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O que foi o período "Cognitio extra ordinem" ?

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Jonatas Pontes

Costuma-se, como é curial, delimitar três grandes períodos do processo civil romano: o da legis actiones, o per formulas e o da extraordinaria cognitio.

O primeiro, em vigor desde os tempos da fundação de Roma (754 a, C.) até os fins da república, o segundo constituindo com o anterior, o ordo iudiciorum privatorum, teria sido introduzido pela Lex Julia privatorum, do ano 17 a. C., aplicado, já de modo esporádico, até a época do imperador Diocleciano (285-305 d. C.) e o derradeiro, da cognitio extra ordinem, instituído com o advento do principado (27 a. C.) e vigente, com profundas modificações, até os últimos dias do império romano do Ocidente.

É certo que essa demarcação é apenas convencional, porquanto, dentro de cada um destes períodos, é possível encontrar fases ou mesmo ulteriores sistemas particulares. Assim, verifica-se que, a par do desenvolvimento político de Roma, que foi conhecendo várias modalidades de governo-realeza, republica, principado e dominato-, também o processo privado se distendeu em três fases específicas e distintas, embora, em determinados momentos, coexistissem dois sistemas processuais diferentes.

Desse modo, ainda que presentes três períodos bem nítidos: ações da lei e formulário, que compõem a ordem dos juízos privados, e imperial ou da cognitio extra ordinem, resta realmente impreciso quando e em que medida cada qual deixou de viger, cedendo passo ao subsequente.

E isso, dada a flagrante falta de técnica legislativa apurada, possivelmente ocorreu, num primeiro momento, pela praxe judiciária provincial e, ao depois, à época de instauração do principado, pela atividade judiciária do imperador, que ocasionou a implantação da cognitio.

Importante testemunho é fornecido por Gaio (I. 4, 30 Ee 31), ao elucidar que o exacerbado formalismo das legis actiones viria, com o passar do tempo, torná-las odiosas, razão pela qual acabaram sendo abolidas pela Lex Aebutia, e, mais tarde, pelas leis Júlias, não obstante, as ações por dano iminente, in iure cessio e, ainda, aquelas que se processavam perante os tribunais dos centúnviros, continuaram a regular-se pelo antigo sistema.

Idêntica imprecisão ocorrerá com o término do período formulário: enquanto vigente este na metrópole, será, passo a passo, substituído nas províncias pelo sistema da cognitio extraordinária, até cair em desuso em todos os territórios imperiais, finalmente, converter-se-á o costume em lei, com as constituições baixadas pelos imperadores Diocleciano, Constante e Constâncio (337-361 d. C.), respectivamente em 294 e 342 da nossa era: a primeira, suprime a divisão do processo nas duas fases que mantivera durante toda a vigência do ordo iudiciorum privatorum, permitindo-se ao magistrado conhecer diretamente das causas, prática, aliás, já de há muito observada nas províncias, a segunda extingue, por definitivo, o processo formular (C. 3.3.2 E 2.57.1). Em tal conformidade, é possível vislumbrar, no mesmo momento histórico, a praxe simultânea de dois sistemas: um novo, seja em razão do costume adotado, seja por força de lei, e outro, que remanesce, vigindo até completa e total extinção.

O primeiro período vai a fundação de Roma, em 754 a. C., até o tempo de promulgação da Lex Aebutia, sendo para uns entre os anos de 151 e 124 a. C. E para outros entre 149 e 126 a. C. Nesse período vigorava o ordo iudiciorum privatorum, segundo o qual o procedimento se compunha de duas fases: in iure, isto é, perante o pretor, ou magistrado, e apud iudicem, ou seja, diante do iudex, este um particular. E as ações da lei, como refere Gaio, eram cinco: sacramentum, iudicis postulatio, condictio, manus iniectio e pignoris capio. Dessas, as três primeiras eram declarativas, as duas ultimas eram executivas

O período do processo formulário é considerado a época clássica do direito romano, vai desde a promulgação da Lex Aebutia até o fim do século II da era Cristã.

O sistema das ações da lei, além de excessivamente formalista, realizava-se em procedimento oral, tornando-se difícil a aplicação pelo pretor peregrino, que tinha de dar instruções aos juízes que não eram cidadão romanos. Essa teria sido a razão, ou uma das razões, de editar-se a Lex Aebutia, pela qual, na fase in iure, o magistrado entregava aos litigantes a formula, onde se fixava o objeto litigioso e se dava ao juiz popular o poder de condenar ou absolver nos limites fixados e conformes ficasse provado. O procedimento já adotava a forma escrita e o ordo iudiciorum privatorum continuava em vigor. A formula continha quatro partes essenciais: a demonstratio, colocada no princípio, expunha a causa da ação, a intentio é a parte da formula contendo a pretensão do autor, a adiudicatio é a parte que permite ao juiz adjudicar a coisa a um dos litigantes, e a condemnatio é a em que se dá ao juiz poder para condenar ou absolver.

O processo da cognitio extra ordinem assim se denomina porque designa o sistema extra ordinem iudiciorum privatorum, ou seja, exprime o fato de ter vigorado por mais de 2 séculos, à margem do ordo iudiciorum privatorum, até a extinção definitiva deste, após Deocleciano, por uma constituição de Constâncio, no ano 342 da era Cristã.

O terceiro período (cognitio extra ordinem) era caracterizado por possuir um sistema processual no qual não há as fases iure e apud iudicem, substituindo-as um magistrado que atua não mais como um cidadão do Estado Romano, mas como representante do Estado Romano. Era chamado de cognitio extra ordinem pois designa o sistema extra ordinem iudiciorum privatorum, ou seja, exprime o fato de ter vigorado, por mais de dois séculos, à margem do ordo iudiciorum privatorum, até a extinção definitiva deste, após Deoclesiano, por uma constituição de Constâncio, no ano 342 da era Cristã. Publiciza-se o processo, não há mais a formula, o magistrado não cria ações para a tutela de direitos não previstos no direito objetivo, as questões são apreciadas à luz desse direito e não nos termos e com os contornos postos na formula. Não se verificam os efeitos da litiscontestatio que se verificavam no período clássico: ao julgar a causa, o juiz ativo, em virtude de uma constituição de Justiniano, admite-se a emendatio libelli pelo autor no curso do processo, se estiver pedindo mais do que por direito se lhe permite, da mesma forma como se faculta ao juiz condenar o réu ao pagamento do realmente devido, se tratar de minus petitio. A cognitio extraordinária inspirou o processo canônico, e este o processo moderno, daí a semelhança entre processo dos nossos dias e o do período pós-clássico romano.

Por José Rogério Cruz e Tucci, Luiz Carlos Azevedo, Milton Paulo de Carvalho, Andrea Boari Caraciola, Carlos Augusto de Assis e Luiz Dellore

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