Em Górgias Platão questiona primeiro se “viver não é morrer e morrer não é viver”, e logo em seguida relaciona o corpo a um tumulo. Aqui o filosofo está se remetendo a ideia da imortalidade da alma, ao conceito pitagórico de reencarnação.
Com Sócrates, Platão compreende a alma é a razão, que a razão é o poder da alma e que a alma é diferente do corpo. Sabendo que “conhecer é lembrar”, Platão chega a ideia de “que alma é imortal” (CHAUI, 2002: 301). É assim Platão aceita “a teoria órfico-pitagórica da reencarnação ou transmigração das almas e da filosofia como purificação ou ascese espiritual para vencer a ‘roda dos nascimentos’.” (CHAUI, 2002: 301). Quando, em Górgia, Platão questiona primeiro se “viver não é morrer e morrer não é viver”, e logo em seguida relaciona o corpo a um tumulo, somando-se a defesa de que a alma é imortal e reencarna, o filósofo quer colocar em questão o seguinte pensamento: “Aparentemente, as provas da imortalidade da alma estariam em contradição com a teoria da transmigração ou da reencarnação, pois esta pressupõe que a alma seja afetada pelos vícios do corpo, pelas paixões da concupiscência e da cólera, não sendo portanto imutável nem simples e não podendo ser imortal. Na verdade, porém, o peso do corpo e das paixões sobre a alma, que leva Platão a dizer que o corpo é prisão da alma, não destrói sua imortalidade. A essência da alma não é transformada pelo corpo, mas prejudicada por ele, isto é, o corpo pode criar obstáculos para que a alma realize plenamente sua natureza e é por este motivo que está submetida à ‘roda dos nascimentos’, destinada a libertar-se cada vez mais dos elementos corpóreos para, finalmente, não mais precisar nascer.” (CHAUI, 2002: 302). É dessa forma que o texto Górgia e o Mito da Parelha Alada se relacionam, pois o mito diz que a alma “é tanto divina quanto humana”, que quando corpo a alma “adéqua-se às vicissitudes da condição corpórea”, o que significa dizer que ela se soma ao espaço (se torna matéria) ao mesmo tempo que o corpo é uma “via para o aprendizado”. Quando Platão coloca em Górgia que o corpo é a sepultura da alma, quer se colocar os limites a condição corpórea (material) impõe para a alma, e por isso ela deve reencarnar em outro e seguir seu aprendizado (‘roda dos nascimentos’).
Sobre a imortalidade da alma:
Platão é inicialmente influenciado pela filosofia de Sócrates e posteriormente influenciado pelos pitagóricos. Os pensamentos socráticos, que nos auxiliarão a compreender a ideia da imortalidade da alma, são:
1. A alma é a razão: “Não é possível conhecer a virtude e agir virtuosamente se não soubermos o que é a razão, e não saberemos o que é a razão se não soubermos o que é a alma (pkykhé) enquanto inteligência racional a essência da alma é a razão; e a ignorância, a doença da alma e origem de todos os vícios.” (CHAUI, 2002: 201).
2. A razão é o poder da alma: “A razão é a capacidade de chegar às ideias das coisas pela distinção entre aparência sensível e realidade, entre opinião e verdade, entre imagem e conceito, acidente e essência. A razão é o poder da alma para conhecer as essências das coisas.” (CHAUI, 2002: 201).
3. A alma é diferente do corpo: “A alma é diferente do corpo; é a consciência de si, das coisas, do bem e do mal, da justiça e da virtude. É a inteligência enquanto reflexão (conhecimento de si mesma) e interrogação sobre a verdade e realidade das coisas; é o poder intelectual para descobrir em si mesma e por si mesma a verdade e para dar a si mesma e por si mesma as regras da vida ética virtuosa.” (CHAUI, 2002: 201-202).
Com isso surge a ideia de que “conhecer é lembrar”, o que “sugere que alma é imortal” (CHAUI, 2002: 301). E assim Platão aceita “a teoria órfico-pitagórica da reencarnação ou transmigração das almas e da filosofia como purificação ou ascese esperitual para vencer a ‘roda dos nascimentos’.” (CHAUI, 2002: 301). Os argumentos (provas) que explicam a ideia da imortalidade da alma são, resumidamente, os seguintes:
1) “prova pela reminiscência: a alma pode conhecer a verdade porque se recorda ou se lembra dela, e a reminiscência da verdade pressupõe que esta tenha sido contemplada numa outra vida;” (CHAUI, 2002: 301).
2) “prova pela simplicidade: o que é composto por natureza tende a separar-se, as partes dividindo-se e distanciando-se, de sorte que o composto morre ou desaparece; ora, a parte racional é imaterial e simples como as ideias e, por sua simplicidade, não pode desfazer-se, separar-se, desaparecer ou morrer;” (CHAUI, 2002: 301).
3) “prova pela participação da alma na ideia de vida: a alma é o sopro vital, o princípio de vida de todas as coisas e, portanto, não pode receber nem participar do que é contrário à sua ideia ou à sua essência, isto é, a morte;” (CHAUI, 2002: 301).
4) “prova pelo principio do movimento daquilo que move a si mesmo: aquilo que é movido por outro deixa de se mover quando a causa do movimento cessa; a alma não é movida por nada, mas move todas as coisas e move a si mesma; o que move a si mesmo é inengendrado e o que é inengendrado é imortal;” (CHAUI, 2002: 301).
5) “prova pela imutabilidade do incorpóreo: somente os corpos aumentam ou diminuem, mudam-se nos seus contrário e podem ser destruídos pela ação de outros corpos, mas o que é imaterial ou incorpóreo não aumenta nem diminui e nada há que possa destruí-lo de fora; a alma, sendo imaterial, não sofre transformações em sua essência e por isso permanece sempre; sendo eterna, é imortal.” (CHAUI, 2002: 302).
Chauí ainda esclarece que: “Aparentemente, as provas da imortalidade da alma estariam em contradição com a teoria da transmigração ou da reencarnação, pois esta pressupõe que a alma seja afetada pelos vícios do corpo, pelas paixões da concupiscência e da cólera, não sendo portanto imutável nem simples e não podendo ser imortal. Na verdade, porém, o peso do corpo e das paixões sobre a alma, que leva Platão a dizer que o corpo é prisão da alma, não destrói sua imortalidade. A essência da alma não é transformada pelo corpo, mas prejudicada por ele, isto é, o corpo pode criar obstáculos para que a alma realize plenamente sua natureza e é por este motivo que está submetida à ‘roda dos nascimentos’, destinada a libertar-se cada vez mais dos elementos corpóreos para, finalmente, não mais precisar nascer.” (CHAUI, 2002: 302).
Referência bibliográfica:
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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