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TCC II - CLOVIS HONORATO - MULTIPARENTALIDADE E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

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Prévia do material em texto

FACULDADE DE INHUMAS 
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE INHUMAS 
 
CURSO DE DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
 
CLOVIS VINÍCIUS DE ALMEIDA HONORATO 
 
 
 
 
 
 
 
 
A AFETIVIDADE COMO ALICERCE DO DIREITO DE FAMÍLIA 
CONTEMPORÂNEO: análise sob o viés da multiparentalidade e da 
parentalidade socioafetiva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INHUMAS - GO 
2022 
 
 
CLOVIS VINÍCIUS DE ALMEIDA HONORATO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A AFETIVIDADE COMO ALICERCE DO DIREITO DE FAMÍLIA 
CONTEMPORÂNEO: análise sob o viés da multiparentalidade e da 
parentalidade socioafetiva 
 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de Direito, da 
Faculdade de Inhumas (FACMAIS) como requisito para a 
obtenção do título de Bacharel em Direito. 
Professora orientadora: Sirlene Fernandes Montanini. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INHUMAS - GO 
2022 
 
 
CLOVIS VINÍCIUS DE ALMEIDA HONORATO 
 
 
 
 
 
 
 
A AFETIVIDADE COMO ALICERCE DO DIREITO DE FAMÍLIA 
CONTEMPORÂNEO: análise sob o viés da multiparentalidade e da 
parentalidade socioafetiva 
 
 
 
 
 
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DO(S) ALUNO(S) 
 
Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Faculdade de Inhumas (FACMAIS) 
como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Direito. 
 
 
Inhumas, 31 de maio de 2022. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
_____________________________________________________ 
Prof.ª Sirlene Fernandes Montanini – FacMais 
(orientadora e presidente) 
 
_____________________________________________________ 
Prof.ª Elisabeth Maria de Fátima Borges – FacMais 
(Membro) 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
BIBLIOTECA FACMAIS 
 
H774a 
 
HONORATO, Clovis Vinícius de Almeida 
A AFETIVIDADE COMO ALICERCE DO DIREITO DE FAMÍLIA 
CONTEMPORÂNEO: análise sob o viés da multiparentalidade e da parentalidade 
socioafetiva/Jorge Augusto de Moraes. – Inhumas: FacMais, 2022. 
51 f.: il. 
Orientador (a): Sirlene Fernandes Montanini. 
Monografia (Graduação em Direito) - Centro de Educação Superior de Inhumas - 
FacMais, 2022. 
Inclui bibliografia. 
1. Dignidade humana; 2. afetividade; 3. parentalidade socioafetiva; 4. 
multiparentalidade; 5. reconhecimento. I. Título. 
CDU: 34 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Trata-se de monografia jurídica cuja problemática reside em examinar a viabilidade 
jurídica da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva, assunto que mais tem 
despertado o interesse da doutrina e da jurisprudência nos últimos tempos. A pesquisa 
bibliográfica consubstanciou-se em doutrinas, legislações, artigos jurídicos, websites 
e jurisprudências atualizadas pertinentes ao tema. Dividida em três partes, no primeiro 
instante esboça os princípios norteadores do direito de família. Descreve o princípio 
da dignidade humana e demais correlatos à relação paterno-filial, com destaque ao 
princípio da afetividade. A segunda parte apresenta as diretrizes do reconhecimento 
voluntário e judicial dos filhos. A terceira parte exibe a problemática do estudo. 
Examina os elementos necessários à configuração da posse de estado de filho e da 
parentalidade socioafetiva, bem como a (im)possibilidade da sua desconstituição. Ao 
final, analisa os contornos da multiparentalidade, sua aceitação cronológica pelo 
judiciário e como o mesmo tem se posicionado antes e depois da tese de Repercussão 
Geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2016. Empregou-se o método 
hipotético-dedutivo na abordagem do tema. 
 
Palavras-chave: dignidade humana; afetividade; parentalidade socioafetiva; 
multiparentalidade; reconhecimento. 
 
 
 
ABSTRACT 
 
It is a legal monograph whose problem lies in examining the legal feasibility of multi 
parenting and socio-affective parenting, a subject that has most aroused the interest 
of doctrine and jurisprudence in recent times. The bibliographic research was based 
on doctrines, legislation, legal articles, websites and updated jurisprudence relevant to 
the topic. Divided into three parts, at first it outlines the guiding principles of family law. 
It describes the principle of human dignity and other correlates of the paternal-filial 
relationship, with emphasis on the principle of affection. The second part presents the 
guidelines for voluntary and judicial recognition of children. The third part shows the 
problem of the study. It examines the elements necessary for the configuration of the 
possession of a child's status and socio-affective parenting, as well as the 
(im)possibility of its deconstitution. In the end, it analyzes the contours of multi 
parenthood, its chronological acceptance by the judiciary and how it has positioned 
itself before and after the General Repercussion thesis signed by the Federal Supreme 
Court in 2016. The hypothetical-deductive method was used to approach the theme. 
 
Keywords: human dignity; affectivity; socio-affective parenting; multi parenting; 
recognition. 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO 6 
1. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA 8 
1.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 8 
1.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA DOS FILHOS 10 
1.3 PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR E DA PATERNIDADE 
RESPONSÁVEL 11 
1.4 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 12 
1.5 RECONHECIMENTO DE UM NOVO PRINCÍPIO NO DIREITO DE FAMÍLIA: O DA 
AFETIVIDADE 15 
2. DA FILIAÇÃO 18 
2.1 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DOS FILHOS 19 
2.2 RECONHECIMENTO JUDICIAL DOS FILHOS 23 
2.3 RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DOS FILHOS 25 
3. DA MULTIPARENTALIDADE E DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA 27 
3.1 POSSE DE ESTADO DE FILHO E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA 27 
3.2 (IM)POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO 
 300 
3.3 A MULTIPARENTALIDADE COMO REFLEXO DOS NOVOS ARRANJOS 
FAMILIARES 32 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 43 
REFERÊNCIAS 46 
 
6 
 
INTRODUÇÃO 
 
A presente monografia jurídica tem por escopo avaliar aspectos referentes ao 
Direito de Família contemporâneo, com destaque a um de seus alicerces: a 
afetividade. 
O estudo tem por objetivo responder a seguinte indagação: qual a viabilidade 
jurídica para o reconhecimento da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva 
como modelos de composição familiar? 
A hipótese reside na valorização da dignidade humana como principal 
fundamento jurídico para o reconhecimento dos vínculos socioafetivos e 
multiparentais contemporâneos. 
A justificativa para o tema adotado se dá em face de conhecer os pormenores 
da multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva, novos paradigmas familiares, 
assim como os fundamentos utilizados pelo aplicador do direito acerca de sua 
viabilidade jurídica. 
O objetivo geral consiste em examinar os contornos da afetividade e de sua 
aceitação como valor jurídico, a fim de confirmar a viabilidade do reconhecimento da 
multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva. 
O estudo foi dividido em três capítulos, onde, o capítulo 1 delineia os princípios 
que envolvem o Direito de Família, podendo serem observados no ordenamento 
jurídico, sendo classificados em respeito à dignidade da pessoa humana, a igualdade 
jurídica dos filhos, ao planejamento familiar, à paternidade responsável e ao melhor 
interesse da criança e do adolescente. Ao final, o capítulo aborda a afetividade como 
um novo fundamento do Direito de Família. 
O capítulo 2 dispõe sobre a filiação e o seu reconhecimento voluntário, que 
se dá por intermédio da presunção de paternidade; e o judicial, que acontece a partir 
das ações de investigação ou negatória de paternidade ou maternidade. Enquanto 
que na primeira espécie tem-se o fundamento de que “o marido é o pai”, devendo o 
filho espontaneamente ser reconhecido, em face da relação matrimonial ou de 
convivência estabelecida; na segunda, o exame de Ácido Desoxirribonucleico (DNA) 
atuará como elemento decisivo no reconhecimento do filho. 
O capítulo 3 destaca as relações socioafetivas, onde pais e filhosnão 
biológicos vivem, perante o grupo familiar e social, uma relação calcada no carinho, 
amor e afeição. Vê-se os caracteres da posse do estado de filho e da viabilidade da 
7 
 
desconstituição da parentalidade socioafetiva. O capítulo traz, ainda, o entendimento 
sobre o reconhecimento judicial da multiparentalidade, com reflexo na dupla 
paternidade/maternidade do assentamento de registro civil e como o judiciário tem se 
posicionado sobre a multiparentalidade antes e após a tese de Repercussão Geral 
firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016. 
A pesquisa bibliográfica teve como parâmetro doutrinas sobre o tema, com 
ênfase à obra Multiparentalidade e parentalidade socioafetividade: efeitos jurídicos, 
de autoria de Christiano Cassettari, de 2017. Em conjunto, artigos jurídicos, websites, 
dispositivos de leis e jurisprudências atualizadas de tribunais de variados Estados 
brasileiros, além de precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo 
Tribunal Federal (STF). Desde já, a análise não pretende exaurir todas as pesquisas 
sobre o tema, tão somente constituir um norte para aqueles que tenham interesse no 
assunto em comento. 
Empregou-se o método hipotético-dedutivo, onde, a partir da racionalização e 
interpretação do material coletado, tornou-se possível apresentar um raciocínio 
hipotético que caminha do geral para o particular. 
 
8 
 
1. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA 
 
Os princípios que envolvem o Direito de Família podem ser observados no 
ordenamento jurídico e serão destacados a seguir, sendo classificados em respeito à 
dignidade da pessoa humana, à igualdade jurídica dos filhos, ao planejamento 
familiar, à paternidade responsável e ao melhor interesse da criança e do adolescente. 
Ao final, o capítulo aborda a afetividade como um novo fundamento do Direito de 
Família. 
 
1.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 
 
O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana está elencado no artigo 
1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que diz: “A República Federativa do 
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, 
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos [...] III - a 
dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988). 
Pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana está diretamente 
relacionada ao dever imposto ao Estado de assegurar a cada um de seus cidadãos 
uma condição de vida honrada, com os meios necessários à sua sobrevivência e o 
respeito condizente à qualidade de ser humano único que é. 
Desse modo, “a dignidade humana somente é preservada na medida em que 
se garante o respeito à dimensão existencial do indivíduo, não apenas em sua esfera 
pessoal, mas, principalmente, no âmbito das suas relações sociais” (GAGLIANO; 
PAMPLONA FILHO, 2020). 
Immanuel Kant trouxe importantes considerações sobre a concepção de 
dignidade. Segundo seu pensamento, a dignidade confere ao homem autonomia 
especial, que o diferencia dos demais objetos, não podendo, assim, ser tratado como 
tal (SARLET In: CANOTILHO, 2013). 
O principal documento internacional de proteção aos direitos humanos, a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. 1º, reconhece a dignidade 
da pessoa humana: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e 
em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros 
em espírito de fraternidade” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS 
HUMANOS, 1948). 
9 
 
O preceito em referência constitui fundamento do Estado brasileiro sendo, 
portanto, de extrema importância a sua obediência. O Direito de Família está entre os 
ramos jurídicos sobre os quais o princípio da dignidade da pessoa humana mais se 
aplica. Entretanto, trazer à baila um conceito estrito de dignidade da pessoa humana 
não é tarefa simples, pois, por tratar-se de cláusula geral, são muitas as possibilidades 
de interpretação (TARTUCE, 2017a). 
Conforme Diniz (2015, p. 37), o referido princípio “constitui base da 
comunidade familiar, garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno 
desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente a criança 
e o adolescente.” 
O judiciário eleva a dignidade da pessoa humana ao mais alto patamar, em 
suas decisões. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a 
igualdade entre casais héteros e homossexuais: 
 
 
[...]. 2. Há possibilidade jurídica de reconhecimento de união estável 
homoafetiva pelo ordenamento jurídico brasileiro por realizar os princípios da 
dignidade da pessoa humana e da igualdade, aplicando-se, por analogia, a 
legislação atinente às relações estáveis heteroafetivas, tendo em vista a 
caracterização dessa relação como modelo de entidade familiar (STF, ADI nº 
4.277/DF, Relator Ministro AYRES BRITTO, DJe 5/5/2011). 3. Assentando o 
Tribunal local restar comprovada a existência de união afetiva entre pessoas 
do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à 
meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, 
independentemente da prova do esforço comum, que nesses casos, é 
presumida, conforme remansosa jurisprudência do STJ. 4. [...]. (BRASIL, 
2014). 
 
 
Para o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a possibilidade jurídica da união 
homoafetiva é plenamente possível, em respeito ao preceito da dignidade da pessoa 
humana. Entende-se que, como seres humanos livres físico e psicologicamente, 
detém do livre arbítrio de decidirem, de per si, como conduzirão suas vidas íntimas e 
as escolhas que farão para suas vidas. 
Desse modo, aceitar que um novo modelo de entidade familiar se estabeleceu 
no seio social, conferindo aos homossexuais os mesmos direitos estabelecidos aos 
casais heteroafetivos, é respeitar a vida que cada um tomou para si. 
 
1.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA DOS FILHOS 
 
10 
 
A igualdade jurídica dos filhos foi elencada no artigo 227, § 6º, da Constituição 
Federal de 1988, in verbis: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou 
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer 
designações discriminatórias relativas à filiação.” 
A isonomia dos filhos constitui umas das principais novidades trazidas pela 
Carta Constitucional de 1988. Antes de sua promulgação, somente poder-se-iam ser 
reconhecidos os filhos concebidos na constância do casamento. Estes eram tidos 
como filhos legítimos; os demais, ilegítimos, importando em proeminente 
discriminação. 
A inovação constitui reflexo do pensamento esboçado pela doutrina e pela 
jurisprudência, sempre atentas à realidade social. 
A sociedade, paulatinamente, deixou de seguir os padrões tradicionais, em 
relação ao modo de composição familiar. A pluralidade de entidades familiares tornou-
se cada vez mais presente e não poderia, tão pouco deveria deixar de receber o 
devido reconhecimento jurídico (PEREIRA, 2014). 
Felizmente, hoje, não importa como se deu a origem dos filhos. A Constituição 
da República determina que sejam tratados de modo igualitário. Ainda que não tenha 
sido concebido no seio do matrimônio, em igualdade, os filhos têm direito a um nome, 
a receber alimentos, a ser parte legítima da sucessão e demais prerrogativas 
destinadas à filiação. O estado de filho pode ser reconhecido a qualquer tempo, ainda 
que o genitor se encontre morto. 
Nas palavras de Lisboa (2012, p. 57): “O direito pós-moderno confere uma 
tutela jurídica diferenciada e mais protetiva à criança, ao adolescente e ao idoso, em 
comparação com os demais membros da entidade familiar.” 
Destarte, conforme o princípio em comento, não deve existir diferenciações 
entre os filhos, sejam eles biológicos, adotivos ou constituídos fora da relação 
matrimonial. Todos são, portanto, iguais. 
 
 
 
1.3 PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR E DA PATERNIDADE 
RESPONSÁVEL 
 
11 
 
Consubstanciadonos princípios da dignidade da pessoa humana e da 
paternidade responsável, o planejamento familiar encontra-se disposto no artigo 226, 
§ 7º, da Constituição da República, que possibilita ao casal o planejamento familiar de 
forma livre. Ao Estado incumbe a tarefa de prover os meios necessários para que esse 
direito seja exercido. 
 
 
Art. 226 [...] 
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da 
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, 
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o 
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de 
instituições oficiais ou privadas. 
 
 
O conceito de “planejamento familiar” pode ser extraído do art. 2º, da Lei nº 
9.263/1996, responsável por regular os contornos do planejamento familiar, in verbis: 
“o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de 
constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” 
(BRASIL, 1996). 
A mencionada lei traduz uma preocupação do legislador em que exista 
planejamento populacional a ser realizado pelo próprio casal, não pelo poder público, 
com vista a satisfazer grupos sociais diversos. O planejamento familiar constitui 
verdadeira autonomia conferida pelo Estado aos indivíduos (NERY JUNIOR; NERY, 
2014). 
No Código Civil de 2002, o planejamento familiar é salvaguardado como 
princípio insculpido no § 2º, do art. 1.565: 
 
 
Art. 1.565. [...] 
§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao 
Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse 
direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou 
públicas. 
 
 
A redação do artigo é praticamente uma repetição do texto presente no art. 
226, § 7º, da Constituição Federal de 1988. 
Ressalta-se que o preceito não é destinado, apenas, aos casados; é 
extensível aos companheiros. De acordo com o Enunciado nº 99, da I Jornada de 
Direito Civil de 2002: 
12 
 
 
 
Art. 1.565, § 2º: o art. 1.565, § 2º, do Código Civil não é norma destinada 
apenas às pessoas casadas, mas também aos casais que vivem em 
companheirismo, nos termos do art. 226, caput, §§ 3º e 7º, da Constituição 
Federal de 1988, e não revogou o disposto na Lei n. 9.263/96 (SILVA, 2016). 
 
 
Afere-se que aos pares é destinado o direito de constituir família no momento 
que lhes for oportuno, nos moldes que desejar. Nenhuma instituição pública ou 
privada detém autonomia para inferir na vida privada de seus cidadãos para dizer-lhes 
como conduzirão seu núcleo familiar (LISBOA, 2012). 
Entretanto, é preciso ressaltar que a liberdade conferida pelo planejamento 
familiar traz consigo um outro princípio: o da paternidade responsável, que confere a 
todos a liberdade para constituírem suas famílias quando desejarem. Todavia, a 
concepção dos filhos traz aos pais as obrigações relativas ao poder familiar. 
Como fundamento à paternidade responsável, tem-se o art. 229 da 
Constituição da República de 1988, que estatui: “Os pais têm o dever de assistir, criar 
e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os 
pais na velhice, carência ou enfermidade.” 
Assim, a criança e o adolescente não possuem condições de sozinhas 
proverem os meios indispensáveis ao seu crescimento. Os pais são livres para gerar 
filhos quando desejarem, todavia obrigados a oferecer os meios materiais e morais 
aos filhos, a partir de sua concepção. 
 
1.4 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 
 
A Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 
1989 pela Assembleia Geral das Nações, representa um marco na proteção 
internacional da criança e do adolescente. 
A referida Convenção foi ratificada no Brasil pelo Decreto n° 99.710/1990 e 
dispõe no seu artigo 3º sobre o melhor interesse do menor e de sua proteção pelo 
Estado: 
 
 
Art.3º: 
1 – Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições 
públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades 
13 
 
administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o 
melhor interesse da criança. 
2 – Os Estados Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e 
o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em 
consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas 
responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as 
medidas legislativas e administrativas adequadas. 
3 – Os Estados Partes certificar-se-ão de que as instituições, os serviços e 
os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças 
cumpram os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, 
especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao 
número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão 
adequada (BRASIL, 1990a). 
 
 
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está diretamente 
relacionado à doutrina da proteção integral, onde todos, Estado, sociedade e família, 
devem zelar pelo saudável crescimento do menor, em todos os aspectos. 
Nesse sentido, a Constituição da República de 1988 em seu art. 227, caput, 
anuncia: 
 
 
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, 
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, 
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à 
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, 
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão. 
 
 
Confirma-se, portanto, a obrigação constitucional recaída sobre todos, 
indistintamente, de salvaguardar os direitos do menor, por sua especial condição de 
sujeito em desenvolvimento. 
Do mesmo modo, o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) 
preconiza que a proteção ao menor tem prioridade absoluta, sendo todos 
responsáveis pela efetivação do direito “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, 
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à 
liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1990b). 
Os direitos acima relacionados são fundamentais da pessoa humana, ou seja, 
interligados à personalidade do homem. 
É o direito que a pessoa tem de viver, ser livre, possuir um nome, ter seu 
corpo, sua imagem, sua honra e aquilo que crê preservados. Tais direitos não se 
descartam nem são destacados da personalidade humana. São inalienáveis, 
irrenunciáveis e tão pouco transmissíveis a outrem. Por conseguinte, constituem 
14 
 
direitos que não podem ser vendidos, cedidos, abdicados ou transferidos para outras 
pessoas (NUCCI, 2017). 
O princípio do melhor interesse dita ao legislador e ao intérprete da norma 
jurídica o modo pelo qual deve-se orientar nos casos cujo envolvendo crianças e 
adolescentes, buscando resguardar o respeito à dignidade e os demais direitos 
fundamentais do menor: 
 
 
Trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, 
determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente 
como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para 
elaboração de futuras regras. 
Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas 
e jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do 
respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Ou 
seja, atenderá o princípio do melhor interesse toda e qualquer decisão que 
primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais, sem subjetivismos 
do intérprete. Melhor interesse não é o que o julgador entende que é melhor 
para a criança, mas sim o que objetivamente atende à sua dignidade como 
criança, aos seus direitos fundamentais em maior grau possível (AMIM in: 
MACIEL,2019). 
 
 
Pelo princípio do melhor interesse do menor, todas as ações relativas ao 
poder familiar devem estar consubstanciadas nos aspectos positivos que trarão à 
criança e o adolescente. 
Na relação familiar, os direitos do menor se sobrepõem aos dos pais. Logo, o 
bem-estar da criança e do adolescente deve ser um ideal a ser alcançado pelos pais 
continuamente. Somente assim, poderão proporcionar a estes menores um 
desenvolvimento satisfatório. 
O princípio supra “permite o integral desenvolvimento de sua e é diretriz 
solucionadora de questões conflitivas advindas da separação judicial ou divórcio dos 
genitores, relativas à guarda, ao direito de visita etc.” (DINIZ, 2015, p. 37). 
 
 
1.5 RECONHECIMENTO DE UM NOVO PRINCÍPIO NO DIREITO DE FAMÍLIA: O 
DA AFETIVIDADE 
 
O afeto é elemento espontâneo nas relações familiares. Por ele, as famílias 
são constituídas e mantidas. Pode-se dizer que na convivência encontra-se o ponto 
de partida dos sentimentos, o elo que vai além do parentesco biológico. Para Bordallo 
15 
 
(In: MACIEL, 2019), “a finalidade da família moderna não é a procriação, mas a criação 
de um local onde a afetividade seja exercida.” 
Gagliano e Pamplona Filho (2020) aduzem ser a afetividade o elemento sobre 
o qual o Direito de Família moderno se erige. Consoante os autores: “a afetividade 
tem muitas faces e aspectos e, nessa multifária complexidade, temos apenas a 
certeza inafastável de que se trata de uma força elementar, propulsora de todas as 
nossas relações de vida.” 
Inexiste na legislação constitucional e infraconstitucional dispositivo que trate 
expressamente da afetividade. O que se tem, por dedução lógica, é que esta se 
encontra intrinsecamente enraizada nas relações familiares, devendo receber 
especial atenção (TARTUCE, 2017b). 
Pereira (2014) entende ser a afetividade um princípio jurídico, em face de 
existir “um anseio social à formação de relações familiares afetuosas, em detrimento 
da preponderância dos laços meramente sanguíneos e patrimoniais.” 
Na Convenção sobre os Direitos da Criança encontra-se o alicerce da 
proteção integral da criança e do adolescente, reconhecendo-os como sujeitos de 
direito, portanto, carecendo de atenção especial por parte do Estado, da família e da 
sociedade em geral. 
A afetividade vem insculpida logo em seu preâmbulo, quando se lê: 
 
 
Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade e 
ambiente natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, 
e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência 
necessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades 
dentro da comunidade; Reconhecendo que a criança, para o pleno e 
harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da 
família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão (grifo nosso). 
 
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), principal diploma de proteção 
à pessoa do infanto-juvenil vigente no Brasil, tem o seu texto consubstanciado na 
Convenção sobre os Direitos da Criança. 
Desse modo, ainda que a afetividade não esteja explicitamente apresentada 
em seu seio normativo, subtende-se que os seus objetivos buscam, em primazia, 
oferecer as condições necessárias à plenitude do desenvolvimento do infanto-juvenil, 
que somente acontecerá nesses termos, se encontrar no seio familiar, dentre outros 
elementos, um ambiente de felicidade, amor e compreensão. 
16 
 
Consoante já exposto, em seu art. 4º, caput, o ECA impõe à família, à 
sociedade geral, à comunidade e ao Poder Público a salvaguarda dos direitos 
fundamentais do menor, neles abarcados o respeito à sua dignidade e à convivência 
familiar. 
Observa-se que o dispositivo protecionista do menor efetivou o 6º Princípio da 
Declaração Universal dos Direitos das Crianças, de 1959, que igualmente traz em seu 
bojo a afetividade, ao dispor que o menor deve se desenvolver num ambiente de afeto 
e de segurança, sob a proteção dos pais: 
 
 
6º Princípio – A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve crescer, 
sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de afeto e de 
segurança moral e material para desenvolver a sua personalidade. A 
sociedade e as autoridades públicas devem propiciar cuidados especiais às 
crianças sem família e àquelas que carecem de meios adequados de 
subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em 
prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas. 
 
 
No art. 5º do ECA, tem-se delineada ampla proteção ao menor, prevendo a 
punição daquele que, por ação ou omissão, violar os seus direitos fundamentais. 
Nenhuma criança ou adolescente, portanto, poderá padecer abusos físicos ou 
pressão psicológica, negligência, discriminação, atos de crueldade, opressão etc. 
Com a valoração pela Constituição de 1988 dos princípios da dignidade, 
igualdade, liberdade e solidariedade, a essência de querer ser, pensar ser, dar e 
receber assistência no âmbito de relações familiares está mais centrada em laços de 
afetividade do que propriamente em vínculo biológico. 
Atualmente, nos mais variados artigos, doutrinas e jurisprudências vê-se o 
primado da afetividade prevalecendo sobre a ligação biológica. A nova família 
encontra-se estruturada na convergência de vontades em atender as necessidades 
de seus membros no decurso de tempo em que há ou houve mútua assistência. 
Portanto, existe, hoje, uma consideração da vida em comum (CASSETTARI, 2015). 
A afetividade, consoante Lôbo (2017), “é o princípio que fundamenta o direito 
de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com 
primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.” 
Paralelamente, tem-se o princípio do melhor interesse da criança ou 
adolescente, o princípio da proteção integral e o princípio da convivência familiar. 
17 
 
Todos convergindo no que representa ser o melhor para criança ou adolescente 
desenvolver-se com dignidade. 
No conflito de interesses, cujo objeto envolve menores, sempre que possível, 
aplica-se a proteção integral, fazendo prevalecer o princípio do melhor interesse da 
criança ou adolescente, o que normalmente converge com a afetividade. Destarte, a 
família, seja a biológica ou a socioafetiva, tem a afetividade como pressuposto de 
existência (CASSETTARI, 2015). 
Os pais, detentores do poder familiar, devem oferecer à prole os meios 
indispensáveis ao seu salutar crescimento, sendo imprescindível, para tanto, que a 
afetividade esteja presente em suas relações e que estes acompanhem de perto cada 
etapa de seu desenvolvimento. Somente assim, estarão cumprindo com maestria o 
papel legal a si atribuído a partir da concepção dos filhos. 
No capítulo a seguir serão objetos de estudo os aspectos tecnocientíficos, 
doutrinários e jurisprudenciais referentes ao conceito contemporâneo de filiação. 
18 
 
2. DA FILIAÇÃO 
 
O progresso da tecnologia trouxe a solução das dúvidas referente à 
paternidade biológica. Muitos dos conflitos e das incertezas relativas à origem dos 
filhos eram solucionáveis pelo sistema de presunções. O direito utilizou muito desta 
ferramenta para atribuir a relação de filiação, por haver dificuldade técnica de 
verificação de paternidade biológica. 
A comprovação da maternidade baseava-se nas visíveis alterações físicas no 
corpo da mulher e no parto. Daí a presunção de que a mãe é sempre certa, mater 
semper certa est. Quanto à paternidade, a presunção pater is est, pai é o marido, 
fundava-se na dificuldade de apurar quem era o pai biológico (VENOSA, 2020). 
Por filiação, entende-se o laço jurídico que liga os filhos às pessoas dos pais, 
independentemente de como se deu a sua origem: pelo matrimônio, fora do 
matrimônio ou pela via da adoção. 
Conforme Pereira (2018), a filiação “designa a relação de parentesco na linha 
reta e em primeiro grau, do filho em relação aos pais.Sob a ótica do pai, dá-se o nome 
de paternidade; sob a ótica da mãe, maternidade.” 
Todos são detentores dos mesmos direitos e qualificações, restando proibido 
qualquer ato discriminatório em razão do estado de filiação, por força do art. 1.596 do 
Código Civil: 
 
 
Esse preceito coroou uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, 
já que, durante muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os 
mesmos direitos dos oriundos de matrimônio civil, sendo excluídos da 
“cidadania jurídica”, em favor de uma falsa harmonia nas relações 
matrimoniais (SILVA, 2016). 
 
 
Assim, a disciplina presente no art. 1.596 do Código Civil nada mais é que o 
retrato fiel do texto da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 227, § 6º, dispõe: 
“os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos 
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à 
filiação.” 
Uma vez que a Lei Maior trata a filiação de modo isonômico, todos os demais 
diplomas ordinários devem seguir os seus ditames. 
19 
 
A seguir será discorrido no que concerne ao reconhecimento voluntário, 
judicial e extrajudicial dos filhos. 
 
2.1 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DOS FILHOS 
 
Por estarem os filhos juridicamente unidos aos pais, uma série de 
circunstâncias foram previstas pelo legislador ordinário, para demonstrar em quais 
situações a filiação seria reconhecida, a partir da presunção de paternidade, que são 
“deduções que se tiram de um fato certo para provar um fato desconhecido” (DIAS, 
2016). 
Conforme citado anteriormente, a maternidade é praticamente incontestável, 
em função da máxima mater semper certa est, sendo possibilitada em casos 
extraordinários. O mesmo não ocorre com a paternidade, ainda que impere a dedução 
de que o marido da mãe é o pai de seus filhos (TARTUCE, 2017b). 
Desse modo, “qualquer que seja a origem, o filho é do marido; certeza que 
induz (presume, pressupõe) a segurança para aqueles a quem se transferirá a 
propriedade privada em caso de sucessão” (DIAS, 2016). 
Gagliano e Pamplona Filho (2020) lecionam que o reconhecimento voluntário 
dos filhos se dá, geralmente, pela via cartorária. Em complemento, é destinado aos 
filhos contraídos fora do matrimônio, vez que os concebidos em sua constância, como 
se viu, são considerados “filhos do cônjuge”, por presunção legal. 
Cinco são as situações descritas pelo art. 1.597 do Código Civil que 
determinam a presunção legal de paternidade, a saber: 
Os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a 
convivência conjugal. Nesse caso, a presunção de paternidade se inicia assim que a 
relação de convivência se estabelece. 
Silva (2016) esclarece porque o casamento (incluindo-se, também, a união 
por convivência), gera a presunção de paternidade: 
 
 
O casamento gera a presunção da paternidade — pater is est quem nuptiae 
demonstrant — por presunção da coabitação e da fidelidade da mulher, ou, 
por outras palavras, porque a lei supõe relações sexuais entre os cônjuges e 
que a mulher as tenha tido somente com o marido. 
 
 
20 
 
Trata-se de presunção relativa, sendo o exame de DNA (método utilizado para 
analisar as informações genéticas dos indivíduos) o principal instrumento pelo qual a 
verdade real do parentesco será declarada, em casos de dúvida: 
 
 
Toda a cultura, a construção doutrinária, a jurisprudência, enfim, toda a 
concepção sobre a prova nas ações de filiação, que tinha por base a 
circunstância de que a paternidade era um mistério impenetrável, sendo 
impossível obter-se a prova direta da mesma, passou, recentemente, por 
radical transformação, e um entendimento de séculos teve de ser 
inteiramente revisto. Como o progresso científico e a invenção do teste DNA 
(ácido desoxirribonucleico), a paternidade pode ser determinada como 
absoluta certeza (VELOSO apud TARTUCE, 2017b, p. 249). 
 
 
Pontua-se, portanto, que, diferentemente do que acontecia até a vigência da 
atual Constituição Federal, a presunção de paternidade, hoje, não serve como 
parâmetro para a qualificação de filho legítimo ou ilegítimo, até mesmo em razão da 
CF/88 ter elevado todos os filhos ao mesmo patamar, independentemente de como 
concedeu concepção (TARTUCE, 2017b). 
Os filhos nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade 
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento. Aqui, ao 
contrário da presunção que se estabelece do início da relação de convivência, o prazo 
para a presunção de paternidade começa a fluir a partir do rompimento da sociedade 
conjugal, pela morte ou nulidade e anulação do casamento. 
Ao descreverem a utilidade da norma contida no art. 1.597, II, do Código Civil, 
Nery Junior e Nery aduzem ser o dispositivo importante à proteção dos direitos de 
filiação e de sucessão destinados ao concepto: 
 
 
Remanesce a importância do artigo para, aprioristicamente, fixar regras de 
filiação e de sucessão que interessam ao concepto, como medida necessária 
ao resguardo dos direitos do nascituro (CC 2.º) e para imputar ao presumido 
pai responsabilidades (inclusive de alimentos) em face do ser concebido 
(NERY JUNIOR; NERY, 2014, p. 649). 
 
 
Mais uma vez, a presunção a que se refere é iuris tantum (relativa), sendo o 
exame de DNA a via necessária para que a paternidade biológica seja confirmada. 
O exame de DNA tornou ineficazes todos os métodos e presunções para o 
reconhecimento da filiação utilizados até a sua instituição, em face da precisão do 
resultado emitido. 
21 
 
Para Veloso (apud GONÇALVES, 2021), “a comparação genética através do 
DNA é tão esclarecedora e conclusiva quanto às impressões digitais que se obtêm na 
datiloscopia, daí afirmar-se que o DNA é uma impressão digital genética.” 
Com a exceção de prova em contrário, se a mulher viúva ou que teve o 
casamento anulado, que antes de completar dez meses após o início de qualquer uma 
das circunstâncias mencionadas contrair novo casamento e sobrevier o nascimento 
de algum filho, presumir-se-á do primeiro marido, caso o nascimento se dê até 300 
dias, contados da data de seu falecimento; do segundo marido, se o nascimento se 
der após o transcurso dos 300 dias mencionados ou 180 dias do início do segundo 
casamento (art. 1.598 c/c 1.523, I e II do Código Civil). 
Os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o 
marido. Primeiramente, tem-se por fecundação artificial homóloga aquela realizada 
com material genético do marido e de sua esposa. Assim, ainda que o marido já tenha 
falecido, se o seu material genético (congelado em banco de sêmen) for utilizado 
juntamente com o óvulo da mulher viva, será tomado como pai da criança que nascer 
(TARTUCE, 2017b). 
Sobre o tema, o Conselho de Justiça Federal (CJF), por seu Enunciado nº 
106, impõe à mulher que deseja submeter-se à fecundação com o material genético 
do falecido a comprovação de seu estado de viuvez e apresentação de autorização 
expressa deixada pelo marido para realização do ato, após sua morte: 
 
 
Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório 
que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida 
com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo 
obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que utilize seu 
material genético após sua morte. 
 
 
Ainda sobre fecundação artificial homóloga, o Código Civil estabelece a 
presunção de paternidade dos filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de 
embriões excedentários. A filiação, nesse caso, é decorrente de embriões criados e 
conservados em clínicas de reprodução assistida. A técnica empregada é a de 
reprodução in vitro, por meio da manipulação do material genético do homem e da 
mulher e de fecundação realizada numa proveta, fora do corpo materno (TARTUCE, 
2017b). 
22 
 
Importante frisar que, na situação legalprevista, os embriões deverão, 
necessariamente, ser constituídos de material genético obtido a partir dos excedentes 
da reprodução artificial homóloga realizada pelo homem e pela mulher, casados ou 
conviventes em união estável. 
Lôbo (2017) destaca estar “proibida a utilização de embrião excedentário por 
homem e mulher que não sejam os pais genéticos ou por outra mulher titular de 
entidade monoparental.” 
A vedação encontra respaldo no fato de não ser permitida no Brasil a famosa 
barriga de aluguel, ou barriga solidária, onde uma terceira mulher oferta o seu útero 
para abrigar a combinação genética do pai e mãe casados ou de homem solteiro que 
com aquela não tenha qualquer vínculo (GONÇALVES, 2021). 
Se, porventura, ocorrer a situação descrita, juridicamente, o filho será da 
mulher que o gerou e concebeu, em decorrência da presunção de maternidade 
estabelecida pelo do parto. 
O pai, por sua vez, independentemente se casado ou solteiro, será o homem 
que cedeu o sêmen para a reprodução. Logo, ainda que o óvulo fecundado não seja 
da mulher que o gerou, o filho resultante, por força da lei, será (GONÇALVES, 2021). 
Insta observar, nesse sentido, que a Resolução nº 1.957/2010, do Conselho 
Federal de Medicina (CFM), determina que todos os estabelecimentos de reprodução 
assistida somente realizem o procedimento conhecido como gestação de substituição 
se, comprovadamente, mediante laudos médicos, a doadora genética restar impedida 
de gestar o embrião (GONÇALVES, 2021). 
Mesmo assim, o CFM prescreve que somente poderão doar temporariamente 
os seus úteros, para a gestação, mulheres que pertençam à família da doadora 
genética, com parentesco confirmado até o segundo grau. Casos diferentes do citado 
precisarão, primeiramente, de autorização do CFM, à sua realização (GONÇALVES, 
2021). 
Conforme verificado na situação anterior, o material genético manipulado in 
vitro somente poderá ser usado após a morte dos doadores, se estes manifestarem, 
por escrito, a possibilidade do feito. 
Por fim, terão a presunção de paternidade os filhos havidos por inseminação 
artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Ao contrário das 
situações anteriores, o material genético, aqui, é doado por outro homem (doador 
anônimo) e será implantado no óvulo da mulher. 
23 
 
Tal situação somente poderá ser aceita se houver prévio consentimento do 
marido para o ato, uma vez que, apesar de o sêmen utilizado na fecundação ser de 
outra pessoa, a filiação e seus efeitos jurídicos recairão sobre si. 
A concordância do marido impede que a filiação concebida por inseminação 
heteróloga seja desconstituída, salvo a comprovação de que o filho é resultado da 
infidelidade da mulher (GONÇALVES, 2021). 
Importante consideração a ser feita, é no que diz respeito à verdade real como 
requisito à presunção de paternidade. Nos casos de fecundação artificial heteróloga, 
a presunção juris et de jure (absoluta) é calcada na verdade afetiva, tão somente, haja 
vista a verdade da filiação biológica restar comprometida, pelo material genético ser 
pertencente a doador anônimo (DIAS, 2016). 
 
2.2 RECONHECIMENTO JUDICIAL DOS FILHOS 
 
A ação negatória de paternidade é de uso exclusivo do marido/pai registral e 
tem por objeto romper o liame civil de filiação, de filho havido de sua esposa, em face 
de dúvida existente sobre o vínculo biológico entre as partes. 
Pereira (2014) esclarece que a referida ação é o meio pelo qual pai ou mãe 
pode, judicialmente, “negar a existência de um vínculo de filiação que se formou por 
força de uma presunção legal (art. 1597, CC) ou mesmo por espontânea declaração 
de vontade.” 
Por força do art. 1.601 do Código Civil, compete ao marido contestar a 
paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. A ação possui natureza 
personalíssima e é imprescritível. 
Cumpre ainda dizer que, se o pai deu início ao processo de negatória de 
paternidade, vier a falecer no decurso da demanda, poderão os seus herdeiros 
suceder-lhe, para dar continuidade ao feito. 
Monteiro e Silva complementam: 
 
 
Se o marido não chegou a iniciar a ação, aceitando o filho como seu, inexiste 
a legitimidade do herdeiro para propô-la em seu nome. Destarte, não pode a 
mulher ajuizar ação propugnando a anulação da paternidade ocorrida na 
vigência do casamento a fim de atribuí-la a terceiro (MONTEIRO; SILVA, 
2012). 
 
 
24 
 
Sobre o tema, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande 
do Sul entendeu prevalecer a verdade biológica sobre a registral, diante de situação 
em que o pai registrou filho que acreditava ser biologicamente seu, todavia com este 
não mantinha laços afetivos. 
Uma vez não constituída a parentalidade socioafetiva, e diante da 
comprovação de que o filho era de outrem, a negatória de paternidade com retificação 
no registro civil tornou-se medida imperativa: 
 
 
APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO 
DE REGISTRO CIVIL. VERDADE BIOLÓGICA QUE PREVALECE SOBRE A 
VERDADE REGISTRAL. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. 1. 
O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre 
pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente 
considerados. 2. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 
1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse 
do estado de filho advinda da convivência familiar. 3. Se o autor registrou 
demandado como filho, sem saber que não era o pai biológico, e não possui 
maior relação socioafetiva com ele, a ação negatória de paternidade é medida 
que se impõe, pois, neste caso, a verdade biológica deve prevalecer sobre a 
verdade registral. Apelo não provido (BRASIL, 2007, grifo nosso). 
 
 
Em sentido contrário, quem registrou como seu sabendo ser filho de outro, 
não pode alegar a falsidade do registro, visto que é um ato de vontade de declaração 
unilateral. 
Portanto, não é dado ao declarante alegar a própria falsidade no intento de 
desconstituir o ato e fugir das responsabilidades contraídas. A situação configura o 
que a doutrina e a jurisprudência denominam de adoção à brasileira. 
Aplica-se, no caso, o princípio venire contra factum proprium, onde não pode 
ser desconstituído o estado de filiação do indivíduo que, por longos anos, acreditou 
ser aquele o seu pai/mãe. O pedido será negado, se o requerente agiu de má-fé, ao 
registrar filho que, sabidamente, não era seu (LÔBO, 2017). 
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve posicionamento sobre a 
impossibilidade de desconstituição do registro civil. Se o reconhecimento foi feito de 
modo espontâneo, ainda que o pai registral tivesse ciência de que não era genitor 
biológico dos filhos, não deve prevalecer a intenção de rompimento legal do estado 
de filiação criado. 
Nesse caso, a verdade cartorária deve prevalecer, não apenas pela 
manifestação voluntária, mas, principalmente, pelo relacionamento afetivo 
25 
 
estabelecido entre as partes, o que coloca a paternidade socioafetiva acima da 
biológica: 
 
 
CIVIL - FAMÍLIA - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - REGISTRO DE 
NASCIMENTO REALIZADO DE FORMA ESPONTÂNEA - AUSÊNCIA DE 
VÍCIO DE CONSENTIMENTO - VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO 
DEMONSTRADO - PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE - SENTENÇA 
MANTIDA. 1. O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode 
ser desfeito quando comprovada a presença de vício de consentimento, isto 
é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento é 
necessária prova robusta no sentido de que o "pai registral" foi, por exemplo, 
induzido a erro. 2. Assim, se o "pai registral", mesmo ciente de que não 
possuía vínculo biológico, realiza o registro de nascimento dos menores em 
cartório, inviável se mostra o pedido de desconstituição da paternidade, 
mantendo-se incólume a relação de parentesco declarada anteriormente, 
ainda que realizado exame de DNA a posteriori atestando que os réusnão 
são filhos biológicos do autor, mormente quando os laços de afetividade já se 
apresentam estreitos e a relação de pai e filho fortalecida, merecendo 
relevância a paternidade socioafetiva consolidada. 3. Recurso conhecido e 
não provido (BRASIL, 2010). 
 
 
Sobre a negatória de maternidade, o art. 1.608 do Código Civil profere que o 
registro civil materno somente poderá ser contestado se restar comprovada a 
falsidade do termo ou das declarações ali presentes. 
Se a mãe, portanto, foi induzida a erro, no momento do registro civil, ao 
acreditar que o filho era seu, quando, na verdade, não era, a lei civil lhe possibilitou a 
contestação da maternidade. 
Entretanto, se houve o reconhecimento espontâneo de filho que não era seu, 
restará configurada adoção à brasileira, de caráter irrevogável, diante de posterior 
arrependimento (SILVA; PELUSO, 2010). 
 
2.3 RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DOS FILHOS 
 
Sobre o reconhecimento extrajudicial dos filhos, o Provimento nº 63, de 14 de 
novembro de 2017, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), configura um grande 
avanço sobre filiação socioafetiva. A partir de sua vigência, o reconhecimento da 
multiparentalidade e da parentalidade socioafetiva podem ocorrer, em todo o território 
nacional, diretamente no cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Dentre os 
apontamentos feitos, considera o Provimento: “a ampla aceitação doutrinária e 
jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, contemplando os 
26 
 
princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como fundamento da 
filiação civil” (BRASIL, 2017). 
Em 14 de agosto de 2019, pelo Provimento nº 83, o CNJ alterou a Seção II do 
Provimento nº 63/2017, que dispõe sobre a paternidade socioafetiva. Das regras 
atualmente vigentes sobre o tema, destacam-se: a) o reconhecimento voluntário da 
parentalidade socioafetiva de menor com idade superior a 12 anos será autorizada 
perante os oficiais de registro civil; b) o reconhecimento se dará em caráter 
irrevogável; c) o reconhecimento poderá ser requerido pelos filhos maiores de 18 
anos; d) fica vedado o reconhecimento entre irmãos e ascendentes; e) exige-se a 
diferença mínima de dezesseis anos entre o pretenso pai/mãe e o filho reconhecido; 
f) a posse de estado de filho deve ser estável e socialmente conhecida; g) a 
socioafetividade deve ser provada pelos meios admissíveis no direito; h) menores de 
18 anos somente podem ter a parentalidade socioafetiva reconhecida mediante o seu 
consentimento; i) necessário submissão do reconhecimento ao Ministério Público para 
que emita parecer sobre o feito; j) o registro civil está limitado ao nome de dois pais 
e/ou duas mães (BRASIL, 2019). 
Os aspectos doutrinários e jurisprudenciais referentes à multiparentalidade e 
parentalidade socioafetiva são objetos de estudo do capítulo a seguir. 
27 
 
3. DA MULTIPARENTALIDADE E DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA 
 
O presente capítulo destaca as relações socioafetivas, aquelas onde pais e 
filhos não biológicos vivem, perante o grupo familiar e social, uma relação calcada no 
carinho, amor e afeição. Ver-se-á, nesse sentido, os caracteres da posse do estado 
de filho e da viabilidade da desconstituição da parentalidade socioafetiva. 
Traz, ainda, o entendimento sobre o reconhecimento judicial da 
multiparentalidade, com reflexo na dupla paternidade/maternidade no assentamento 
de registro civil e como o judiciário tem se posicionado sobre o tema antes e após a 
tese de Repercussão Geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2016 
 
3.1 POSSE DE ESTADO DE FILHO E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA 
 
A parentalidade ligada pelo afeto resulta da espontânea vontade dos 
membros de um núcleo familiar em dispensar amor, respeito, consideração e 
cumplicidade uns para com os outros dentro e fora do ambiente doméstico. 
Nesses termos, a posse do estado de filho diz respeito ao elo de afetividade 
criado entre pais e filhos que não possuem vínculo biológico. Ainda que, juridicamente, 
a relação de parentesco não seja reconhecida, a sociedade compreende aqueles 
sujeitos como um grupo familiar, por se apresentarem socialmente como tal. 
Há quem não concorde com a expressão “posse de estado de filho” utilizada 
pela doutrina. O adequado seria “Estado de Filho Afetivo”, posto a Constituição 
Federal de 1988 haver priorizado a busca pela felicidade comum entre pais e filhos, 
alcançada através do amor e da ternura, não da posse e do domínio (WELTER apud 
PEREIRA, 2016). 
Embora inexista determinação legal para o reconhecimento jurídico da pessoa 
que se encontra sob posse de estado de filho, este é um fato levado em consideração 
na definição contenciosa da filiação. Entende-se que constitui elemento gerador da 
parentalidade socioafetiva, valendo-se do art. 1.605, II, do Código Civil como 
fundamentação legal, por estabelecer que, diante inexistência ou defeito do termo de 
nascimento, a filiação poderá ser provada por outro modo admissível pelo Direito, 
sempre que existirem veementes presunções provenientes de fatos já certos 
(CASSETTARI, 2017). 
28 
 
Cumpre dizer que, na posse de estado de filho, o liame entre pais e filhos é, 
tão somente, a afetividade. A parentalidade socioafetiva surge a partir dos estreitos 
laços sociais e de carinho formados entre determinadas pessoas, que se apresentam 
para si e para o mundo como entidade familiar, ainda que inexista o laço de sangue 
ou de assento de nascimento. 
A relação familiar consolidada pela afeição configura o que se concebe, hoje, 
como família socioafetiva, onde a posse do estado de filho se dá a partir do 
cumprimento, por parte dos pais, de todos os deveres legalmente estabelecidos e, 
sobretudo, pelo vínculo afetivo. 
O filho é tomado como tal para o núcleo familiar, para a família extensiva e 
perante toda a sociedade, que claramente identifica e respeita cada um dos sujeitos 
da relação familiar como se apresentam. 
Essa relação, que não é biológica ou civil, todavia aparentemente verdadeira 
para os que convivem ao redor daqueles concebidos como pais e filhos, deve ter sua 
importância reconhecida. Conforme Dias (2016), “a tutela da aparência acaba 
emprestando juridicidade a manifestações exteriores de uma realidade que não 
existe.” 
Não se pode desconsiderar a construção gradual do relacionamento 
socioafetivo, que perfeitamente se assemelha à relação paterno-filial, juridicamente 
estabelecida. Na família socioafetiva, ocorre uma transcendência do afeto, que evolui 
para uma relação social de amplo conhecimento. O direito contemporâneo tem 
resguardado o afeto, por vê-lo cada dia mais sedimentados nas relações familiares 
(BARROS apud PEREIRA, 2016). 
A parentalidade socioafetiva deve ser levada em consideração à seara 
jurídica, não apenas pelo vínculo afetivo formado entre os envolvidos, mas 
principalmente pela solidez que a relação calcada no afeto apresenta à comunidade: 
 
 
A maternidade e a paternidade biológica nada valem frente ao vínculo afetivo 
que se forma entre a criança e aquele que trata e cuida dela, lhe dá amor e 
participa da sua vida. A afeição tem valor jurídico. Na medida em que se 
reconhece que a paternidade se constitui pelo fato, a posse do estado de filho 
pode entrar em conflito com a presunção pater est. E, no embate entre o fato 
e a lei, a presunção precisa ceder espaço ao afeto (DIAS, 2016). 
 
 
A configuração da posse de estado de filho requer a observância dos 
seguintes requisitos: o tratamento como filho; o uso do nome da família; o 
29 
 
reconhecimento perante a sociedade como membro da família a qual se diz pertencer 
(DIAS, 2016). 
Para Cassettari (2017), uma vez caracterizada a posse do estado de filho, o 
Código Civil de 2002 a reconhece como modalidade de parentesco civil, haja vista o 
enunciado do art. 1.593 informar que o parentesco se dará de modo natural ou civil, 
variante do vínculo sanguíneo ou de outra origem. Éjustamente na expressão “outra 
origem” que se compreende o reconhecimento da filiação socioafetiva. 
Perfaz-se possível fundamentar a socioafetividade, também, a partir da 
interpretação do princípio constitucional da proteção integral da criança e do 
adolescente, presente no art. 227 da Constituição Federal de 1988 e arts. 4º e 6º do 
Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Nery Junior e Nery, ao comentarem o art. 1.593 do diploma civil, explicam o 
valor jurídico da afetividade no reconhecimento da filiação não consanguínea: 
 
 
A afetividade “se institucionaliza” como conceito legal indeterminado e, como 
tal, necessita de interpretação integrativa do juiz, de modo a completar o 
sentido da norma no caso concreto e, por conseguinte, criar laço de 
parentesco por outra origem. Essa integração pode dar-se, também, por ato 
de vontade das partes, como ocorre quando se dá o reconhecimento de filho 
que não tem laços de sangue com aquele que manifesta a vontade de 
declarar-se pai ou mãe, ou que se conduziu em sua vida privada de maneira 
a criar esse vínculo de outra origem (NERY JUNIOR; NERY, 2014). 
 
 
Não se pode olvidar que o direito está atrelado ao mundo dos fatos, sendo 
que estes estão em constante mutação. Por esta razão, não se pode deixar de dar 
validade às situações que criam, extinguem ou modificam situações jurídicas já 
existentes. Contudo, são as circunstâncias inerentes a cada caso que auxiliarão o 
magistrado no momento de estabelecer o vínculo legal de parentesco em face da 
afetividade, haja vista a socioafetividade não vir explicitamente descrita nos termos do 
art. 1.593 do Código Civil. Assim, no caso do parentesco por “outra origem”, o 
reconhecimento legal se dará pela via judicial ou de modo espontâneo pelas partes 
(NERY JUNIOR; NERY, 2014). 
A paternidade socioafetiva ou parentalidade socioafetiva refere-se ao pai/mãe 
que desempenha todas as atribuições pertinentes ao poder familiar sobre aquele que 
não é seu filho biológico. Costuma-se ouvir que pai é aquele que cria, não o que faz. 
O dito popular enquadra-se perfeitamente ao que se estabeleceu como paternidade 
pela via da afeição (DIAS, 2016). 
30 
 
Destaca-se, por oportuno, que a “adoção à brasileira” constitui espécie de 
filiação socioafetiva. Apesar do registro de filho alheio como próprio constituir crime, 
não se pode permitir que os efeitos do parentesco sejam desfeitos. 
A entidade familiar socioafetiva é assim denominada pela ligação de afeto que 
se estabeleceu, liame que não poderá ser rompido, ainda que haja separação dos 
pais logo após o registro civil do filho. 
Nesse sentido, o Enunciado nº 519 do CFJ estabeleceu que a comprovação 
judicial da posse de estado de filho gera o parentesco socioafetivo, produzindo efeitos 
pessoais e patrimoniais: 
 
 
Enunciado no 519: Art. 1.593: O reconhecimento judicial do vínculo de 
parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação 
entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza 
efeitos pessoais e patrimoniais. 
 
 
Pelo teor do art. 1.610 do Código Civil, o reconhecimento voluntário da filiação 
é de caráter irrevogável. Dessa maneira, independentemente da origem do filho, se 
natural, por adoção ou socioafetivo, os efeitos jurídicos pertinentes ao estado de 
filiação não poderão ser desfeitos. 
Tem-se como regra, portanto, o não desarranjo da relação paterno-filial 
constante no registro civil de nascimento. A exceção reside nos casos de erro ou 
falsidade do registro. A exceção da exceção, por sua vez, daí retorna-se à regra 
principal, é no sentido de que o registro civil não pode ser alterado, mesmo diante de 
vício de consentimento, nos casos em que a socioafetividade entre os envolvidos 
resta-se configurada (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020). 
 
3.2 (IM)POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO 
 
Não são raros os casos em que mãe e/ou pai biológico entrega o filho para 
outra pessoa, que o registra como seu, incorrendo em falsidade no assentamento de 
registro civil do menor, consistindo em adoção à brasileira, prática vedada pela 
legislação pátria no art. 242 do Código Penal Brasileiro: 
 
 
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; 
ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente 
ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos. 
31 
 
 
 
Existem, também, situações em que o genitor sequer sabia da existência do 
filho, todavia a mãe permitiu que o menor fosse registrado em nome de outrem, seja 
diante da dúvida da paternidade, seja por razões particulares. 
É possível considerar, ainda, a ocorrência do filho proveniente de adoção à 
brasileira desejar recompor sua relação de parentesco biológico. 
Diante das circunstâncias apresentadas, questiona-se a possibilidade da 
reversão da paternidade socioafetiva. Nesses casos, assim da descoberta do vício de 
manifestação no registro, busca-se o judiciário para que o estado jurídico de filiação 
seja desfeito. 
Todavia, apesar de ser considerado irrevogável, não se pode deixar de 
observar que a relação afetiva, a depender da duração e da qualidade da convivência, 
pode ter sido construída, o que obsta a desconstituição da paternidade civil. 
A regra é que não se desconstitui. Porém, ninguém está impedido de recorrer 
ao judiciário para pleitear direitos. E, nesse sentido, os artigos 1.601, 1.604 e 1.608 
do Código Civil de 2002 possibilitam a exceção à regra, permitindo a reversão do 
estado de filiação quando comprovado o erro, dolo, coação, simulação ou fraude. 
Dessa forma, a reversão da filiação registral a partir da afetividade poderá ser 
encontrada em algumas situações específicas, como as citadas por Tomaszewski e 
Leitão (2005): 
1) Se o(s) pai(s) registral alegar a própria falsidade. Está pacificado na 
jurisprudência que quem registrou sabendo ser filho de outrem não pode 
alegar a falsidade do registro, visto que é um ato de vontade de declaração 
unilateral e, portanto, não é dado ao declarante alegar a própria falsidade para 
desconstituir o ato e fugir às responsabilidades. É a aplicação do princípio 
venire contra factum proprium. Uma vez impedido de alegar este motivo, 
restará tentar provar que nunca houve convivência não se configurando a 
socioafetividade. 
2) Se o(s) pai(s) registral alegar erro, este terá que ser comprovado. Ainda assim, 
será aferido o princípio da afetividade e do melhor interesse da criança. E até 
mesmo o filho poderá entrar com ação pedindo reconhecimento de 
paternidade socioafetiva, desde que comprove a posse de estado de filho. 
32 
 
3) O fundamento para que outros que tenham legítimo interesse de impugnar 
reside, igualmente, em provar o erro ou a falsidade. No entanto, no caso 
concreto, o juiz fará uma avaliação principiológica e, se restar configurado a 
posse de estado de filho, a socioafetividade, o melhor interesse da criança, a 
regra é a não reversão. 
4) Se o filho com pai registral buscar constituir outra relação de parentesco, terá 
que provar a ausência de vínculo socioafetivo, para isso há obrigatoriedade 
de litisconsórcio passivo necessário. 
Por ser o filho a parte vulnerável da relação familiar, o Estado impõe e observa 
o princípio do melhor interesse da criança, o princípio da afetividade e o da dignidade 
humana. Na existência de conflito de interesses dos adultos e dos filhos, devem 
prevalecer, em tese, os direitos do filho. 
 
3.3 A MULTIPARENTALIDADE COMO REFLEXO DOS NOVOS ARRANJOS 
FAMILIARES 
 
Em um cenário onde a sociedade tem se apresentado aberta a novos 
paradigmas de constituição familiar, surge a ideia da multiparentalidade no direito de 
família. 
Inicialmente, é de conhecimento comum que a filiação decorre da junção de 
material genético de um homem e uma mulher, tomados, a partir de então, como pai 
e mãe biológicos. 
Entretanto, vê-se, cada vez mais,o surgimento de relações familiares 
constituídas por dois pais e/ou duas mães, denominadas pela doutrina e pela 
jurisprudência como família multiparental ou pluriparental, formada a partir da 
constituição de novas relações conjugais dos pais biológicos. A possibilidade para a 
multiplicidade de pais e mães de um mesmo filho, nesse caso, se dá pela coexistência 
da parentalidade biológica com a socioafetiva. 
No seu Dicionário de Direito de Família e Sucessões, Pereira assim define 
multiparentalidade: 
 
 
É a família que tem múltiplos pais/mães, isto é, mais de um pai e/ou mais de 
uma mãe. Geralmente, a multiparentalidade se dá em razão de constituições 
de novas vínculos conjugais, em que padrastos e madrastas assumem e 
exercem as funções de pais e mães, paralelamente aos pais biológicos e/ou 
33 
 
registrais, ou em substituição a eles e também em casos de inseminação 
artificial com material genético de terceiros (PEREIRA, 2018). 
 
 
A multiparentalidade constitui forma de reconhecimento judicial dos filhos, 
através da doutrina e do entendimento jurisprudencial, pois inexiste legislação 
específica que disponha sobre o assunto. 
A verdade é que o legislador dificilmente consegue acompanhar as 
transformações sociais no mesmo passo que elas acontecem, em face das suas 
complexidades. “Neste compasso, é necessário que os operadores de Direito se 
socorram de outras fontes do Direito para solução de conflitos de forma mais justa” 
(LOPES In: SOUZA, 2015, p. 26). 
É preciso dar atenção àquilo que tem sido recorrente não apenas no Brasil, 
mas no mundo. E a jurisprudência, quase sempre à frente do legislador, tem buscado 
acompanhar o desenvolvimento social, neste sentido, conforme se verá nos casos 
apresentados a seguir (CASSETTARI, 2017). 
Uma das primeiras decisões que reconheceu a multiparentalidade foi 
proveniente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por sua Primeira Câmara de 
Direito Privado e datada de 2012, conferiu a possibilidade de inclusão da mãe 
socioafetiva no registro civil do filho, sendo mantida a maternidade biológica. 
Acontece que a genitora veio a falecer três dias após o parto, situação em que 
o infante passou a ser criado pela madrasta que, anos depois, requereu ao judiciário 
o reconhecimento da filiação socioafetiva. 
O pedido de coexistência com o nome materno-biológico no registro civil se 
deu em razão das particularidades do caso: a morte precoce da genitora e o abalo 
gerado na comunidade local. 
Portanto, era importante que o filho mantivesse resguardadas as lembranças 
da mãe, sendo detentor, também, dos direitos relativos à filiação socioafetiva 
judicialmente reconhecida. 
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a socioafetividade tem como 
pilar os preceitos da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, devendo, 
portanto, ser reconhecida civilmente aquela que criou e apresentou à sociedade filho 
como seu, numa relação de afeto e respeito mútuos: 
 
 
34 
 
EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade 
Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do 
parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade. 
Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre 
da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao 
afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não 
deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação 
da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos 
princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso 
provido. (BRASIL, 2012, grifo nosso). 
 
 
Nesse sentido, demonstrou-se o posicionamento atual de que a paternidade 
socioafetiva prevalece sobre a biológica. Contudo, como se extrai da decisão, já se 
vislumbra a possibilidade de coexistência da paternidade biológica e socioafetiva, o 
que configura o reconhecimento judicial da multiparentalidade e os efeitos jurídicos 
dela inerentes. 
Também em 2012, houve decisão pelo reconhecimento da multiparentalidade 
fruto da relação de padrasto. Ainda gestante, a mãe da menor passou a conviver com 
outra pessoa, que assumiu a criança, quando de seu nascimento, e a registrou como 
filha. Pouco tempo depois, a relação conjugal chegou ao fim, todavia a relação 
paterno-filial manteve-se (BRASIL apud CASSETTARI, 2017). 
Acontece que a genitora, representando a menor, recorreu ao judiciário para 
alterar o seu registro de nascimento, a fim de fazer constar o nome do pai biológico. 
O exame de DNA foi realizado e a paternidade genética confirmada. A partir de então 
o genitor passou a manter contato com a menor, que também mantinha estreita 
relação com o pai registral (BRASIL apud CASSETTARI, 2017). 
Em seu julgamento, a Justiça rondoniense verificou que tanto o pai 
socioafetivo quanto o biológico nutriam o desejo de exercer a paternidade. Ao 
consultar a menor, constatou-se que ficaria muito feliz se pudesse conviver com os 
dois pais. Diante desse desejo, a Primeira Vara Cível da Comarca de Arquimedes 
(RO) entendeu que a desconstituição do vínculo parental com o pai registral não 
atendia ao preceito da primazia do interesse da criança e do adolescente. Além do 
mais, no caso em tela, não era possível desconsiderar a relação socioafetiva formada 
(BRASIL apud CASSETTARI, 2017). 
O Estado não pode deixar de respeitar e tutelar a relação onde um pai, embora 
ciente de que o filho não seja seu e já tendo desfeito o liame afetivo com a genitora, 
decide ofertar assistência moral e material ao filho reconhecido. 
35 
 
Desta feita, a sentença proferida foi pela inclusão do nome do pai biológico no 
registro civil, ao lado do socioafetivo: 
 
 
É mister considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que 
possui dois pais, aliada ao fato de que o pai registral não deseja negar a 
paternidade afetiva e o biológico pretende reconhecer a paternidade 
consanguínea, motivo pelo qual deve ser acolhida a proposta ministerial de 
reconhecimento da dupla paternidade registral da autora, sendo, dessa 
forma, julgada procedente a demanda para manter a paternidade registral e 
determinar a inclusão do pai biológico no assento do nascimento (BRASIL 
apud CASSETTARI, 2017, p. 121). 
 
 
Em 2013, a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Cascavel (PR) 
reconheceu a multiparentalidade. O caso é interessante, pois retrata a realidade de 
muitas famílias, reconstituídas após o desfazimento da relação conjugal. 
Os filhos biológicos passam a conviver com padrastos e madrastas, numa 
relação estreita, onde as responsabilidades legais relativas ao poder familiar e de 
titularidade do pai/mãe biológico são exercidas, espontaneamente, pelos seus novos 
companheiros. 
O pleito atendido pela justiça paranaense era de adoção de enteado com 
manutenção do nome do pai biológico no registro civil. Buscava-se o reconhecimento 
da paternidade socioafetiva do padrasto, sem, contudo, desfazer o vínculo legal entre 
o pai natural e o menor, haja vista o bom entrosamento entre as partes (BRASIL apud 
CASSETTARI, 2017). 
O pai registral consentia com a adoção, nesses termos, o parecer do 
Ministério Público foi pela procedência do pedido e o menor demonstrava afeto com 
ambos os pais. Porém, tratava-se de um fato inédito para o tribunal local e de 
complexa resolução, uma vez que, de um lado, inexistia na legislação amparo para o 
pleito; do outro, o caso refletia situações corriqueiras na sociedade contemporânea 
que precisam de respostas que atendam às necessidades primárias do menor 
(BRASIL apud CASSETTARI, 2017). 
Eis a interpretação dada para o posicionamento do juiz: 
 
 
Não se trata, segundo ele, de criar situações jurídicas inovadoras, fora da 
abrangência dos princípios constitucionais e legais, mas de um fenômeno de 
nossos tempos, da pluralidade de modelos familiares, das famílias 
reconstituídas,que precisa ser enfrentado também pelo Direito, pois são 
situações em que crianças e adolescentes acabam, na vida real, tendo 
36 
 
efetivamente dois pais ou duas mães (BRASIL apud CASSETTARI, 2017, p. 
123). 
 
 
Em casos onde o pai natural e o socioafetivo desempenham magistralmente 
o seu papel, não é justo que o menor tenha que decidir qual dos dois deverá constar 
no registro civil. É uma situação desconfortável, já que mantém relação íntima de afeto 
com ambos. Ademais, embora consinta o genitor com a adoção, em seu âmago não 
deve ser tão simples anuir com o feito de ter a paternidade preterida (CASSETTARI, 
2017). 
Desse modo, tão somente reconhecer a paternidade socioafetiva poderia 
ocasionar o distanciamento do filho com o pai natural e sua parentela. Aplicar a 
multiparentalidade no caso foi maneira de conferir a manutenção dos laços afetivos e 
jurídicos entre os envolvidos e tornar válida, aos olhos do Direito, a realidade fática-
social em que o menor é criado pelos genitores genéticos e socioafetivos (BRASIL 
apud CASSETTARI, 2017). 
Três casos referentes à multiparentalidade foram decididos em 2014. Em 
todos foi decretada a inclusão do pai/mãe socioafetivo ao lado do biológico no 
assentamento de registro civil do filho. Pelo reconhecimento da dupla 
paternidade/maternidade, foram atribuídos os mesmos direitos e deveres inerentes à 
filiação aos pais/mãe naturais e afetivos (TARTUCE, 2017b). 
O primeiro caso foi julgado em fevereiro de 2014 pela Décima Quinta Vara da 
Família da Capital do Rio de Janeiro; o segundo foi decidido em maio de 2014, pela 
Terceira Vara Cível de Santana do Livramento (RS); a terceira decisão adveio da Vara 
da Família de Sobradinho (DF), em junho de 2014 (TARTUCE, 2017b). 
Em 16 de julho de 2015, a Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio 
Grande do Sul (TJRS) reconheceu a multiparentalidade formada por padrasto e 
enteada, em um pedido de adoção com a manutenção do pai biológico no 
assentamento de registro civil. 
O reconhecimento se deu em face da autora ter sido criada pelo padrasto, 
tendo o pai natural, constante em seu registro de nascimento, falecido quando ainda 
era criança. A manutenção não apenas do genitor biológico, como também do 
patronímico deste, seria um modo de alimentar as lembranças do pai. 
O recurso foi provido e o padrasto pôde então adotar a enteada e acrescentar 
o seu sobrenome ao nome da filha, ao lado do sobrenome do pai natural: 
37 
 
 
 
Apelação cível. Ação de adoção. Padrasto e enteada. Pedido de 
reconhecimento da adoção com a manutenção do pai biológico. 
Multiparentalidade. Observada a hipótese da existência de dois vínculos 
paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da 
multiparentalidade. Deram provimento ao apelo (BRASIL, 2015). 
 
 
A multiparentalidade foi objeto da decisão emanada em 03 de fevereiro de 
2016, pela Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios 
(TJDFT). Conforme o tribunal, o interesse da criança deve estar acima de quaisquer 
outros, razão pela qual, mesmo diante da vontade do pai biológico de assumir a 
responsabilidade paternal, a paternidade constituída pelo afeto não deve ser 
desconsiderada. De modo semelhante, o pai que, induzido a erro, não pode exercer 
o seu devido papel, e, a posteriori, confirmar o parentesco natural, não deve ser 
impedido de fazê-lo. 
Para o desembargador Flávio Rostirola, a multiparentalidade surge como 
instrumento a contrabalancear os casos em que a socioafetividade tornou-se 
elemento de ligação entre pai/mãe e filho, mas existe o interesse da convivência, dos 
direitos e também dos deveres por parte do pai/mãe biológico. 
Nesse mister, não há que se escolher a paternidade registral em detrimento 
da afetiva, ou vice-versa. Se ambas representam o melhor para o menor, ambas 
devem coexistir: 
 
 
[...]. 2. O direito de família deve ser sempre regulamentado em face dos 
interesses do menor, vulnerável na relação familiar, a fim de lhe propiciar 
bem-estar e bom desenvolvimento não somente físico, mas moral e 
psicológico, elementos integrantes da dignidade da pessoa humana, princípio 
fundamental do ordenamento jurídico pátrio. 3. O mero vínculo genético, por 
si só, não é suficiente para afastar a paternidade de cunho afetiva. Em 
algumas situações, a filiação afetiva pode-se sobrelevar à filiação biológica, 
em razão da relação de carinho e afetividade construída com o decorrer do 
tempo entre pai e filho. 4. Há que se enaltecer a importância da convivência 
tanto materna quanto paterna, ao passo em que o direito do menor de 
conviver com seu pai afetivo mostra-se de fundamental relevância para o 
desenvolvimento e formação da criança, máxime quando inexiste qualquer 
motivo que não a recomende. 5. O reconhecimento da paternidade biológica 
fundamentado em exame de DNA, sobretudo, em caso de o pai biológico 
haver incidido em erro quanto à verdadeira paternidade biológica da criança, 
merece ser reconhecida quando o pai demonstra interesse em exercer o seu 
papel em relação ao filho, dispensando-lhe cuidado, sustento e afeto. 6. O 
conceito de multiparentalidade exsurge, pois, como uma opção intermediária 
em favor do filho que ostenta vínculo de afetividade com o pai afetivo e com 
o pai registral, sem que se tenha de sobrepor uma paternidade à outra. Não 
há critério que possa definir preferência entre as duas formas de paternidade, 
38 
 
sobretudo, quando há vínculo afetivo do menor tanto com o pai registral, 
como em relação ao pai biológico. 7. Rejeitou-se a preliminar. Negou-se 
provimento aos apelos (BRASIL, 2016a, grifo nosso). 
 
 
Em 21 de setembro de 2016, um grande passo foi dado em relação à 
viabilidade jurídica da multiparentalidade. O STF reconheceu a Repercussão Geral do 
tema do Recurso Extraordinário 898060/SC. Nos exatos termos, “a paternidade 
socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do 
vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos 
próprios.” 
Para o Colendo Tribunal, é preciso reconhecer os novos arranjos sociais, nem 
sempre harmônicos aos tradicionais, em respeito à dignidade humana dos indivíduos. 
O direito à busca pela felicidade inclui a aceitação e a proteção das relações fundadas 
no afeto. 
Não deve subsistir, desta feita, a prevalência de determinada espécie de 
paternidade, se o caso concreto confirma que ambas configuram o que de melhor 
pode ser ofertado para a criança e o adolescente. Enquanto o legislador mantiver-se 
omisso sobre o tema, a pluriparentalidade deve ser aceita, gozando os seus sujeitos 
de todos os efeitos jurídicos decorrentes do vínculo de filiação. 
Na votação do recurso em apreço, restou vencido o voto do ministro Edson 
Fachin, a quem a parentalidade socioafetiva reveste-se da mesma dignidade do 
vínculo estabelecido por adoção judicial. Assim, constatada a socioafetividade, o 
parentesco biológico deve ser afastado. 
Não muito diferente foi o também voto vencido do ministro Teori Zavascki, que 
manifestou-se pela inaplicabilidade dos efeitos jurídicos decorrentes da paternidade 
biológica, se a paternidade socioafetiva já se estabelecera, posto não ser esta última 
menos importante que a primeira. 
A decisão consta no Informativo STF n. 840, de 26 de setembro de 2016, 
assim transcrita: 
 
 
REPERCUSSÃO GERAL. Vínculo de filiação e reconhecimento de 
paternidade biológica. A paternidade socioafetiva, declarada ou não em 
registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação 
concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. 
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, negou provimento a 
recurso extraordinário em que se discutia a prevalência da paternidade 
socioafetiva sobre a biológica. No caso, a autora, ora recorrida, é filha 
biológica do recorrente, conforme demonstrado por exames de DNA. Por 
39

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