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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE HISTÓRIA – IH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA – PPGHC O ATLÂNTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM PERSPECTIVA COMPARADA DE SEGURANÇA E DEFESA – DOS DOCUMENTOS POLÍTICOS ÀS ELABORAÇÕES ESTRATÉGICAS (1996 A 2013). DANIELE DIONISIO DA SILVA RIO DE JANEIRO OUTUBRO/2015 ii DANIELE DIONISIO DA SILVA O ATLÂNTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM PERSPECTIVA COMPARADA DE SEGURANÇA E DEFESA – DOS DOCUMENTOS POLÍTICOS ÀS ELABORAÇÕES ESTRATÉGICAS (1996 A 2013). Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História Comparada, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHC / UFRJ, na Linha de Pesquisa Poder e Instituições, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em História Comparada. Orientadora: Prof. Drª. Sabrina Evangelista Medeiros Co-orientador: Prof. Dr. Adriano de Freixo RIO DE JANEIRO OUTUBRO/2015 iii Dionisio da Silva, Daniele. O Atlântico de Língua Portuguesa em Perspectiva Comparada de Segurança e Defesa – dos documentos políticos ás elaborações estratégicas (1996 a 2013) / Daniele Dionisio da Silva. Rio de Janeiro, 2015. 340 f., enc. Orientadora: Prof. Drª. Sabrina Evangelista Medeiros Co-orientador: Prof. Dr. Adriano de Freixo Tese (Doutorado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em História Comparada, Rio de Janeiro, 2015. Referências: f. 340. 1. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 2. CPLP. 3. Agenda de Segurança e Defesa. 4. Conferência das Marinhas da CPLP – Teses. I. Medeiros, Sabrina Evangelista (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. III. O Atlântico de Língua Portuguesa em Perspectiva Comparada de Segurança e Defesa – dos documentos políticos às elaborações estratégicas. iv UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE HISTÓRIA – IH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA – PPGHC Tese intitulada “O Atlântico de Língua Portuguesa em Perspectiva Comparada de Segurança e Defesa – dos documentos políticos às elaborações estratégicas (1996 a 2013).”, de autoria da doutoranda Daniele Dionisio da Silva, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: COMISSÃO DE AVALIAÇÃO _________________________________________________________________________ Profª. Drª. Sabrina Evangelista Medeiros – PPGHC/UFRJ – EGN/MB – Orientadora _________________________________________________________________________ Prof. Dr. Adriano de Freixo – INEST/UFF – Co-orientador _________________________________________________________________ Prof. Dr. Ivo Jose de Aquino Coser – PPGHC/UFRJ _________________________________________________________________ Prof. Dr. José Costa D’Assunção Barros – PPGHC/UFRJ _________________________________________________________________ Prof. Drª. Laura Cristina Ferreira-Pereira – Universidade do Minho _________________________________________________________________ Prof. Dr. Eli Alves Penha – Instituto de Geografia/UERJ e IBGE Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2015. v DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a aqueles que passam a vida a pensam e a viver o mar, são percebidos pela sociedade terrestre como se vivessem em uma ilha deserta, desconhecida e sem valor; verdadeiros oceanógrafos de uma vida marítima. vi AGRADECIMENTOS Primeiro, ao companheiro da minha vida, aquele que divide comigo as ondas, sabe ser farol e por muitas vezes torna-se o timoneiro do meu barco. A minha mãe, que agora é filha, pelos ensinamentos ao longo do caminho. Ao meu irmão por ser tão diferente como a água e o vinho. A estimada Mestra Sabrina Medeiros que sempre confiou em mim, e me permitiu por mais de quatro anos conhecer um oceano chamado Atlântico que fala português, enquanto tantos outros orientadores teriam me sugerido estudar um que falasse inglês ou mesmo chinês. Ao Professor Adriano de Freixo pelas sugestões de leitura e pelas longas conversar sobre o jeito português de ver o mundo Aos meus gatos Feel e Félix, companheiros fiéis de longos dias e noites sentados ao lado do computador. Aos meus amigos e parentes que sentiram minha ausência, em especial a minha prima Tamyres por fornecer a trilha sonora das longas horas de estudo. As minhas estimadas amigas de Mestrado e Doutorado, Cintiene Sandes e Ana Luiza Paiva, por compartilhar sete longos anos de ansiedades e boas risadas. As minhas estimadas amigas Sabrinetes, Ana Paula Rodriguez, Verônica Pires, Bianca Bittencourt, Julia Fogel, Flávia Seidel e Daiana Seabra pelo apoio diário via zapzap. Aos grandes apaixonados pelo mar, Comandante José Augusto, Comandante Treuffar, Comandante Claudio Rogério, Comandante Correia, Comandante Alves de Almeida e Thiago Sarro por me ensinarem coisas sobre a vida a bordo que não encontraria nos livros. A todos do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval pelas boas conversas sempre repletas de intensas reflexões vii Ao Almirante Silva Ribeiro pelas longas conversar sobre o Atlântico português e por sua disponibilidade em me ajudar no Estado Maior da Armada de Portugal. A Professora Helena Carreiras por me receber para uma longa conversa sobre defesa em Portugal. A Reitoria do Instituto Federal do Rio de Janeiro que me permitiu no último ano dedicar-me este trabalho. Ao PPGHC pela oportunidade de fazer um doutorado em uma instituição de excelência como é a UFRJ. A querida Smirna Cavalheiro pela primorosa revisão e por sofre comigo para cumprir o prazo. Por fim, a todos aqueles que de algum modo partilharam comigo esses quatro anos de tese. viii “O mar não é um obstáculo, é um caminho” Amyr Klink “Aquele que comanda o mar comanda o comércio; aquele que comanda o comércio do mundo comanda as riquezas do mundo e, consequentemente, o próprio mundo” Sir Walter Raleigh. “... Da nossa língua vê-se o mar e ouve-se o seu rumor. Esse mar que nos fez encontrar um dia e que alarga o horizonte à medida da esperança que aqui nos reúne e do afeto que liga os nossos Povos...” Vergílio Ferreira. ix RESUMO Hoje, no mapa geoestratégico, o Atlântico é visto como secundário, entretanto, para Brasil, Portugal e para os PALOPS ele deveria ser parte dos objetivos nacionais permanentes e estratégicos. O Atlântico constitui inegável fonte de riquezas, mas também preocupação na área da segurança. Crescem nesse ambiente a pirataria, a imigração ilegal e o tráfico de armas e drogas. Apesar da exploração de recursos naturais oceânicos e do fluxo de mercadorias, há carência de meios militares e de tecnologia de ponta para combater esses crimes. Os oceanos são um desafio para a defesa dos Estados ao apresentarem uma concepção diferenciada de limites e fronteiras. Além disso, a CNUDM atribuiu aos países direitos e deveres sobre suas áreas oceânicas, reforçando a lógica que para explorá-las há que se garantir a segurança marítima de todos. Assim, o presente trabalho busca analisar o Atlântico como elemento discursivo ao longo da história recente, nas instruções normativas e nos planejamentos político-estratégicos de Brasil e de Portugal, tendo como fontes os documentos publicados pelos Ministérios da Defesa, tais como PDN, END, Livro Branco de Defesa, Conceito Estratégico de Defesa Nacional, bem como documentos de algumas outras estruturas estatais para o ambiente marítimo. Ademais, o trabalhotambém propõe analisar a Agenda de Segurança e Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, principalmente para o ambiente marítimo, nesse caso, primordialmente o Atlântico Sul, a fim de que se obtenha uma história comparada dos âmbitos bilaterais e multilaterais da Componente de Defesa. Palavras Chave: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, Agenda de Segurança e Defesa, Conferência das Marinhas da CPLP. x ABSTRACT Nowadays, the Atlantic Ocean is seen as secondary in the global geostrategic map, however, to Brazil, Portugal and the PALOPS it should be part of their permanent and strategic national interests. The Atlantic is an undeniable source of wealth, but it is also a concern in the area of security. Piracy, illegal immigration and drug and weapons trafficking grow each day in this environment. Although, the exploitation of ocean resources and the flow of goods, there is a lack of military resources and the latest technology to combat these transnational crimes. The oceans are a challenge for the defense of States because of their differentiated design of limits and boundaries. In addition, the UNCLOS assigned to countries, rights and duties of their ocean areas reinforcing the logic that to explore them it is necessary to ensure maritime security for all. Thus, this thesis aims to analyze the Atlantic Ocean as a discursive element along the recent history, in the normative instructions and in the political-strategic plans of Brazil and Portugal. The sources to be used are: the documents published by the Ministries of Defense, such as National Defense Policy (PDN), National Defense Strategic (END); National Defense White Paper (LBDN), Strategic Concept of National Defense, as well as documents of some other state structures to the maritime environment. In addition, the study also aims to analyze the agenda of security and defense of the Community of Portuguese Language Countries, mainly to the marine environment, in this case primarily the South Atlantic, in order to obtain a comparative history of bilateral and multilateral areas of Defense Component. Keywords: Community of Portuguese Language Countries, CPLP, Agenda of Security and Defense, Navy’s Conference of CPLP. xi LISTA DE SIGLAS AJB Área Marítima de Jurisdição Brasileira ALCA Área de Livre Comercio das Américas AMAZUL Amazônia Azul ASA Cúpula de chefes de Estado da África e da América do Sul BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CAE Centro de Análise Estratégica CDS Conselho de Defesa Sul-Americano CEMGFAs Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas CIRM Comissão Interministerial para os Recursos do Mar CLPC Comissão de Limites da Plataforma Continental CNUDM Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CSM Consciência Situacional Marítima DHN Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil ECA Comissão Econômica para a África ECOWAS Comunidade Econômica dos Estados da África Oriental EMA Estado Maior da Armada EMGEPROM Empresa Gerencial de Projetos Navais ENB Estratégia Naval Brasileira END Estratégia Nacional de Defesa FAs Forças Armadas FHC Fernando Henrique Cardoso FMI Fundo Monetário Internacional FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique IBAS Índia, Brasil e África do Sul I CNUDM I Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar II CNUDM II Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar III CNUDM III Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar IMO International Maritime Organization INACE Indústria Naval do Ceará ISA International Seabed Authority (Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos) LEPLAC Levantamento da Plataforma Continental Brasileira LBDN Livro Branco de Defesa Nacional MAN-Namíbia Assessoria Naval na Namíbia MARPOL Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios MB Marinha do Brasil MD Ministério da Defesa xii MDNs Ministros da Defesa Nacional MERCOSUL Mercado Comum do Sul MGM Marinha de Guerra Angolana MNE Ministério dos Negócios Estrangeiros MP Marinha Portuguesa MRE Ministério das Relações Exteriores NEPAD Nova Parceria para o Desenvolvimento da África OIs Organizações Internacionais ONU Organização das Nações Unidas OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PAED Plano de Articulação e Equipamento da Defesa PAEMB Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil PALOPs Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PC Plataforma Continental PND Política Nacional de Defesa PEDs Países em Desenvolvimento PROAREA Programa de Prospecção e Exploração de Recursos Minerais da Área Internacional do Atlântico Sul e Equatorial PROMAR Programa da Mentalidade Marítima PRONABIO Programa Nacional d Diversidade Biológica PROTRINDADE Programa de Pesquisas Cientificas na Ilha da Trindade PSRM Plano Setorial para os Recursos do Mar Recursos Vivos Marinhos REMAC Programa de Reconhecimento Global da Margem Continental Brasileira REMPLAC Programa de Avaliação da Potencialidade Mineral da Plataforma Continental Jurídica Brasileira REVIMAR Programa de Avaliação, Monitoramento e Conservação da Biodiversidade Marinha REVIZEE Programa de Avaliação do Potencial Sustentável e Monitoramento dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva SADC Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral SAR Área de Busca e Salvamento SECIRM Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar SIPRI Stockholm International Peace Research Institute SisGAAz Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul SPAD Secretariado Permanente para Assuntos da Defesa TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca TNP Tratado de Não-Proliferação Nuclear UA União Africana UE União Europeia UNASUL União das Nações Sul-Americanas xiii UNCLOS United Nations Convention on the Law of the Sea UNIFIL United Nations Interim Force in Lebanon ZEE Zona Econômica Exclusiva ZOPACAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul xiv SUMÁRIO Página Apresentação 1 Introdução 17 Capítulo 1 – As relações políticas e econômicas entre Brasil, Portugal e os países africanos de língua portuguesa nos últimos quarenta anos. 23 1.1 – Do Brasil colônia aos processos de independência na África de língua portuguesa. 24 1.2 – Avanços e retrocessos nas relações políticas e econômicas até o fim do século XX. 33 1.3 – As mudanças na virada do século XXI e o amadurecimento da CPLP. 45 1.4 – O fim das guerras civis e a tentativa do pensamento próprio da África para África. 58 1.5 – Duas visões: Países de Língua Portuguesa ou Lusófonos, que estabelecem duas estratégias: como aliados do sul ou ex-colônias portuguesas. 65 Capítulo 2 – Concepção políticas e estratégicas para os Oceanos ao longo da história. 76 2.1 – Percepções estratégicas de um oceano do norte e um pouco da história militar marítima no Atlântico. 77 2.1.1 – A Diplomacia Naval e as Marinhas como ator de política externa. 90 2.2 – As Conferências sobre o Direito do Mar e a construção de percepções para um oceano do sul. 98 2.3 – A CNUDM e a mudança do paradigma do oceano como meio para fonte de recursos. 111 Capítulo 3 – A Agenda de Segurança e Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e o oceano de língua portuguesa em perspectiva estratégica. 130 xv Página 3.1 – A Segurança e Defesa na CPLP, a estrutura para o mar e as principais temáticas marítimas. 130 3.1.1 - Conjuntura oceânica atual e um breve cenário prospectivo 145 3.2 – A análise dos documentos brasileiros paradefesa e segurança e construção estratégica de uma potência costeira. 153 3.3 – A análise dos documentos portugueses para defesa e segurança e a disputa entre um pensamento de segurança coletiva e a soberania sobre a maior área marítima da Europa. 174 3.4 – As outras Marinhas, suas competências e as dificuldades de construir um pensamento naval. 189 Capítulo 4 – Atlântico de língua portuguesa da dimensão histórico-política a técnico-estratégica. 211 4.1 – Algumas percepções teóricas aplicáveis a Agenda de Segurança e Defesa da CPLP e ao ambiente marítimo comunitário. 211 4.2 – A análise dos documentos e as principais concepções da Agenda de Segurança e Defesa da CPLP. 226 Conclusão 295 Referências Bibliográficas 304 Anexos Anexo I – Gastos Militares por Países (2000-2013) - (em milhões de dólares) 317 Anexo II – Sites CPLP 319 xvi LISTA DE FIGURAS Página Figura 1: Mapa com os Países Membros e Observadores da CPLP. 131 Figura 2: Símbolo dos Exercícios Felino. 135 Figura 3: Evolução da Componente de Defesa da CPLP (1996-2011). 137 Figura 4: Arquitetura de Segurança e Defesa da CPLP. 137 Figura 5: Agenda da Componente de Defesa (1996-2011). 138 Figura 6: Dispersão geográfica dos países da CPLP em relação aos oceanos. 141 Figura 7: Limites dos espaços marítimos, de acordo com a CNUDM. 146 Figura 8: Áreas Marítimas requeridas de acordo com a CNUDM. 146 Figura 9: Espaços Marítimos sob responsabilidade portuguesa (ZEE e SAR). 148 Figura 10: Espaços Marítimos sob responsabilidade brasileira (ZEE). 148 Figura 11: Área SAR sob responsabilidade brasileira. 149 Figura 12: Áreas das ZEEs e SAR no Atlântico de Língua Portuguesa. 149 Figura 13: Projetos prioritários da Marinha de açodo com PAEMB. 165 Figura 14: Área de Exploração da Camada do Pré-Sal. 169 Figura 15: Capacidades da Marinha contributivas para o Sistema de Forças Nacional. 180 Figura 16: Delimitações Marítimas de Angola. 194 Figura 17: Delimitação da região do Golfo da Guiné. 195 Figura 18: Enquadramento Geoestratégico de Cabo Verde. 198 Figura 19: Enquadramento Geoestratégico da Guiné-Bissau. 201 Figura 20: ZEEs de Moçambique e Madagáscar e o ponto de intercessão entre as duas. 203 Figura 21: Mar Territorial, ZEE e SAR de São Tomé e Príncipe. 206 Figura 22: ZEE estimada de Timor-Leste. 208 Figura 23: Área Conjunta de Exploração de Petróleo. 208 Figura 24: Mapeamento das Reservas de Petróleo Offshore próximo a Timor-Leste. 209 xvii LISTA DE TABELAS Página Tabela 1: Áreas das ZEEs x Território – delimitação do fator mar/terra. 149 xviii O ATLÂNTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM PERSPECTIVA COMPARADA DE SEGURANÇA E DEFESA – DOS DOCUMENTOS POLÍTICOS ÀS ELABORAÇÕES ESTRATÉGICAS (1996 A 2013). Guiné Equatorial 1 APRESENTAÇÃO A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, foi criada em julho de 1996 pela congregação dos sete países que têm o português como língua oficial - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, registrando-se a inclusão do Timor-Leste em 2002 e da Guiné Equatorial em 2014. A CPLP se afirma como uma comunidade plural que se propõe a ser um fórum multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua entre os Estados membros, e teria como um dos pilares a materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa. A Comunidade teria ainda dois outros pilares: a concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fóruns internacionais; e a cooperação em vários domínios e temáticas. Porém, a Comunidade não tinha como um dos seus objetivos iniciais a cooperação no âmbito da segurança ou da defesa, ou mesmo, no âmbito da segurança marítima. No século XXI, a conjuntura linguística e cultural de criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa se adicionaria outro pilar: o mar. Um oceano visto como fonte de recursos delimitados na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) na década de 1980, e que este já não seria só mais um meio de deslocamento. Há que se considerar aqui que todos os países de língua portuguesa são países oceânicos com mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva estabelecidas segundo a CNUDM, e alguns com pedidos requeridos de extensão de suas plataformas continentais para além das 200 milhas. Isso lhes gerou direitos as riquezas da coluna d’água, do leito e subsolo em suas áreas de soberania, mas também deveres e responsabilidades a cumprir, e para isso irá se requer, mesmo que minimamente, algum poder marítimo ou naval. Levando isso em conta, é que surge objeto de pesquisa desta tese: a Agenda de Segurança e de Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, principalmente os documentos relativos à dimensão marítima. E para a análise desta Agenda de Segurança e Defesa da CPLP, levando em conta que esta é uma tese de história comparada, se propôs fazer uma comparação clássica entre literaturas que abordam a visão portuguesa e brasileira para o ambiente atlântico, e destas com a literatura do ambiente oceânico comunitário (CPLP), contudo, para isso também se fez uma análise global do que a Agenda de Segurança e Defesa propunha, para depois focar no ambiente marítimo. Nesta análise consideram-se os documentos produzidos, nos âmbitos comunitário e nacionais, de 1996 até 2013. 2 Primeiro pretendemos por apresentar como foram estabelecidas as relações político- diplomáticas entre Portugal, Brasil e os países africanos de língua portuguesa, registrando a criação da CPLP no fim do século XX e aproximação política e econômica do Brasil com essa parte da África nesse século XXI. Depois se descreve um pouco da história político-militar do Atlântico e a influência no pensamento marítimo ocidental, segue-se uma narrativa das conferências que estabeleceram a CNUDM e a participação ativa dos países em desenvolvi- mento, bem como a análise da própria CNUDM e suas regulamentações. Em seguida é apresentado como a segurança e defesa estariam sendo estabelecidas na CPLP, como é a estrutura desta, as principais temáticas marítimas apresentadas considerando a conjuntura oceânica atual e um breve cenário prospectivo. Além disso, a fim de se obter uma análise um pouco mais ampla e em perspectiva comparada, também foram analisados alguns documentos relativos ao mar dos dois principais atores da Comunidade: Portugal e Brasil, bem como suas estruturas burocráticas relativas a este tema. Quando esse trabalho de pesquisa começou desejava-se também fazer uma análise comparativa que incluísse as análises dos documentos de defesa e segurança relativos ao mar dos países africanos de língua portuguesa1, entretanto, frente aos obstáculos de acesso encontrados durante a pesquisa, a dificuldade de confiabilidade nos dados, e uma provável desestruturação dos órgãos de competência marítima optou-se apenas por uma breve análise dos documentos oficiais obtidos no âmbito das Marinhas. Tendo como base uma análise teórica feita pelo Professor Samuel Soares, no livro Controles e Autonomia - As Forças Armadas e o sistema político brasileiro, optou-se por hierarquizar os países da CPLP em democraticamente estruturados ou não estruturados. Sendo Brasil e Portugal democraticamente estruturados, com eleições periódicas, com Ministérios da Defesa com rotatividade de Ministro, com Comandos das Marinhas com rotatividade de comando, com parlamentares, grupos de influência relativamente conscientes da temática oceânica, com orçamento de Defesa para o oceano que passam pela aprovação de seus parlamentos e com atuaçãode outras instituições que não militares nas discussões que envolvem a temática oceânica, bem como pela participação desses dois países por mais de trinta anos nas discussões de fóruns multilaterais que envolvem a temática. Por isso, incluíram-se alguns de seus documentos nacionais. Já os outros países de língua portuguesa, 1 Logo nesse início optou-se por excluir a análise dos documentos relativos ao mar do Timor-Leste já que o contexto geopolítico regional no qual o país está inserido é diferente do Atlântico, com a presença de potências costeiras regionais diferentes (Índia, China, Indonésia e Austrália), e que dificultariam muito qualquer análise comparativa. Entretanto, na análise do poder naval da Comunidade esse país é incluído com sua estrutura individual de poder naval. Cabe também pontuar que apesar de situado mais próximo ao Oceano Índico, Moçambique foi considerado também como um país atlântico por estar incluído geopoliticamente no contexto e ter influência dessa conjuntura. 3 apesar de possuírem Ministério da Defesa e Comando Naval, seja por Marinha ou Guarda Costeira, foram considerados democraticamente não estruturados, por dois motivos, principalmente, pela recente institucionalização da democracia, às vezes relativamente frágil, e pela não estruturação da temática marítima com burocracias estatais nas amplitudes política, econômica e militar. Assim sendo, desses países de língua portuguesa não foram incluídos seus documentos estratégicos nacionais. Apenas com o fim de mostrar essa dificuldade de estruturação da temática marítima com burocracias estatais na amplitude militar foram incluídos elementos de seus poderes navais obtidos em apresentações oficiais feitas nas Conferências das Marinhas da CPLP. Além da análise dos documentos foram levados em conta também os dados obtidos durante quatro anos de pesquisa em entrevistas formais ou conversas informais no Ministério dos Negócios Estrangeiros (Divisão de Cooperação), no alto comando da Marinha Portuguesa, no alto comando da Marinha do Brasil, com oficiais da MB que participavam das atividades na Escola de Guerra Naval, além de várias participações em conferências e simpósios que envolviam a temática no Brasil e em Portugal (principalmente a Conferência das Marinhas da CPLP, Simpósio O Mar e a Ciência e os Encontros Nacionais da Associação Brasileira de Estudos da Defesa), duas visitas ao Instituto de Defesa Nacional em Portugal, vários eventos relacionados ao oceano realizados na Escola de Guerra Naval, a participação no Curso de Estudos Pós-Coloniais: Atlântico Sul ofertado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português e pela Universidade de Bolonha; a participação no Curso de Estudos Africanos, Operações de Paz e State-building ministrado pelo Instituto de Estudos Militares em Lisboa em 2013, e principalmente a participação no seminário Internacional “O Atlântico Sul: as visões estratégicas dos países da Comunidade de Língua Portuguesa”2 realizado pelo Centro de Estudos Político-Estratégicos (CEPE) da Escola de Guerra Naval (EGN), no Rio de Janeiro, em setembro de 2015 com a participação do Centro de Análise Estratégica da CPLP. Essa parte da história obtida, além da análise dos documentos produzidos, é considerada nesse trabalho como História Oral dos Agentes, sejam eles políticos, securitários, marítimos ou navais (termo stricto sensu militar) de língua portuguesa e encontra-se presente nas entrelinhas dos documentos produzidos na CPLP, mas é difícil de ser encontrada nos livros de história, apesar de fazer parte da história e esquematizar alguns aspectos da ciência política. Por estarem nas entrelinhas tiveram relevância nesta tese, mesmo que algumas vezes 2 Esse evento aconteceu como parte do Acordo de Cooperação estabelecido entre a EGN e o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e o Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa. 4 tenha que se deixar de lado o rigor científico. Essa história se constrói por meio de teias de relacionamento, e acaba por produzir documentos e elaborar estratégias que só as dimensões de relacionamentos políticos e econômicos não seriam capazes de explicar. Com essa História Oral dos Agentes é que se consegue descrever porque uma comunidade criada por uma união linguística do sul que teria como pilar básico a herança do colonialismo português e o imaginário da lusofonia, muitas vezes desprezada no tabuleiro das relações políticas e econômicas mundial, produz uma Estratégia para os Oceanos; leva a uma região de dominação inglesa como a Namíbia a pensar em instituir o português como língua oficial e a pedir para ser membro observador da CPLP; leva um país membro da OTAN e da União Europeia, como é Portugal, a aderir a um mecanismo de regulação do direito do mar produzidos pelos países em desenvolvimento em uma lógica de contestação das assimetrias Norte e Sul, e em seguida a requer a extensão de sua plataforma continental. Entretanto, a Agenda de Segurança e de Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, apesar da diversidade de temáticas discutidas, ainda não foi além de um fórum de discussão, mesmo que já tenhamos tidos projetos bilaterais de formação de capital humano de curta duração, exercícios de treinamento militar multilaterais e doação ou venda de meios de pequeno porte. Para isso dois fatores, dentre outros, podem ter contribuído: carência de recursos e dificuldade de integrar ações e políticas no médio e longo prazos. Optar por falar ou estudar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e seus documentos oceânicos pode ser considerado se falar da margem se comparada com os documentos oceânicos produzidos pela OTAN. Falar de um assunto sem valor frente à Marinha de Guerra Americana com mais de uma dezena de submarinos nucleares, ou frente à produção offshore da empresas petrolíferas britânicas ou mineradoras japonesas que estão no alto mar a explorar toneladas de riquezas oceânicas que seriam patrimônio da humanidade. Contudo, o que se deseja mostrar aqui é que se compararmos o know-how marítimo (militar ou civil) de Brasil e Portugal com, por exemplo, Estados Unidos e Japão esses dois países seriam considerados relativamente inferiores nas capacidades militares e pouco relevantes. Todavia, considerando o objeto dessa tese, a CPLP, se compararmos o know-how marítimo (militar ou civil) de Brasil e Portugal com os dos outros países de língua portuguesa, estes dois poderiam ser considerados relativamente superiores nas capacidades militares para atividades marítimas de safety e security histórica e politicamente estabelecidas. Mesmo que careçam de recursos e meios para projeção do poder marítimo ou naval, ou mesmo que careçam de ciência, tecnologia e inovação de ponta, e ainda que tenham que ser submetidos ao cerceamento tecnológico das grandes potências, estes dois tem sido atores relevantes nos 5 grandes fóruns oceânicos como as Conferências das Nações Unidas sobre Direito do Mar, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, a Organização Marítima Internacional, a Comissão de Limites da Plataforma Continental, dentre outros, projetando-se em uma lógica que o Professor Dr. Heitor Romana descreve como um multilateralismo multivariável, onde um país joga em vários tabuleiros em simultâneo com poderes pontuais sem ter grande projeção de poder no todo3. Além disso, o capital humano desta estrutura burocrática estatal para atividades marítimas de safety e security, incorporados nas duas Marinhas, transita, sem muito controle dos atores políticos nacionais (a não ser pelas limitações orçamentárias), nas esferas de discussão dessas temáticas das grandes potências; lêem os mesmo referenciais teóricosdessas (dentre eles Mahan, Corbet, Aube, Coutau-Begarie, Geoffrey Till); nas academias militares estudam a mesma perspectiva da história militar atlântica; usam ou almejam ter os mesmo meios navais que essas potências; e participam de exercícios militares conjuntos com Marinhas mais desenvolvidas. De alguma forma, o que queremos analisar aqui é a mundialização de valores de segurança e defesa, de valores securitários oceânicos, marítimos ou navais, que aconteciam do Norte para Sul na Pax Britânica e na Pax Americana do século XX, e agora, no século XXI, pode acontecer ou ressoar em estruturas, às vezes ditas como paralelas, como a CPLP e União Africana, de Sul para Sul, algo que alguns diriam ser de “segunda linha”, ou de menor valor relativo. Contudo, para os países africanos de língua portuguesa, essa mundialização de valores securitários do Sul para Sul teria valor e relevância, onde esses poderiam conhecer as experiências um pouco mais desenvolvidas de Brasil e Portugal e optar por adaptá-las a suas realidades locais ou regionais. Essas estruturas, ditas como paralelas, adicionadas a estrutura hierarquicamente estruturada de projeção vertical de poder marítimo poderiam ser incluídas na concepção teórica de interdependência complexa proposta por Keohane & Nye, onde os regimes internacionais tomariam forma por meio da criação ou aceitação de procedimentos, regras e instituições para determinado tipo de atividade, com os quais governos regulariam e controlariam relações transnacionais e interrestatais. Essa mundialização de valores oceânicos, marítimos ou navais no âmbito da Marinhas, apesar de ser desenvolvida e propagada em instituições militares consideradas como politicamente diferenciadas, não seria diferente com o que acontece com a mundialização de 3 Palestra intitulada “O Atlântico Sul: uma visão estratégica portuguesa” proferida no 1º Seminário Internacional CEPE- EGN/ISCSP-Universidade de Lisboa cujo título era O Atlântico Sul: as visões estratégicas da CPLP, realizado nos dias 3 e 4 de setembro de 2015, na Escola de Guerra Naval da MB. O Seminário contou ainda com a presença de representantes do Estado Maior da Armada Portuguesa, do Comando da MB e do Centro de Análise Estratégica da CPLP. 6 valores do meio ambiente, das áreas de engenharia, das áreas econômicas, da agricultura ou de segurança alimentar. Algumas correntes teóricas ocidentais pontuam que quanto mais democraticamente estruturado for um país mais seus valores e regulamentações serão influenciados pela internacionalização de ideias e ideologias, promovendo, por exemplo, o que aqui se convencionou chamar de mundialização de valores oceânicos, marítimos ou navais. Mesmo que ainda encontremos diferenças relevantes, por exemplo, no pensamento estratégico de Portugal membro da OTAN e da União Europeia, e no pensamento estratégico do Brasil membro do Conselho de Defesa Sul-Americano e da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, ambos são também membros da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, da Organização Marítima Internacional e da Comissão de Limites da Plataforma Continental, e vivem inseridos em uma rede de valores securitários partilhados. Porém, mesmo que hoje essa mundialização seja baseada em visões multilaterais, ela também é algo permeado pela história das relações de poder das grandes potências, e não há como dissociar uma coisa da outra como veremos ao longo desta tese. Na análise do objeto: a Agenda de Segurança e de Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, principalmente os documentos relativos à dimensão marítima, na amplitude conjuntural dos últimos 30 anos, são considerados aspectos políticos, econômicos, ambientais e militares que às vezes podem parecer não estar muito bem apresentados na tese, já que não são seu elemento principal de comparação, mas que de alguma forma compõem a rede de inter-relações da temática analisada, local onde as relações de poder e a disputa de espaços são constantes. - Aspectos Políticos - política externa de Brasil e de Portugal para os outros países de língua portuguesa; política externa entre Brasil e Portugal; ditaduras e democracias no Brasil e Portugal, participação dos oficiais de Marinha e a estruturação dos Ministérios da Defesa; atores externos ao Atlântico de língua portuguesa; arranjos regionais em que os países de língua portuguesa estão inseridos; relações Sul-Sul, Norte-Sul e Sul-Norte. - Aspectos Econômicos – poder marítimo; recursos nacionais disponíveis para o oceano; recursos nacionais obtidos pelo oceano; ciência, tecnologia e inovação para o oceano. - Aspectos Ambientais – meio ambiente oceânico, exploração de recursos e preservação; estruturas burocráticas estatais que abordem a temática oceânica. - Aspectos Militares – funções militares e não militares (constabulares); ideologias e referenciais teóricos de história naval e do poder naval ao longo dos séculos; diplomacia naval; defesa nacional como investimento ou como gasto; parcerias militarmente estratégicas e parcerias político-economicamente estratégicas; cooperação internacional naval e marítima; 7 fóruns de discussão naval; conceitos de safety e security4; e um único agente concentrando o poder naval nos dias de hoje, os Estados Unidos. Para a análise da Agenda de Segurança e de Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, principalmente os documentos relativos à dimensão marítima, optou-se por dividir as hipóteses em dois grupos: as hipóteses referentes à Agenda de Segurança e de Defesa da Comunidade como um todo, e as hipóteses referentes à Agenda de Segurança e de Defesa da CPLP no ambiente marítimo. A – HIPÓTESES PARA A AGENDA DE SEGURANÇA E DE DEFESA DA CPLP Hipótese Principal - A agenda de segurança e de defesa produzida no âmbito da CPLP apresenta um alinhamento com a proposta atual de securitização de novas ameaças, principalmente as ameaças não estatais. Hipótese Auxiliar - A agenda de segurança e de defesa produzida no âmbito da CPLP está centrada na perspectiva de segurança multidimensional e na segurança como elemento essencial ao desenvolvimento. B – HIPÓTESES PARA AGENDA DE SEGURANÇA E DE DEFESA DA CPLP NO AMBIENTE MARÍTIMO Hipótese Principal - O incremento da agenda de segurança e de defesa produzida no âmbito da CPLP para o ambiente marítimo está centrado na visão multidimensional do oceano e de sua passagem estratégica de meio de locomoção para fonte de recursos, algo materializado na CNUDM na década de 1980. Hipótese Auxiliar - A agenda de segurança e de defesa produzida no âmbito da CPLP para o ambiente marítimo apresenta também um relativo alinhamento com a proposta atual de securitização de novas ameaças para o mar. C - APRESENTAÇÃO DO CORPUS DOCUMENTAL 4 Na língua portuguesa, essas duas palavras são uma única palavra, segurança. Mas, na verdade as duas palavras na língua inglesa propõem ações diferentes para segurança marítima. Matérias relacionadas com safety são busca e salvamento marítimo, a certificação e inspeção de embarcações, a proteção do meio marinho, as regras para navegação, assuntos mais relacionados com a segurança da navegação. Já as atividades criminosas no mar no contexto das “novas ameaças” seriam matérias relacionadas com security que leva em conta a segurança de pessoas, bens, equipamentos, navios e instalações em risco por essas atividades criminosas. Esse dois elementos, safety e security, seriam diferentes do conceito de Defesa Naval mais estadocêntrica, onde a ameaça seria a guerra com outro Estado. De alguma forma, as Marinhas ou Guardas Costeiras da CPLP levam esses elementos em conta no seu planejamento estratégico, mesmo que a hierarquização, e a capacidade de capital humano e meios sejam diferentes. 8Para analisar a Agenda de Segurança e Defesa na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, deve-se considerar que a CPLP é constituída e regulamentada, dentre outros, pelos seguintes órgãos: - Conferência de Chefes de Estado e de Governo (reúne-se, ordinariamente, de dois em dois anos e, extraordinariamente, quando solicitada por 2/3 dos Estados-membros, é a instância deliberativa superior da Organização e as suas decisões são sempre tomadas por consenso); - Reuniões Ministeriais Setoriais (são constituídas pelos ministros e secretários de Estado dos diferentes setores governamentais de todos os Estados membros, e compete a elas coordenar, ao nível ministerial ou equivalente, as ações de concertação e cooperação nos respectivos setores governamentais); No âmbito da Componente de Defesa da CPLP temos: as Reuniões dos Ministros da Defesa (anual); as Reuniões dos Chefes dos Estados-Maiores-Generais de Forças Armadas (anuais); o Secretariado Permanente para Assuntos da Defesa (SPAD) (duas reuniões por ano); Centro de Análise Estratégica; as Conferências das Marinhas da CPLP. No âmbito marítimo temos ainda: as Conferências de Ministros de Assuntos do Mar e as Conferências de Ministros da Pesca. Levando em conta esta estrutura anteriormente citada, bem como as estruturas internas dos países membros, foi utilizado na tese, o seguinte Corpus Documental: Documentos produzidos pela CPLP: • Estatutos (julho de 1996, com revisões em 2001, 2002, 2005, 2006 e 2007) e Declarações Constitutivas da CPLP (julho de 1996, ratificação de novembro 1998, comunicados das Cimeiras Constitutivas), • Atas das Conferências dos Chefes de Estado e de Governo (1998 a 2014): • Atas e declarações anexas das Reuniões de Ministros da Defesa da CPLP (1998 a 2015); • Atas e declarações anexas das Reuniões dos Chefes de Estado-Maior-General da CPLP (1999 a 2011); • Declaração sobre "Cooperação, Desenvolvimento e Democracia na era da Globalização" (2000); • Declaração sobre Timor-Leste (2000); • Declaração sobre a Paz em Angola (2002); 9 • Declaração sobre a Contribuição da CPLP para o Combate ao Terrorismo (2002); • Declaração sobre Paz e Desenvolvimento e o Futuro da CPLP (2002); • Resolução sobre a República da Guiné-Bissau (2004); • Declaração sobre a “CPLP e a Globalização” (2014); • Declaração sobre a Situação na Guiné-Bissau (2014); • Resolução sobre a Criação de Grupo de Trabalho para a Definição de uma Nova Visão Estratégica da CPLP (2014); • Resolução sobre a Criação de um Grupo Técnico de Estudo para a Exploração e Produção Conjuntas de Hidrocarbonetos no Espaço da CPLP (2014); • Resolução sobre os Planos Estratégicos de Cooperação Setorial da CPLP (2014); • Regimento Interno Reuniões de CEMGFAs (2011); • Regimento Interno das Reuniões de Diretores de Política de Defesa Nacional dos Países de Língua Portuguesa; • Atas das Reuniões Plenárias do Secretariado Permanente para os Assuntos de Defesa (2000 a 2011); • Normativo do Secretariado Permanente para os Assuntos de Defesa (2000); • Atas resumo das Conferências das Marinhas da CPLP (2008, 2010, 2012 e 2015); • Ata resumo das Reuniões dos Ministros dos Assuntos do Mar da CPLP (2010 e 2012); • Regimento Interno da Reunião dos Ministros dos Assuntos do Mar da CPLP (2010); • Contributos para um Projeto de Criação de um Atlas dos Oceanos da CPLP (2010); • Contributos relativos aos processos de extensão da plataforma continental, e da investigação científica e proteção ambiental, como projetos associados (2010); • Contributos para um projeto de criação de uma Feira do Mar da CPLP (2010); • Contributos para programas de pesquisa referentes aos fundos marinhos (“Área”) (2010); • Contributos para um projeto pedagógico para a mobilização de professores, alunos e sociedade civil para importância dos Assuntos do Mar como um tema de afirmação da cultura e identidade marítima da CPLP (2010); • Resolução sobre os desenvolvimentos da Estratégia dos Oceanos da CPLP (2012); • Estratégia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa para os Oceanos (2009); • Normas para realização de Exercícios Militares da CPLP; • Protocolo de Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa (2006); • Declaração de São Tomé relativa ao Protocolo de Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa (2015); 10 • Identidade da CPLP no Domínio da Defesa (2015); Documentos no âmbito brasileiro: • Políticas Nacional de Defesa (PND) (1996, 2005 e 2012); • Estratégias Nacional de Defesa (END) (2008 e 2012); • Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) (2012); • Resoluções e Programas da Comissão Interministerial de Recursos do Mar; • Planos Setoriais para os Recursos do Mar (1982 a 2015); • Política Nacional para os Recursos do Mar (1980 e 2005); • Resoluções do Programa LEPLAC (Plano de Levantamento da Plataforma Conti- nental). Documentos no âmbito português: • Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) de 2013; • Funções e Tarefas da Marinha – Enquadramento legal (site da MP); • Marinha a serviço de Portugal (site da MP); e • Estratégia Nacional para o Mar - 2013 – 2020. • Resoluções e Programas da Comissão Interministerial de Recursos do Mar; • Tratado de Lisboa (Política Comum de Pescas) (2007); • Programa Dinamizador das Ciências e Tecnologias do Mar (PDCTM) (1998); • Resoluções e Programas da Comissão Oceanográfica Intersetorial; • Resoluções e Programas da Comissão Interministerial para a Delimitação da Plata- forma Continental; • Resoluções do Programa EMEPC (Estrutura de Missão para Extensão da Plataforma Continental); • Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos intitulado “O Oceano. Um Desígnio Nacional para o Século XXI” (2004); • Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020. Outros países da CPLP: Apresentações da I Conferência da Marinhas da CPLP (2008) • Apresentação da Delegação de Angola - “Angola no contexto da defesa e segurança marítima do Golfo da Guiné”; 11 • Apresentação da Delegação de Cabo Verde - “Guarda Costeira e desafios emergentes face à emigração clandestina e face à futura extensão da Plataforma Continental”; • Apresentação da Delegação de Guiné-Bissau - “Nova visão geoestratégica”; • Apresentação da Delegação de Moçambique - “Desafios da Marinha de Guerra de Moçambique no contexto nacional e supranacional”; • Apresentação da Delegação de São Tomé e Príncipe - “Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe, hoje e perspectivas”; • Apresentação da Delegação de Timor-Leste - “O desenvolvimento da Componente Naval e as perspectivas e possíveis contributos para a Estratégia Nacional”. Apresentações da III Conferência da Marinhas da CPLP (2012) • Apresentação da Delegação de Angola - “A segurança do Golfo da Guiné e papel de Angola”; • Apresentação da Delegação de Cabo Verde - “A expansão do Conhecimento Situacional Marítimo em ambiente colaborativo”; • Apresentação da Delegação de Moçambique - “O impacto da pirataria e crimes marítimos”; • Apresentação da Delegação de São Tomé e Príncipe - “A Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe”; • Apresentação da Delegação de Timor-Leste - “O desenvolvimento da Força Naval na República Democrática de Timor-Leste”. Outros: • Discursos, artigos, monografias, teses, livros, publicações específicas e reportagens sobre o tema; • Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. • Entrevistas e conversas informais: Portugal: - Professora Drª Helena Carreiras do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE- IUL); 12 - Vice-Almirante António Silva Ribeiro (Diretor-Geral da Autoridade Marítima Nacional Portuguesa); - Embaixador Francisco Carlos Duarte Azevedo (Diretor do Centro de Análise Estratégica - CAE/CPLP); - CMG Pedro Carmona (Diretor de Serviços de Cooperação Técnico-Militar – MDN); - CMG Valentim José P. A. Rodrigues (Chefe da Divisão de Relações Externas do EstadoMaior da Armada); - Tenente Ivone Carapeta (Relações Públicas da Divisão de Relações Externas do Estado Maior da Armada). Brasil: - Contra-Almirante Roberto Gondim C. da Cunha (Diretor de Gestão de Programas Estratégicos da Marinha do Brasil); - Capitão-de-Mar-e-Guerra Izabel King Jeck (Responsável pelo LEPLAC na Diretoria de Hidrografia e Navegação); - Almirante Marcos A. Leal de Azevedo (Centro de Excelência para o Mar Brasileiro); - Almirante Álvaro Augusto Dias Monteiro (Presidente do Conselho do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Escola de Guerra Naval). D - QUADRO TEÓRICO O quadro teórico proposto visa principalmente dar sustentação para as quatro hipóteses da tese, dos quais destacamos aqui os principais. 1) Integração: - HAAS, Ernst B. (1964); - HERZ, Mônica e RIBEIRO-HOFFMANN, Andrea (2004); 2) Segurança Internacional: - AYOOB, Mohammed (1983); - BRODIE, Bernard (1973); - BULL, Hedley (1961); - BUZAN, Barry e HANSEN, Lene. - BUZAN, Barry, WAEVER, Ole e WILDE, Jaap de (1998); 13 - BUZAN, Barry (1991); - HERZ, Mônica (2009); - RUDZIT, Gunther (2005); - SARDENBERG, Ronaldo M. e FUJITA, Edmundo S. (1996); - WOLFERS, Arnold (1962); 3) Controle e Autonomia - as Forças Armadas e o sistema político brasileiro: - SOARES, Samuel A. (2006). 4) Potência: - ARON, Raymond (2002); - HIRST, Mônica; LIMA, Maria Regina Soares de; PINHEIRO, Letícia (2010); - MOURA, Gerson (1991); - VIZENTINI, Paulo F. (2003); - MAPA, Dhiego de M. (2012). 5) Cooperação Sul-Sul: - SOARES, Guido. A Cooperação Técnica Internacional (1994); 6) CPLP: - BARROSO, Luis (2010). - BERNARDINO, Luís (2010); - BORGES, João (2008); - FONTOURA, Luis (2013); - FREIXO, Adriano de Freixo (2001, 2002, 2005 e 2009); - MENDONÇA, Helio (2013); - MIYAMOTO, Shiguenoli (2009); - MOREIRA, Adriano (2009); - MOTA, Mariana C. da (2009); - SANTOS, Vitor dos (2004 e 2010); 7) Estratégia Marítima: - RIBEIRO, António S. (2010); 8) Relações Brasil África: - SOMBRA SARAIVA, José F. (1996, 2002, 2011, 2012, ; - RIBEIRO, Cláudio (2004); 14 - MAPA, Dhiego de M. (2012); - PENHA, Eli A (2011); - GONÇALVES, Williams (2009, 2011); - CERVO, Amado (2000, 2002, 2003, 2011 e 2012). 9) Geopolítica Oceânica: - JOHNSTON, Douglas (1988); - MCDORMAN, Ted. (2015). 10) Instituições Internacionais e Interdependência Complexa: - KEOHANE, Robert O. (1988); - KEOHANE, Robert; NYE, Joseph S. (2000). E - Justificativa da Originalidade do Projeto No início da tese, partindo do princípio que um projeto de doutorado tem que ser original, buscou-se uma avaliação na internet de artigos ou publicações em geral que abordassem temática de segurança e defesa na CPLP. Como resultado desta busca foram encontrados poucos trabalhos, devendo-se ressaltar os estudos dos portugueses Luís Barroso, José Santos Leal e Luís Bernardino. Há que se considerar ainda a carência de pesquisas no Brasil sobre a Cooperação Técnico-Militar, seja a realizada por grandes potências, seja por potências emergentes como o Brasil. Em contrapartida, foram encontrados inúmeros artigos ou notícias em sites portugueses ou de países africanos sobre os projetos de CTM realizados por Portugal, dando a impressão que comparativamente Portugal, um país europeu com poucos de recursos financeiros, realizaria muito mais ações de CTM que o Brasil5, uma potência emergente que almeja ser um global player. Ao longo da pesquisa se percebeu que Portugal tem sua Cooperação Técnico-Militar focada nos países de língua portuguesa e mais centralizada no Ministério da Defesa Nacional (Divisão de Serviços de Cooperação Técnico- Militar) e por isso divulga essas ações em maior amplitude. Enquanto, que no Brasil até bem 5 Projetos catalogados na ABC para as áreas de defesa e segurança com os países lusófonos: Capacitação em Técnicas Militares de Oficiais Moçambicanos no Exército Brasileiro; Capacitação em Técnicas Militares de Oficiais Cabo verdianos no Exército Brasileiro; Capacitação de Militares Moçambicanos no Exército e Aeronáutica do Brasil (formação de oficiais); Missão de Prospecção para Estabelecer Projeto de Cooperação Técnica com São Tomé e Príncipe na Área de Polícia Criminal; Capacitação de militares de Guiné-Bissau; Capacitação Técnica para a Polícia de Investigação Criminal de São Tomé e Príncipe; Capacitação de Militares de Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola (2012 e 2013); Desenvolver Atividades no Centro de Formação das Forças de Segurança da Guiné-Bissau; Centro de Formação das Forças de Segurança da Guiné-Bissau; Capacitação em gestão de unidades prisionais para formação de multiplicadores em Moçambique, pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça do Brasil; Fortalecimento da capacidade institucional da Agência de Aviação Civil de Cabo Verde. Disponível em: <www.abc.gov.br/projetos/pesquisa>. Acesso em 28 mar. 2013. 15 pouco tempo não se computavam as ações de cooperação internacional das Forças Armadas como ações de cooperação brasileira. Além disso, cada força realizava seus projetos de cooperação autonomamente, estando esses projetos muitas vezes desconectados das áreas de influências propostas para Política Externa Brasileira daquele momento. Assim, estudar a agenda de segurança e defesa da CPLP e as influências de Portugal e Brasil nesse ambiente contribuiria significativamente como um estudo comparado clássico entre literaturas que abordam a visão portuguesa e brasileira, e destas com a literatura do ambiente comunitário (CPLP), tendo como foco também outra comparação com ambiente securitário mundial. Estudos focados na área de defesa e segurança, e na componente militar como mecanismo de cooperação pontuam normalmente uma proposta de cooperação verticalizada, norte-sul, ou a proposta de um complexo de segurança coletiva sobre o guarda-chuva de uma potência regional ou global. Nessa pesquisa de doutorado parece inovadora a análise da proposta de inserção das temáticas de segurança e defesa no âmbito de uma cooperação sul- sul com foco linguistico e cultural. No caso dessas duas temáticas e sua amplitude marítima, as análises envolveriam diretamente os Ministérios da Defesa e as Forças Armadas dos países de língua portuguesa para treinamento, capacitação técnica, formação de oficiais e fortalecimento da capacidade institucional, mas também para concertação político- diplomática em outros fóruns que incluam essas temáticas, bem como análises de ambientes regional e internacional, conjunturas, cenários prospectivos, ameaças e vulnerabilidades. Um terceiro ponto de originalidade deste projeto de doutorado está na análise da agenda de segurança e defesa para o ambiente marítimo da CPLP levando em conta a Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e a delimitação dos espaços oceânicos, em uma lógica que transformaria os oceanos de meio de deslocamento em fonte de recursos. F – Estrutura da Tese Para falar da Agenda de Segurança e Defesa da CPLP, levando em conta que esta é uma tese de história comparada, onde há proposição de se fazer uma comparação clássica entre literaturas que abordam a visão portuguesa e brasileira, e destas com a literatura do ambiente comunitário (CPLP), optou-se por dividir essa tese em quatro perspectivas de análise que deram origem aos quatro capítulos que a compõe. A primeira seria a Perspectiva Histórica e Política (Capítulo 1 - As relações políticas e econômicas entre Brasil, Portugal e os países africanos de língua portuguesa nos últimos quarenta anos) que descreve 16 comparativamente como foram sendo delineadas as relações políticas entre Portugal, Brasil e os países africanos de língua portuguesa até a criação da CPLP, e como o elemento político- partidário nas últimas décadasminimizou ou acentuou esta relação, principalmente o atual governo brasileiro do Partido dos Trabalhadores. A segunda seria a Perspectiva Histórica e Técnica (Capítulo 2 - Concepção políticas e estratégicas para os Oceanos ao longo da história) que descreve comparativamente como ao longo do último século foram construídas pelas grandes potências as percepções para os oceanos tanto na dimensão técnico-militar como na político-histórica, e como isso passaria a ser contestado com a Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar na década de 1980 em uma lógica que passa a incluir países em desenvolvimento. A terceira seria a Perspectiva Política e Técnica já focada na Comunidade e nos países que a compõe (Capítulo 3 - A Agenda de Segurança e Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e o oceano de língua portuguesa em perspectiva estratégica) que descreve comparativamente como esta estruturada a Componente de Defesa da Comunidade, como esse ambiente marítimo comum tem sido visto estrategicamente por seus dois principais atores: Brasil e Portugal, e quais tem sido as limitações dos outros países da Comunidade para se inserirem nesse ambiente oceânico de direitos e deveres no estabelecimento da CNUDM, bem como, nessa lógica, surge no âmbito da CPLP, o ator político do pensamento estratégico para os oceanos que são as Marinhas. E por fim a quarta e última perspectiva que é a Técnica-Estratégica (Capítulo 4 - Atlântico de língua portuguesa da dimensão histórico-política a técnico-estratégica), que é construída pela análise comparativamente dos documentos produzidos na Componente de Defesa e que nos permite descrever como a dimensão histórica, política e técnica da Comunidade e do mundo influenciaram de maneira global e pontual na Agenda de Segurança e Defesa da CPLP, bem como nos permiti fazer uma análise da importância da interação entre dimensão histórica, política e técnica para o futuro da Comunidade dentro do enquadramento de direitos e deveres que propõe para o século XXI a CNUDM. 17 INTRODUÇÃO No século XX ocorreram reconfigurações no mundo, incluindo a aproximação entre países buscando a integração político-econômica e a cooperação, até nos domínios de segurança e defesa, aumentando ligeiramente a interdependência entre as nações. Após a 2ª guerra, os países europeus firmaram acordos com o objetivo de reunir o continente, re- estruturar, fortalecer e garantir suas economias. Essa ideia europeia de integração, chamada de União Europeia, originou-se do Tratado de Roma de 1957. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em dezembro de 2009, estabelece-se também uma perspectiva securitária com a Política Europeia de Segurança e de Defesa. A experiência europeia, estimulada pela proposta neoliberal da última década do século XX, foi estendida a outros continentes, dentre esses se destaca o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) criado em 1991 pelo Tratado de Assunção com a adesão do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai. Diferentemente da União Europeia, o MERCOSUL somente poderia ser definido como uma organização intergovernamental, já que todas suas decisões são tomadas por consenso e somente os representantes dos Estados membros atuam nas suas instituições. Outra experiência de integração é a União Africana, criada oficialmente em 2002, que sucedeu a Organização da Unidade Africana, baseada talvez no modelo da União Europeia. Integram a Organização todos os Estados africanos com a exceção do Marrocos. A União teria como foco a ajuda na promoção da democracia, os direitos humanos e o desenvolvimento econômico, social e político da África, e como objetivos a defesa da soberania; da integridade territorial e da independência dos seus Estados membros; a aceleração da integração política e econômica no continente; e a promoção de princípios democráticos, boa governança, paz, segurança e estabilidade no continente6. Cabe ressaltar que a UA propõe relativa integração econômica, mas também seria delineada por ações e perspectivas sócio-políticas em áreas como o desenvolvimento e a vertente militar da segurança e da defesa. A materialização dessas duas últimas vertentes acontece em um órgão interno denominado Conselho de Paz e Segurança e tem suas diretrizes descritas no documento intitulado Nova Arquitetura Africana de Paz e Segurança. Entre os objetivos do CPS estariam à promoção da paz, segurança e estabilidade na África; a prevenção de conflitos, mediante a promoção de práticas democráticas, boa governança, direitos humanos e liberdades fundamentais; a resolução de conflitos, mediante ações de peace-making e peace-building; a reconstrução no período pós-conflito; a 6 ESCOSTEGUY, Pedro. A Nova Arquitetura Africana de Paz e Segurança: implicações para o multilateralismo e para as relações do Brasil com a África. Brasília, FUNAG, 2011. P. 49. 18 coordenação de esforços continentais para o combate ao terrorismo, e o desenvolvimento de uma política de defesa comum para a África. Objetivos que irão requerer recursos e capacidades técnicas que a África ainda não possui. Este documento de algum modo influenciou as primeiras ações da Agenda de Segurança e Defesa da CPLP. A Nova Arquitetura de Paz e Segurança Africana tem a proposta de se apresentar em dois níveis aparentemente diferentes, mas perfeitamente interligados e com sinergias próprias; o nível regional que é protagonizado pela União Africana que pretende ser o topo do sistema integrado de segurança continental para o século XXI. Interdependente e alinhado estrategicamente estaria um segundo nível (sub-regional), onde se inserem as cinco principais organizações compostas por países que integram a quase totalidade do continente africano. Este dois níveis também acabaram sendo refletidos na Agenda de Segurança e Defesa da CPLP. Uma breve apresentação destes três modelos de integração: União Europeia, MERCOSUL e União Africana, tanto no contexto estrutural como na vertente de segurança e defesa, torna-se relevante no contexto do que esta tese propõe como objeto de análise. Primeiramente porque a Comunidades dos Países de Língua Portuguesa é composta por países que integram estes, e tem como pilar de sustentação não a integração econômica, mas sim a herança histórica e cultural comum, unida pelo idioma, em uma proposta inicial similar a Francofonia e o Commonwealth. Segundo, porque esta integração dos países da CPLP nos respectivos grupos regionais, Portugal na UE, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa na UA, o Brasil no MERCOSUL e na UNASUL, ou ainda o Timor Leste na Associação de Nações do Sudeste Asiático, estabelece para além da CPLP, uma rede de interesses sobrepostos de blocos regionais e terão influencia direta em tudo que tem sido produzido na Componente de Defesa da Comunidade. No início, a Comunidade não tinha como objetivos a cooperação no âmbito da segurança ou da defesa, apesar das ações de treinamentos e operações (Cooperação Técnico- Militar – CTM) entre as Forças Armadas portuguesas e os PALOPS serem executados a mais de trinta anos, e a participação ativa brasileira nas Operações de Paz realizadas pela ONU durante os recentes conflitos africanos de Angola, Moçambique e também no Timor Leste, sendo essas participações apontadas como bem sucedidas pela ONU. Diante desse contexto de conflitos intraestatais africanos das últimas décadas e das novas ameaças de segurança do cenário pós Guerra Fria para o desenvolvimento dos países de língua portuguesa, estes domínios foram reconhecidos pelos Estados membros como objetos importantes para Comunidade, principalmente para cooperação técnico-militar, e apenas dois anos após o seu 19 nascimento foram incluídas já as primeiras linhas orientadoras e diálogos multilaterais nestas temáticas. Na ótica portuguesa, a Comunidadeteria inicialmente o objetivo de defesa da língua portuguesa, considerada como vínculo histórico comum, como meio de difusão da criação cultural entre os povos e de projeção internacional da cultura portuguesa. Contudo, esse elemento não seria primordial para Componente de Defesa. Resgatando a regionalização e a formação de blocos que aconteceram na segunda metade do século XX, anteriormente citadas, bem como as duas grandes guerras mundiais e o cenário da Guerra Fria, pode-se pontuar que a segurança e a defesa que anteriormente eram tratadas mais nacionalmente com reserva como interesse nacional, passaram a ser discutidas por países interessados na construção de instituições que promovessem a segurança em uma região geoestratégica. A discussão em conjunto e a união de recursos disponíveis a cada membro permitiria a partilha de responsabilidades e aumentaria a chance de controle de um possível inimigo. Entretanto, essa temática é um pouco mais ampla e difere na prática do que foi proposto no papel, pois dependia da posição geográfica, do contexto político, da história nacional ou mundial, dos valores culturais, morais, da religião, de cada país. Assim, a segurança acaba impregnada e permeada por relações assimétricas de poder, bem como por recursos militares ou econômicos disponíveis a cada membro, tornando-se algumas vezes um guarda-chuva político-militar das grandes potências com transferência de recursos, doação de material militar, e aplicação de normas e regulamentações verticalizadas. Dentro deste cenário de segurança coletiva, no caso da União Européia, e mais especificamente no Atlântico Norte, as discussões sobre defesa e segurança acabam impregnadas pelas deliberações e ações da OTAN, e dos Estados Unidos. A finalidade essencial da OTAN seria salvaguardar a liberdade e a segurança de seus membros através de meios políticos e militares, no âmbito político promoveria os valores democráticos e incentivaria a consulta e a cooperação em matéria de defesa e segurança para construir confiança e, no longo prazo, evitar conflitos. Já no âmbito militar estaria comprometida com a solução pacífica de controvérsias, mas se os esforços diplomáticos falhassem, teria a capacidade militar necessária para realizar operações de gestão de crises. Essas operações deveriam ser realizadas nos termos do artigo n. 5 do Tratado de Washington7, tratado 7 Artigo nº. 5 - as Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51 da Carta dias Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte. Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque são imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de 20 fundador da Organização; ou sob um mandato das Nações Unidas, isoladamente ou em cooperação com outros países e organizações internacionais. Com o surgimento de novos temas de segurança no cenário internacional pós Guerra Fria, como por exemplo, o terrorismo, o tráfico internacional de drogas, a pirataria e os conflitos intraestatais, teria surgido à necessidade de redefinição do papel da Organização tornando-se uma política de segurança, incluindo também países que antes formavam o bloco socialista. Essa ligação entre UE e OTAN se materializa em acordos, como por exemplo, o Berlim Plus feito em dezembro de 2002, onde é dada a União Europeia a possibilidade de utilizar-se dos meios da OTAN, caso quisesse agir de forma independente ante uma crise internacional, na condição de que a própria OTAN não quisesse se envolver, dentro do chamado direito de preferência. Apenas se a OTAN se recusar a agir que a UE teria a opção de tomar uma decisão independente. Cabe pontuar que os gastos militares combinados de todos os membros da Organização são bem relevantes, pois constituem hoje mais de 65% dos gastos de defesa mundiais. Os Estados Unidos sozinhos totalizariam mais de 40% dos gastos militares do mundo; já Reino Unido, França e Alemanha contariam outros de 15%. Cabe aqui acrescentar que Portugal, dada a sua restrita capacidade militar própria, conta estrategicamente com a OTAN e UE para sua segurança e de defesa nacional. Já no âmbito do Atlântico Sul, carente de recursos e meios militares, efetivamente poucas ações materializam-se em anseios regionais de segurança e defesa cooperativa, quer pela adoção de medidas de fomento à confiança mútua, quer pela cooperação militar existente ou pelos acordos firmados na área de segurança regional. A América do Sul destacar-se-ia como uma das regiões mais pacífica do mundo no âmbito de conflito entre Estados. Mas se de um lado a região se destaca pela ausência de guerras formais, por outro lado enfrenta as novas ameaças de segurança, sérios problemas relativos à fragilidade da lei e alto grau de violência social, ao tráfico internacional de drogas e armas, e ao baixo índice de desenvolvimento regional. Essa situação paradoxal, que atinge também a África, no outro lado do Atlântico Sul, pode pressupor que a estrutura desta região deveria ser marcada pela supremacia de preocupações relativas às ameaças de segurança em relação às preocupações de defesa. Assim, no eixo das relações entre países do sul, na área de defesa e segurança cabe pontuar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, também conhecida por ZOPACAS, criada em 1986. Os membros da ZOPACAS são os países banhados pela parte sul do oceano Atlântico, localizados na costa ocidental da África e na costa oriental da América do Sul, Segurança tiver tomado às medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais. Disponível em: <www.nato.int/nato-welcome/index.html>. Acesso em: 23 abr. 2013. 21 incluindo vários países de língua portuguesa. A Zona de Paz visa promove a cooperação regional e a manutenção da paz e segurança na região. Ainda no eixo das relações entre países do sul, na área de defesa e segurança, cabe explicar também a recente criação do Conselho Sul Americano de Defesa (CDS) proposta pelo Brasil. Em de dezembro de 2008, na cúpula extraordinária da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) foi aprovada à criação do Conselho, que não é uma aliança militar convencional, não prevê a existência de forças expedicionárias ou de intervenção no continente, mas certo nível de coordenação militar regional na área da defesa continental e de cooperação. O Conselho visa à elaboração de políticas de defesa conjunta, intercâmbio de pessoal entre as Forças Armadas, realização de exercícios militares conjuntos, participação em operações de paz das Nações Unidas, troca de análises sobre os cenários mundiais de segurança e defesa, integração de bases industriais de defesa, medidas de fomento de confiança recíproca e ajuda coordenada em zonas de desastres naturais. O Conselho de Defesa não seria uma aliança militar convencional como a OTAN, mas exige certa coordenação militar regional, entretanto assim como a ZOPACAS carece de recursos para o financiamento dos projetos. A atuação e os projetos do CDS seriam muito similares ao que tem sido produzido na Agenda de Segurança e Defesa da CPLP. Assim, na perspectiva brasileira se manteria um ambiente securitáriocooperativo, mas não coletivo, na América do Sul com o CDS e com a África, em geral pela ZOPACAS, e em específico com a CPLP. O documento sobre a Globalização da Cooperação Técnico-Militar da Comunidade, de 1999, vislumbrava a criação futura de centros de instrução militar, unidades de comandos e fuzileiros, engenharia, centros de reparação de material, também conjuntas e comunitárias. Na CPLP, os assuntos de segurança são tratados, de certo modo, por toda a esfera legislativa em uma perspectiva que permearia toda a estrutura, desde a Conferência de Chefes de Estado até a Conferência de Assuntos do Mar. Aprovado em 2006, o Protocolo de Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa seria o documento guia da Agenda de Segurança e Defesa e definiria os princípios gerais de cooperação entre os Estados a fim de: promover e facilitar a cooperação por meio da sistematização e clarificação das ações a empreender; a criação de uma plataforma comum de partilha de conhecimentos em matéria de defesa, a promoção de uma política comum de cooperação nas esferas de defesa e militar, e contribuir para o desenvolvimento das capacidades internas com vista ao fortalecimento das forças armadas. No que diz respeito aos PALOPS, este protocolo auxiliaria na disposição de forças armadas modernas, disciplinadas e democráticas, para garantir a paz e a estabilidade interna e regional. 22 Neste início do século XXI, ganham também relevância os princípios gerais de cooperação entre os Estados membros para segurança marítima e mapeamento de recursos oceânicos. 23 CAPÍTULO 1 – AS RELAÇÕES POLÍTICAS E ECONÔMICAS ENTRE BRASIL, PORTUGAL E OS PAÍSES AFRICANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS ÚLTIMOS QUARENTA ANOS Ao longo desta tese cada capítulo tem a função fazer uma abordagem mais detalhada de elementos que, de algum modo, se relacionam com as hipóteses propostas. Considerando que esta é uma tese de história comparada, este primeiro capítulo descreve um pouco da história de aproximações e afastamentos políticos e diplomáticos entre Brasil, Portugal e os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOPS)8, principalmente nos últimos quarenta anos, algo que de alguma forma associa também uma amplitude econômica. São idas e vindas que acabam por materializar-se na criação do objeto de análise da tese que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em 1996. Uma Comunidade estabelecida inicialmente no âmbito cultural e linguístico, mas que com o passar do tempo promove vários fóruns e conferências temáticas para além desses dois âmbitos, permitindo aos mais variados atores dos Estados membros a confluírem para questões de análise comuns, seja segurança e defesa, seja assuntos do mar, como veremos em outros capítulos. Há que se considerar ainda que mesmo que essa história acabe por ser descrita pelo olhar de uma brasileira, e não pelos olhos de uma portuguesa ou de uma africana, ela tem valor histórico. Cabe pontuar também que essa história de aproximações e afastamentos políticos e diplomáticos justifica a existência da Comunidade, mas por si só não é capaz de legitimar tudo que tem sido produzido nos vários fóruns e conferências da Comunidade nas temáticas de segurança e defesa, ou de assuntos do mar. Contudo, também a Comunidade não é a única instituição onde os países de língua portuguesa se reúnem; não é algo fechado em si mesmo ou em suas próprias questões, acaba por refletir também questões de outros fóruns internacionais. Observamos hoje uma interdependência complexa de pertencimento estatal a instituições internacionais ou regionais, bem como de pertencimento de atores estatais com finalidades específicas a vários fóruns e instituições com temáticas relacionais. Essa história de aproximações e afastamentos entre os países de língua portuguesa é também a história da Europa com a América, da Europa com a África, da América com a África, mas também da Europa do Norte com a Europa do Sul, da África Atlântica com a 8A sigla PALOPS designa os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, grupo formado por: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Cinco dos membros foram colônias de Portugal e obtiveram a independência entre 1974 e 1975. O outro é a Guiné Equatorial, que em 2007 adotou o português como língua oficial. 24 África Índica, da América do Sul com a América do Norte; uma história cruzada que acaba por refletir as várias assimetrias leste-oeste, norte-sul ou mesmo sul-sul. Mas também é uma história das disputas entre os atores de política interna e externa de cada Estado membro. Uma história densa com vários atores, várias continuidades e inflexões, várias lacunas e poucos elementos que concentram muito poder, seja político, seja econômico, seja militar. Levando isso em conta, esta tese foi escrita acreditando que vale a pena contar uma parte da história que não faz parte do mainstream da academia, principalmente se considerarmos elementos de hard power em um cenário estratégico hoje focado no Oceano Pacífico. Bem, então vamos à história política e diplomática desse Atlântico de língua portuguesa que mistura políticos, marinheiros, empresários e tantos outros indivíduos falantes do português, ou mesmo estrangeiros. 1.1 DO BRASIL COLÔNIA AOS PROCESSOS DE INDEPENDÊNCIA NA ÁFRICA DE LÍNGUA PORTUGUESA Para falar dos países de língua portuguesa e de sua relação ao longo dos últimos 350 anos temos de pontuar a triangulação imperfeita entre Portugal, o Brasil e a África, que muitas vezes polarizou opiniões envolvendo até a sociedade civil, coisa rara para ações de política externa brasileira. Entre várias idas e vindas, a temática vai de um sentimento antilusitano existente no Brasil ao longo do século XIX, passa por Jânio Quadros e João Goulart quando se sinaliza a possibilidade de formação de uma comunidade luso-afro-brasileira, e chega ao discurso de fraternidade repontuado por José Aparecido e Itamar Franco, materializados na idealizada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Apesar de repontuado por eles, esse discurso de fraternidade é anterior e molda as relações luso-brasileiras ao longo de todo o século XX. Do lado português, na década de 1950, Agostinho da Silva recomendava que Portugal e o Brasil promovessem a criação de uma associação com base linguística e de afeto cultural comum. Já na década de 1960, o professor Adriano Moreira, como Ministro do Ultramar durante o Estado Novo português, empenhou-se, como um agente do Estado salazarista, nesse mesmo sentido, desenvolvendo ações junto das comunidades de emigrantes portugueses. Pode-se dizer que essas relações, entre esses três vértices são ora revestidas de intensa subjetividade e emotividade ora impregnadas de interesses econômicos. Pode-se dizer que no Brasil recente tornou-se enfático o discurso da herança africana, em uma lógica que propõe a 25 reorientação da política externa brasileira em relação à África; mas em um discurso que também envolve interesses políticos, econômicos e estratégicos. Já no âmbito político português, pode-se dizer que permanece o discurso do país de ser a ponte entre uma Europa desenvolvida e uma África extremamente carente, mas rica em recursos minerais; algo às vezes visto como uma tentativa de ser o centro de uma articulação entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, talvez em uma estratégia de segurança global. Além disso, essa África de língua portuguesa, durante três séculos, foi elemento relevante a ser considerado, por exemplo, nas relações bilaterais entre Brasil e Portugal. As histórias da África de língua portuguesa e do Brasil estiveram intimamente ligadas e impulsionaram o império português no Atlântico. Tiveram um mesmo colonizador e uma longa fase de relação econômica e política sustentada no tráfico de escravos,