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Brasília-DF. Ergonomia, ambiEntE E as DoEnças Do trabalho Elaboração Elisa Maria Amate Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 6 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 8 UNIDADE I ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR ................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 UM POUCO DE HISTÓRIA... ....................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 MEDICINA DO TRABALHO, SAÚDE OCUPACIONAL E SAÚDE DO TRABALHADOR ........................ 18 CAPÍTULO 3 SAÚDE DO TRABALHADOR: O COLETIVO E O INDIVIDUAL......................................................... 27 CAPÍTULO 4 ANAMNESE OCUPACIONAL .................................................................................................... 36 CAPÍTULO 5 AGRAVOS À SAÚDE RELACIONADOS AO TRABALHO E AO AMBIENTE ....................................... 39 UNIDADE II DIRETRIZES E ATORES DA ESFERA PÚBLICO-PRIVADA DA SAÚDE DO TRABALHADOR ................................ 43 CAPÍTULO 1 POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DO TRABALHADOR ................................................................. 43 CAPÍTULO 2 SERVIÇOS ESPECIALIZADOS E PROGRAMAS DE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHADOR ....... 49 UNIDADE III SOBRE ALGUNS AGRAVOS RELACIONADOS AO TRABALHO .................................................................. 58 CAPÍTULO 1 DOENÇAS DO TRABALHO CAUSADAS POR FATORES DE RISCO FÍSICO, QUÍMICO E BIOLÓGICO, PSICOERGONÔMICO E MECÂNICO – ACIDENTES .................................................................. 58 CAPÍTULO 2 ACIDENTE COM EXPOSIÇÃO A MATERIAL BIOLÓGICO RELACIONADO AO TRABALHO ............. 61 CAPÍTULO 3 CÂNCER RELACIONADO AO TRABALHO (DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO AO BENZENO) ........... 67 CAPÍTULO 4 DERMATOSES OCUPACIONAIS ................................................................................................ 72 CAPÍTULO 5 DISTÚRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO TRABALHO (DORT) ................................. 76 CAPÍTULO 6 PERDA AUDITIVA INDUZIDA POR RUÍDO (PAIR) RELACIONADA AO TRABALHO ............................ 81 CAPÍTULO 7 PNEUMOCONIOSES RELACIONADAS AO TRABALHO ............................................................... 85 CAPÍTULO 8 TRANSTORNOS MENTAIS RELACIONADOS AO TRABALHO ......................................................... 88 CAPÍTULO 9 TRABALHO INFANTIL ................................................................................................................ 97 UNIDADE IV ERGONOMIA ...................................................................................................................................... 99 CAPÍTULO 1 ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DA ERGONOMIA ..................................................................... 99 CAPÍTULO 2 CONTEXTO DE PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS (CPBS) ...................................................... 111 CAPÍTULO 3 ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO (AET) ........................................................................ 118 CAPÍTULO 4 NORMA REGULAMENTADORA 17 ......................................................................................... 125 PARA (NÃO) FINALIZAR ................................................................................................................... 130 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 131 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 Introdução No cenário contemporâneo, as transformações ocorridas nos processos produtivos (precarização, informalidade, globalização etc.) implicam a necessidade de construção de conhecimento sobre agravos relacionados ao trabalho para além do estudo de suas manifestações clínicas. Essa construção será fomentada como categoria fundamental de reconhecimento da relação “causa e efeito”, resultante da interação da tríade ambiente-saúde-trabalho. O ponto de partida será a definição dos principais conceitos até o rol de agravos relacionados ao assunto em questão. O assunto não se esgota porque ele faz interface direta com as demais disciplinas do curso e o cotidiano de profissionais da área de Segurança e Saúde do Trabalhador, pública ou privada. Portanto, a disciplina contribui para a discussão dos entrecruzamentos dos campos do Ambiente, Saúde e Trabalho, por intermédio da compreensão dos aspectos conceituais e históricos. Assim, possibilita-se avaliar todas aquelas situações que ofereçam risco de acidentes e adoecimento associados aos processos produtivos, à avaliação de procedimentos utilizados na investigação das situações de risco, bem como as metodologias utilizadas na suaprevenção e controle. Dá-se ênfase às morbidades mais prevalentes. Objetivos » Aprofundar os aspectos conceituais e históricos do campo da Saúde Ambiental e do Trabalhador. » Identificar as relações entre saúde, ambiente e trabalho, de maneira a estimular a prevenção de fatores de riscos que levariam à redução de NTEP. » Identificar os principais sujeitos envolvidos nos procedimentos de investigação de situações de risco para a saúde do trabalhador. » Analisar os procedimentos utilizados para a investigação de situações de risco, bem como as metodologias utilizadas em sua prevenção e controle. » Avaliar as situações de risco e dos acidentes e patologias associadas aos processos produtivos. 9 UNIDADE I ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR CAPÍTULO 1 Um pouco de História... Os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho são antigos e a sua origem está vinculada ao surgimento do trabalho: ao longo de toda História, as condições do ambiente de trabalho têm causado incapacidades e mortes para um grande número de trabalhadores (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Observe: » Na Antiguidade, essa associação foi encontrada em papiros antigos, no Império Babilônico e em escrituras greco-romanas. Nesse período, predominava o conceito de fenômenos de origem mágico-religiosa e, posteriormente, naturalista. » No Egito, há registros de 2360 a.C., como o Papiro Seler II e o Anastasi V, sendo este último conhecido como “Sátira dos Ofícios”, de 1800 a.C., no qual estão evidenciados problemas relativos à insalubridade, periculosidade e penosidade dos profissionais à época (MATTOS; MÁSCULO, 2011). » Em 1750 a.C., o código de Hamurabi trazia em seu bojo cerca de 281 artigos a respeito das relações de trabalho, família, propriedade e escravidão. Um deles, em especial, tratava da pena de morte ao arquiteto que projetasse uma casa que desmoronasse e causasse a morte de seus ocupantes. » As civilizações greco-romanas não tinham interesse em estudar o trabalho em si, uma vez que essa área era de competência dos escravos. Entretanto, houve estudos relevantes, como o tratado de Hipócrates, Sobre os Ares, Águas e Lugares, no século IV a.C., cujo conteúdo indicava ao médico a relação entre ambiente e saúde, bem como descreveu um quadro de intoxicação saturnina em um mineiro. No séc. I a.C., o naturalista romano Plínio escreve um tratado chamado História 10 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR Natural, evidenciando o aspecto dos trabalhadores expostos a chumbo, mercúrio e poeiras (MATTOS; MÁSCULO, 2011). » No período entre o apogeu do Império Romano e o final da Idade Média, poucos relatos foram encontrados sobre doenças. Porém, nessa época, foram criadas ordens hospitalares para prestar atendimento a enfermos (MATTOS; MÁSCULO, 2011). A sociedade feudal caracterizava-se pela produção de bens e serviços efetuados pelo trabalho servil e artesanal. Mas qual era a relação de servidão com o acúmulo de capital? Os camponeses não eram trabalhadores livres e não possuíam direito de propriedade ou de venda de sua força de trabalho em troca de salário, onde quer que estivessem. O senhor feudal e o clero exigiam os dízimos e impostos, pouco se importando com o estado de saúde de seus subalternos. A assistência ao doente ou inválido era arcada pela família, pois o trabalho e as doenças decorrentes disso não eram objetos de regulamentação e interferência do Estado (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011). O artesão era capaz de realizar todas as tarefas do ofício, conhecendo o início e o fim do trabalho, não o distanciando de seu objeto de atuação, o que ocorrerá na Revolução Industrial. Após anos, apenas em 1473, Ulrich de Elsborg desenvolveu o estudo sobre vapores metálicos, em que há o descritivo de sinais e sintomas de envenenamento ocupacional por monóxido de carbono, chumbo, mercúrio e ácido nítrico, além de sugerir medidas preventivas (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Até o final do século XV, muitas pesquisas tratavam de doenças causadas por agentes químicos, como o estudo completo De Re Metallica (George Bauer ou Georgius Agricola, Inglaterra), que se compõe de: problemas relacionados às atividades de extração e fundição de prata e ouro; acidentes de trabalho; doenças comuns entre mineiros; e meios de prevenção (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Já no início do século XVIII, o mundo do trabalho sofreu grandes transformações com o surgimento de novos estudos pela Europa e, por conseguinte, com as grandes contribuições para a medicina do trabalho, como a obra De Morbis Artificum Diatriba, de Bernadino Ramazzini. Em seu estudo, o autor descreveu as doenças, os riscos e as precauções relacionados a 50 profissões da época. É considerado o pai da medicina do trabalho (MATTOS; MÁSCULO, 2011). No final do XVIII e início do século XIX, ocorre na Europa a Revolução Industrial, inicialmente na Inglaterra, França e Alemanha, tendo como marcos a invenção da máquina a vapor por James Watts (1784) e a publicação polêmica de Adam Smith da 11 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I obra Riqueza das nações (1776), apontando as vantagens econômicas na divisão do trabalho (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Nesse espectro, a forma de fabricação industrial caracterizou-se por: 1. Divisão técnica do trabalho; 2. Uso intensivo de máquinas do dono da empresa; e 3. Uso de energia motriz capaz de movimentar um conjunto de máquinas. A operação das máquinas gerava uma divisão técnica do trabalho e as atividades passaram a ser parceladas, com tarefas divididas, exigindo movimentos de partes específicas do corpo do trabalhador (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011). Com o furor causado pela Revolução Industrial, houve grande aumento da produtividade e ampliação do consumo de bens pela sociedade em geral, necessitando de mais mão de obra para conduzir as máquinas. Para isso, foram empregadas mulheres, homens e crianças (a partir dos 6 anos), em condições de trabalho degradadas, como jornada de trabalho prolongada, ruído exacerbado, más condições de higiene no local de trabalho, somando-se a esses aspectos o elevado número de acidentes e adoecimentos (MATTOS; MÁSCULO, 2011). A indústria capitalista demandou legiões de trabalhadores e trouxe consigo efeitos devastadores, como alta frequência de mortes, epidemias e mutilações, contudo, em função disso, várias leis começaram a ser editadas, principalmente na França e Inglaterra (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011). A situação só se modificou com os movimentos sociais de trabalhadores, que obrigaram legisladores e políticos a repensar o papel do Estado na regulação das condições de trabalho nas fábricas. Desta forma, em 1802, foi aprovada a Lei da Preservação da Saúde e da Moral dos Aprendizes e de Outros Empregados, constituindo-se, portanto, na primeira legislação de amparo e proteção aos trabalhadores. E aí foi feita uma comissão de inquérito do parlamento britânico, que estabelecia a jornada diária de trabalho de 12 horas, proibia o trabalho noturno e obrigava a ventilação e lavagem das paredes das fábricas pelos empregadores (MATTOS; MÁSCULO, 2011). As ações dessa comissão parlamentar resultaram na primeira legislação no campo da saúde do trabalhador, a Factory Act (Lei das Fábricas), que, apoiada pela sociedade britânica, obrigou todos os empregadores a proibirem o trabalho noturno para menores de 18 anos e montarem escolas para menores de 13 anos. 12 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR Além disso, a idade mínima para o trabalho passou a ser de 9, e não mais de 6 anos, e o desenvolvimento físico do trabalhador menor deveria ser avaliado por um médico. No mesmo ano, a Lei Operária foi aprovada na Alemanha (MATTOS; MÁSCULO, 2011). A Factory Act tomou por base o conselho de Baker, que foi um médico contratado por um industrial inglês, Robert Derham, em 1830, para estudar a melhor forma de preservar a saúde dos trabalhadores de sua fábrica. Após seu estudo, Baker sugeriu que Derhamcontratasse um médico que visitasse a fábrica diariamente e estudasse a influência do trabalho na saúde dos trabalhadores – aqui foi criado o ensaio do primeiro serviço médico industrial do mundo. Quatro anos depois, Baker foi nomeado inspetor médico do parlamento inglês. A criação da legislação ocupacional na Inglaterra contou também com a contribuição de Charles Turner Thackrah, em 1830, quando ele publicou um livro sobre doenças ocupacionais. Quando os trabalhadores começaram a ser contratados massivamente pela via salarial, costumava-se pagá-los por produção, e as jornadas de trabalho eram muito mais longas do que as atuais – podiam atingir de 16 a 18 horas seguidas – e, comumente, eram empregadas crianças e mulheres para realizar tarefas árduas, fato gerador de duras críticas por parte das primeiras associações formadas por trabalhadores (primeiros sindicatos, por assim dizer). A partir daí, obteve-se a melhoria das condições de trabalho e o advento das primeiras leis no século XVIII, que se consolidariam especialmente no século XIX, em alguns países da Europa, como França e Inglaterra, e nos Estados Unidos da América (MATTOS; MÁSCULO, 2011). No auge da Revolução Industrial, muitos artesãos habilitados foram contratados e mantiveram suas tradições e regras de ofício até a difusão da “organização científica do trabalho”, por Frederic Taylor, a partir do século XX. Dessas tradições e regras de ofício, partiram muitos marcos regulatórios que determinariam a organização do trabalho e cuidados aos riscos profissionais para a saúde do trabalhador (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011). A transição ocorreu com as profundas transformações provocadas pelo taylorismo e fordismo. O fordismo desencadeou a 2a Revolução Industrial quando Henry Ford estabeleceu, em sua montadora de carros nos Estados Unidos, o gerenciamento científico de Taylor, valorizando todas as formas de intensificação das tarefas e automação industrial (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011), instituindo a produção em série e o consumo em massa. Aqui o trabalhador entra como uma equipagem merecedora de processos de análise seletiva na sua inserção na indústria. Nessa condição, a manutenção da sua saúde destina-se a evitar o absenteísmo por meio 13 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I de práticas de medicina, psicologia, higiene industrial, com vias de não interferir na produtividade e no lucro. Leia o artigo “Fordismo, taylorismo e toyotismo: apontamentos sobre suas rupturas e continuidades”, de Érika Batista, disponível em nossa biblioteca virtual. A partir do século XX, algumas organizações criaram resoluções e convenções na tentativa de melhorar as condições de trabalho e atendimento à saúde em todos os países membros que tivessem aderido às referidas convenções. Estamos falando das organizações multigovernamentais tais como a ONU e suas afiliadas: OIT (Organização Internacional do Trabalho) e OMS (Organização Mundial da Saúde) (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Em 1979, foi retomado o movimento sindical no Brasil, e várias entidades tiveram acesso às informações das empresas, prontuários, laudos e exames médicos de trabalhadores para constituir dossiês e instigar a discussão das suas condições de vida e trabalho, divulgando essas informações na imprensa e estações de rádio e de televisão daquela época (MATTOS; MÁSCULO, 2011). É importante ressaltar que esse movimento deu fruto a uma obra pioneira na integração das atividades sindicais com a pesquisa em saúde e área jurídica: “De que adoecem e morrem os trabalhadores”, organizado pelo médico Herval Ribeiro e Francisco Lacaz. Obras como essa foram fruto de pesquisas organizadas pelos sindicatos para melhoria de base técnica em defesa dos direitos dos trabalhadores (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Muitos sindicalistas conseguiram espaço com direito a voto nos processos de criação e retificação das normas regulamentadoras, bem como a participação nos embrionários Conselhos-Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (MATTOS; MÁSCULO, 2011). O movimento de redemocratização e a abertura cultural e política, aliados ao intercâmbio entre entidades ambientalistas, pesquisadores, sindicatos e outros intelectuais da época, resultaram na inserção de leis de proteção ao meio ambiente e saúde do trabalhador na Constituição Federal de 1988 e em legislações estaduais (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Essa pressão incisiva, fomentada pelos sindicatos sobre os parlamentares e Administração Pública, foi em sua maioria integrada por categorias de trabalhadores atreladas diretamente às atividades econômicas com dependência direta dos recursos 14 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR naturais, das águas, compostos químicos, além de trabalhadores rurais, sem-terras e extrativistas (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Ora, essas categorias possuíam a real dimensão dos impactos ambientais e da saúde dessas atividades econômicas... Você sabia que a implantação da NR 5 começou, de fato, nas plantas industriais químicas e refinarias de petróleo? Em 1990, multiplicaram-se casos de contaminação por exposição a compostos químicos, em que as doenças mais prevalentes apresentadas foram leucemia e outros tipos de cânceres. Na indústria química, trabalhadores e comunidade em volta desses complexos industriais são expostas à toxicidade variada dos insumos, produtos e subprodutos efluentes. Por isso, a preocupação da comunidade veio se somar ao foco ocupacional, e a noção de perigo foi cada vez mais agregada ao conhecimento dos sindicalistas sobre os riscos químicos para a saúde humana e ambiental. Os problemas de saúde ocupacional pioraram com a 2a Revolução Industrial, advinda pela descoberta da eletricidade e motor de explosão, culminando no surgimento de várias obras que tratavam da situação do mundo do trabalho naquela época, como o livro O Capital, de Karl Marx, que trata principalmente dos mecanismos de acumulação de capital pelos empregadores por meio da mais-valia, além de descrever a exploração da mão de obra na Inglaterra. Nesse período, a enfermeira italiana Florence Nightingale publicou, em 1861, “Notas sobre a enfermagem para as classes trabalhadoras”, tornando-se pioneira em sua área de atuação. Diante do quadro preocupante, muitos países do continente europeu aprovaram leis sobre a reparação de acidentes e doenças profissionais, como a Alemanha (1884), Inglaterra (1897), França (1898), Portugal (1913) e, no continente americano, os Estados Unidos (1911) (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Em 1900, foi criada a Internacional Association for Labour Legislation – embrião da OIT, que seria formalmente criada após 19 anos. As duas primeiras convenções internacionais sobre o trabalho, especificamente sobre trabalho noturno das mulheres e eliminação de fósforo branco da indústria de máquinas, foram originadas em conferências diplomáticas realizadas em Berna, na Suíça (1905). A medicina do trabalho foi reconhecida enquanto especialidade somente em 1954. Os movimentos mundiais pela conscientização do papel fundamental da saúde do trabalhador foram motivadores para o trabalho em conjunto da OIT e OMS de tal modo que, na década de 1950 do século passado, uma comissão conjunta foi formada para tratar da saúde ocupacional, na Suíça, e, desde essa época, o tema tem sido debatido em vários encontros da Conferência Internacional do Trabalho (MATTOS; MÁSCULO, 2011). 15 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I Na história brasileira colonial e imperial, a mão de obra escrava teve uma importância central no panorama econômico, perfazendo um total de 400 anos de trabalho escravo. Diferentemente do que imaginamos, naquela época, surgiu uma prática de medicina do trabalho dirigida aos escravos com um foco do que hoje seria a zootecnia ou medicina veterinária: o escravo era considerado mercadoria animal, cujo senhorio era proprietário de corpo físico, da liberdade e da prole do escravo por toda eternidade. Considerandoa escravidão em larga escala nas Américas, o mercado de escravos organizou-se de maneira distinta do mercado de força de trabalho desenvolvido no modo capitalista industrial. A visibilidade da doença do trabalho se perdia em um mundo de extrema violência e crueldade, o que se configuraria em um massacre moral extremo e desastre epidêmico (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011). Quando doentes, os escravos eram tratados por seu valor patrimonial, caso houvesse interesse do proprietário, caso não sobrevivesse, era substituído por outro hígido. Segundo Vasconcelos e Oliveira (2011), a medicina do trabalho no Brasil surge como aquela assistência à saúde dos escravos por meio de práticas de medicina veterinária aplicadas aos seres humanos em cativeiros. Algumas leis foram promulgadas para amenizar o sofrimento dos escravos durante o Império, culminando com a Lei Áurea, em 1888. Pouco se diferenciava as condições de trabalho no Brasil com aquelas encontradas na Europa, quando do advento da indústria em território nacional. Com aumento da atividade fabril, principalmente em São Paulo, os movimentos sociais pressionaram o Estado à criação de legislação trabalhista em 1917, ainda que rudimentar, e também uma lei sobre acidentes de trabalho em 1919. Aqui, a Revolução Industrial foi tardia, assim como em toda América Latina, lá pelos idos dos anos de 1930, tendo-se a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (1943), por Getúlio Vargas, como marco principal do século XX (MATTOS; MÁSCULO, 2011). A 8a Conferência Nacional de Saúde e seus desdobramentos na Assembleia Nacional Constituinte, bem como a criação do Sistema Único de Saúde, advieram dos ideais e bases teóricas fomentados pela Epidemiologia Social. Ela apresentou avanços tecnológicos importantes na América Latina, desde o final da década de 1970, tendo grande reflexo na saúde pública brasileira. A ênfase no processo de produção estimulou a expansão conceitual da “Saúde Ocupacional” para “Saúde dos Trabalhadores”, paralela à implantação de políticas de saúde coerentes com esse novo marco. Em paralelo, a pauta da saúde ambiental ganhava espaço nas esferas políticas do mundo inteiro. Após a Rio 92, no Brasil, o campo da saúde ambiental teve uma abertura maior não apenas ao debate específico 16 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR sobre o saneamento básico e as doenças infectocontagiosas, mas também ao enfoque de problemáticas a respeito de agrotóxicos, metais pesados, contaminação das águas para consumo humano, ambiente urbano, além de outros. Isso representaria os primeiros passos para o delineamento de uma política de saúde ambiental consistente (RIGOTTO, 2003). Do ponto de vista institucional, as questões ambientais, tradicionalmente relacionadas à saúde no Brasil – numa preocupação quase que exclusiva de instituições voltadas ao saneamento básico (água, esgoto, lixo etc.) –, estiveram, durante muitos anos, pautadas nas propostas do Governo e atreladas aos diversos campos internos do aparelho de Estado, notadamente em alguns ministérios, como o da Saúde e do Interior, secretarias estaduais e municipais, além de algumas Universidades. A partir da década de 1970, com a piora dos problemas ambientais gerados pelo crescimento industrial, novas instituições surgiram ou foram criadas, como a Companhia Estadual de Tecnologia em Saneamento Ambiental (CETESB) e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA). Essas instituições contribuíram para o desenvolvimento de ações de monitoramento e controle da poluição ambiental, sem sequer ter ligação com o sistema de saúde. Em outra via, a elaboração de novas teorias e abordagens que renovavam esse aporte institucional estava latente no mundo acadêmico – estando majoritariamente associado a outras organizações civis no bojo da luta pela redemocratização do país (TAMBELINNI; CÂMARA, 1998). Com o crescimento da saúde do trabalhador, a partir do final da década de 1970, e durante toda a década de 1980, ficou explícito o elo existente entre essas questões e o sistema de saúde, abrindo o caminho para a incorporação de uma saúde ambiental moderna no setor. O período anterior à realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), em 1992, no Rio de Janeiro, também corroborou para aumentar as preocupações com os problemas de saúde relacionados ao ambiente. Além disso, esse período pode ser caracterizado pelo crescimento dos movimentos ecológicos – ONGs e outras formas organizadas de luta da sociedade civil pela preservação do ambiente e da saúde –, que ganharam dia após dia mais publicidade. Esse desenrolar de fatos históricos concatenados demonstra e explicita o convencimento do meio político e social a respeito da importância da questão ambiental em seus desdobramentos para a saúde humana, atingindo todo o planeta também (TAMBELINNI; CÂMARA, 1998). O SUS resulta de movimentos inusitados na área de saúde do trabalhador: influencia a organização da saúde do trabalhador na rede pública como direito universal e dever do Estado, incorpora princípios institucionais nas legislações estaduais, introduz o conceito ampliado de saúde do trabalhador – diferente dos conceitos reducionistas 17 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I de medicina do trabalho e saúde ocupacional –, e vislumbra a saúde como elemento central na proteção dos trabalhadores diante das imposições econômicas e sociais dos processos de trabalho historicamente arraigados (VASCONCELOS; OLIVEIRA, 2011). Falaremos detidamente sobre esse assunto nos próximos capítulos, quando da evolução das políticas de Saúde no Trabalho (ST) no SUS até a atualidade, partindo da década de 1980. 18 CAPÍTULO 2 Medicina do trabalho, saúde ocupacional e saúde do trabalhador A medicina do trabalho está pautada principalmente na presença de um serviço médico dentro das empresas, para monitorar a saúde dos trabalhadores, modelo ainda muito próximo à sua origem na Revolução Industrial (vide história de Baker). Mendes e Dias (1991) descrevem, além dessas, outras características típicas da especialidade em questão: é-lhe atribuída a tarefa de cuidar da “adaptação física e mental dos trabalhadores”, supostamente contribuindo na colocação deles em lugares ou tarefas correspondentes às aptidões. Essa adaptação estaria mais limitada à seleção de candidatos mais sadios e à adequação dos trabalhadores às suas atividades, e não o inverso. É atribuída a essa tarefa “a contribuição à manutenção do nível mais elevado possível do bem-estar biopsicossocial dos trabalhadores”, conferindo-lhe ainda um caráter de plenitude e inerente à própria concepção positivista da prática médica. No campo das ciências da administração, a medicina do trabalho vai sustentar o desenvolvimento da “Administração Científica do Trabalho”, em que os princípios de Taylor, ampliados por Ford, encontraram uma aliada para aumentar produtividade nas empresas (MENDES; DIAS, 1991). Entretanto, essa onipotência começa a dar espaço a uma nova abordagem de relação saúde versus trabalho, denominada saúde ocupacional, que visava à adequação à nova realidade resultante das inovações tecnológicas introduzidas após a Segunda Guerra Mundial (MATTOS; MÁSCULO, 2011). Assim, o contexto econômico e político – como o pós-guerra, o custo provocado pela perda de vidas e as doenças do trabalho – começou a ser também sentido pelos empregadores e pelas companhias de seguro, às voltas com o pagamento de pesadas indenizações por incapacidade provocada pelo trabalho (MENDES; DIAS, 1991). Uma vez que o modelo positivista centrado na figura do médico não respondia às inovações tecnológicas e da sociedade, repensou-se a metodologia que aliasse médicos e engenheiros para higienizar os ambientes insalubres, ou seja, o que antes tinha como centro das atenções o trabalhador, agora extrapola para o ambiente em volta. Eis que surge a saúde ocupacional.19 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I Entretanto, nas escolas de saúde pública dos Estados Unidos, o desenvolvimento do novo modelo proposto não promoveu a multidisciplinariedade na íntegra, acompanhado de certa desqualificação do aspecto epidemiológico do trabalho (MENDES; DIAS, 1991). Para Mattos e Másculo (2011), essa abordagem é tecnicista, valoriza os ambientes de trabalho e agentes ambientais com atenção à saúde do trabalhador sadio, quantifica os riscos ambientais e despreza a análise dos processos de trabalho e organização da produção com o contexto social. O trabalhador permanece como objeto de análise – para melhor produtividade – e não como sujeito ativo de transformação do seu meio. A partir do final dos anos 1960, começam as críticas à concepção de saúde e à denúncia dos efeitos negativos da medicalização e do caráter ideológico e reprodutor das instituições médicas. Nesse intenso processo social de discussões teóricas e de práticas alternativas, ganha corpo a teoria da determinação social do processo saúde-doença (MENDES; DIAS, 1991). O modelo operário italiano contribuiu para as mudanças na relação saúde versus trabalho, por meio do Estatuto dos Direitos dos Trabalhadores (1970), em que foram incorporadas as reivindicações dos trabalhadores ao corpo da lei. Dessa forma, surge um novo conceito de trabalho versus saúde, enquanto modelo participativo, em que: 1. O trabalhador é sujeito de transformações do ambiente de trabalho; 2. A epidemiologia estuda as questões sanitárias da massa de trabalhadores e não do indivíduo; e 3. O indivíduo agora é considerado ser holístico, traduzindo esse modelo quanto ao cuidado biopsicossocial, levando-se em conta os macrocondicionantes externos ao trabalho nos determinantes em saúde para o desenvolvimento de doenças e agravos relacionados ao trabalho (MATTOS; MÁSCULO, 2011; ANAMT, 2014). As ações vinculadas à relação saúde e trabalho são resultados de diferentes conceitos e práticas de diversas correntes que tentaram, ao longo de anos, trazer a hegemonia do conceito (conhecimento) para si. Esse modelo de análise nos permite conceber alguns conceitos de áreas específicas no campo da saúde e das normas (jurídico) segundo a sua abordagem em relação ao processo de trabalho, reflentindo-se em algumas áreas específicas, como a medicina do trabalho, saúde ocupacional e saúde do trabalhador (MATTOS; MÁSCULO, 2011). 20 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR A relação saúde, ambiente e trabalho O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente (...) Natural ou criado pelo homem o meio ambiente é essencial para o bem-estar e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida (ONU, 1972). Quaisquer ações do homem têm impacto sobre a natureza, sejam positivas ou negativas: a sua criticidade, determinada pela intensidade e a natureza do impacto, é equivalente à organização social e às atividades econômicas desenvolvidas pelo homem. Dentre alguns problemas apresentados por essa relação entre o homem e a natureza, ressaltam-se os ambientais, que incidem sobre a saúde. Em meados do século XIX, o intenso processo de industrialização e urbanização acelerou os efeitos do meio ambiente na saúde humana, acometendo as condições de vida e trabalho das populações (RADICHI; LEMOS, 2009). É pacificado o entendimento dos cientistas e estudiosos do assunto acerca da existência de uma crise generalizada e profunda, insistentemente denominada por alguns deles como “crise da modernidade”. Um dos aspectos evidentes dessa crise diz respeito à questão ambiental. Depois de longa trajetória de crescimento, marcada pela infinita capacidade do desenvolvimento tecnológico em dar resposta aos problemas externos produzidos pelos processos produtivos, no início dos anos 1970 do século passado, a economia contemporânea tem seus padrões de produção e consumo questionados (RADICHI; LEMOS, 2009). Os problemas ambientais são decorrentes tanto da modernidade expansiva quanto do atraso e da pobreza: países pobres e ricos, ambientes aquáticos e terrestres, a atmosfera e as aglomerações urbanas, todos vivem as consequências (impactos) dos modos de produção e reprodução material criados pela e na modernidade. Esses impactos ambientais gerados sobre a saúde humana podem se manifestar sob a forma de eventos agudos de grandes proporções, como os acidentes industriais ampliados – Seveso, Chernobyl, Bhopal, entre outros –, bem como o adoecimento em doses homeopáticas traduzido em mortes, cânceres, malformações congênitas e intoxicações crônicas geradas por contaminações ambientais devido à prolongada exposição a doses variadas de diferentes poluentes. Desigualdades entre povos, países ou até mesmo regiões fazem com que muitos problemas ambientais atinjam populações mais pobres e marginalizadas pelo processo 21 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I de desenvolvimento de forma diferenciada. Riscos ambientais modernos atingem com mais gravidade os “excluídos”, como aquelas pessoas que moram em áreas de risco como encostas, áreas de enchentes ou de poluição. Os processos que mais consomem recursos naturais e os mais geradores de poluentes se caracterizam por processos de trabalho muito insalubres e perigosos e tenderiam a se localizar naqueles locais que apresentam legislações ambientais e trabalhistas mais flexíveis, onde a população (trabalhadores) esteja mais suscetível a aceitar precárias condições de vida e trabalho, bem como onde a desinformação é o canal mantenedor de injustiças ambientais (RIGOTTO, 2003). Em nível de industrialização, essa desigualdade é traduzida enquanto “perigos tradicionais” como, por exemplo, a contaminação dos alimentos por organismos patógenos, a falta de acesso à água potável, saneamento básico deficitário em moradias e na comunidade pobres etc. Jáos “perigos modernos estão relacionados ao desenvolvimento rápido e ao consumo insustentável dos recursos naturais” (RIGOTTO, 2003), que não levam em conta a proteção a saúde e o meio ambiente . Esses “perigos modernos” são oriundos de processos produtivos – particularmente os de natureza industrial –, nos moldes do padrão de consumo que o modo de produção capitalista impõe à sociedade bem como na indução da utilização de mão de obra das aglomerações urbanas, de forma a atender às necessidades de força de trabalho e infraestrutura. Seriam os perigos modernos a seguir: contaminação da água pelos núcleos de população, indústria e agricultura intensiva; contaminação do ar urbano pelas emissões de motores de veículos, centrais energéticas e indústria; acumulação de resíduos sólidos e perigosos etc. (RIGOTTO, 2003). Para saber mais sobre injustiça ambiental e o mapa de conflitos atuais no Brasil, acesse o link a seguir. Disponível em: <http://www.conflitoambiental.icict. fiocruz.br/>. A alteração dos elementos do sistema cria desequilíbrio e, ao tender para o equilíbrio, pode significar benefício ou não para os seres humanos e/ou biológicos. Segundo Rigotto (2003), reconhecer que este tema é complexo e demanda práticas inter e transdisciplinares de produção de conhecimento torna-se essencial à superação dos reducionismos por meio de uma ciência mais dirigida à identificação dos problemas e reconhecimento dos seus limites. Legitimando esse entendimento da autora, no mesmo sentido, as políticas intersetoriais e participativas devem ter ciência dessa dimensão complexa dos problemas ambientais. Reitera-se a necessidade de 22 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR redelineamento e reorientação da função do setor de saúde diante do tema “ambiente”, na elaboração de um modelo mais amplo, fundamentado na promoção da saúde e na perspectiva ampliada de vigilância ema saúde – superando o modelo hegemônicoassistencial-sanitarista vigente (RADICCHI; LEMOS, 2009). Segundo Rigotto (2003), um indivíduo é considerado exposto a um fator de risco quando existem vias de ingresso do fator ao organismo (inalação, ingestão, contato dérmico etc.). Nas situações de exposição a algum poluente, é estritamente necessário o conhecimento a respeito de: » Toxicologia do contaminante, características como a capacidade de transformação, tempo de atividade no ambiente e vias ingresso no organismo, por exemplo; » Grupo de pessoas exposto a esse poluente; » Local de exposição ao risco e fonte do mesmo; e » Tempo , intensidade e frequência de exposição das pessoas ao risco. Para a saúde ambiental, as evidências maiores são representadas pelos acidentes, doenças e outros agravos causados por condições do ambiente. Contudo, quanto às doenças e aos agravos, é complexo definir qual fator ambiental adverso interferiu diretamente na saúde de uma pessoa exposta. Esse fator deveria ser estudado. Essa situação é agravada quando a sintomatologia apresentada pelo exposto é inespecífica, podendo o quadro clínico ficar inalterado muito tempo após a fase inicial da exposição. Essa peculiaridade na saúde ambiental é latente nos estudos epidemiológicos, em que é comum a existência de casos suspeitos, que posteriormente podem ser confirmados ou não. Por isso a importância da vigilância em saúde e da valorização desses sinais e sintomas precoces dos agravos nos estudos epidemiológicos, uma vez que as ações de saúde nessa fase são mais efetivas e podem evitar o desenvolvimento completo do agravo (RADICCHI; LEMOS, 2009). Nos anos 1990, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu um “marco causa-efeito para a saúde e o ambiente”, voltado para a elaboração de indicadores de sustentabilidade ambiental pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e pela Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE). No campo das relações saúde-ambiente, Briggs, Corvalán e Nurminen, em 1996, construiram um amplo arcabouço de indicadores de saúde ambiental, incluindo temáticas afetas ao contexto sociodemográfico, às condições de saneamento básico, aos fatores de riscos 23 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I ocupacionais, à segurança alimentar, à poluição do ar, entre outras, relacionado abaixo (RIGOTTO, 2003): » Forças motrizes: são responsáveis pela criação das condições que podem desenvolver ou evitar distintas ameaças ambientais para a saúde. Estão assentadas nas políticas que estabelecem as linhas mestras do desenvolvimento econômico, tecnológico, dos padrões de consumo e do crescimento da população. São elas: população, urbanização, pobreza e desigualdade, avanços técnicos e científicos, pautas de produção e consumo, desenvolvimento econômico. Elas exercem... » Pressões sobre o meio ambiente, como a superexploração, contaminação e desigualdade na distribuição da água; a urbanização; a disputa pela terra, a degradação do solo e as mudanças ambientais decorrentes do desenvolvimento agrícola; a industrialização que, embora traga melhores perspectivas, tem consequências desfavoráveis, como as emissões, os resíduos, a utilização de recursos naturais, os acidentes industriais maiores; a energia, em que o uso doméstico de biomassa e carvão ameaça a qualidade do ar em ambientes fechados; as centrais térmicas, as indústrias e os meios de transporte que usam combustíveis fósseis e contaminam o ambiente; e as hidrelétricas que provocam deslocamento de populações e causam mudanças ecológicas; além da energia nuclear. Essas pressões podem produzir mudanças no... » Estado do meio ambiente, alterando a qualidade do ar ambiental urbano, contaminando o ar das moradias; expondo-o a radiações ionizantes; gerando resíduos domésticos; contaminando ou promovendo acesso desigual à água, ou facilitando a transmissão de doenças transmitidas por vetores relacionados à água; contaminando biológica ou quimicamente os alimentos; degradando o solo; trazendo problemas relacionados à habitação – escassez, confinamento, qualidade dos materiais; acidentes e lesões; trazendo exposições nos locais de trabalho e, finalmente, gerando mudanças ambientais de impacto global, como as mudanças climáticas, o esgotamento da camada de ozônio, a contaminação atmosférica transfronteiriça e o movimento dos resíduos perigosos; além do problema das exposições combinadas procedentes de distintas fontes. Para que esse estado alterado do ambiente exerça algum efeito sobre a saúde humana, entre outros fatores, tem que haver a... » Exposição, enquanto interação entre o ser humano e o perigo ambiental. Dessa exposição vão resultar... 24 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR » Efeitos sobre a saúde, que variarão em intensidade, magnitude e tipo de acordo com a natureza do perigo, nível de exposição e número de afetados. Eles atuam junto com os fatores genéticos, a nutrição, os riscos ligados ao estilo de vida e outros fatores para provocar a doença. São eles: as infecções respiratórias agudas, as doenças diarreicas, as preveníveis por vacinação, as doenças tropicais transmitidas por vetores e as doenças emergentes, os acidentes e intoxicações – ocupacionais ou não –; as alterações de saúde mental relacionadas aos fatores físicos, químicos e psicossociais; as doenças cardiovasculares; o câncer – de origem ocupacional, por agentes infecciosos, por contaminantes do ar, da água ou dos alimentos, das radiações ionizantes e não ionizantes, ou dos fumos de tabaco –; as doenças respiratórias crônicas, alergias e problemas de saúde da reprodução (RIGOTTO, 2003). Instrumentos para o estudo das relações produção-trabalho-ambiente-saúde – roteiro para estudo dos processos de trabalho em sua relação com o ambiente interno e externo às atividades produtivas Ao longo desta unidade, verificou-se a intrínseca relação entre a saúde, ambiente e trabalho. A construção histórica de conceitos cruciais se desvelou em processos humanos impactantes no meio ambiente, bem como os efeitos desses processos na saúde humana, constituindo-se enquanto ciclo. Assim, não há que se falar de saúde do trabalhador sem vinculá-la à saúde ambiental e vice-versa. Mas como se poderia analisar os processos de trabalho, considerando o ambiente externo à fábrica? Para facilitar essa análise, Rigotto (2003) elaborou um estudo de processos de trabalho e sua relação com o meio ambiente, abrangendo os ambientes internos e externos às atividades produtivas. Este roteiro a seguir foi adaptado segundo diretrizes estabelecidas pela autora. a. Identificação da empresa: razão social, localização, ramo de atividades. b. Instalação da empresa: área física, tipo de construção, ventilação e iluminação. Condições de conforto e higiene (refeitórios, instalações sanitárias e fornecimento de água potável, vestiário, transporte dentro da empresa). c. Aspectos históricos da organização da empresa: origens da empresa e do capital, evolução, procedência, unidades, produção e mercado consumidor, matérias-primas, subprodutos e produtos finais. 25 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I d. Etapas do processo produtivo (fluxograma): descrever cada uma das etapas do processo de produção, materiais utilizados, ferramentas, máquinas, processos auxiliares ou paralelos bem como produtos finais, resíduos e subprodutos. e. Trabalhadores e relações de trabalho: procedência, distribuição por sexo, idade e etnia, escolaridade, treinamento para a função, critérios para seleção, formas de contrato de trabalho, remuneração, benefícios e jornada de trabalho. f. Organização do trabalho: percepção do trabalhador sobre seu trabalho, grau de satisfação, mecanismos de controle do ritmo e da produção. Jornada diária, salário, pausas, horas extras, férias, contrato de trabalho, relacionamento com colegas e chefias. g. Condições ambientais de trabalho eatenção à saúde: riscos químicos, físicos, biológicos, ergonômicos, de acidentes; natureza, dose, fontes, momentos críticos; medidas de proteção individual e coletiva com adequação, manutenção, eficácia, uso efetivo de equipamentos ou remodelagem de processos; política de assistência médica, ações de segurança e saúde no trabalho; dados epidemiológicos sobre doenças e acidentes. h. Relação com o meio ambiente: área: recursos físicos e espaço ocupado. Fonte e consumo de água, consumo de energia elétrica e de combustíveis. Poluentes da água: vazamentos de tanques, dutos, canalizações, válvulas, bacias, valas e canaletas; borras e lamas; efluentes líquidos; descarte de fluidos, saídas líquidas das estações de tratamento de esgotos e de despejos industriais (dimensionamento e adequação do tratamento). Poluentes do ar: produtos da combustão, gases combustíveis residuais, emanações de substâncias químicas (formas de captação e tratamento). Poluentes do solo: resíduos sólidos, aparas e sucatas, borras, cinzas e poeiras coletadas, embalagens utilizadas (tratamento e destinação). Geração de ruído. Transporte de matérias-primas e de produtos finais: eixos. Coletividades humanas concernidas: vizinhos e transeuntes. a. Relações institucionais: com o município, o estado, os órgãos fiscalizadores do trabalho e do ambiente. 26 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR » Ao final deste capítulo o aluno conseguirá definir: » A evolução histórica da saúde do trabalhador no mundo e Brasil; » A relação entre ambiente, saúde e trabalho; e » A análise preliminar dos processos produtivos e seus efeitos no ambiente. 27 CAPÍTULO 3 Saúde do trabalhador: o coletivo e o individual Aspectos epidemiológicos em saúde do trabalhador A epidemiologia, como área moderna do conhecimento científico, foi fundamental para a elaboração de questões que permitiram a incorporação da relação ambiente-saúde, em termos atuais, no campo da saúde coletiva. Com a introdução das ciências sociais no campo da epidemiologia, o estudo com foco no indivíduo passou a ser na coletividade, possibilitando o debate com as categorias “população” ou “grupos populacionais” tradicionalmente adotadas pela epidemiologia (TAMBELINNI; CÂMARA, 1998). Rigotto (2003) aborda que todo o perfil de adoecimento e morte de uma população poderia ser interpretado no contexto da relação sociedade-natureza, em que doença é sinal de alteração do equilíbrio homem-ambiente, produzida por transformações produtivas, territoriais, demográficas e culturais. E, segundo Tambelinni e Câmara (1998), a intromissão do homem nas coisas da natureza, ou por ela conservadas – ecossistemas –, cria condições de aparecimento e difusão de doenças causadas por agentes etiológicos biológicos, o que determinaria os fatores condicionantes de agravos e, consequentemente, de epidemias. Cada indivíduo tem uma resposta à exposição ambiental, que varia de acordo com a sua suscetibilidade condicionada por fatores relacionados à idade, estado nutricional, predisposição genética, estado geral de saúde, comportamento e estilo de vida, entre outros. Há o fator de que algumas doenças podem ter longo tempo de latência para se manifestar, a exemplo da silicose, que tem um percurso insidioso e prolongado. O conhecimento das condições patológicas mais comumente observadas numa população é de grande relevância e interesse para gestores públicos e profissionais que atuam na promoção, prevenção e assistência em saúde. Os levantamentos epidemiológicos e o processamento de dados advindos de arquivos e sistemas de informação devem servir de base para o correto planejamento e elaboração de medidas de saúde contextualizadas às reais necessidades da população assistida. Nesse contexto, a epidemiologia ganha destaque como ferramenta útil e indispensável. 28 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR A definição de exposição humana e de populações expostas é crucial para identificação das situações de risco (RADICCHI; LEMOS, 2009) e, principalmente, para orientar as ações de saúde relativas à gestão SST, definir o perfil de saúde e adoecimento dos trabalhadores, elaborar indicadores e estatísticas de saúde e acidentes de trabalho, entre outras. Para tanto, o conhecimento de epidemiologia é crucial para o devido acompanhamento dos trabalhadores, delineando-se estudos com metodologias adequadas a resultados palpáveis. Uma forte aliada da epidemiologia, como ferramenta de análise da associação do fator de risco ao agravo do trabalho, é a estatística. Ela é importante ferramenta para constatar a associação de variáveis de causa e efeito e, por conseguinte, a relação causal. Os estudos epidemiológicos devem valorizar os sinais e sintomas precoces dos agravos, uma vez que as ações de saúde nessa fase são mais efetivas e podem evitar o desenvolvimento completo do agravo. Há muitas incertezas em estimar tanto as exposições como os efeitos e suas relações (RIGOTTO, 2003). Por outro lado, a reação adversa a um contaminante pode assumir várias formas que afloram, desde sinais mais simples como um desconforto físico ou psicológico, passando por alterações fisiológicas de difícil interpretação, doenças clínicas de intensidade variável, até a morte (RADICCHI; LEMOS, 2009). Segundo Rigotto (2003), algumas patologias podem ter largo tempo de latência para se manifestar. Não obstante os avanços na produção de conhecimento nas últimas décadas, principalmente no campo da epidemiologia, ainda tem-se muita incerteza no bojo das relações saúde-doença-ambiente, especialmente quando se é incisivo no estabelecimento das correlações ou na medição de impactos das condições do ambiente sobre a saúde. Contudo, a sociedade em si – muito marcada pelo positivismo – sempre demandará evidências, valores, medições, avaliações quantitativas, em suma, números para justificar mudanças de prioridades ou do modo de agir, permitindo o monitoramento de níveis de poluição, estabelecer prioridades de acordo com os recursos disponíveis e com a relação custo-benefício de algumas ações (RIGOTTO, 2003). A consciência da importância da relação do trabalho com a saúde da população trabalhadora e não trabalhadora cresceu à medida que os profissionais da área de saúde do trabalhador e afins detiveram o conhecimento das tecnologias e metodologias para a avaliação e controle dos riscos originados a partir dos ambientes de trabalho. Essa é outra das razões que levou grupos de instituições de pesquisa e ensino a definirem 29 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I seu campo de atuação de forma mais abrangente, sob a denominação de “Trabalho, Ambiente e Saúde”. Esse motivo vem fortalecendo o desenvolvimento de uma área técnica de intervenção nos serviços públicos sob a denominação de Saúde Ambiental dentro do Ministério da Saúde e de outras instituições de pesquisa, como a Fiocruz (TAMBELINNI; CÂMARA, 1998). De forma a atender às demandas da sociedade, supracitadas, enquanto alternativa viável e tangente ao conhecimento e à detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, veio a proposta do Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde. Além da definição do escopo de atuação desse sistema, ele tem a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais relacionados às doenças ou a outros agravos (CÂMARA, 2005). Vigilância em saúde A este respeito, acompanhe o seguinte trecho da revista Ciência e Saúde Coletiva: O termo Vigilância tem sua origem nas ações de isolamento e quarentena no pós II Guerra Mundial, especialmente nos Estados Unidos da América (EUA) do período da Guerra Fria, o conceito de Vigilância esteve associado à ideia de “inteligência”, em razão dos riscos de guerra química e ou biológica. Nos EUA, a vigilância evoluiu, passando a significara ação coordenada para controle de doenças na população, constituída de monitoramento, avaliação, pesquisa e intervenção. No Brasil, até a década de 1950 do século passado, o conceito de Vigilância era compreendido como o conjunto de ações de observação sistemática sobre as doenças na comunidade, voltadas para medidas de controle. Somente a partir da década de 1960, essas ações ganham uma estruturação de programa, incorporando as medidas de intervenção. Desde então, essas ações foram estendidas ao controle da produção, do consumo de produtos e da fiscalização de serviços de saúde, sob a denominação de Vigilância Sanitária. As ações de controle sobre o meio ambiente relacionadas à saúde – como a vigilância da qualidade da água para o consumo humano – embora restritas, estiveram, até o final da década de 1990, subordinadas à Vigilância Sanitária. As ações de vigilância foram agrupadas em Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária, ambas 30 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR com praticamente os mesmos objetivos: prevenir e controlar os riscos e agravos à saúde. Foi apenas na década de 1980 que “a vigilância passou a ser apresentada mais claramente sob o ponto de vista de articulação com outras ações de saúde”. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), por exemplo, definiram esse novo sistema onde “as ações referentes aos dados coletados (coleta, análise e interpretação) se articulam à informação periódica como instrumento da prevenção”, o que implica uma ação de controle sobre os riscos ambientais para a saúde. Também no Brasil, somente em meados da década de 1980 é que são promovidas iniciativas para se instituir, no âmbito do setor Saúde, ações de Vigilância da Saúde do Trabalhador e do Meio Ambiente, de acordo com a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica de Saúde de 1990. Mas é a partir do ano 2000 que o Ministério da Saúde formula a denominada Vigilância Ambiental, onde “a vigilância ambiental em saúde se configura como um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle dos fatores de riscos e das doenças ou agravos relacionados à variável ambiental”. No novo enfoque a necessidade de monitorar o ambiente é decorrente do reconhecimento de que ele não é dado, mas está em permanente construção e transformação pela ação do homem e da própria natureza. Nos setores ambientais e do trabalho, adota-se o termo Monitorar, para o qual são utilizados indicadores quantitativos, geralmente. Entretanto, para a Vigilância em Saúde, sob a ótica da Saúde Coletiva, monitorar é mais do que um ato de medição instrumental. Uma nova compreensão da causalidade com a crescente importância de eventos e doenças não relacionadas com agentes biológicos transmissíveis, houve a exigência de agregar-se mais um nível de prevenção, ditado pelas condições social, econômica e cultural das populações que não podem mais ser reduzidas a um único agente causal. Para o qual, aliás, não haveria uma vacina ou antibiótico capaz de prevenir ou curar. Então, o foco das ações passou, obrigatoriamente, para as condições determinantes. 31 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I Na investigação de um acidente de trabalho, o contexto é conformado pelas características do processo produtivo, política de recursos humanos, condições de vida do trabalhador; a causa, dependendo do tipo de acidente, pode ser uma prensa sem mecanismo protetor, a falta de manutenção de uma máquina, o vazamento de uma tubulação, um curto circuito, o piso irregular, o rompimento de um cabo etc. A Saúde Coletiva trouxe um novo enfoque para o entendimento do processo saúde-doença, visto como “algo em permanente transformação e que a (cuja) ação se dá em um meio que não é só reativo, mas sobretudo transformável.” A construção de um sistema de vigilância ambiental de interesse para a saúde requer que o contexto seja devidamente valorizado. Para tanto, não só as bases de dados oriundas de monitoramentos quantitativos são necessárias, como também devem ser integradas técnicas de avaliação de risco que incluam dados qualitativos. O Princípio da Precaução é outro conceito que deve servir de guia para a ação em vigilância ambiental, isto é, não se deve priorizar a ação apenas pela ocorrência de doenças e desastres ou acidentes, mas antecipar esses eventos pelo reconhecimento, anterior, dos riscos e dos contextos nocivos à saúde. O Princípio da Precaução foi desenvolvido na Alemanha, para justificar a intervenção regulamentadora e de restrição das descargas de poluição marinha – na ausência de provas consensuais quanto aos seus efeitos e danos ambientais. Esse princípio tem sido tomado como referência em outras áreas e caracteriza-se por requerer que as decisões acerca de processos industriais e produtos perigosos sejam deslocadas da ponta final do processo para a ponta inicial. Por essa razão, a promoção e a prevenção terão, necessariamente, que prevalecer no enfoque da vigilância ambiental. A Saúde Ambiental, assim proposta, integra as dimensões histórica, espacial e coletiva das situações, a partir de um compromisso ético com a qualidade de vida das populações e dos ecossistemas em questão. A necessidade de implementar ações de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador (VISAT) é uma questão que surge desde que essa ação pública foi consignada na Constituição Federal de 1988 e, particularmente, ao longo da trajetória de construção da área da saúde do trabalhador no Brasil. É uma estratégia que visa ultrapassar a dimensão assistencial que prevalecia (e ainda 32 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR prevalece em certa medida) nos primeiros programas de saúde do trabalhador, anteriores ao advento do Sistema Único de Saúde (SUS), e precursores dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). O foco principal dessas iniciativas era diagnosticar, orientar e acompanhar as doenças decorrentes do trabalho, com a perspectiva de criar condições para que a rede pública viesse a se constituir em instância efetiva para assistência à saúde dos trabalhadores, além de iniciar algumas ações de vigilância de acidentes de trabalho. Com a atuação da VISAT, voltada para a intervenção nos ambientes, processos e formas de organização do trabalho geradoras de agravos à saúde, passa-se a incorporar a dimensão preventiva da saúde do trabalhador. Ou seja, somente com ações interventoras de vigilância é possível interromper o ciclo de doença e morte no trabalho. Esta dimensão prevencionista de atenção à saúde cabe, principalmente, à Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador - RENAST, por meio dos CEREST, os seus núcleos executivos de ação efetiva. A VISAT é um componente do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde que visa à promoção da saúde e à redução da morbimortalidade da população trabalhadora, por meio da integração de ações que intervenham nos agravos e seus determinantes decorrentes dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos. Na Portaria no 1.823, de agosto de 2012, que instituiu a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT), consta como objetivo prioritário o fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador. Coerente com a PNSTT, na agenda do Ministério da Saúde foi definido como prioridade fortalecer a VISAT e a sua integração com os demais componentes da Vigilância em Saúde, com vistas à promoção da saúde e de ambientes e processos de trabalho saudáveis. A partir daí, a proposta nacional de ação estratégica, estabelecida pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), foi intensificar as ações de vigilânciana área de saúde do trabalhador, tendo como meta ampliar o número de CEREST desenvolvendo essas ações, de modo que, até 2015, todos eles estejam realizando essas ações. Existe uma razoável produção de textos de VISAT, onde encontramos material detalhado sobre seu conceito e sua forma de ser. Parte desta produção diz respeito às diversas modalidades de VISAT, inclusive no trato com agravos específicos, caso dos vários tipos de acidentes, agrotóxicos, silicose, asbestose, benzeno, lesões por esforços repetitivos, entre outras. 33 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I É possível também observar algumas experiências de VISAT sobre determinados segmentos econômico-produtivos, caso dos ramos químico, petroquímico, siderúrgico, frigorífico, agronegócio (agroindústria), construção civil, transporte, elétrico, setor saúde e educação, e sobre determinados contextos socioeconômicos de grupos populacionais específicos, caso do trabalho infantil, trabalho informal e cooperativado, entre outros. Observamos, também, que existe uma base legal para a ação em VISAT dispersa em várias legislações nacionais, estaduais e municipais, a exemplo da Lei Orgânica da Saúde 8.080, da Portaria MS no 3.120, de 1 de julho de 1998, de nível federal e das constituições e códigos sanitários de vários entes estaduais e municipais. Entretanto, ao observarmos a VISAT numa perspectiva de ação pública coordenada, articulada e harmônica entre aqueles que vêm se esforçando para desenvolver suas ações, vemos o quanto ainda falta para afirmarmos que existe um sistema de Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil, sob essa ótica. Apesar de serem muitas as iniciativas, são minoritários os casos em que se pode falar de implementação de ações sistemáticas de VISAT, isto sem contar que em muitos locais do país sequer elas existem (VASCONCELOS; GOMEZ; MACHADO, 2014) Este texto, sintético e simplificado em suas indagações e formulações, traz alguns elementos para discussão que poderão ser considerados na IV Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT), a ser realizada este ano, 2014, em Brasília, e também por todos aqueles que vêm de alguma forma contribuindo para o aprimoramento da VISAT no Brasil. Em síntese, nosso roteiro de discussão baseia-se nos seguintes tópicos: (1) o lugar de fala da VISAT – para passar do discurso à ação; (2) a formação de agentes de VISAT; (3) o resgate dos trabalhadores enquanto sujeitos da ação de VISAT; (4) as estratégias de articulação intersetorial com outras áreas do Estado; (5) o diálogo estruturante dos pares. (VASCONCELOS; GOMEZ; MACHADO, 2014) Não se pode falar em integração de setores, de participação da comunidade ou de estruturação de um sistema de VISAT sem a matéria-prima básica: informação sobre saúde. E a disciplina básica que mais nos oferece meios para produzir as informações acerca da saúde da população é a epidemiologia (CÂMARA, 2005). 34 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR O sistema de informação (SI) sobre acidentes e agravos do trabalho – em específico o SINAN – trata da constituição de “um conjunto de procedimentos organizados que, quando executados, proveem informação de suporte à organização” de serviços de saúde (BRASIL, 2004). A princípio, o propósito dos sistemas de informação a respeito de acidentes de trabalho é fornecer informações fidedignas sobre o impacto desses acidentes, seja pelas lesões provocadas, seja no tocante a aspectos associados às suas origens, o que pode ser usado como ferramenta de prevenção. Segundo Freitag e Hale (BRASIL, 2004), os procedimentos relacionados a seguir visam facilitam ao usuário a melhor visualização e compreensão das fases de um SI, que inclui a seleção e análise de eventos em saúde: 1. Detecção ou reconhecimento e registro dos eventos com criação de banco de dados. 2. Seleção de eventos para análise aprofundada; análise e criação de banco de dados complementar. 3. Exploração dos bancos de dados e emissão de relatórios com descrição de aspectos identificados distribuídos no mínimo segundo características de pessoa, tempo e lugar, incluindo aspectos do processo causal dos acidentes. Sempre que possível, os dados serão distribuídos de modo a permitir visualização de sua evolução temporal. 4. Interpretação, incluindo tentativa de reconhecimento de necessidades de saúde; padrões de processos causais; necessidades de aprimoramento da formação de pessoal; identificação, seleção de prioridades a serem abordadas e recomendações. 5. Implementação e monitoramento das recomendações com avaliação de impacto de providências recomendadas e efetivamente adotadas e também de aspectos do próprio sistema. Isso significa avaliar aspectos como o tempo decorrido entre a ocorrência de agravos e sua detecção pelo sistema. Também implica em avaliação dos tipos e da proporção de eventos ocorridos que o sistema efetivamente detecta. Esse conjunto de medidas deve servir de fonte de retroalimentação do sistema, contribuindo para o seu aperfeiçoamento contínuo. 35 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I Quadro 1. Relação de alguns sistemas de informação (SI) da Vigilância em Saúde. SIs importantes para a Vigilância: SIAB: Sistema de Informações de Atenção Básica. SIAMED: Sistema de Informações de Medicamentos. SIA-SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais de Saúde. SIH/SUS: Sistema de Informações Hospitalares. SIM: Sistema de Informação de Mortalidade. SINAN: Sistema de Notificação de Agravos. SINASC: Sistema de Informações de Nascidos Vivos. SINITOX: Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas. SISAGUA: Sistema de Inf. de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano. Fonte: Próprio autor. A Notificação Compulsória é obrigatória para os médicos, outros profissionais de saúde ou responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde, que prestam assistência ao paciente, em conformidade com o art. 8o da Lei no 6.259, de 30 de outubro de 1975 (BRASIL, 1975), e deve ser realizada diante da suspeita diagnóstica ou confirmação de doença ou agravo, de acordo com o estabelecido no anexo da referida lei, observando-se, também, as normas técnicas estabelecidas pela Secretaria de Vigilância em Saúde/MS. A relação das doenças e agravos monitorados por meio da estratégia de vigilância em unidades sentinelas e suas diretrizes constam na Portaria no 1.984, de 12 de setembro de 2014 (BRASIL, 2014), situação prevista no art. no 11, da Portaria anterior: “A relação das doenças e agravos monitorados por meio da estratégia de vigilância em unidades sentinelas e suas diretrizes constarão em ato específico do Ministro de Estado da Saúde”. Monitorar indicadores-chave em unidades de saúde selecionadas (unidades sentinelas) que sirvam como alerta precoce para o sistema de vigilância é o objetivo da estratégia de vigilância sentinela. Ela se configura enquanto modelo de vigilância realizada a partir de estabelecimento de saúde estratégico para a vigilância de morbidade, mortalidade ou agentes etiológicos de interesse para a saúde pública, com participação facultativa, segundo norma técnica específica estabelecida pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS). Para a VISAT, é nítido que os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) serão essas unidades sentinelas, servindo de apoio técnico a toda rede do SUS. Os dados públicos adquiridos por meio dessas notificações serão divulgados pelas autoridades de saúde aos profissionais de saúde, órgãos de controle social e população em geral. Demais informações referentes aos canais de comunicação para notificação (endereço eletrônico oficial, o número de telefone, fax, endereço de e-mail institucional ou formulário para notificação compulsória) serão divulgadas pela SVS/MS, as secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. 36 CAPÍTULO4 Anamnese Ocupacional Na anamnese ocupacional, deve ficar evidente o que o(a) trabalhador(a) faz, como faz, com que produtos e instrumentos ele entra em contato, quanto faz, onde, em que condições e há quanto tempo faz (LUCCA, 2012). Segundo Lucca (2012), as doenças relacionadas ao trabalho, em sua maioria, apresentam quadro clínico similar ao das doenças comuns: estabelecer o nexo com o trabalho não é tarefa fácil, em especial para aquele profissional que não está habilitado ou habituado a relacionar as informações aos fatores de risco presentes no ambiente de trabalho com as atividades desenvolvidas pelo paciente trabalhador durante a sua anamnese clínica. A anamnese é fundamental porque objetiva tanto construir a história clínica-ocupacional completa quanto não se limitar à profissão do paciente, explorando sintomas, sinais clínicos e exames complementares. Segundo diretrizes do Conselho Federal de Medicina (1998), alguns parâmetros devem ser considerados no estabelecimento de nexo causal, além do exame clínico (físico e mental) e dos exames complementares, quando necessários, deve o profissional de saúde considerar as seguintes informações: 1. O histórico clínico-ocupacional, primordial em qualquer diagnóstico e/ ou investigação de nexo causal; 2. Conhecimento a respeito do local de trabalho e da organização do trabalho, incluindo a realização da atividade; 3. As informações epidemiológicas da empresa e de grupos ocupacionais similares (homogêneos); 4. A literatura atualizada; 5. O aparecimento de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; 6. O reconhecimento de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; 7. O relato de vida e a experiência dos trabalhadores; e 8. conhecimento e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde. 37 ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR │ UNIDADE I O objetivo é o de avaliar se as queixas e o quadro clínico possuem relação com as atividades de trabalho. O profissional deve considerar a multiplicidade de fatores envolvidos na determinação das doenças e, em especial, daquelas desencadeadas ou agravadas pelas condições em que o trabalho é realizado. Nesse sentido, é de fundamental importância valorizar o conhecimento e sentimentos dos pacientes sobre seu trabalho e os fatores de risco potencialmente causadores de doença. Em alguns casos, são de natureza química; em outros, intrinsecamente relacionados às formas de organização e gestão do trabalho ou mesmo da ausência de trabalho e, em muitos casos, decorrem de uma ação sinérgica desses fatores. Além do adoecimento que resulta da articulação de agravos que atingem a “população geral”, em função de sua idade, gênero, grupo social ou inserção em um grupo específico de risco, o trabalhador pode ter sua condição clínica agravada pelo trabalho. No entanto, o médico deve suspeitar de uma doença desencadeada ou agravada pelas condições de trabalho a partir da anamnese ocupacional, cujos componentes básicos incluem: » análise detida das queixas que motivam a busca de atenção médica; » a história ocupacional pregressa; » a descrição detalhada do processo de trabalho no emprego atual ou do trabalho supostamente relacionado à doença sob investigação; e » as características da organização do trabalho do emprego atual ou do trabalho supostamente relacionado à doença sob investigação, além do compartilhamento de informações individuais e coletivas. Durante a investigação das queixas, devem ser valorizadas as informações sobre o momento de surgimento dos sintomas e sua relação com o trabalho, exposição a agentes de risco específicos ou a realização de determinadas tarefas são fundamentais, verificando-se a relação temporal entre o surgimento de sinais e sintomas e a jornada de trabalho. Na mesma linha de atuação médica, o levantamento de informação quanto ao desaparecimento ou melhora de sintomas quando de finais de semana, feriados prolongados e férias pode fortalecer a hipótese de tratar-se de um agravo relacionado ao trabalho. A associação dos sintomas com mudanças recentes no ambiente ou processo de trabalho também deve ser investigada (LUCCA, 2012). A anamnese ocupacional tem que contemplar todos os riscos pelos quais o trabalhador está exposto, assim como avaliar as condições psicossociais desse trabalhador para realmente atingir o nível de prevenção adequado. Além disso, o profissional de saúde deve adotar uma postura ética para com o cliente interno e externo, preservando a 38 UNIDADE I │ ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE DO TRABALHADOR identidade do trabalhador, acolhendo-o de forma humanizada, pois a origem de suas demandas ou queixas, em suma, está associada às angústias ou condições de vida, ora manifestadas por sintomas que traduzem o sofrimento na mente, no corpo ou insatisfação com o trabalho (LUCCA, 2012). Por meio do Manual de Anamnese Ocupacional (2001), o Ministério da Saúde concebe um instrumento a ser utilizado nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador que compõem a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), a Ficha de Resumo de Atendimento Ambulatorial em Saúde do Trabalhador (Firaast). Ela foi elaborada ainda como instrumento passível de utilização como prontuário eletrônico e de informatização a partir das experiências dos CEREST/MG, CEREST/BH e CEREST/Contagem. Essa ficha foi criada enquanto instrumento epidemiológico que contribui para conhecimento, investigação, sistematização, padronização e intercambiação de dados e informações úteis ao planejamento em saúde, à capacitação de recursos humanos, ao atendimento, à vigilância, à avaliação de serviços de saúde do trabalhador e à divulgação pública mais ampliada (PINHEIRO et al., 1993), por meio dos Sistemas de Informação em Saúde componentes do SUS. O manual explicita todos os itens necessários na ficha de consulta e de retorno, sendo um norteador importante para aqueles serviços que ainda não dispõem de instrumentos validados para o atendimento em SST. Importante atentar para o Manual de Anamnese Ocupacional (2006a), lá você vai encontrar perguntas-chave para a investigação de agravos em ST em seu serviço de saúde. 39 CAPÍTULO 5 Agravos à saúde relacionados ao trabalho e ao ambiente Para Rigotto (2003), a ocorrência de acidentes e doenças ocupacionais é oriunda de novas tecnologias e novas relações de trabalho. Estas por sua vez trazem novos valores, novos hábitos e introduzem novos riscos tecnológicos, de natureza física, química, biológica, mecânica, ergonômica e psíquica, que interferem na saúde humana no ambiente de trabalho. O acidente tem o caráter de um evento agudo, que causa lesão corporal ou perturbação funcional temporária ou permanente, como seria o caso de uma amputação de dedos ou de uma intoxicação aguda por agrotóxico, ou mesmo dos acidentes ocorridos no trajeto do trabalhador entre sua residência e o local de trabalho, seguindo ao que se define como: Todo evento súbito ocorrido no exercício de atividade laboral, independentemente da situação empregatícia e previdenciária do trabalhador acidentado, e que acarreta dano à saúde, potencial ou imediato, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causa, direta ou indiretamente (concausa) a morte, ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Inclui-se ainda o acidente ocorrido em qualquer situação em que o trabalhador esteja representando os interesses da empresa ou agindo em defesa de seu patrimônio; assim como aquele ocorrido no trajeto da residência para o trabalho ou vice-versa (BRASIL, 2006d). Devido ao seu expressivo impacto na morbimortalidade da população, os acidentes constituem-se em importante problema de saúde pública e objeto prioritário das ações do SUS, que, em conjunto com outros segmentos dos serviços públicos e da sociedade civil, devem continuar a buscar