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Como se explica a identidade entre Investimentos e Poupança agregados?

Qual a definição de poupança e investimento em economia, e por que são idênticos?

💡 4 Respostas

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Layane Castro

Identidade contábil?

A relação entre poupança e investimento a partir do PDE pode e deve ser vista como uma identidade contábil. E tal constatação é válida tanto para a perspectiva teórica de Keynes quanto para a de Kalecki – embora esse último explicite com maior clareza tal identidade. A determinação da renda pelos gastos implica que, logicamente, a poupança é determinada pelo investimento e por uma questão contábil a poupança sempre será igual – ex post – ao investimento.

O conteúdo do tempo em Kalecki (1954) é puramente contábil (Possas, 1987). Kalecki define que a igualdade entre poupança e investimento – acrescido do saldo da balança comercial e do déficit orçamentário, no caso mais geral de economia aberta com governo – é válida em qualquer situação. Ademais, tal igualdade independe da taxa de juros. A partir de uma perspectiva baseada no PDE, o investimento, quando realizado, gera uma poupança necessária para financiá-lo: o investimento determina uma poupança igual e simultânea.

Keynes (1936), por sua vez, argumenta que a equivalência entre o montante de investimento e de poupança decorre do caráter bilateral das transações entre produtores e consumidores ou compradores de bens de investimento. Ademais, embora o montante de poupança seja resultante do comportamento dos consumidores e o montante do investimento seja resultante do comportamento dos empresários, tais montantes serão necessariamente iguais.

Portanto, a relação entre poupança e investimento possui o caráter de uma identidade contábil e, como será argumentado no próximo item, trata-se de uma igualdade com determinação causal definida, qual seja, do investimento para a poupança.

Igualdade ex post?

Assim como uma identidade contábil, a relação entre poupança e investimento também pode ser vista como uma igualdade – embora ex post –com determinação causal – do investimento para a poupança. Numa economia mercantil os agentes só podem decidir o que gastar, mas não o quanto receber. Ou seja, os agentes podem decidir autonomamente seus gastos, mas não sua renda. Daí se configura o PDE: são os gastos que determinam a renda, e não o contrário. Sendo a poupança uma parcela da renda e o investimento um componente de gasto, infere-se que, assim como é a demanda quem determina a oferta, é o investimento quem determina a poupança.

A poupança ex ante e o investimento ex ante não são iguais. As decisõesex ante que levam ao investimento e ao desencadeamento do processo produtivo se baseiam nas expectativas sobre a demanda – ou na demanda efetiva ex ante. Tais expectativas se confirmarão ou não e será determinada a renda total quando da realização da produção. Partindo do PDE, em termos agregados, o investimento necessariamente implica uma poupança equivalente, a qual, por sua vez, corresponderia simplesmente a uma diferença – ex post – entre renda e consumo agregados.

Como bem observa Possas (1999), a poupança não financia o investimento: quem financia o investimento é o crédito que o precede tanto do ponto de vista temporal quanto lógico. A poupança é estritamente residual e involuntária. Portanto a poupança, ao contrário do investimento, não constitui um ato de decisão.

Sob a perspectiva teórica de Kalecki, a renda – assim como em Keynes – é determinada pelos gastos, mas o primeiro distingue o padrão de gastos entre as classes – investimento, consumo dos capitalistas e consumo dos trabalhadores. A renda, por sua vez, se divide entre lucros – determinados residualmente ex post – e salários. Por meio da hipótese simplificadora de que os trabalhadores gastam – consumo – tudo o que ganham – salários -, o autor infere que os capitalistas ganham – lucros – tudo o que gastam – consumo e investimento. No entanto, vale observar, a constatação de Kalecki de que são os gastos que determinam em renda tem validade independentemente de qualquer hipótese sobre a propensão a consumir dos trabalhadores.

Em suma, a relação entre poupança e investimento pode e deve ser vista como, primeiramente, uma identidade contábil e, em segundo lugar, a partir da perspectiva do PDE, como uma igualdade com determinação causal: sendo a poupança uma parcela da renda e o investimento um componente de gasto, sob a perspectiva do princípio da demanda efetiva segue que é o investimento quem determina a poupança.

Relação de equilíbrio?

A relação entre poupança e investimento não pode ser vista como uma relação de equilíbrio entre oferta e demanda de recursos líquidos para investir no mercado de crédito. Partindo da perspectiva do princípio da demanda efetiva, a natureza de determinação do investimento é completamente diferente daquela da poupança sendo, por isso, logicamente impossível construir qualquer “gráfico” que busque expressar uma relação de ajuste – via renda, ou via juros – ou de equilíbrio entre essas variáveis.

A determinação da taxa de juros, por exemplo, conforme buscam inferir modelos de viés neoclássico, não se dá a partir da igualdade entre poupança e investimento. Investimento e poupança são variáveis de natureza distinta e, por conseguinte, a determinação da taxa de juros – ou de qualquer outra grandeza – a partir de sua igualdade não faz sentido. Investimento e poupança, por conseguinte, não se tratam de demanda e oferta por crédito. A identidade entre investimento e poupança possui natureza estritamente contábil. A poupança não é uma função da taxa de juros e sim função indireta da renda e, ademais, não representa em si uma decisão: é apenas residual da função consumo.

O reconhecimento da presença de incerteza realizado por Keynes traz à tona a crucialidade do processo de formação de expectativas, baseados no qual os agentes tomam decisões fundamentais para o funcionamento da economia, tal como o investimento. Na presença de incerteza, os agentes se baseiam em suas expectativas para tomar decisões, seja no curto – decisões de produção – ou no longo prazo – decisões de investimento. Keynes desenvolve uma “teoria geral de aplicação de ativos” que busca explicar como agentes decidem o seu portfólio. Os empresários se baseiam em suas expectativas para decidir a composição de sua carteira de ativos – financeiros, produtivos ou moeda – e, uma vez adquirido um ativo produtivo, para decidir o quanto produzir e o quanto continuar investindo. Para decidir o quanto produzir e investir, levam fundamentalmente em conta as suas expectativas com relação ao quanto realizarão de sua produção.

Já em Kalecki, o investimento é determinado pelo lucro retido, por um componente de investimento induzido e por componentes autônomos. O investimento em estoques, é determinado pela variação da renda e o investimento em capital fixo, por sua vez, é determinado positivamente pelo lucro retido – ou acumulação prévia de capital -, positivamente pela taxa de mudança dos lucros e negativamente pela acumulação de capital. A parcela de investimento induzido é norteada pelo atendimento da demanda, via variação da utilização da capacidade produtiva. Quanto à parcela de investimento autônomo – embora não desenvolva em detalhes -, o autor indica que seria explicada pelos fatores de desenvolvimento.

Enfim, partindo do princípio da demanda efetiva, em termos agregados, o investimento necessariamente implica uma poupança equivalente, a qual, por sua vez, corresponde simplesmente a uma diferença – ex post – entre renda e consumo agregados. Dessa forma, não faz sentido definir um equilíbrio entre poupança e investimento, pois seus determinantes são distintos e independentes.

Tampouco a relação entre poupança e investimento pode ser vista como uma relação de “equilíbrio” entre os consumidores, a qual seria dada pela função consumo. A função consumo não desempenha papel fundamental – contrariamente à função investimento – para a definição do PDE, embora o consumo seja parcela importante dos gastos. A forma funcional do consumo não é importante para determinar a poupança, pois essa representa sempre uma relação contábil; ou seja, não importa do que ou se o consumo é função de alguma variável – por exemplo, da renda – para que seja determinada a poupança. A função consumo é uma constatação apenas empírica: não é formulada no mesmo nível de abstração necessário para determinar o PDE. Mas, por ser o consumo também função da renda, em geral infere-se que a poupança também seria função da renda .

No entanto, tal contradição de a poupança ser função da renda seria apenas aparente pois a contabilidade e o PDE conjuntamente asseguram que a poupança seja sempre igual e determinada pelo investimento (Possas, 1999). Ademais, assumir alguma a existência de uma função consumo não implica supor que o consumo represente sempre uma proporção desejada da renda – ou que os consumidores estejam sempre em “equilíbrio”. Dessa maneira, os consumidores podem permanecer indefinidamente em “desequilíbrio” no que se refere ao quanto consomem e ao quanto poupam de sua renda, pois não há mecanismo de ajuste “virtuoso” que faça com que o consumo e a renda se ajustem de tal maneira que a sua diferença seja igual ao investimento. O funcionamento do mecanismo multiplicador é – como será discutido no item seguinte – apenas potencial: não há como definir a priori o “tempo necessário” e os efeitos necessários do mecanismo multiplicador de tal forma que o ajuste ocorra de forma perfeita. Ademais, vale observar que a poupança não tem relação lógica direta com o nível efetivo de renda – e, por conseguinte, conhecido apenas a posteriori – e sim, provavelmente com o fluxo de renda em certa medida prévia, por meio da propensão a consumir (Possas, 1987).

Ajuste temporal?

A relação entre poupança e investimento também não pode ser vista como um ajuste temporal da poupança ex post à poupança ex ante (propensão a poupar) via multiplicador, dado o investimento. A temporalidade do circuito de determinação da renda não se refere ao funcionamento do multiplicador – em Keynes ou em Kalecki. Por isso, seria preferível encarar o multiplicador de maneira estritamente lógica e atemporal ou como um mecanismo potencial e, conseqüentemente, sem definição temporal precisa (Possas 1987, 1999).

A poupança é sempre igual – ex post – ao investimento: não se faz necessário “esperar”, portanto, o funcionamento do mecanismo multiplicador para que tal igualdade se verifique. Ou, em outras palavras, a igualdade entre investimento e poupança, por ser uma relação contábil, não necessita do funcionamento do mecanismo multiplicador para ser definida. E não haveria nada de surpreendente em tal constatação uma vez que, a partir da perspectiva do PDE, a renda – bem como seus componentes – não é passível de decisão deliberada.

Enfim, conforme discutido nos dois primeiros itens, a relação entre poupança e investimento é uma identidade contábil e uma igualdade com determinação causal. Por isso, não precisa de ajustes ou de qualquer outro mecanismo – tal como o multiplicador – para que tais situações sejam observadas.

Ajuste via taxa de juros entre oferta e demanda de recursos monetários?

Por fim, a relação entre poupança e investimento também não pode ser vista como um ajuste, via taxa de juros, entre os esforços interno – privado e público – e externo de ofertar recursos monetários e reais excedentes e a sua alocação pela demanda dos investidores. De acordo com Possas (1999), quase sempre a partir da definição Sp + S+ Sx =I (sendo Sa poupança privada, Sga poupança do setor público, Sx a poupança externa e I o investimento), que embora não esteja errada do ponto de vista formal, conduz a interpretações errôneas.

Primeiramente, pode-se inferir de maneira enganosa que o déficit público (T-G=Sg, sendo T os impostos e G os gastos públicos) e o déficit externo (X-M=Sx, sendo X as exportações e M as importações) não são, na verdade, determinados por gastos autônomos; e, em segundo lugar, que seriam as poupanças privada, pública e externa – seguindo tal definição – que financiariam o investimento. Outra inferência enganosa se refere à suposta complementaridade entre os “esforços” de poupança dos setores privado, público e externo. Pelo contrário, a poupança privada manteria relação negativa com a “poupança pública” e a “poupança externa”: a poupança sofreria uma redução – aumento – frente ao aumento – diminuição – delas, da mesma forma como sofreria caso ocorresse uma redução – aumento – autônoma(o) do investimento. Além disso, segundo Kalecki, um déficit orçamentário – assim como um saldo positivo na balança comercial – tem o efeito de permitir um aumento dos lucros do setor privado acima daquele determinado pelos gastos dos capitalistas.

Em suma, assim como exposto no item sobre “relação de equilíbrio”, não faz sentido falar em uma compatibilização via taxa de juros entre poupança – vista como oferta de recursos – e investimento – visto como demanda de recursos. Poupança e investimento são variáveis de natureza radicalmente diferente e, inclusive, a poupança tampouco compõe um ato de decisão, dado o seu caráter de determinação residual.

Conclusão

O presente artigo procurou apresentar de maneira sucinta o que representa a relação entre poupança e investimento sob a perspectiva do PDE. Conforme argumentado, tal relação trata-se de uma igualdade contábil com determinação causal do investimento – gasto, parcela da demanda – para a poupança – parcela da renda. E, diferentemente do que define a teoria baseada na Lei de Say, a relação entre poupança e investimento sob o PDE não representa uma relação de “equilíbrio” ou ajuste temporal via taxa de juros, pois tratam-se de variáveis de natureza essencialmente distintas.

Referências Bibliográficas

Kalecki, M. [1985(1954)]. A teoria da dinâmica econômicaColeção Os Economistas, Editora Nova Cultural, 1985.

Keynes, J. M. [1985(1936)]. A teoria geral do emprego, da renda e dos juros.Coleção Os Economistas, Editora Nova Cultural, 1985.

Possas, M. L. (1987). A dinâmica da economia capitalista: uma abordagem teórica. Editora Brasiliense, São Paulo.

____________(1999). “Demanda efetiva, investimento e dinâmica: a atualidade de Kalecki para a teoria macroeconômica”. Revista de Economia Contemporânea, 3 (2).

 

ª Publicado no Boletim de Informações da FIPE em março de 2008.

¨Economista pela FEA-USP e mestranda em Economia pelo IE-UFRJ Fernanda Cardoso

 

http://criticaeconomica.wordpress.com/2008/06/02/a-relacao-entre-poupanca-e-investimento-sob-a-otica-do-principio-da-demanda-efetiva/

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Andre Smaira

Poupança significa gastar menos com o consumo do que com a renda disponível. O que um indivíduo salva pode ser realizado de várias maneiras. Pode ser depositado em um banco, colocado em um fundo de pensão, usado para comprar um negócio, pagar dívidas ou ficar sob o colchão, por exemplo.


O elemento comum é a reivindicação de ativos que podem ser usados ​​para pagar pelo consumo futuro. Se houver um retorno sobre a poupança na forma de juros, dividendos, aluguel ou ganho de capital, pode haver um ganho líquido na poupança individual e, portanto, na riqueza individual.


Economias agregadas não aumentam como resultado de pessoas adquirindo pedaços de papel como notas de dólar ou certificados de ações e títulos. Isso simplesmente troca um tipo de ativo financeiro por outro sem afetar o total. A economia agregada ocorre quando a nação adquire ativos domésticos reais, como novas moradias, novas máquinas, novas fábricas e escritórios, acréscimos ao estoque de mercadorias de uma empresa ou novas reclamações sobre ativos no exterior. E é precisamente isso que se entende por investimento .

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Poupança significa gastar menos com o consumo do que com a renda disponível. O que um indivíduo salva pode ser realizado de várias maneiras. Pode ser depositado em um banco, colocado em um fundo de pensão, usado para comprar um negócio, pagar dívidas ou ficar sob o colchão, por exemplo.


O elemento comum é a reivindicação de ativos que podem ser usados ​​para pagar pelo consumo futuro. Se houver um retorno sobre a poupança na forma de juros, dividendos, aluguel ou ganho de capital, pode haver um ganho líquido na poupança individual e, portanto, na riqueza individual.


Economias agregadas não aumentam como resultado de pessoas adquirindo pedaços de papel como notas de dólar ou certificados de ações e títulos. Isso simplesmente troca um tipo de ativo financeiro por outro sem afetar o total. A economia agregada ocorre quando a nação adquire ativos domésticos reais, como novas moradias, novas máquinas, novas fábricas e escritórios, acréscimos ao estoque de mercadorias de uma empresa ou novas reclamações sobre ativos no exterior. E é precisamente isso que se entende por investimento .

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