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Eu gostaria de saber, quais os efeitos da privatização na nossa sociedade brasileira atual?

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Beatriz Paes

Com a privatização, temos investimentos de entidades privadas em empresas que, a princípio, seriam somente desenvolvidas com financiamento nacional. As empresas, contudo, continuam mantendo 51% das ações nas mãos do Estado. 

É claro que haverá lucro para essas empresas, que não reinvestirão na melhoria e crescimento do país. Por outro lado, com isso, temos a entrada de tecnologia no país, aumento da competitividae (o que é bom, porque baixa os preços e aquece a economia), chegada de pessoal altamente especializado, o que permite, aos brasileiros, aprender e apreender novas técnicas, muitas vezes mais econômicas e melhores. 

 

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LR

 

Sobre a ‘confluência perversa’ entre o neoliberalismo e o democracia participativa:

Os movimentos sociais firmam-se como protagonistas relevantes no cenário político de retomada do Estado, contra aos militares, construindo suas ações em torno de um arcabouço semântico que, vitorioso, acaba por se ancorar formalmente nos textos da Constituição Federal de 1988. Conhecida como Constituição Cidadã, a Carta Mãe brasileira ao atender demandas por direitos fundamentais a vida humana, a vida digna do trabalhador, representa a grande vitória do exaustivo ciclo de lutas coletivas por um Estado pautado em torno de um projeto político democratizante participativo. Concomitante a este processo, articulava-se no contexto internacional, forças políticas interessadas em implementar nos países em desenvolvimentos, ou seja, na periferia do mundo (FERNANDES, 1979: 24), uma sociabilidade inerente ao capital, ou seja, individualista e de classes, em prejuízo de qualquer forma de interação que pleiteasse o coletivo, a organização em torno de interesses sociais. A implementação de um projeto político neoliberal exigia em troca de investimentos internacionais, um Estado encolhido ao máximo. Grosso modo, prometem aos periféricos o sonho de se tornarem países de primeiro mundo, ditando ações de cunho como privatização de estatais e desregulamentação de leis econômicas e de direitos sociais (DAGNINO, OLIVEIRA e PANFICHI, 2016: 20), e entregando correntes que os atam eternamente ao passado, mantendo-os sob a tutela do imperialismo norte-americano e fazendo-os agir não nos termos do desenvolvimento econômico ou industrial como se queria fazer querer nos discursos da época, e sim nos termos da antiga e tradicional política colonial, e com efeito, controlando o risco da disseminação do comunismo no interior dessas nações e da própria ideia de hegemonia nacional.

 

Existem alguns conceitos que precisam ser mobilizados aqui. Dagnino faz uso das fronteiras traçadas por Gramsci a respeito de projetos políticos, com o objetivo de colar a noção de ação política com a produção e reprodução de significados relevantes ao jogos de interação dentre de uma sociedade entendidos como cultura. Sendo assim, define-os como “conjuntos de crenças, interesses e concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos” (DAGNINO, 2004: 98). Jasper associa o surgimento dos movimentos modernos como conhecemos hoje com a existência de duas arenas, a cidade e a sistema democrático. A promessa da Cidadania é o pilar de um governo democrático (JASPER, 2017: 38), e suas instituições formais são as arenas tradicionais da ação política. É nas ruas da cidade, e na “reunião de uma multidão” anônima que elas possibilitam (JASPER, 2017: 37), que em tempos onde “grupos percebem que seus governos estão fracassando na tarefa de prover” (JASPER, 2017: 39) uma democracia efetiva, surgem demandas urgentes por “direitos e reconhecimento para grupos excluídos da participação política” (JASPER, 2017: 38). É nesta urgência pelo protesto que emergem os movimentos sociais capazes de tornar as ruas arenas politicas tão importantes quanto os parlamentos. A persuasão, a retórica, passa a ser ferramenta, prioritária mas não a única, da luta coletiva empregada pelos movimentos sociais: “a cultura empregada para exercer determinado efeito sobre outros, tendo os discursos políticos como modelo original” (JASPER, 2017: 42). Feltran, sob o espectro teórico gramsciniano, entende que a “política hegemônica (...) reconhece, evidentemente, os antagonismos presentes entre classes sociais e os conflitos latentes entre elas”, mas que não se resolve nos termos do “confronto violento, armado, ou a guerra”, e sim através de uma “conquista, em geral negociada [dialogada], de cada vez mais posições na sociedade” (Feltran, 2005: 76). A noção de partidos políticos de Dagnino, a noção de movimentos sociais de Jasper, e a noção de hegemonia de Feltran, convergem para uma mesma aposta. Para estes autores a política é indissociável da cultura, e o fazer se dá prioritariamente através do discurso, da persuasão, da retórica. Para além do texto que determina uma lei, uma ação do Estado, o jogo político se dá por uma disputa semântica entre os atores.

Se antes de 1988, os movimentos sociais foram os protagonistas da retomada do Estado democrático, após 1988, a elite brasileira composta por uma oligarquia prioritariamente ruralista preocupada com a manutenção de seu controle monopolista sob o Estado, e somada à sua clássica ânsia por se amigar com as forças externas, passa a agir em prol também da retomada do Estado, mas de tipo diferente, uma retomada nos termos da Casa-grande e, para tal, importa o já mencionado projeto político construído pelos imperialistas liberais capitalistas estadunidenses. O grande objetivo era desmontar as conquistas populares presentes nas letras da Constituição Federal, entretanto, a lei em si representa uma instancia adiantada da luta, pois é anterior a ela a construção da semântica política. Ou seja, os movimentos sociais no Brasil antes de conquistar uma Constituição Cidadã, conquistaram todo o terreno, apropriaram-se de arenas, e construíram na base dos discursos, da oratória, os alicerces que sustentam a vida publica. Os movimentos sociais lutaram contra uma ordem estabelecida de gerenciamento da vida humana pelo Estado, onde a violência entrava como solução para os desregramentos dessa ordem, onde a censura tornava o espaço público um local de fala inexistente, um espaço mudo e inabitável. A conquista do “mundo comum” (Feltran, 2005: 97) após violentos anos de silencio, só foi possível através da construção de um conjunto de significados completamente novos, devendo eles produzir uma relação de identificação e representação imediata perante o conjunto da população e suas urgentes demandas, tendo como únicos interlocutores legítimos os movimentos sociais. Assim como os movimentos sociais constroem seus repertórios de ação de forma sempre muito empírica, acumulando as experiências bem sucedidas executadas em todo o espectro da sociedade, o neoliberalismo também soube utilizar-se desse recurso de aprendizagem.

Conforme a superação da ditadura militar respondia a uma luta pelo alargamento da democracia cria-se novos "de espaços públicos" onde, tanto o debate quanto o momento de tomada de decisão, só poderia ser construído contando com a "participação da sociedade civil" (DAGNINO, 2004: 98). A luta dos movimentos sociais, como vivemos muito pautada na construção de discursos, da significados para termos que se tornarão pilar do projeto político que defendem. No momento seguinte a redemocratização, quando o neoliberalismo entra em ação e encontra essa estrutura tão sólida, passa a atuar nos mesmos termos, apropriando-se das armas criadas pelo inimigo. Toda estratégia que visa atingir o poder pode ser pensada em termos de custos. Mobilizar massas tem custos políticos altíssimos, assim como um Estado que pega em armas contra sua própria população. A disputa que tem como base o discurso tem sempre menos custos do que o confronto frontal. A esquerda brasileira, em tempos de ditadura, fez uma escolha histórica cujos efeitos podem ser sentidos ainda hoje, entre responder um golpe de Estado com luta armada, optaram por enfrenta-lo institucionalmente, e também por isso o peso que a construção semântica foi tão essencial. Basta então calcular que lado tem uma capacidade maior de colonizar mentes (DUVERGER, 1976). As principais armas da disputa entre os projetos são “os deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido”, capazes de gerar no campo político efeito de “terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva ao campo adversário” (DAGNINO, 2004: 97). Simbólicos para o “avanço democrático” conquistado pelos desenvolvimentistas, os termos “participação, sociedade civil e cidadania” (DAGNINO, 2004: 95) estão no centro dos esforços de apropriações feitos pelos neoliberais.

Entendendo perversidade como um "fenômeno cujas consequências contrariam sua aparência, cujos efeitos não são imediatamente evidentes e se revelam distintos do que se poderia esperar" (DAGNINO, 2004: 96), há neste cenário um efeito de “confluência perversa” causada por essa disputa no sentido em que "apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva" (DAGNINO, 2004: 97). Os movimentos sociais, como representantes legítimos da sociedade civil, como as “forças que sustentam o projeto participativo democratizante como um mecanismo de aprofundamento democrático e de redução da exclusão”, percebem que há um risco grande de que a “participação da sociedade civil nas instancias decisórias”, conquista constitucional, passa a ser servir “aos objetivos do projeto que lhes é antagônico" (DAGNINO, 2004: 97). Diante de um deslocamento “que propõe uma despolitização dessas três noções [sociedade civil, participação e cidadania], referencias centrais das lutas democratizantes, e, assim uma redefinição das próprias noções de política e de democracia” (DAGNINO, 2004: 109), sociedade civil distancia-se dos movimentos sociais para se aproximar da filantropia, participação distancia-se do conceito de um Estado cujo poder é partilhado com os representantes legítimos do povo e passa a significar implementação e execução de decisões tomadas em outros locais, reduzindo a sociedade civil ao papel de gestor.

Dahl, entende que um sistema democrático deve ser fundamentalmente responsivo com o cidadão, garantindo a ele diversas liberdades. Os movimentos sociais no Brasil fundamentalmente construíram um Estado nesses termos, combatendo um governo repressivo, e batalhando pela consolidação de leis que garantam a democracia, mas não qualquer democracia, não uma aparente democracia neoliberalista, e sim uma democracia com altos níveis de liberalização, ou seja, de contestação pública, de possibilidade de oposição, somada a altos níveis de inclusividade, ou seja, de participação de todos, características marcantes de uma Poliarquia. Jasper (2017) afirma que a democracia é um sistema onde a promessa pela cidadania é o que garante "proteções [da população] em relação” (JASPER, 2017: 39) aos possíveis autoritarismos do Estado. Feltran (2005) buscando entender os movimentos sociais no Brasil, recorre à categorias analíticas retiradas da teoria de Hannah Arendt. Segundo Feltran, Arendt entende é papel do “Estado-nação, em um mundo organizado desse modo” – diante da existência do espaço público, torna-se possível que a comunidade humana se organizará como comunidade política – a garantia do “homem usufruir dos Direitos do Homem” (FELTRAN, 2005: 85), ou seja, a premissa de cidadania é o “direito a ter direitos”. A solidez que o neoliberalismo tenta enfrentar encontra-se neste ponto. Ao criar um novo conceito de cidadania como uma garantia democrática a ser zelada pelo Estado, a nova cidadania, “expressa não somente uma estratégia política, mas também uma política cultural" (DAGNINO, 2004: 103), isso porque a luta pela democracia não se limita ao processo de retomada do Estado contra os militares, vai além pois “luta por transformação sociais tendo em vista uma concepção ampliada de direitos humanos” (DAGNINO, 2004: 104). Demandar o direitos a ter direitos significa colocar a própria noção de direito como objeto de disputa política, e “a constituição de sujeitos sociais ativos (agentes políticos), definindo o que consideram ser seus direitos e lutando para seu reconhecimento" (DAGNINO, 2004: 104) inerente a esta disputa. A nova cidadania vem acompanhada então de uma nova sociedade quando para além da "reivindicação ao acesso, inclusão, participação e pertencimento a um sistema político já dado", luta pelo "direito a participar na própria definição desse sistema, para definir de que queremos ser membros" (DAGNINO, 2004: 105), e uma nova sociabilidade quando pleiteia “não somente a incorporação no sistema político em sentido estrito, mas um formato mais igualitário de relações sociais em todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade” (DAGNINO, 2004: 105), ao passo que o outro passa a ser reconhecido como detentor de direitos e interesses igualmente consideráveis, e o espaço público consolida- se como local privilegiado do “debate e a negociação de conflitos, tornando possível a reconfiguração de uma dimensão ética da vida social" (DAGNINO, 2004: 105).

Há um radicalismo na nova cidadania quando a ideia de “cidadania como política cultural” implica em uma "reforma moral e intelectual" feita através de um “processo de aprendizagem social, de construção de novos tipos de relações sociais” em se torna possível uma sociedade cuja mobilidade social é algo naturalizado (DAGNINO, 2004: 105). Enquanto o projeto político democratizante participativo soma a cidadania com a cultura e a política, o projeto neoliberal executa uma completa cisão nesta estrutura, na medida em que constrói uma "sedutora conexão entre cidadania e mercado" onde "tornar-se cidadão passa a significar a integração do individuo ao mercado" (DAGNINO, 2004: 106). Cidadania torna- se assim uma mercadoria a ser adquirida. Tatagiba e Teixeira (2016) em um estudo a respeito do tratamento que Estado dedica ao problema do déficit habitacional aponta que o comportamento do governo segue um padrão histórico na medida em que a opção recorrentemente adotada “responde aos interesses do mercado da construção civil e do setor imobiliário, (...) focado nas classes médias e altas, (...) [em detrimento de uma] produção para a população de baixa renda” (TATAGIBA e TEIXEIRA, 2016: 89). A luta dos movimentos por moradia digna se mostra cada vez mais prejudicada por uma profunda desigualdade de força política em função de um Estado que está mais preocupada com o capital, e com os acordos obscuros a serem firmados do que com a enorme quantidade de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Ação essa que se comprova quando uma parcela perigosa de parlamentares buscam formas de aprovar leis que criminalizam organizações como o Movimento dos Trabalhadores sem Teto. Fato que demonstra não apenas interesses em favor do encolhimento das “responsabilidades sociais do Estado”, mas sim o encolhimento de próprio “espaço da política e da democracia” (DAGNINO, 2004: 107).

 

 

Referências Bibliográficas:

 

DAHL, Robert. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Edusp, 1991.

MIGUEL, Luis Felipe. Teoria Democrática Atual: Esboço de Mapeamento. Bib, São Paulo, v. , n. 59, p.5-42, set. 2006.

PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In DAGNINO, E. (ORG.), Os anos 90: Política e Sociedade no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense S. A., 1994.

DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?. In Daniel Mato (coord), Politicas de ciudadania y sociedad civil en tiempos de globalizacion. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela.

DAGNINO, Evelina; OLIVEIRA, Alberto J., PANFICHI, Aldo (orgs.). A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo: Paz e Terra; Campinas, SP: Unicamp. 2016.

DUVERGER, Maurice. Ciência Política, Teoria e Método. Rio de Janeiro: Editora Zatar, 1976.

FELTRAN, Gabriel de Santis. Desvelar a política na periferia: Histórias de movimentos sociais em São Paulo. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005.

JASPER, James. O que são os movimentos sociais?. In: . Protesto. Uma introdução aos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

TATAGIBA, Luciana, TEIXEIRA, Ana C. Efeitos combinados dos movimentos sobre os programas habitacionais autogestionários. in Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58, p. 85 – 102, jun. 2011.

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