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Quais são alternativas para se escapar do controle promovido pela indústria cultural?

💡 1 Resposta

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Luís Antônio

Boa tarde, segue sua resposta abaixo.

Resposta: A indústria cultural é em verdade uma indústria como outra qualquer. E sendo indústria o conceito de consumo já se coloca como pressuposto. A indústria cultural não poderia estar menos submetida a este pressuposto do que qualquer outra indústria é programaticamente submetida. E por consumo, do ponto de vista da lógica capitalista-burguesa especificamente pós-moderna, não devemos compreender o consumo mediado pela subsistência, pelas necessidades indispensáveis para a manutenção da vida humana. Devemos compreender o consumo então pela chave do consumo como ferramenta de diferenciação social, primeiramente porque o consumo pode se apresentar potencialmente segmentado, e segundo porque o consumo é mediado pela lógica da acumulação e não pela lógica já mencionada da necessidade. Se o capital é central na lógica capitalista-burguesa, se a indústria é o cenário central dessa lógica, o consumo é também central na medida em que o capital apenas se movimenta mediante uma relação de troca que se manifesta em termos de consumo, e que gera também a diferenciação social para além do capital, pois a elite não apenas tem o capital, como também tem o monopólio do privilégio, da aquisição de itens feitos apenas para que as elites possam consumir, pois apenas a elite tem a quantidade de capital suficiente para tal aquisição. Assim, a indústria do consumo é a práxis de todas as outras indústrias. A indústria da moda, por exemplo, produz vestimentas para diferentes para classes sociais diferentes. A indústria da construção civil produz moradias diferentes para classes sociais diferentes. A segmentação do público através da produção é tem como efeito a segregação social. Um reflexo disso são os tantos movimentos sociais que lutam pela democratização não apenas da cultura, como também, para citar apenas alguns exemplos entre muitos outros, dos meios de comunicação e da própria cidade. São diversos os mecanismos de segmentação do público, a capacidade de aquisição de bens de consumo é o primeiro e mais opressivo deles, mas não o único. O acesso espacial é também uma forma de segmentar o acesso. Os grandes museus de Arte financiados pelo Estado e os concertos de música em parques públicos, por exemplo, não são oferecidos na periferia das cidades, e sim nos bairros nobres. Em uma cidade gigantesca como São Paulo, a porcentagem de moradores dos bairros mais pobres da cidade, e propositadamente, mais distantes do centro urbano, que tiveram acesso a museus como o MASP, PINACOTECA, BIENAL, ou as eventos culturais oferecidos pela prefeitura em parques públicos como o Ibirapuera, Vila Lobos, Parque do Povo (que de Povo só tem os funcionários sub-remunerados responsáveis pela manutenção) é ínfima. Há quem diga que o acesso a uma vida digna é uma questão de mérito, de pouco interesse por conquistar certos bens de consume (e por bens de consumo inclui-se até os mais fundamentais dele, como comida e moradia) diante do esforço necessário para tal conquista. Por outro lado há quem diga “que o indivíduo não terá condições de exercer liberdade alguma [e por liberdade entende-se também a liberdade de buscar por mérito próprio a conquista material ou intelectual que desejar] realmente se não puder dispor de condições materiais mínimas indispensáveis a sua dignidade, sobretudo relacionadas com a educação, a saúde e a assistência social. Um indivíduo faminto, desabrigado e analfabeto não terá condições de exercer as liberdades de pensamento, expressão, reunião ou associação, assim como outros direitos, que apenas são garantias formalmente no texto constitucional. Nesse contexto, a garantia desse conjunto mínimo de prestações materiais pode ser descrita como uma condição para a liberdade (...).” (DIMOULIS, 2007: 218).

Jessé de Souza explica essa situação da seguinte forma: A violência simbólica posta por Jessé de Souza em seus livro A Elite do Atraso (2017) e A tolice da inteligência brasileira (2018) – entre outros livros do autor tão importantes quanto estes citados –, tem sua raiz no que ele determina ser o pacto elitista. Há, primeiramente, a existência de um pensamento hegemônico que naturaliza certas aspectos da sociedade que só beneficiam uma parcela minoritária dela. Duverge (1976), em síntese, estaria correto quando expõe que a violência física é o último recurso de um governo (levando em conta que governo, no caso brasileiro, é sinônimo de Elite), e recurso este que expõe sua ilegitimidade, assim para governar, mais do que a violência aberta, visível, é necessário colonizar as mentes dos governados, ou seja, construir um discurso hegemônico capaz de ser um elemento de controle social. Para Jessé, este discurso hegemônico desenvolvido pela elite brasileira, trata-se da violência simbólica ao qual o povo brasileiro é submetido sem ao menos perceber, e ao não perceber, perde-se a possibilidade de se rebelar contra o status de coisa que os reprime e os relega as piores condições da miséria humana. Jessé questiona-se como é possível que o 1% mais rico da população brasileira possa ser capaz de concentrar a riqueza produzida pelo trabalho executado pelo restante (99%) da população brasileira. A resposta que o autor dá é que a todo o arcabouço de produção de conhecimento, e todas as formas de reprodução desse conhecimento, dedica-se a construção de um pensamento hegemônico cujos interesses são avessos aos interesses sociais, e cujas as origens são tão enraizadas no pensamento brasileiro, através da construção de um pensamento social que sequestrou a nossa história passada, amenizando os efeitos da violência física que herdamos do nosso passado escravista, e recolocando esta mesma violência, que impõe um novo tipo de escravidão de forma mais perversa. A elite, ao reescrever o passado do brasil segundo os próprios interesses e ao financiar a produção e a reprodução de novos conhecimentos a partir dessa história deturpada, e fazendo isso transparecer tanto na academia quanto eu todos os diversos meios de comunicação, construiu um senso comum tão desagregador socialmente que é capaz de mantê-la no poder sem que os 99% de oprimidos sejam capazes de se revoltar. Não o são pois possuir uma história de desagregação social, cuja a sociabilidade não é pautada no reconhecimento dos interesses da própria classe, e sim na reprodução dos interesses da classe que os domina e os oprime, das elites: “tamanha ‘violência simbólica’ só é possível pelo sequestro da ‘inteligência brasileira’ para o serviço não da imensa maioria da população, mas do 1% mais rico, que monopoliza a parte do leão dos bens e recursos escassos. Esse serviço que a imensa maioria presta é o que possibilita a justificação, por exemplo, de que os problemas brasileiros não vem da grotesca concentração da riqueza social em pouquíssimas mãos, mas sim da ‘corrupção apenas do Estado’.” (SOUZA, 2018: 10). Como se verifica essa ‘violência simbólica’: “A realidade social não é visível a olho nu, o que significa que o mundo social não é transparente aos nossos olhos. Afinal, não são apenas os músculos dos olhos que nos permite ver, existem ideias dominantes, compartilhadas e repetidas por quase todos, que, na verdade, ‘selecionam’ e ‘distorcem’ o que os olhos veem, e ‘escondem’ o que não deve ser visto.” (SOUZA, 2018: 9); “É isso que faz com o que mundo social seja sistematicamente distorcido e falseado. Todos os privilégios e interesses que estão ganhando dependem do sucesso da distorção e do falseamento do mundo social para continuarem a se reproduzir indefinidamente. A reprodução de todos os privilégios injustos no tempo depende do ‘convencimento1, e não da ‘violência’. Melhor dizendo, essa reprodução dependente de uma ‘violência simbólica’, perpetrada com o consentimento mudo dos excluídos dos privilégios, e não da ‘violência física’. É por conta disso que os privilegiados são os donos dos jornais, das editoras, das universidades, das TVs e do que se decide nos tribunais e nos partidos políticos. Apenas dominando todas essas estruturas é que se pode monopolizar os recursos naturais que deveriam ser de todos, e explorar o trabalho da imensa maioria de não privilegiados sob a forma de taxa de lucro, juro, renda de terra ou aluguel.” (SOUZA, 2018: 9 – 10); “A soma dessas rendas de capital no Brasil é monopolizada em grande parte pelo 1% mais rico da população. É o trabalho dos 99% restantes que se transfere em grande medida para o bolso do 1% mais rico.” (SOUZA, 2018: 10); “tamanha ‘violência simbólica’ só é possível pelo sequestro da ‘inteligência brasileira’ para o serviço não da imensa maioria da população, mas do 1% mais rico, que monopoliza a parte do leão dos bens e recursos escassos. Esse serviço que a imensa maioria presta é o que possibilita a justificação, por exemplo, de que os problemas brasileiros não vem da grotesca concentração da riqueza social em pouquíssimas mãos, mas sim da ‘corrupção apenas do Estado’.” (SOUZA, 2018: 10);

Bauman, por outra abordagem: “Seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da ‘modernidade fluida’ produziu na condição humana. O fato de que a estrutura sistêmica seja remota e inalcançável, aliado ao estado fluido e não estruturado do cenário imediato da política-vida, muda aquela condição de um modo radical e requer que repensemos os velhos conceitos que costumam cercar suas narrativas.” (BAUMAN, 2001: 15) / “A elite global contemporânea é formada no padrão do velho estilo dos ‘senhores ausentes’. Ela pode dominar sem se ocupar com a administração, gerenciamento, bem-estar, ou, ainda, com a missão de ‘levar a luz1, ‘reformar os modos’, elevar moralmente. ‘civilizar’ e com cruzadas culturais. O engajamento ativo na vida das populações subordinadas não é mais necessário (ao contrário, é fortemente evitado como desnecessariamente custoso e ineficiente) – e, portanto, o ‘maior’ não só não é mais o ‘melhor’, mas carece de significado racional. Agora é o menos, mais leve e mais portátil que significa melhoria e ‘progresso’. Mover-se leve, e não mais aferrar-se a coisa vistas como atraentes por sua confiabilidade e solidez – isto é, por seu peso, substancialidade e capacidade de resistência – é hoje recurso de poder.” (BAUMAN, 2001: 22).

E o pensamento marxista da seguinte forma: Nas palavras de Marx: “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a forma material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, e de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daquelas aos quais faltam os meios de produção espiritual. As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal [ler IDEOLOGIA] das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominantes, são as ideias de sua dominação. Os indivíduos que compõem a classe dominantes possuem, entre outras coisas, também a consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que eles o fazem em toda a sua extensão, portanto, entre outras coisas, que eles dominam também como pensadores, como produtores de ideias, que regulam a produção e a distribuição das ideias de seu tempo; e, por conseguinte, que num país em que o poder monárquico, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pela dominação, onde portanto a dominação está dividida, aparece como ideia dominante a doutrina da separação dos poderes, enunciada então como ‘lei eterna’.” (MARX, 2007: 47).

Referência bibliográfica:

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

MARX, Karl. A ideologia alemã: Crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stiner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845 – 1846). São Paulo: Boitempo, 2007.

SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. 2ed. Rio de Janeiro: LeYa, 2018.

SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: 2017.

DUVERGER, Maurice. Ciência Política, Teoria e Método. Rio de Janeiro: Editora Zatar, 1976. 

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