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Penal

Colegas alguém tem material falando sobre medidas alternativas penais e justica restaurativa?

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Estudante PD

Desde os primórdios da civilização é patente a presença de conflitos como consequência do convívio social, sendo criado, de forma lenta e gradual, o Estado para resolver os litígios em que for provocado, sempre que as partes não atinjam um consenso por elas mesmas.

As sociedades comunais preferiam manter a harmonia dentro do grupo com medidas reintegradoras e negociáveis à aplicação da vingança e da morte, tendo-se como exemplo:

o código de Hammurabi (1700 a. C.) e de Lipit-Ishtar (1875 a. C.) prescreviam medidas de restituição para os crimes contra os bens. O código sumeriano (2050 a. C.) e o de Eshunna (1700 a. C.) previam a restituição nos casos de crimes de violência (Van Ness e Strong, 1997). Elas podem ser observadas também entre os povos colonizados da África, da Nova Zelândia, da Áustria, da América do Norte e do Sul, bem como entre as sociedades pré-estatais da Europa[9].

Segundo Jaccould, a Justiça Restaurativa teve origem nas sociedades comunais em geral, ou seja, nas sociedades pré-estatais da Europa e nativas, enquanto que, com o advento da sociedade estatal, afastou-se a vítima do processo penal e diminuíram consideravelmente as práticas reintegradoras[10].

Em meados do século XIX, de maneira discreta, ganhou corpo o movimento restaurativo, restrito às disputas de trabalho, mormente nas estradas de ferro dos Estados Unidos[11].

No século XX, há um marco mais profundo na aplicação da medida alternativa, ou seja, em vários âmbitos do direito, como se percebe:

“os instrumentos e os seus programas e instrumentos aplicar-se-iam, sucessivamente, a conflitos comerciais, a discriminações e a conflitos étnicos, de cor de pelé ou de origem nacional, a questões de ordem sexual, familiar, penal, ambiental e de consumo”[12].

A partir da década de oitenta do século passado, houve a incrementação da mediação penal entre a vítima e seu agressor, e na década seguinte notou-se, primeiro, a internacionalização da Justiça Restaurativa no sistema educativo, com o fito de aplicar um sistema menos repressivo e punitivo na educação dos jovens, bem como de reparar as vítimas da infração, e depois a adaptação do modelo para adultos[13].

O conceito de Justiça Restaurativa remonta ao ano de 1975, em que Albert Eglash, um psicólogo americano, sugeriu a chamada “restituição criativa”, cujo evento enfoca a reabilitação de cada ofensor, sob supervisão, onde o reabilitando auxiliado encontra maneiras de pedir perdão ao ofendido e, após, apoia outros ofensores no mesmo procedimento pelo qual passou[14], todavia, ainda é uma visão precária do ponto de vista da Justiça Restaurativa, dada a desatenção com a vítima, e apenas a restituição material do dano causado[15].

Assim, com o objetivo de resgatar as práticas restaurativas, Faget mencionou três pensamentos ressuscitadores sobre tal medida alternativa, quais sejam, a contestação das instituições repressivas, a descoberta da vítima e a exaltação da comunidade[16].

Ainda, Konsen, após consulta a vários autores, ressalta a identificação de práticas restaurativas nas comunidades aborígenes do Canadá, na tradição Maori da Nova Zelândia, entre povos africanos, e na tribo indígena Nhambiquara do nosso país.

O autor também ressalta a importância de resgatar tais práticas, o que não pode ser entendido como retrocesso, mas sim o aproveitamento das experiências de outras tradições na pacificação dos conflitos[17].

Neste tom, o Conselho Econômico e Social da ONU (Organização das Nações Unidas), em sua 37ª Sessão Plenária, em 24 de julho de 2002, editou a Resolução 2002/12, intitulada de Princípios Básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal, com vistas a tomar nota dos princípios, influenciar os Estados Membros a respeito, com disseminação mundial e implementação das práticas restaurativas pelos integrantes, em colaboração mútua entre todos[18].

Desta forma, vários países se interessaram pelas práticas restaurativas, como Nova Zelândia, Canadá, Austrália, Reino Unido, Colômbia, Espanha, África do Sul, Argentina, Chile e Japão.

A Nova Zelândia foi um dos países pioneiros na implantação da Justiça Restaurativa. Assim fez em seu sistema judiciário da infância e da juventude em 1989, através do Estatuto das Crianças, Jovens e suas Famílias, pautada em práticas e costumes dos aborígenes maoris, com resultado muito favorável quanto à prevenção de delitos e não reincidência de infratores[19].

Tal medida de justiça se originou da insatisfação dos integrantes da tribo Maori quanto ao sistema repressivo tradicional neozelandês, à qual seus jovens e crianças foram institucionalizadas[20].

Os menores participavam do processo de reunião do grupo familiar. De tais reuniões surgiram as práticas restaurativas com adultos, no ano de 1995, com o primeiro grupo comunitário[21], cuja aplicação era levada a efeito por advogados, professores, assistentes sociais e pessoas interessadas da comunidade.

As estatísticas apontam que os resultados das práticas restaurativas são satisfatórios, dada a prevenção da infração, bem como a não reincidência[22]. Segundo a professora Gabrielle Maxwell, as práticas inspiradas nos costumes dos aborígenes Maoris da Nova Zelândia têm solucionado 75% dos casos de delinquência juvenil, em que 44% destes há um diálogo reservado entre a polícia e o infrator e 32% há um encontro entre o infrator e a vítima, com suas respectivas famílias, e a polícia[23].

No ano de 1994, na Austrália foi introduzida a Justiça Restaurativa em diversas escolas, baseada nas práticas restaurativas realizadas na Nova Zelândia com grupos familiares[24].

Assim, de início, as tratativas eram sobre alguma agressão séria ocorrida na escola, mas, ante o sucesso do programa, as práticas foram adotadas também para a resolução dos casos de intimidação (bullying), com a participação dos genitores dos alunos[25].

Merecedor de crítica, no entanto, o protagonismo dado pela Austrália à polícia, na condução do procedimento restaurativo. Isso porque, além de reduzir a importância da figura do promotor e do juiz[26], não reflete os valores da justiça restaurativa[27], pois o encaminhamento do caso pela polícia caracteriza o momento pré-acusatório[28].

O Canadá também apresenta a utilização das práticas restaurativas pautadas em culturas indígenas. As partes (infrator, vítima e comunidade) são reunidas em círculo, sempre monitoradas, a fim de que possam livremente se manifestar. Para tanto, faz-se uso de um papel que sinaliza a vez de falar de quem o detém. Assim, cada qual fala em oportunidade distinta e ao final busca-se um consenso[29].

Os movimentos de Justiça Restaurativa, segundo Silvério, tiveram início no ano de 1974 no Canadá, com o programa Victim-Offender Mediation (VOM), em que os infratores e as vítimas se reuniam e realizavam acordos de restituição do dano, pautados nos princípios do perdão e da reparação[30].

No Reino Unido, desde 1998 aplica-se a Justiça Restaurativa, com ênfase nos menores de idade. Atualmente, planeja-se sua ampliação para a justiça criminal. Os estudos desenvolvidos na área originaram três projetos pilotos, criados pelo Governo e acompanhados por uma Universidade, onde se desenvolve a pesquisa e a prática nas áreas mais problemáticas do país[31].

Na Colômbia, país latino-americano de grande desigualdade social como o Brasil, a Justiça Restaurativa foi de grande aceitação, sendo incorporada na Constituição do país e em seu Código de Processo Penal[32]. A implementação das práticas no país ensejou resultados positivos para a sociedade e o sistema jurídico em geral[33]. Exemplo disso é a redução de 30% da taxa de homicídios na capital Bogotá[34].

Na Espanha, por sua vez, ocorreu a introdução de um programa de mediação e reparação penal para menores em 1990, sendo publicada, em 1992, uma lei para a sua regulação, onde o Ministério Público detinha a faculdade de prosseguir com a ação ou não quando houvesse a reparação da vítima, sendo confirmada pela Lei Penal de Menores, em 2000[35].

Quanto aos adultos, a mediação penal tem grande discussão na atual política criminal da Espanha[36], até mesmo com a introdução de um projeto piloto, em 1998. Todavia, a legislação penal e processual penal dificulta a mediação, porque cabe ao juiz a continuação do processo quando há reparação, e não ao Ministério Público, como ocorre em relação aos menores infratores, em detrimento do princípio da oportunidade[37].

Na África do Sul, com a institucionalização da política do apartheid(segregação), no ano de 1948, gravíssimas foram as violações dos direitos humanos, com a política separatista entre brancos e negros[38].

Após a queda do regime do apartheid fez-se necessária a depuração do período anterior, visto que havia um rastro de direitos violados. Para uma possível solução, foi aprovado em 1995 o Ato de Promoção da Unidade e Reconciliação Nacional, que estabeleceu a Comissão de Verdade e Reconciliação, em que, grosso modo, os agentes opressores e as vítimas eram convocados para expor as particularidades do caso face a face, com destaque para a verdade e a conciliação[39].

Outra experiência externa digna de menção, notadamente por sua proximidade com o Brasil, é a da Argentina. Segundo Scuro Neto, desde a década de 70 é manifesto o caráter pró-vítima na legislação argentina, tais como:

(a) obrigação da polícia de incluir no inquérito informações sobre as vítimas;

(b) direito de a vítima anexar declaração e se manifestar em juízo;

(c) menos penas menores e mais medidas extrajudiciais;

(d) “transação pela promotoria” em casos de condenação improvável, falta de provas, interesse público, considerações técnicas;

(e) persecução suspensa até que as condições sejam satisfeitas no tempo estabelecido pela promotoria, quando de compensação integral ou parcial dos danos, prestação de serviço não remunerado, medida sócio-educativa;

(f) vítimas podem requerer reparação durante o inquérito;

(g) projetos JR para tratar traumas e sentimentos de culpa (atualmente em mais de 60% dos casos), embora sem nenhuma influência no processo ou na sentença (...)[40].

Em 1996 foi estruturado naquele país um grupo de trabalho para a solução de conflitos, mormente da área penal, através da mediação, sendo tais medidas fomentadas pelo Ministério da Justiça e por estudantes e profissionais do Curso de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA)[41].

Também no Chile, as universidades foram ativas na implantação da Justiça Restaurativa, como por exemplo, a Universidade Católica de Temuco, onde foi desenvolvido o Proyecto CREA (Centro Alternativo para Resolução de Conflitos), com abrangência nos âmbitos da família, do cível e do penal, com as finalidades de

desenvolver academicamente formas alternativas de resolução de conflitos, com o escopo de difundi-las, por meio de informação, à sociedade, aplicando, desenvolvendo, assim, um modelo restaurativo, gratuito, identificado com os interesses e anseios chilenos[42].

Por fim, o Japão, mesmo com conhecida tendência formalista, tem práticas restaurativas baseadas nos princípios chotei e wakai[43] e admitem o perdão[44], sendo uma tradição chamada de “confissão-arrependimento-perdão”, que pode ser aplicada em qualquer momento da persecução penal até a última sessão do tribunal[45].

Assim, percebe-se a crescente presença da Justiça Restaurativa nas resoluções dos conflitos no cenário mundial, como alternativa ao Sistema Tradicional de Justiça.

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