serão letrados. Ao mesmo tempo, foi o estudo universitário do direito que permitiu enfrentar as disputas entre o direito secular e o canônico, os direitos reais, os direitos feudais, comunais e corporativos. Os juristas medievais retomam, secularizando-a e formalizando-a, a discussão sobre liberdade, legalidade, equidade, misericórdia, justiça. (LOPES, 2008, p. 105)

Em 1620, em Upsala, Suécia, inicia-se um processo de valorização dos direitos nacionais pela comunidade acadêmica, que teve como marco expressivo a instituição, em 1679, na Universidade de Sorbonne, em Paris, de uma disciplina de direito francês. Mas é somente no século XVIII que se verifica uma generalização do movimento pela Europa, incluindo-se definitivamente o estudo do direito positivo nacional pelas universidades de Wittenberg, Alemanha (1707), da Espanha (1741), de Oxford e Cambridge, no Reino Unido (1800) e de Portugal (1772). A pesquisa e o ensino do direito romano, contudo, permaneceriam como os elementos mais importantes dos cursos de Direito até o século XX e o período das grandes codificações, ocupando o direito nacional, em relação a ele, papel claramente secundário (DAVID, 1972, p. 64).

Durante todo esse período, contudo, a abordagem do direito romano pelas universidades não foi uniforme, tendo sido várias as escolas que se sucederam, cada uma com preocupações e métodos próprios (DAVID, 1972, p. 67). Uma primeira escola, a dos glosadores, no século XII, procurou reencontrar e explicar o sentido das leis romanas (MASSAÚ, 2013, p. 1). [4] Nessa época, alguns textos das compilações de Justiniano foram abandonados, por se referirem a instituições da Antiguidade que caíram em desuso. Atingiu seu ápice com a Grande Glosa de Acúrsio, que, retomando o trabalho de seus predecessores, produziu uma obra que comporta cerca de 96.000 glosas (DAVID, 1972, p. 67). O movimento subsequente, denominado de escola dos pós-glosadores, no século XIV, é marcado pela progressiva distorção do direito romano, com sua adaptação às novas necessidades sociais, e pela forte sistematização do direito, com a definição de ramos inteiramente novos, a exemplo dos direitos comercial e internacional privado. A esse direito romano amplamente modificado, ministrado nas universidades europeias nos séculos XIV e XV, deu-se o nome de usus modernus Pandectarum (DAVID, 1972, p. 64). Nos séculos XVII e XVIII, uma nova escola, dita do “direito natural”, triunfa nas universidades, tendo por preocupação, em lugar de compreender as regras de direito romano, descobrir e ensinar os princípios de um direito puramente racional (DAVID, 1972, p. 66). Diferenciou-se do trabalho dos pós-glosadores por abandonar o método escolástico, elevar o estudo do direito a um alto grau a sistematização e recusar a concepção clássica alicerçada na vontade divina e na natureza das coisas. O direito passa a ser visto como o resultado puro e simples da vontade humana, com a constatação de que, se o homem cria o direito, pode também modificá-lo. Nessas circunstâncias, somente a razão pode servir de guia à construção de um direito justo, pelo que o papel das universidades deveria ser, em esforço racional, “proclamar as regras de justiça de um direito universal, imutável, comum a todos os tempos e a todos os povos.” (DAVID, 1972, p. 67) É essa exaltação da razão pela filosofia iluminista, associada à nova função reconhecida à lei pelas doutrinas voluntaristas que acabou por preparar o caminho para a via da codificação. [5]


 

 

0
Dislike0

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis


✏️ Responder

SetasNegritoItálicoSublinhadoTachadoCitaçãoCódigoLista numeradaLista com marcadoresSubscritoSobrescritoDiminuir recuoAumentar recuoCor da fonteCor de fundoAlinhamentoLimparInserir linkImagemFórmula

Para escrever sua resposta aqui, entre ou crie uma conta.

User badge image

Outros materiais