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qual o conceito de ciência do Direito na visão do autor MARQUES NETO?

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Rodrigus Decimus Meridius

Segue uma Resenha de Marques Neto. Espero que ajude.

 

Para se entender a Ciência Jurídica se faz necessário entendê-la não isoladamente, como algo neutro, com um vínculo apenas centrado em leis e/ou normas. Isoladamente, a Ciência Jurídica poderá até ter um enfoque científico. Contudo, mesmo científico, a análise se faz totalmente claudicante.

Marques Neto (2001), em seu prefácio nos ensina que estudar o Direito pela via científica entrelaçando com a realidade social, gerado, gestado e transformado, é fundamental. De outro lado, existem autores que que tentam dar um enfoque científico ao Direito, mas desconexos de tal realidade (e sem a menor interferência de outros campos teóricos como, por exemplo, a economia). O choque entre os que querem ampliar o campo de visão do Direito e os que não querem “tem preocupado todos aqueles que de algum modo lidam com o fenômeno jurídico e não são desprovidos de um mínimo de consciência crítica” (MARQUES NETO: 2001, p. 8).

Desta forma, percebe-se que o Direito enquanto ciência não pode e não deve ser colocado como um “Deus” olimpiano, acima do bem e do mal, onde a “Justiça” não é falha. Ora, quando a Ciência Jurídica, ao se afastar das conexões sociais, finca pés apenas em normas jurídicas (e por isso afasta-se de seu conteúdo), o Direito “passa a buscar sua eficácia em princípios intangíveis formulados a priori, além de qualquer experiência, ou atribui à norma o poder quase miraculoso de validar-se por si mesma” (MARQUES NETO: 2001, p. 8).

Não se pode dar total e irrevogável crédito ao princípio da pureza de Kelsen, onde em seu método e objeto apenas o enfoque normativo. Em outras palavras, para Kelsen os “operadores do Direito” não deveriam se preocupar com as relações foram do campo da Ciência Jurídica, o Direito deveria ser encarado como norma (COELHO: 1995, p. 15). Se quanto mais dissociado da realidade social, mas a tendência de se ver firmado os princípios jurídicos, tornando-se verdades absolutas, irrefutáveis cujo processo transpassa o próprio desenvolvimento histórico humano (MARQUES NETO: 2001, p. 8).

“(...) Não é mais admissível que o Direito – a mais antiga das ciências sociais – seja paradoxalmente a que mais dificuldades encontra, ainda hoje, para estabelecer seu estatuto científico” (MARQUES NETO: 2001, p. 12).

O Que é Direito? Ou A Ciência do Direito pelo Método e Objeto de Agostinho Ramalho Neto

Quando entendido através de um processo histórico-dialético, o Direito surge e se transforma diferente das concepções metafísicas e até mesmo do conhecimento que tanto lhe implicam. Logo, o que interessa para a dialética, no estudo do Direito, é o real, concreto, histórico, comprometido com as condições efetivas do espaço-tempo social.

Diversas correntes de pensamento disputam sua superioridade de uma sobre a outra cuja metodologia tenta se colocar como isenta e responsável pela “verdade única”. Não obstante, a Ciência do Direito também sofreu e sofre com o formato metodológico dominante, mas que, paulatinamente, vem sofrendo transformações que, dentro da realidade factual, transforma. Nas palavras do próprio Neto (2001, p. 19): “o conhecimento é um fato”, logo, torna-se algo concreto em que não se pairam dúvidas de sua existência, restando, portanto, o questionamento de sua validade, seu objetivo ou grau de precisão.

“As obras jurídicas e mais especialmente as ‘introduções ao direito’ raramente se preocupam com o problema antes de tudo científico: a definição do objeto de estudo cuja dificuldade veremos mais tarde. Pelo contrário, com uma simplicidade desconcertante, os autores contentam-se em deitar uma olhadela sobre as instituições jurídicas da nossa sociedade para dela extrair o conhecimento, a ciência do direito” (MIAILLE: 1989, p. 38).

É a perturbação ou o não contentamento pelo que a Ciência do Direito se tornou ao fechar-se em si que Marques Neto (2001) realiza sua crítica as correntes dogmáticas do conhecimento, realizando uma retórica impecável, inclusive à própria dialética da qual adota como método, mas não fechada em si mesma. A busca não pela “verdade única”, não apenas na Ciência do Direito, mas em todas as áreas do conhecimento que Marques Neto (2001) tenta beber e absorver a pluralidade dos ordenamentos, principalmente pela dialética cuja abrangência torna o fenômeno jurídico “algo muito mais complexo que supõe a ótica positivista, com fulcro exclusivo nas normas estatais” (MARQUES NETO: 2001, p. 16).

No capítulo IV – “A Ciência do Direito” – que Marques Neto (2001) começa a descrever e criticar, dentro de uma discussão teórica, materialista e dialética, as correntes de pensamento que desvinculam de certa forma o direito da realidade social concreta. Para entender, de forma rápida e sintética, esquematizemos o que o Autor tenta colocar como verdades não fechadas. Assim, as correntes de pensamento consideradas idealistas são escolas cujo pensamento jurídico-filosófico desvincula-se da realidade social que nela se efetivamente se produz; o jusnaturalismonão deixa de ser o idealismo jurídico, uma vez que suas “primeiras manifestações de uma ordem normativa de origem divina” (MARQUES NETO: 2001, p. 91). Rompe com o pensamento escolástico e suas aplicações no campo do Direito, além de libertar-se da carte teológica que desconsiderava a realidade social.

Outro espectro de pensamento é o encontrado no criticismo katiano cujaobra Crítica da Razão Prática (Immanuel Kant) aborda o problema do Direito e a noção de liberdade é o fundamento do Direito. Percebe-se a existência duas ordens normativas: a) Moral (que disciplina o foro íntimo) e b) o Direito (que disciplina o foro externo). Suas concepções influenciaram o pensamento jurídico posterior. Esta influência transbordou tanto para as correntes racionalistas como para as positivistas, servindo inclusive de base teórico à revolução burguesa do Século XVIII.

Contudo, encontramos no idealismo hegeliano, que transfere para o Direito a concepção de idealismo da razão e natureza, um princípio absoluto e universal (anterior ao mundo à sociedade e à História). Para os hegelianos o Direito Positivo não passa de uma manifestação imperfeita de ideia absoluta, válida em qualquer tempo e lugar. Percebe-se que esse pensamento (político e jurídico) manifestamente metafísico, isto é “o que é real é racional e o que é racional é real”. Nas próprias palavras de Hegel “As leis fora do círculo da personalidade pressupõem condições desiguais e determinam a desigualdade das posições e dos deveres que delas decorrem” (HEGEL apud MARQUES NETO: 2001, p. 95).

Ao contrário, outra corrente forte do conhecimento, e seus respectivos desdobramentos, recebem a crítica de Marques Neto (2001), senão vejamos: a) corrente empirista que pressupõe que o conhecimento jurídico é resultado da captação do objeto pelo sujeito. Só através da norma jurídica ou seu fenômeno jurídico (objeto ou objetos) se pode ter o nível de conhecimento jurídico. Diante da valorização do objeto, o empirismo impõe obstáculo epistemológico à elaboração científica do Direito (MARQUES NETO: 2001, p. 101). Os desdobramentos dentro desta “ciência do Direito positivista/empirista” é demonstrado a seguir (ressalte-se, entrementes, que o positivismo jurídico nem sempre é empregado como o pensamento filosófico de Comte ou do Circulo de Viena):

1) Escola da Exegese: consiste na afirmação de que o fundamento da excelência do Direito está nas leis. Isto é, normas jurídicas emanadas pelo Estado e “Dentro dos princípios da Escola da Exegese, toda a construção teórica do Direito repousa na interpretação dos textos legais dentro de sua ordenação lógica, a partir do que se inferente os institutos jurídicos”(MARQUES NETO: 2001, p. 102);

2) Escola Histórica: antagônica a Escola da Exegese, procura estabelecer uma visão mais concreta e social do Direito; assume uma atitude empirista; atribui uma realidade a forma abstrata de um espírito coletivo; foi levado até as últimas consequências pela Escola Sociológica;

3) Escola Sociológica: indica aquelas correntes que a partir da observação dos fatos sociais que se deve formular o corpo teórico-científico do Direito, o qual constitui a base da ulterior elaboração normativa;

4) O dogmatismo normativo de Kelsen: construiu sua base teórica desprovendo o direito de qualquer relação com as demais “ciências”. Sua preocupação é construir uma ciência do Direito dentro de um objeto puro, livre de qualquer contaminação ideológica, política, econômica, dentre outros. Fundamentalmente, esta não relação visava limpar as impurezas do Direito, cujo objeto principal daquele é a NORMA. Porém, caracteriza-se pela atitude acrítica diante do objeto em que deposita crença.

No egologismo existencial de Cossio (MARQUES NETO: 2001) que considera o fundamento do Direito não na norma, nem no valor, nem no fato, mas na conduta humana, considerada em sua intersubjetividade.

Por fim, mas não menos importante, consideremos outras correntes no pensamento jurídico que ampliam o leque para discussão quanto a ciência do direito. Estas correntes “heterodoxas”, digamos assim, tais como o materialismo histórico, que considera o Direito ligado à estrutura de produção, condicionado em sociedade de classe, consagrando os interesses da classe dominante. Assim, o Direito como produto do Estado é, pela classe dominante, seu arauto, onde “O Direito só existe no interior da sociedade. Ela é a chave para procurarmos a explicação não só dos fenômenos produzidos, como da própria lógica que rege essa produção, tornando-a inteligível” (MARQUES NETO: 2001, p. 110).

O Direito no Brasil também ganha sua vertente, inspirado nas ideias e ideais de Miguel Real cujo pensamento se transmuta em um tridimensionalismo jurídico. Tal teoria parte do pressuposto que o Direito possui como dinâmica a interação entre os aspectos histórico-social, axiológico e normativo, superando, em tese, desta forma o pensamento os empiristas e idealistas, contraindo-se em uma fusão dialética quando aborda a questão do fenômeno jurídico. “A contribuição de MIGUEL REALE é importante tanto para a epistemologia quanto para a filosofia jurídica” (MARQUES NETO: 2001, p. 117).

Consagra-se, ao fim, Marques Neto pelo seu objeto de estudo, informando-nos que é o fenômeno jurídico a partir do método dialético e fora do campo empirista/positiva/normativista. É aquele que se transforma, gestado no interior do espaço-tempo social (MARQUES NETO: 2001, p. 122) que define as relações humanas. Não é dissociado, único, ímpar, sem conexões, muito pelo contrário. O Direito, como ciência, como fato epistemológico não pode, em tempo algum, ser exclusivo, mas ligado as questões político, econômico, moral, artístico, religioso (MARQUES NETO: 2001, p. 122) e por aí vai. Sem o fenômeno jurídico o cientista do Direito não poderá trabalhar. Por isso, Marques Neto (2001) coloca o seu objeto (fenômeno jurídico) como, “em princípio, passível de constituir o objeto do estudo da ciência do Direito” (MARQUES NETO: 2001, p. 123). Isoladamente, o fenômeno jurídico não é ciência, logo, não é Direito, vice-versa.

Conclusão

Marques Neto (2001) nos fornece um vasto material para compreendermos o que é Direito. Diferentemente de outras correntes do pensamento filosófico jurídico, Marques Neto (op. cit.) estabelece que o fenômeno jurídico é imprescindível para entender o Direito, sem aquele, este não pode ser considerado como “ciência”. O cientista do direito não pode se ser isento, muito menos, a Ciência do Direito poderá se abster da realidade social, independentemente do seu método e objeto. É portanto que a teoria é e sempre será um edifício em construção cujo resultado final não será acabado, finalizado, absolutas, mas aproximadas e ratificáveis (MARQUES NETO: 2001).

O Direito em seu objeto e método não pode se fechar às outras ciências, assim como imaginada Kelsen; não pode se concentrar apenas nas relações positivistas e nas ações positivadas; o Direito não é o natural, vindo, prescindido antes para as normas, tal como imaginava Radbruch; o Direito é movimento e, dentro desta dinâmica, não se encontra isolado das artes, da moda, da rua, da religião. Não se pode imaginar o Direito oriundo apenas do Estado em seu sistema perfeito à imagem de Noberto Bobbio.

Não! Para saber o que é Direito, não podemos fechar janelas e portas do conhecimento, muito menos colocar o Direito em uma redoma onde o positivismo dará resposta para todas as lutas: de classe, social, histórica, econômica, enfim, todas as modalidades de embates entre o método e o objeto de observação do cientista do Direito.

 

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