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com o desaparecimento das sociedades ditas primitivas, arcaicas ou agrafas, a antropologia estaria fadada ao desaparecimento?

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LR

A antropologia nunca foi apenas o estudo das sociedades ‘primitivas, arcaicas ou agrafas’, sendo assim, a antropologia não deixaria de existir caso ocorresse o desaparecimento dos povos originários, ou seja, daqueles povos ainda não cooptados/dominados pela lógica civilizatória europeizante no passado, ou pela lógica capitalista-burguesa americanizante no presente. Mesmo que esses povos hoje já não existissem, sabendo que ainda existem, a antropologia não perderia seu objeto de estudos, pois por antropologia, compreendemos ser a “ciência do homem no sentido mais lato, que engloba origens, evolução, desenvolvimentos físico, material e cultural, fisiologia, psicologia, características raciais, costumes sociais, crenças etc.” (HOUAISS, 2009: 150). Cabe aos antropólogos produzir sistematicamente os “conhecimentos que se têm a respeito do homem” (ABBAGNANO, 2007: 74), não importando em que tipo de sociedade o homem está inserido. Dos campos da Antropologia, há o campo da Antropologia cultural, e neste campo há um subcampos, um desses subcampos é o da Antropologia Social, é este campo específico, longe de ser o único campo da produção do conhecimento antropológico, “que se ocupa do estudo da estrutura social de sociedade iletradas” (HOUAISS, 2009: 150), ou seja, do que o enunciado da questão aposta ser ‘sociedades ditas primitivas, arcaicas ou agrafas. Atenção, nem todas as sociedades primitivas são agrafas, e nem todas as sociedades arcaicas são primitivas. Clastres expõe que a única diferença entre sociedade primitiva e sociedade ‘civilizada’ é a existência ou não do Estado como estrutura organizativa da sociabilidade de um grupo. Em sua antropologia política, foi categórico ao afirmar que todas as  “sociedades primitivas são sociedades sem Estado” (CLASTRES, 2003: 207). Para Clastres, a não existência do Estado é uma forma essencial, mesmo que não a única, de diferenciar sociedades primitivas das sociedades civilizadas: “Este pode ser mesmo o critério de distinção: uma sociedade é primitiva se nela falta o rei, como fonte legítima da lei, isto é, a máquina estatal. Inversamente, toda sociedade não-primitiva é uma sociedade de Estado: pouco importa o regime socioeconómico em vigor.” (CLASTRES, 2003: 222). A explicação que Clastres dá para a inexistência do Estado nas sociedades primitivas é a noção que esses povos tem de ‘poder’: “A sociedade primitiva sabe, por natureza, que a violência é a essência do poder” (CLASTRES, 2003: 222). E por saber que a essência do poder é a violência, é para esses povos primitivos, determinante que o poder esteja afastado do local de comando da tribo, ou seja, o Chefe da tribo agir pelo poder, pela violência, e sim pela palavra, é essa a estrutura social dos povos primitivos que balizam suas as formas de sociabilidade interna: “Nesse saber se enraíza a preocupação de manter constantemente afastado um do outro o poder e a instituição, o comando e o chefe. E é o campo mesmo da palavra que assegura a demarcação e traça a linha divisória. Forçando o chefe a mover-se somente no elemento da palavra, isto é, no extremo oposto da violência, a tribo se assegura de que todas as coisas permanecem em seu lugar, de que o eixo do poder recai sobre o corpo exclusivo da sociedade e que nenhum deslocamento das forças virá conturbar a ordem social. O dever de palavra do chefe, esse fluxo constante de palavra vazia que ele deve à tribo, é a sua dívida infinita, a garantia que proíbe que o homem de palavra se torne homem de poder.” (CLASTRES, 2003: 172).

Dessa forma, CLastres conclui: “Portanto, a tribo não possui um rei, mas um chefe que não é chefe de Estado. O que significa isso? Simplesmente que o chefe não dispõe de nenhuma autoridade, de nenhum poder de coerção, de nenhum meio de dar uma ordem. O chefe não é um comando, as pessoas da tribo não  têm nenhum dever dc obediência. O espaço da chefia não ê o lugar do j poder, e a figura (mal denominada) do "chefe" selvagem não prefigura ' em nada aquela de um futuro déspota, Certamente não e da chefia/' primitiva que se pode deduzir o aparelho estatal em geral.” (CLASTRES, 2003: 222-223).

Sobre campo da Antropologia: Em Kant a Antropologia aparece sob dois aspectos distintos: fisiologicamente, o que significa ter como ponto de partida o “que a natureza faz do homem”; e pragmaticamente, o que significa ter como ponto de partida o “que o homem faz como ser livre, ou então o que pode e deve fazer de si mesmo” (ABBAGNANO, 2007: 74). Hoje, a distinção entre uma antropologia fisiológica e uma antropologia pragmática permanece, entretanto mediante a outros termos. Por fisiológica, entende-se hoje ser a antropologia física, “a que estuda a origem e a evolução biológica da humanidade e as diversidades raciais de seus subgrupos” (HOUAISS, 2009: 150), em outras palavras, a “que considera o homem do ponto de vista biológico, em sua estrutura somática, em suas relações com o ambiente, em suas classificações raciais” (ABBAGNANO, 2009: 74). Por pragmática, entende0se ser a antropologia cultural, “a que trata do estudo da cultura do homem em todos os seus aspectos, servindo-se assim de dados e conceitos próprios de diversas outras ciências, como a arqueologia, a etnologia, a etnografia, a linguística, a sociologia, a economia etc” (HOUAISS, 2009: 150), em outras palavras, a “que considera o homem nas características que derivam das suas relações sociais” (ABBAGNANO, 2009: 74). Alguns autores adicionam ainda outras duas subcategorias da antropologia, a antropologia social, “que se ocupa do estudo da estrutura social de sociedade iletradas” (HOUAISS, 2009: 150) e a antropologia urbana, que se trata de uma “abordagem antropológica da organização social urbana” (HOUAISS, 2009: 150).

Se por definição conhecimento é o “ato de perceber ou compreender por meio da razão e/ou da experiência” (HOUAISS, 2009: 524), e antropologia é, resumidamente, a sistematização dos “conhecimentos que se têm a respeito do homem” (ABBAGNANO, 2007: 74). O conhecimento antropológico é o “conjunto de informações e princípios armazenados pela humanidade” (HOUAISS, 2009: 524) sobre a própria humanidade, é o conhecimento do homem sobre si mesmo.

Referências bibliográficas:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Messo. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado: pesquisa de antropologia política. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

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Mariana Melo

a Antropologia resiste Gabriela

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