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O�cina literária Aula 8: O lírico e suas formas Apresentação Nesta aula, conheceremos as características do lírico a partir da análise de algumas obras. Veremos também a diferença entre eu lírico e eu biográ�co. Objetivo Conhecer as características que compõem o lírico. Entender a interação estabelecida entre leitor e texto lírico. Identi�car questões sociais através do poema. Introdução A música Traduzir-se, música de Raimundo Fagner sobre o poema de Ferreira Gullar, fala sobre a di�culdade que o EU tem de se equilibrar entre os dois lados que o compõe, isto é, o lado racional e o passional. Traduzir-se - Raimundo Fagner Clique no botão acima. "Uma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém, fundo sem fundo Uma parte de mim é multidão Outra parte estranheza e solidão Uma parte de mim pesa, pondera Outra parte delira Uma parte de mim almoça e janta Outra parte se espanta Uma parte de mim é permanente Outra parte se sabe de repente Uma parte de mim é só vertigem Outra parte linguagem Traduzir uma parte na outra parte Que é uma questão de vida e morte Fonte: Disponível em: //www.fagner.com.br/Letras/L_traduzir-se.html. Acesso em: jul. 019. Nesse processo contraditório, o EU exterioriza o seu con�ito, o seu interior dividido e difícil de ser compreendido: “Uma parte de mim/ é multidão;/outra parte estranheza/ e solidão.” É deixando vir à tona o lado racional que o EU diz: “Uma parte de mim/ pesa, pondera”, mas a racionalidade, em muitos momentos, dá espaço a emoção, a paixão dentro de cada ser humano. Por isso, o EU diz que “outra parte/delira.” A grande di�culdade é, para o ser humano, fazer uma leitura de si mesmo. A grande di�culdade é cada um tentar se entender para harmonizar o que tem de racional e passional. É o “Traduzir-se uma parte/ na outra parte”. Trata-se de algo que vai além da questão de vida ou morte. É a arte do equilíbrio existencial: “Será arte?” Esta música é o exemplo de que o lírico é o espaço onde o EU representa o mundo ao redor a partir de sua subjetividade. O sujeito, na literatura, surge com o lírico. É, no lírico, que esse sujeito deixa a�orar os seus sentimentos mais recônditos. Mas, você sabe o que é o lírico? A palavra lírica deriva do grego lyrikós que signi�ca algo referente à lira ou som da lira. Este é um instrumento primitivo de quatro cordas que, por sua musicalidade, tem vínculo com o surgimento da poesia lírica, pois o texto lírico tem, na sua estrutura, musicalidade. Ainda, quanto à origem, a poesia lírica tem seu pés �ncados em hinos religiosos e na tradição popular. Dentro desse mergulho, no túnel do tempo, encontramos, na Antiguidade, os momentos comuns da vida vinculados à poesia cantada. Assim, cantigas de ninar, lamentos de morte, cantos de pastores, hinos de vitória e adoração, cantigas de amor, manifestações coletivas ou isoladas de alegria ou tristeza tinham um viés poético. A lírica está ligada à livre imaginação onde a emoção supera o pensamento. (Fonte: Pexels por Pixabay ). Na Antiguidade, também falava-se numa lírica pessoal e outra impessoal. Você faz ideia do que isto signi�ca? A lírica pessoal é aquela em que o poeta fala de si, dos seus sentimentos e de suas ideias. A expressão máxima de sua subjetividade está direcionada para ele mesmo. Na lírica impessoal, o poeta assume a voz da coletividade. O poeta expressa os sentimentos da coletividade. Ele fala em nome de todos, mas, claro, segundo o seu olhar. Os sentimentos dele estão ali irmanados. Ele jamais se isenta de alguma coisa. Tudo é visto e expresso de acordo com a sua forma de sentir. Muitas formas líricas surgiram desde o século VII a.C. Por exemplo: a elegia, a poesia iâmbica, a ode, égloga, idílio, balada e o soneto. O que existe de importante no lírico é a relação entre o conteúdo e a forma, ou seja, é a relação entre o que está sendo dito e como está sendo apresentado. Assim, cada palavra é insubstituível. Toda palavra aliada ao som permite o acontecimento da lírica. (Fonte: delo por Pixabay ). Diante de um poema, nem sempre surge, no leitor, um estado de compreensão, de entendimento claro daquilo que está apresentado. Antes de atingir o entendimento, o leitor passa pelo plano da emoção. No entanto, para o leitor se emocionar é preciso estar de coração aberto. A sua sensibilidade tem que estar desperta. A�nal de contas, antes de entender, ele tem que sentir. Portanto, a alma tem que estar desarmada e a�nada com a alma do poeta. Há um estado de receptividade por parte do leitor. Você sabe o que é eu lírico e eu biográ�co? 1 Eu lírico É o eu comum de todos nós. Trata-se de um eu que vive as di�culdades do cotidiano e as alegrias da vida. É aquela parte do ser humano que está comprometida com os fatos, com o mundo e com a lógica. 2 Eu biográ�co É algo, totalmente, diferente do eu biográ�co. É aquele que não consegue se traduzir, porque não se compreende. Ele segue o �uxo da existência, deixando-se levar por tudo que está dentro e fora dele. Isso �ca claro no poema Meus oito anos, de Casimiro de Abreu: O eu lírico quebra as distâncias temporais e espaciais. Dessa forma, ele, através da emoção, resgata fatos que estão localizados no passado como se fossem atuais. Toda a subjetividade do eu lírico é ativada neste processo de recordar. "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu Clique no botão acima. "Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que �ores,/p> Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias De despontar da existência! – Respira a alma inocência Como perfumes a �or; O mar é – lago sereno, O céu – um manto azulado, O mundo – um sonho dourado, A vida – um hino d’amor! Que auroras, que sol, que vida, Como se vê, o texto apresenta um saudosismo da infância, a qual é traduzida como perfeito, como algo portador de todas as características positivas. O eu lírico tem um olhar contemplativo para esse passado. A natureza é acolhedora, harmoniosa: “lago sereno” ou “céu bordado de estrelas.” Dessa forma, o poema apresenta um recordar, ainda que idealizado, de um tempo de felicidade. A inocência da criança é revivida, é novamente sentida na idade adulta. Há, então, uma quebra da barreira temporal. Veja agora um fragmento do auto de Natal pernambucano: Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar! O céu bordado d´estrelas, A terra de aromas cheia, As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar! (...)” Fonte: Disponível em: //www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do? select_action=&co_obra=86500. Acesso em: jul. 2019. "auto de Natal pernambucano" de João Cabral de Melo Neto Clique no botão acima. "O meu nome é Severino não tenho outro de pia, (...) Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida; na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra. no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas �nas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida. morremos de morte igual, mesma morte Severina: que é morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muitos Severinos iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta a de querer arrancar algum roçado de cinza. João Cabral de Melo Neto Nesse texto, o nome próprio Severino foi usado como adjetivo. Você sabe por que o autor usou esse recurso? O que signi�ca, por exemplo, a morte severina? Ora, signi�ca a morte típica dos lavradores nordestinos, os quais vivem mergulhados numa vida de fome, de miséria. A morte severina é para aqueles que morrem de emboscada, desnutrição ou velhice precoce. O líricotambém estabelece um vínculo com os temas sociais e populares. Em Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, há o retrato do povo nordestino que vive uma vida sofrida no sertão. Todos são Severinos porque estão unidos pela mesma vida sofrida. Severino é um nome comum no Nordeste. Sendo assim, esse substantivo próprio é, semanticamente, próximo do adjetivo. Os muitos Severinos são iguais na morte e na vida. Tal vida é ganha com o suor do trabalho de todos os dias na tentativa de fazer brotar algo daquele solo seco. É a luta diária pela sobrevivência: “suando-se muito em cima,/ a de tentar despertar/ terra sempre mais extinta,/ a de querer arrancar/ algum roçado de cinza”. Fonte: Photo by vardan harutyunyan on Unsplash Diante desse quadro pintado pelo eu lírico, o leitor não �ca passivo. Ele também sente a dor do outro e se comove com o sofrimento vivido pelos lavradores do sertão. Por �m, o lírico está presente também no universo popular como, por exemplo, o cordel. Ali, estão presentes, através de versos, os costumes, as crendices e o estilo de vida do povo nordestino. (Fonte: Rodrigo Gavini - Shutterstock). Aula Teletransmitida em LIBRAS Assista a versão na Linguagem Brasileira de Sinais da Aulateletransmitida. Notas Referências Próxima aula o narrador no romance; as relações sociais; o per�l de mulher apresentado pelo romance. 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