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Bioética e Pesquisa Marcela Santos Procópio Bioética e Pesquisa 2 Introdução Olá, pessoal! Bem-vindos a mais um importante conteúdo de estudos de Bioética! A partir de agora nossos olhares serão voltados para a bioética e para a pesquisa, buscando compreender os embasamentos éticos e jurídicos que envolvem este importante e amplo campo de estudos. Vamos aprofundar nossos conhecimentos acerca das realizações de pesquisas que ocorrem tanto em seres humanos, quanto em animais, compreender quais são os limites para esses experimentos e de que forma eles ocorrem. Fiquem atentos para descobrir ainda mais sobre esses importantes assuntos que podem ser tema de grandes debates para a atualidade! Bons estudos! Objetivos da Aprendizagem • Compreender os aspectos éticos e jurídicos que envolvem a realização de pesquisas envolvendo seres humanos. • Compreender os aspectos éticos e jurídicos que envolvem a realização de pesquisas envolvendo a experimentação animal. 3 Bioética e pesquisa com seres humanos Contexto histórico e abordagem dos documentos básicos de ética em pesquisa: Código de Nuremberg, Declaração de Helsinque e Relatório Belmont A bioética, como temática de estudo e ciência qualitativa na área da filosofia, direito e saúde, tem o seu início no Brasil durante a década de 1990. Isso se decorreu no contexto da redemocratização do país, em que se observou o aumento do debate sobre direitos individuais, sociais, e também as questões de ética em saúde pública. Ao falar de ética na medicina ou em pesquisa com seres humanos temos que recuperar alguns fatos que marcaram a história e deram início à regulamentação da experimentação com humanos. Dentre os documentos básicos sobre a ética podemos citar o Código de Nuremberg, a Declaração de Helsinque e o Relatório Belmont, que iremos explorar adiante. O Tribunal de Nuremberg, em 9 de dezembro de 1946, julgou vinte e três pessoas, vinte das quais, médicos que foram considerados criminosos de guerra, pelos experimentos realizados em seres humanos, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 19 de agosto de 1947, as sentenças foram divulgadas, e sete pessoas foram acusadas e condenados à morte. Com a sentença, também foi publicado um documento que ficou conhecido como Código de Nuremberg. Esse documento tornou-se um marco na história da humanidade que, pela primeira vez, estabeleceu-se um conjunto de recomendações internacionais sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos. Figura 1 – Assento dos réus durante o julgamento de Nuremberg. Fonte: Wikicommons (2020). #PraCegoVer: Fotografia colorida de uma vista superior do banco de réus do tribunal de Nuremberg. 4 O documento estabelece que um indivíduo dotado de plena capacidade de tomada de decisões precisa ter os seus desejos respeitados. O pesquisador, por sua vez, deve proteger os interesses do seu paciente. Além disso, o Código de Nuremberg (SHUSTER, 1997), aborda outros princípios, que podem ser observados abaixo: 1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. 2. O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente. 3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação com animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento. 4. O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos desnecessários, quer físicos, quer mentais. 5. Não deve ser conduzido nenhum experimento quando existirem razões para acreditar que possa ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento. 6. O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema que o pesquisador se propõe resolver. 7. Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota. 8. O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente qualificadas. 9. O participante do experimento deve ter a liberdade de retirar-se no decorrer do experimento. 10. O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento provavelmente causará danos, invalidez ou morte para os participantes. Infelizmente o Código de Nuremberg não obteve tanto sucesso quanto esperado. A mídia não deu a devida atenção ao assunto e os médicos e cientistas acharam que este código somente se aplicava aos condenados pelos crimes que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial. Então até a década de 1970, os aspectos éticos em torno da pesquisa clínica com seres humanos ainda eram muito negligenciados (DINIZ; CORRÊA, 2001). 5 [...] o julgamento dos médicos nazistas em Nuremberg recebeu pouca cobertura da imprensa e, antes da década de 70, o próprio código raramente era citado ou discutido nas revistas médicas. Pesquisadores e clínicos americanos aparentemente consideravam Nuremberg irrelevante para seu próprio trabalho [...] (ROTHMAN, 1991, p. 62). Em 1964, a Associação Médica Mundial (AMM), um órgão regulador das associações médicas internacionais, publicou a Declaração de Helsinque, um documento que não possui poderes legais ou normativos, mas que, pelo consenso conquistado, é uma referência ética importante para a regulamentação de pesquisas médicas envolvendo seres humanos (DINIZ, 2005). A declaração de Helsinque traz em seu conteúdo alguns princípios a serem considerados ao conduzir uma pesquisa com seres humanos. Tendo 12 princípios, em resumo, o documento preza em primeiro lugar que a pesquisa biomédica deve seguir uma hierarquia de ensaios, in vitro, in vivo e depois translacionar para humanos. Somente profissionais cientificamente treinados devem conduzir pesquisas com humanos. Em qualquer pesquisa com seres humanos, cada participante em potencial deve ser adequadamente informado sobre os objetivos, métodos, benefícios previstos e potenciais perigos e incômodos que o experimento possa acarretar. Deve ser informado de que é livre para retirar seu consentimento em participar, a qualquer momento (AMM,1964). Para acessar a Declaração de Helsinque na íntegra e ver as suas modificações, desde a primeira publicação, acesse o link aqui. Saiba mais Como abordado anteriormente, o Relatório Belmont foi essencial para o desenvolvimento da bioética mundial (LEONE; PRIVITERA; CUNHA, 2001). Publicado por Van Potter em 1978, esse relatório tinha como objetivo analisar princípios ético básicos que possam nortear pesquisas com seres humanos e desenvolver protocolos técnicos, garantindo que a pesquisa seja administrada e aplicada diante tais princípios. Dentre os princípios citados no relatório devemos citar os quatro mais importantes: Respeito à autonomia, beneficência, justiça e não maleficência (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 6 O princípio da autonomia O indivíduo, desde que com plena capacidade e consciência, possui o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. Quaisquer atos médicos devem ser autorizados pelo paciente, ou em alguns casos pelo responsável legal. O princípio da beneficência Diz respeito à obrigação ética de prevalecer o benefício em detrimento ao prejuízo. Dessa forma, o pesquisador ou médico necessita sempre prezar pela preservação da saúde do paciente. O princípio da não-maleficência Tem por objetivo reduzir ao máximo os danos causados à saúde e a moral dos indivíduos. O princípio da justiça Tem por finalidade garantir a equidade. A obrigação ética de tratar cada indivíduo com o que é moralmente adequado, oferecer o que é necessário dentro da individualidade do paciente. O profissionalda saúde deve atuar de forma imparcial. Aspectos conceituais sobre os tipos de pesquisa em seres humanos A pesquisa científica pode ser definida como uma classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, relações ou princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência (Resolução 196/96 item II). 7 Figura 2 – Pesquisa científica. Fonte: Plataforma Deduca (2021). #PraCegoVer: Imagem de um homem com jaleco branco, representando um cientista, manuseando equipamentos de laboratório, caracterizando a pesquisa científica. Podemos citar três que são muito frequentes na área da saúde: pesquisas epidemiológicas, pesquisas de comportamento, atitudes e crenças e os testes de novos remédios e procedimentos. 8 Pesquisas Epidemiológicas São estudos que têm como objetivo a produção do conhecimento sobre as características dos agravos de saúde na população. Geralmente utilizam dados secundários, tais como documentos, declarações de óbito, fichas produzidas pelos próprios serviços de saúde, prontuários médicos, ou até mesmo artigos publicados em revistas científicas. Pesquisa sobre comportamento, atitudes e crenças Buscam entender a maneira como as pessoas vivem, como agem e o que pensam sobre determinada temática, que seria o objeto do estudo. O contato entre a equipe de pesquisa e os participantes ocorre por meio de entrevistas, grupos de discussão ou questionários. Testes de novos remédios e procedimentos Esses estudos são pagos frequentemente pelos laboratórios farmacêuticos, que possuem como objetivo a testagem de novos medicamentos. Nessas pesquisas, a equipe de profissionais possui contato com os participantes que, geralmente, passam por procedimentos médicos e laboratoriais, antes e após a utilização do novo medicamento, para avaliar o efeito da substância. A epidemiologia contribui com o desenvolvimento de diferentes metodologias de pesquisa, com a finalidade de responder a perguntas clínicas. O conhecimento adequado desses delineamentos de pesquisa é fundamental no planejamento de uma pesquisa, e também na leitura e na interpretação dos estudos, para as quais recomendamos revisões recentes sobre o assunto (BUEHLER; et al., 2009) 9 De acordo com Nedel e Silveira, 2009, podemos classificar os estudos epidemiológicos das seguintes formas: Ensaio clínico randomizado (ECR) Estudo intervencionista e prospectivo. Os participantes devem ter a mesma oportunidade de receber, ou não, a intervenção proposta e esses grupos devem ser os mais parecidos possíveis, de forma que a única diferença entre eles seja a intervenção em si, podendo-se, assim, avaliar o impacto na ocorrência do desfecho em um grupo sobre o outro. É o padrão de excelência em estudos que pretendem avaliar o efeito de uma intervenção no curso de uma situação clínica. Ensaio clínico não randomizado (quase experimental) Neste tipo de estudo há um grupo intervenção e um grupo controle, mas a designação dos participantes para cada grupo não se dá de forma aleatória, como no ECR, mas conveniência do pesquisador. Estudos de prevalência (transversais) As mensurações dos fatores de risco e dos desfechos analisados ocorrem em um mesmo momento, concomitantemente, não podendo inferir no que veio primeiro (exposição ou desfecho). Caso-controle Observacional, longitudinal e retrospectivo. Seleciona-se uma população com determinado desfecho de interesse (casos) e outra, semelhante ao primeiro grupo, sem o desfecho de interesse (controles). Comparando-se os dois grupos, avaliam-se os fatores que poderiam estar relacionados à ocorrência do desfecho pesquisado. Estudos de coorte Observacional longitudinal, prospectivo ou retrospectivo. Selecionam- se populações exposta e não exposta a determinado fator, fazendo seu acompanhamento por um determinado período de tempo, ao final do qual deve ser analisado o efeito do fator de exposição no aparecimento do desfecho. 10 Revisão sistemática com metanálise O objeto de análise deixa de ser os pacientes e passa a ser as pesquisas já realizadas anteriormente sobre determinado objeto de pesquisa. Os trabalhos originais publicados na literatura são revisados e selecionados de maneira sistemática, e os resultados deles podem ser sumarizados sob um único parâmetro de magnitude de efeito (a metanálise). Aspectos jurídicos nacionais e internacionais em relação às pesquisas com seres humanos Um dos vários modelos utilizados em Bioética é o modelo principialista. Este serve de fundamentação à vários documentos internacionais e, no Brasil, à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que regulamenta a pesquisa em seres humanos no país. Essa é a resolução que dá as diretrizes e normas reguladoras para pesquisa com seres humanos no Brasil. Ela foi elaborada por um grupo de pessoas com diferentes profissões, inclusive com representantes de usuários. É neste documento que está descrito o funcionamento da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e os princípios que devem ser respeitados em todas as pesquisas que envolvem seres humanos (BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 out. 1996). Além da Resolução 196/96, o Conselho Nacional de Saúde aprovou as seguintes resoluções complementares: Quer ter acesso integral à resolução nº. 196/96? Acesse aqui o link. Saiba mais 11 Resolução CNS n. 240, de 5 de junho de 1997 Considerando a necessidade de definição do termo “usuários” para efeito de participação nos comitês de ética em pesquisa das instituições. Resolução CNS n. 251, de 7 de agosto de 1997 Aprova normas de pesquisa envolvendo seres humanos para a área temática de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnóstico. Resolução CNS n. 292, de 8 de julho de 1999 Pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior. Resolução n. 301, de 16 de março de 2000 Contempla o posicionamento do CNS e CONEP contrário a modificações da Declaração de Helsinque. Resolução CNS n. 303, de 6 de junho de 2000 Reprodução humana. Resolução CNS n. 304, de 9 de agosto de 2000 Populações indígenas. Resolução CNS n. 340, de 8 de julho de 2004 – Diretrizes para a Análise Ética e Tramitação do Projetos de Pesquisa da Área Temática Especial de Genética humana. Resolução CNS n. 346, de 13 de janeiro de 2005 tramitação de projetos de pesquisa multicêntricos no sistema Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e (CONEP). 12 Resolução CNS n. 347, de 13 de janeiro de 2005 Aprova as diretrizes para análise ética de projetos de pesquisa que envolva armazenamento de materiais ou uso de materiais armazenados em pesquisas anteriores. Resolução CNS n. 370, de 8 de março de 2007 O registro e credenciamento ou renovação de registro e credenciamento do CEP. Resolução CNS n.404, de 1 de agosto de 2008 Declaração de Helsinque. Resolução CNS n.421, de 18 de junho de 2009 Reestrutura a composição da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Por mais de uma década a resolução196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CSN) foi o Norte para a bioética na saúde e condução de ensaios clínicos no Brasil. Porém em 12 de setembro de 2011, por meio de coletas de sugestões via eletrônica e correios a resolução sofreu modificações. As sugestões em questão foram submetidas a uma análise técnica no Encontro Nacional dos Comitês de Ética em pesquisa (ENCEP), que posteriormente enviaram suas considerações ao CSN. O Conselho Nacional de Saúde, em reunião em plenário, decidiu pela revogação das resoluções 196/96, 303/2000 e 404/2008. Isso ocorreu no dia 12 de setembro de 2012. Todas as resoluções revogadas foram substituídas pela nova resolução n.466, que entrouem vigor a partir de 13 de junho de 2013. O recente documento tem um caráter mais ético pois leva em consideração os princípios básicos da bioética como o respeito a autonomia, justiça, beneficência e não maleficência. Com isso deu-se a entender e a garantir os deveres que a comunidade científica tem para com a sociedade e com os participantes de pesquisa. Saiba Mais Quer ter acesso a integral à reso- lução n. 466/12 e explorar mais o seu conteúdo? Acesse o link aqui. 13 Bioética e pesquisa com animais Contexto histórico Investigações na área da saúde tem embasamento teórico nos pensamentos de Hipócrates (450 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) e Galeno (201-131 a.C.) precursores da análise entre órgão de humanos e animais. Talvez a primeira pesquisa científica foi desenvolvida por William Harvey publicada em 1638 que diz respeito a circulação sanguínea em mais de 80 espécies (RAYMUNDO; GOLDIM, 2006). Figura 3 – Busto de Aristóteles. Fonte: Wikicommons (2020). #PraCegoVer: Cópia romana do busto de Aristóteles esculpido por Líspio, artis- ta grego do século IV a.C. A utilização de modelos animais na ciência possibilitou muitos avanços na área biomédica. Por muitos anos pouco se questionou sobre a ética em experimentação animal, que até então eram usados de forma indiscriminada. No século XIX surgiram os primeiros movimentos organizados em favor dos direitos dos animais. A Inglaterra foi pioneira em regulamentar o uso de animais em pesquisas científicas (RAYMUNDO; GOLDIM, 2006). O conhecido British Cruelty Animal Act, que ocorreu em 1876, resultou em uma emenda complementar na Lei relacionada a crueldade aos animais, incluindo o capítulo 77, que regulamentava os aspectos éticos a serem considerado na utilização de animais para a experimentação médica, fisiológica ou científica. O trecho da lei britânica pode ser observado na figura a seguir: 14 Figura 4 – British Cruelty Animal Act. Fonte: UK Public General Acts (1876). #PraCegoVer: Imagem do capítulo 77 da lei sobre crueldade aos animais que regulamentava os aspectos éticos a serem considerado na utilização de ani- mais para a experimentação médica, fisiológica ou científica. O princípio dos 3Rs (do inglês: Replacement, Reduction and Refinement), criado por Russell and Burch em 1959 tem como premissa uma pesquisa humanitária para os animais. Com o passar dos anos, estes princípios foram incorporados em algumas leis que regulamentam a utilização de animais para pesquisa científica. Os princípios dos 3Rs são a substituição, redução e refinamento, e as suas definições podem ser observadas a seguir. 15 1 Replacement Pode ser traduzido como substituição. Propor uma alternativa a experimentação animal, ou seja, se houver possibilidade substituir o uso de animais por outra ferramenta. 2 Reduction sendo traduzido como redução. O pesquisador deve utilizar um método que reduza o número de animais usados em experimentos ou pesquisas, permitindo, porém, que permita os pesquisadores obter um nível comparável de informações de um número menor de animais. 3 Refinement com tradução literal para refinamento. Métodos para minimizar a dor, tortura, sofrimento ou danos duradouros que um animal pode sofrer. O refinamento se aplica a todos os aspectos do uso de animais, incluindo alojamento e criação para procedimentos científicos. Exemplos perfeitos incluem o uso de anestésicos e analgésicos adequados para evitar o estresse. A discussão sobre o uso de animais em experimentação volta em 1975 quando Peter Singer publica o livro Animal Libertation. O autor cita que a justificativa dos que utilizam animais em pesquisa e dos que aceitam essa prática consiste que os resultados provenientes de um estudo podem auxiliar no avanço e entendimento das questões humanas. Figura 5 – Peter Singer. Fonte: Wikicommons (2020). #PraCegoVer: Fotografia do filósofo e autor da obra Animal Libertation. 16 Aspectos jurídicos nacionais No Brasil não havia legislação específica que tratasse da experimentação com animal. A primeira norma brasileira sobre animais foi o Decreto n. 16.590, de 1924, baseado nas normas de países europeus. A primeira lei brasileira a tratar de experimentação animal, Lei n. 6.638 foi publicada em 1979 e estabeleceu normas para a prática de ensino e científica da dissecação de animal vivo. Biotérios e centros de experiências deveriam ser registrados. No entanto, apesar de previsão de regulamentação em 90 dias pelo Poder Executivo, que não ocorreu, o que resultou na não efetividade da norma. A Constituição Federal da República Federativa do Brasi l 1988 tem seu fundamento na dignidade da pessoa humana, trazendo como direito difuso o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Especificamente o artigo 225, §1º, V I I dispõe que todos t êm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. E para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público, proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. Para entender melhor como os cientistas aplicam a ética na experimentação animal, assista ao vídeo, clicando aqui. Saiba mais Somente após 10 anos da promulgação da constituição de 88 foi publicada a Lei de Crime Ambiental (Lei n. 9.605/98) que trouxe como causa de agravamento de pena se o crime for praticado com emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais. Criminalizando por meio dos artigos 31 e 32 as condutas: introduzir espécimes no País sem parecer técnico e licença; praticar abuso, maus tratos, experiência dolorosa ou cruel em animais vivos, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. O marco regulatório da experimentação animal no Brasil aconteceu com a publicação da lei Arouca (n. 11.794/2008), que regulamentou o inciso VII do §1º do Art. 225 da 17 Constituição Federal. Essa lei estabeleceu os procedimentos para uso científico de animais em atividade de ensino e pesquisa. Além disso, criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) e as Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs). Os direitos e deveres das Comissões de Ética em animais está determinado no artigo 5º da lei Arouca, conforme descrito a seguir. I Formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica; II Credenciar instituições para criação ou utilização de animais em ensino e pesquisa científica; III Monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa; IV Estabelecer e rever, periodicamente, as normas para uso e cuidados com animais para ensino e pesquisa, em consonância com as convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário; V Estabelecer e rever, periodicamente, normas técnicas para instalação e funcionamento de centros de criação, de biotérios e de laboratórios de experimentação animal, bem como sobre as condições de trabalho em tais instalações; VI Estabelecer e rever, periodicamente, normas para credenciamento de instituições que criem ou utilizem animais para ensino e pesquisa; 18 VII Manter cadastro atualizado dos procedimentos de ensino e pesquisa realizados ou em andamento no País, assim como dos pesquisadores, a partir de informações remetidas pelas Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs), de que trata o art. 8o desta Lei; VIII Apreciar e decidir recursos interpostos contra decisões das CEUAs; IX Elaborar e submeter ao Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, para aprovação, o seu regimento interno; X Assessorar o Poder Executivo a respeito das atividades de ensino e pesquisa tratadasnesta Lei. 19 Conclusão A partir da leitura proposta e levando em consideração todo o conteúdo discutido, pode-se concluir que o respeito à vida e o respeito às pessoas devem prevalecer em todas as esferas, e as pesquisas científicas envolvendo seres humanos devem basear-se na justiça. Isso também é benéfico porque é injusto permitir que certas categorias de pessoas (minorias étnicas, prisioneiros, pacientes, etc.) aceitem pesquisas simplesmente por causa de sua vulnerabilidade, fácil acesso ou porque são mais fáceis de manipular. O uso racional de seres humanos para pesquisas científicas baseia-se na avaliação cuidadosa da relação risco / benefício, que está intimamente relacionada a cada princípio estudado. Os benefícios do uso de animais em pesquisas são inegáveis. Porém, para solucionar os problemas relacionados à condução dessas pesquisas, é eficaz adotar e seguir os princípios éticos e, por fim, refletir sobre a validade dos resultados. Combinar os três princípios “R” no estágio de planejamento da pesquisa animal pode disseminar melhor os padrões comportamentais dos experimentos com animais na comunidade científica e para toda a sociedade. Cada país é responsável por regulamentar as leis que orientam o uso de animais em pesquisas, contanto que estejam em consonância com os padrões científicos internacionais. No Brasil, a regulamentação final nessa área ainda em fase de elaboração, o que dificulta a padronização de procedimentos e, principalmente, retarda o cumprimento das normas (e legislações) éticas na pesquisa animal. 20 Referências BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Princípios de Ética Biomédica. Trad. Luciana Pudenzi. São Paulo: Loyola, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 out. 1996.Diretrizes e normas regulamentadoras sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília-DF, 1996. ____. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 jun. 2013. 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