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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE DEPARTAMENTO INTERDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MICHELLE APARECIDA ARAÚJO DE CARVALHO PLANEJAMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: uma ferramenta para intervenção profissional RIO DAS OSTRAS – RJ 2016 MICHELLE APARECIDA ARAÚJO DE CARVALHO PLANEJAMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: uma ferramenta para intervenção profissional Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social. Orientador: Prof.Dr. Ramiro Marcos Dulcich Piccolo RIO DAS OSTRAS – RJ 2016 MICHELLE APARECIDA ARAÚJO DE CARVALHO PLANEJAMENTO EM SERVIÇO SOCIAL: uma ferramenta para intervenção profissional Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social. Aprovado em ___/___/______. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Orientador: Prof.Dr. Ramiro Marcos Dulcich Piccolo Universidade Federal Fluminense _____________________________________________ Prof. Dra. Marcia do Rocio Santos Universidade Federal Fluminense _____________________________________________ Prof. Ms. Antoniana Defilippo Universidade Federal Fluminense RIO DAS OSTRAS – RJ 2016 Carvalho, Michelle Aparecida Araújo de. Planejamento em Serviço Social: uma ferramenta para intervenção profissional/ Michelle Aparecida Araújo de Carvalho – 2016 (53 f.) Orientador: Profº Drº Ramiro Marcos Dulcich Piccolo Monografia (Graduação) – Universidade Federal Fluminense, Departamento Interdisciplinar de Rio das Ostras, 2016 Bibliografia: f. 49-51 1.Antecedentes do planejamento no Brasil. 2. Planejamento e Serviço Social. I Piccolo, Ramiro Marcos Dulcich. II. Universidade Federal Fluminense, Departamento Interdisciplinar de Rio das Ostras III. Título Ao meu pai, minha mãe e minha avó Gabriela que, mesmo de longe eu busquei forças em alguns momentos. Ao meu esposo e meu filho por todo carinho e dedicação. Pela fé e confiança demonstrada a mim. Aos meus irmãos e em especial Gabrielle e Felipe que dividiram comigo todos os momentos tristes e felizes de minha formação. O meu amor é imensurável. Dedico este trabalho à memória da minha amada Tia Elizabeth Antunes de Araújo. AGRADECIMENTOS Para não correr o risco de esquecer-me de mencionar alguém, agradeço de antemão a todos que de alguma forma passaram pela minha vida e contribuíram para a construção de quem sou hoje. Dedico também meu apreço e meus sinceros agradecimentos àqueles, que de modo especial, me apoiaram na realização deste trabalho e na minha formação de um modo geral: À Deus, que se mostrou presente em todos os instantes de minha vida, me dando coragem para seguir nos momentos de desânimo. Debruçar-me em sua sabedoria provocou em mim o sentimento de superação. À minha família, tias e tios, primas e primos, em especial meus pais, irmã e irmãos, sobrinho e sobrinhas e minha avó Gabriela. À minha mãe, pelo amor incondicional, a preocupação e suas orações rotineiras para que eu passasse de forma firme por esta etapa, pela dedicação, pelo apoio em todos os momentos, tornando o caminho mais simples e regado a felicidade. Ao meu pai, com seu amor paternal, sempre torceu por mim, por ter sido incentivo, me fazendo acreditar que não era impossível essa conquista. Aos dois, meu muito obrigada, que na frente do que fazem por mim, torna-se mínimo. Obrigada por nunca permitirem que eu desistisse e por demonstrarem ter como objetivo de vida a minha felicidade. À todos os meus irmãos e em especial minha irmã Gabrielle e meu irmão Felipe por estarem sempre juntos a mim, por participarem deste momento único e acreditarem na minha vitória. Eu amo todas e todos vocês! Ao Lourival meu esposo, a pessoa que eu amo e compartilho minha vida. A quem admiro a força, inteligência e determinação, pelo carinho e amor com a família. Ele sempre pronto a ajudar, inspirou-me bondade e amor, por caminhar junto comigo em todos os momentos, por me motivar para um futuro colhedor, e por fazer de nós o melhor que poderíamos ser. Ao grande presente que ele pode me dar, nosso filho João. A vida ainda tem muito para nos oferecer. Ao meu filho João, muito esperado e desejado, onde encontrei forças, superei e venho superando os obstáculos de minha formação, em cada olhar dele para mim e em cada dia que Deus nos proporciona a imensa alegria de tê-lo em nossas vidas e cada dia em que ele diz que me ama. A Ramiro Marcos Dulcich Piccolo, meu orientador, pela dedicação, paciência, repasse de conhecimento e pelo incentivo durante a elaboração deste trabalho. À Fabíola Pereira Caxias, supervisora de campo de estágio, pelo exemplo profissional, pelos ensinamentos compartilhados durante dois anos de convivência e por ter me recebido tão bem como estagiária. Aos profissionais de atendimento da UPA – Unidade de Pronto Atendimento de Araruama e em especial Dra. Ivy Giliano, Dra. Mariana, Dro Flávio e a enfermeira Juliana, sempre atenciosos e ótimos como profissionais. Obrigada pela contribuição de cada um de vocês. Aos professores da UFF – Universidade Federal Fluminense de Rio das Ostras que contribuíram para minha formação acadêmica: Bernardo, Walzi, Lúcia Soares, Janes, Ranieri, Eblim, Leile, Paula Kapp, Cristina Brites, Ana Paula Mauriel, Wanderson, Ramiro, Valéria, Paula Sirelli, Clarice, Raimunda, Mariana, José Adams, Edson, Katia, Renata, Bruno, Leticia e Diego. Às componentes de minha banca examinadora, Professora Marcia do Rocio Santos e Professora Antoniana Defilippo. Obrigada aos entrevistados Assistentes Sociais da UPA de Araruama, por me concederem o tempo necessário às entrevistas e por fazerem parte da minha história enquanto Assistente Social em formação. Agradeço as minhas amigas de turma Gabriela Rangel, Greiciane, Maria Alice, Maria Gabriela, Michelle Marabotti e Tamy, em especial às amigas Gabriela Rangel e Maria Gabriela. Obrigada meninas por se preocuparem comigo, serem meu suporte na vida acadêmica e pessoal. À todas (os) as (os) companheiras (os) de curso que contribuíram direta e indiretamente para este momento. E àquela que mesmo não estando mais entre nós, sempre me via alcançando esta vitória, isso em momentos em que nem eu acreditava, minha saudosa Tia Elizabeth Antunes de Araújo. Por fim, muito obrigada por todos (as) que foram de algum modo responsáveis por esta conquista ao longo desses anos. “É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão que sentar-se, fazendo nada até o final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias frios em casa me esconder. Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver.” (Martin Luther King) RESUMO Este Trabalho de Conclusão de Curso, objetiva apresentar a forma pela qual os profissionais de Serviço Social compreendeme utilizam planejamento. Partindo do pressuposto de que o planejamento eficaz e efetivamente possibilita a materialização da ruptura com as tendências assistencialistas, imediatas e dissonantes entre teoria e prática, historicamente presentes nas práticas do Serviço Social, farei um breve recorte acerca dos marcos em que historicamente o planejamento, nos seus diferentes enfoques, foi utilizado, bem como as limitações que este instrumental apresenta quando implementado de forma focalista simplista, com um caráter ético político restrito e conservador. Finalmente este estudo apresenta o paradigma trazido por Carlos Matus, pontuando suas potencializadoras contribuições ao serviço Social. De modo especial os levantamentos feitos no decorrer deste trabalho de conclusão de curso, foram realizados por meio de uma pesquisa exploratória e qualitativa, na qual foram utilizadas entrevistas abertas junto aos Assistentes Sociais de campo (UPA de Araruama) que supervisionaram os estagiários da UFF – Universidade Federal Fluminense. Para o tratamento dos dados, utilizou-se o método hermenêutico-dialético. Palavras-chave: Planejamento, Instrumental, Novo Paradigma e Serviço Social. ABSTRACT The objective of this course conclusion work present the way in which professionals of Social Services understand and use planning. On the assumption that effective planning and effectively enables materialization of the break with the paternalistic, immediate and dissonant trends between theory and practice, historically present in the practice of social work, will make a short cut about the landmarks in historically planning in its different approaches was used, as well as the limitations that this instrumental features when implemented simplistically focalista, without political ethical. Finally this study presents the paradigm brought by Carlos Matus, punctuating his potentiating contributions to social service. In particular the surveys throughout this course conclusion work, were performed through an exploratory and qualitative research, in which open interviews were used together with the Social Care field (UPA de Araruama) who supervised the trainees UFF - Universidade Federal Fluminense. For the treatment of the data, we used the hermeneutic- dialectic method. Keywords: Planning, Instrumental, New Paradigm and Human Services. LISTA DE SIGLAS ONU - Organização das Nações Unidas CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina EUA – Estados Unidos da América ILPES – Instituto Latino Americano de Planejamento Econômico e Social PEN – Plano de Estabilização Monetária PAEG – Poder de Ação Econômica do Governo PED – Plano Estratégico de Desenvolvimento PND – Plano Nacional de Desenvolvimento OP – Operações DC – Desenvolvimento de Comunidade SESI – Serviço Social da Indústria LBA – Legião Brasileira de Assistência SESC – Serviço Social do Comércio UFF – Universidade Federal Fluminense SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 CAPÍTULO I 1 ANTECEDENTES DO PLANEJAMENTO NO BRASIL .............................................. 17 1.1 O PLANEJAMENTO DE GOVERNO NO CONTEXTO BRASILEIRO ...................... 19 1.2 PLANEJAMENTO E GOVERNO NO PENSAMENTO DE CARLOS MATUS ......... 25 CAPÍTULO II 2. PLANEJAMENTO E SERVIÇO SOCIAL ..................................................................... 32 2.1 PLANEJAMENTO E RUPTURA COM O TRADICIONALISMO NA PROFISSÃO . 35 2.2 PERCEPÇÕES SOBE O PLANEJAMENTO NA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 49 SÍTIOS VISITADOS NA INTERNET ................................................................................. 51 ANEXOS ANEXO I – Roteiro para Entrevista ...................................................................................... 52 ANEXO II - TCLE ................................................................................................................. 53 13 INTRODUÇÃO Há três décadas o Serviço Social rompeu com o conservadorismo. Contudo, ainda está fortemente com a discussão sobre a descontinuidade entre teoria e a prática. Segundo Carvalho (1994), ‘’o cotidiano não tem sido objeto de estudos e investigações por parte dos Assistentes Sociais, mesmo sendo estas questões fundamentais devido ao fato de ser neste âmbito que se realiza sua prática’’. Sendo o Serviço Social uma profissão de intervenção na realidade social, logo sua lógica esta voltada essencialmente para a sua operacionalização. Deste modo, é na prática profissional que se processa uma constante organização e reorganização de conhecimentos com vistas a uma imediata transformação em ação. É a metodologia que vai garantir ao Serviço Social o conhecimento e a transformação de um dado objeto construído idealizado através de técnicas e instrumentos, de forma a oferecer uma visão que permita uma ação sobre o objeto. Assim não deveria, em tese, haver esta dissociação entre método, teoria e objeto. O método abre o caminho para o conhecimento da realidade, mas sua transformação depende da proposta de ação que é operacionalizada pelos instrumentos e técnicas (THIOLENT, 1998). Nesse sentido, o presente texto compreende o planejamento como um instrumental que, em potencial, contribui para uma intervenção sistematizada, crítica, que tem usuários como colaboradores essenciais, ou seja, mais qualificada. O trabalho almeja compreender como os Assistentes Sociais o utilizam em sua dimensão operativa, destacando a visão destes profissionais, sua ação interventiva e sua concepção acerca deste instrumental. O planejamento na atualidade é reduzido e estigmatizado por, na maioria das vezes, estar associado à função política de instrumentos de legitimação da dominação. Esta visão que reduz o planejamento a mero instrumental está relacionada à prática voltada para uma espécie de racionalização econômica e a lógica do mercado capitalista. Esta concepção é intensificada com o início da reestruturação produtiva, que a partir de 1990, teve como um de seus pilares a redução e o enfraquecimento do Estado. Assim, apesar de algumas forças se revoltarem contra o pensamento dominante e hegemônico, a idéia do fatalismo neoliberal, calcada na primazia das forças produtivas, na anulação do político e no abandono do social, passam a impregnar a 14 maioria dos discursos. Nessa perspectiva, o planejamento de governo, em particular, é relegado a um patamar secundário e o próprio planejamento governamental. Ouve-se dizer por toda a parte, o dia inteiro – ai reside a força desse discurso dominante – que não há nada a opor à visão neoliberal, que ela consegue se apresentar como evidente, como desprovida de qualquer alternativa. Se ela comporta essa espécie de banalidade, é porque há todo um trabalho de doutrinação simbólica do qual participaram passivamente os jornalistas ou os simples cidadãos e, sobretudo, ativamente, um certo número de intelectuais (BOURDIEU, 1998, p.42 apud GONÇALVES, 2005). Segundo Bourdieu (2001, p.11) (...) cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de forças que as fundamentam e contribuindoassim, segundo a expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados’ (BOURDIEU, 2001, p.11 apud GONÇALVES, 2005,) É com base nos marcos dessa problemática que emergem novos modelos de planejamento, alternativo ao padrão considerado tradicional e normativo, largamente utilizado nos planejamentos governamentais, sobretudo na América Latina durante as décadas de 1960 e 1970. Na década de 1980, porém uma nova perspectiva de planejamento governamental surge a partir dos trabalhos de Carlos Matus, economista chileno, ministro de Salvador Allende e exilado após o golpe militar que se abateu sobre o Chile em 1973. Carlos Matus trouxe para o planejamento uma nova lógica na qual está presente uma perspectiva política desconsiderada pelos modelos normativos. Além da perspectiva política também estão presentes no planejamento tal como proposto por Carlos Matus, a “flexibilidade referenciada” e a “perspectiva situacional” que, ao contrário dos antigos “diagnósticos”, considera a dinâmica da realidade. Tais elementos fazem do planejamento estratégico situacional uma ferramenta importante para o planejamento social, principalmente o planejamento de governo, mas, também para diversos setores onde o componente político possui relevância. É nessa perspectiva que consideramos o planejamento, em sua concepção estratégica e dentro da abordagem situacional proposta por Carlos Matus, como um instrumental de suma importância da eficácia do processo de trabalho do profissional de Serviço Social. Porém, historicamente, o planejamento não tem assumido um papel de 15 destaque nas discussões sobre os dilemas teóricos práticos do Serviço Social. Isto pode ser verificado ao se constatar que, no âmbito do Serviço Social existem pouquíssimas obras relacionadas a este assunto. A maior parte são teses de mestrado e doutorado da área da saúde. Desde 1980 com Barbosa e mais atualmente com Myrian Veras Baptista, através do livro Planejamento Social: intencionalidade e instrumentalização, não se têm publicações no sentido de sistematizar o planejamento no Serviço Social. Essa escassez bibliográfica sobre o tema dificultou o desenvolvimento deste projeto. Se o modelo normativo foi rejeitado pelo Serviço Social a partir da consolidação da ruptura com as referências da profissão, a perspectiva estratégica-situacional de Carlos Matus, por sua vez, não se tornou suficientemente conhecida e satisfatoriamente assimilada, predominando, no momento contemporâneo a concepção de planejamento como instrumento da reprodução do capital, com foco no mercado. O universo de pesquisa de campo escolhido foi o de profissionais que realizaram, no primeiro e segundo semestres de 2014, a supervisão de estágio no campo da UPA de Araruama, dos estudantes de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. Isto porque, o estágio e a supervisão são componentes fundamentais no processo de formação dos Assistentes Sociais e momentos privilegiados da concretização da relação teoria-prática (Rodrigues, 1997). Assim sendo, o estágio e a supervisão se constituem atividades que, por definição, exigem organização, que por sua vez, devem refletir a intencionalidade que, necessariamente deve ser inerente à atitude profissional (Faleiros, 1981). Logo, o critério para escolher esses entrevistados foi que eles tivessem feito a supervisão de campo dos estagiários em Serviço Social do primeiro e segundo semestre de 2014, conforme mencionado anteriormente. Tive também uma outra base de critério para selecionar estes entrevistados, pois uma vez que 02 (dois), no universo destes 06 (seis) supervisores, eram também professores da Universidade Federal Fluminense Campus Rio das Ostras, estes não foram considerados, pelo fato de que já poderiam ter uma opinião formada sobre planejamento, até mesmo porque uma destas já atuava na área do planejamento/administração. Nessa linha, o presente trabalho pontua inicialmente os marcos em que historicamente o planejamento é implementado, distinguindo o enfoque do mercado e do Estado. Posteriormente, apresenta o contexto histórico em que Carlos Matus inicia 16 sua critica acerca das limitadas versões de planejamento usadas e sua proposta na busca por um conceito mais amplo e pertinente a complexidade inerente à sociedade. Logo depois contextualizamos o planejamento de governo no contexto brasileiro. Contemplamos no título “Planejamento e o Serviço Social e a ruptura com o tradicionalismo”, como o planejamento é apropriado pelo Serviço Social. Nessa perspectiva, no capítulo I procuramos fundamentar nossa compreensão sobre o caráter histórico do planejamento e seus antecedentes. Sendo assim, no capítulo II, fazemos um apanhado de como o Serviço Social incorpora o planejamento à intervenção profissional e a ruptura com o tradicionalismo na profissão e sintetizamos características de como os profissionais de Serviço Social que atuam na supervisão de estágio, utilizam o planejamento, pontuando com base no que foi absorvido de sua falas (através da aplicação de entrevistas semi-estruturadas a Assistentes Sociais que por meio de convênio junto a Universidade Federal Fluminense, prestam supervisão de estágio para o curso de Serviço Social da UFF em rio das Ostras), às convergências e divergências no que se refere ao planejamento estratégico. Nas considerações finais apresentamos a reflexão acerca do que se foi discutido e do que se foi interpretado junta a orientação, destacando aspectos relevantes dos resultados encontrados em nossa pesquisa. Partindo desse pressuposto, no presente trabalho nos propusemos verificar e analisar como o planejamento se faz (ou não) presente, enquanto instrumental que possibilita a intervenção e dá intencionalidade à ação profissional, em alguns espaços sócio-ocupacionais que funcionam como campo de estágio e possuem supervisores de estágio. 17 CAPÍTULO I ANTECEDENTES DO PLANEJAMENTO NO BRASIL Para melhor compreendermos como o planejamento surge no contexto brasileiro e no Serviço Social, em particular, faz-se necessário realizar um breve apanhado sobre sua trajetória histórica para classificar a perspectiva em que foi criado e implementado. Segundo Lígia Giovanella, (1991) pesquisadora assistente do departamento de administração e planejamento em saúde da Ensp/Fiocruz, as primeiras elaborações teóricas sobre planejamento, apresentadas de forma sistematizada referem-se à organização da produção industrial, coloca a previsão como um dos elementos da administração. Previsão é entendida ai enquanto projeção, cálculo de futuro e a programação que objetiva facilitar a utilização de recursos e a escolha dos melhores meios a empregar para atingir o objetivo desejado de máxima eficiência, máximo lucro. Posicionamento fortemente marcado pelo liberalismo da ideologia dominante, neste período. Nesse contexto, a própria revolução soviética resulta de um processo onde o cálculo e a previsão estão presentes. O planejamento é apresentado (agora com a especificidade de planejamento social) como a alternativa para construção de um futuro diferente. O planejamento, neste cenário vem dar racionalidade às transformações almejadas para toda sociedade. Deste modo, a primeira proposta de planejamento social surge na forma de um plano setorial na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas quando, em 1918, é declarado o primeiro Plano Nacional de Eletrificação. Porém, somente após uma década de governo socialista é elaborado o primeiro plano global: 1º Plano Quinquenal (1928 a 1932). Na sociedade socialista, com a instituição da propriedade social dos meios de produção,o plano vem para substituir o mercado como instrumento de alocação de recursos e distribuição de produtos e estabelecer justas proporções entre produção e consumo, oferta e demanda e entre os vários ramos da economia, com o propósito de satisfazer as necessidades de todos os membros dessas sociedades (GIORDANI, 1974 apud GIOVANELLA, 1991). 18 Nas sociedades marcadas pelo capitalismo liberal ou concorrencial, predominava a doutrina de Adam Smith (1723 – 1790), segundo a qual o mercado deve ser regido pela livre concorrência, baseada na lei da oferta e da procura: quando a oferta é maior que a procura, os preços abaixam. Era o momento chamado laissez faire. Somente após a crise mundial de 1929, o mercado auto-ajustável, que equilibraria oferta e demanda, simplesmente não funcionou, deflagrando uma crise responsável pelo desemprego de milhões de pessoas, e pelo alastramento da miséria e da criminalidade, que se espalhou dos Estados Unidos para o mundo todo. Diante da comprovação da falibilidade do mercado enquanto mecanismo regulador, o planejamento econômico e social começa a ser considerado. É o período em que John M. Keynes, economista inglês, propõe uma maior intervenção do Estado na economia, com o intuito de diminuir a importância e frequência das crises. E, para tal, seria preciso dotar o Estado de instrumentos efetivos de política econômica que lhe permitam regular a taxa de juros, aumentar o consumo e expandir a inversão, visando o pleno emprego. O desenvolvimento Keynesiano propõe maior dirigismo e racionalidade: propõe planejamento estatal (GIOVANELLA, 1991). Suas formulações são assumidas na Europa principalmente após o final da Segunda Guerra Mundial. Os primeiros planos são feitos em 1948, pelas nações européias participantes do Programa de Recuperação Européia ou “Plano Marshall”. Nessa ocasião, foram elaborados planos integrais para quatro anos, com o intuito de ordenar a produção e resolver a situação econômica era também a forma mais eficaz de contrapor-se ao avanço do mundo socialista emergente e presente no continente europeu após a partilha da segunda guerra (GIORDANI, 1974 apud GIOVANELLA, 1991). O estado desenvolvimentista teve lugar na América Latina a partir da década de 1930 principalmente em decorrência da crise iniciada em 1929, a qual teria aberto a possibilidade de romper com o modelo agroexportador, até então dominante em vários países do continente e colaborado para incrementar uma nova fase cujo foco é a industrialização. Diante disso, segundo Giovanella (1991) o planejamento é introduzido a partir da década de 40, por influência da ONU e de um pensamento próprio que entende ser necessário superar as diferenças econômicas com os países capitalistas centrais. Permeado pelo ideário desenvolvimentista o planejamento é compreendido como um instrumental que possibilita avançar rumo a grandes realizações, isso mediado 19 pela industrialização e a racionalidade do cálculo econômico. Esta conotação dada ao planejamento será difundida principalmente através da comissão econômica para a América Latina (CEPAL) organismo internacional ligado a ONU. A Revolução Cubana, que foi um movimento popular que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista em janeiro de 1959. Antes da revolução, Cuba vivia sob influência dos EUA. A Revolução Cubana representou um momento de grande importância para o povo cubano, onde se despertou a consciência nacional e passaram a desprezar o imperialismo norte americano e o governo autoritário de Fulgêncio Batista. O movimento revolucionário foi tomando grandes proporções até a efetiva retirada do ditador Batista do poder. Nessa perspectiva o planejamento implementado na América Latina esteve voltado para a economia, contudo, gradativamente, vai sendo apropriado pelos setores sociais. Em 1961 os EUA, através da Organização dos Estados Americanos – OEA, promovem uma reunião de Ministros do Interior dos países das Américas, em Punta Del Este, no Uruguai, onde é lançado o “Programa Aliança para o Progresso”. Este programa é parte da política norte-americana do período Kennedy que colocava ênfase nos obstáculos internos ao desenvolvimento (CARDOSO, 1980, apud GIOVANELLA, 1991). Esta aliança surge sobre o discurso do desenvolvimento, mas com explícita intenção de que, por meio do controle social, estariam se prevenindo acerca do avanço do socialismo. Ou seja, abarcando as questões sociais neste planejamento que promoveria o desenvolvimento, estariam reduzindo as brechas (miséria, desemprego, fome, etc) para disseminação do pensamento socialista. 1.1. O PLANEJAMENTO DE GOVERNO NO CONTEXTO BRASILEIRO Do final dos anos cinquenta à queda do governo João Goulart, ao menos três programas mais ambiciosos de estabilização monetária foram tentados pelos governos do período, todos sem êxito. Porém, ao analisar estas iniciativas, segundo Ricardo Silva (2000), podemos fazer uma profunda inflexão em relação à estratégia da política econômica adotada durante aos anos de auge do desenvolvimento, no qual, um novo consenso ideológico estava se formando. A estabilidade monetária se unia ao discurso 20 de que por meio do desenvolvimento industrial, seriam superadas todas as mazelas sociais. Esse slogan foi muito presente, principalmente nos Governos de Vargas e de Kubitschek. Por mais que o Brasil nesse momento tenha avançado, no que se refere à produção industrial, em relação ao social e à economia não seguia a mesma trajetória, uma vez que se intensificam as desigualdades sociais, o processo inflacionário e a dívida externa. Problemas em parte decorrentes da própria estratégia desenvolvimentista de Kubitschek. Os movimentos sociais de esquerda se organizam reivindicando reformas de base, com caráter distributivista, enquanto à direita crescia o apelo à recomposição da ordem econômica (fim da inflação) e da ordem política (contenção das mobilizações sociais). No que se refere à evolução da política econômica, o que se observa é a crescente aceitação, pelos governantes e tecnocratas, da idéia de que o combate à inflação deveria ser prioritário e precedente a qualquer outro objetivo político- econômico. Isso fica evidente não somente nos experimentos do PEM (Plano de Estabilização Monetária) do Governo Kubitschek e da Reforma Cambial do Governo Quadros, mas também, embora de modo menos evidente, no Plano Trienal do Governo Goulart (SILVA, 2000). Esta primazia dada aos aspectos econômicos, em detrimento do social permanece mesmo durante o desenvolvimento do Plano Trienal, do governo de João Goulart. Isso merece destaque pelo fato de estar sob comando de Celso Furtado, principal expressão do pensamento reformista da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Ou seja, como é comum acontecer, as elites estatais pediam ao povo o sacrifício do presente para o suposto regozijo do futuro. Mas esse era um argumento político pouco convincente do quadro da crise. O Plano Trienal não obteve o apoio dos trabalhadores e o Governo Goulart não conquistou a confiança das classes dominantes, que esperavam a contenção da inflação e o controle governamental das greves e das mobilizações sociais. A frustação da tentativa de conciliação de classes, presente neste plano, agravou o isolamento do Governo Goulart e, de alguma maneira, contribuiu para o trágico desfecho da crise em março de 1964. A crise política e econômica que caracterizou os Governos de Jânio Quadros e João Goulart (1961 – 64) apresentava três facetas particularmente importantes. Em primeiro lugar, ela exprimia o agravamento dos 21 antagonismosentre diferentes estratégias ou opções políticas de desenvolvimento. Em segundo lugar, ela exprimia o aprofundamento dos antagonismos entre os poderes da República, em especial o Executivo e o Legislativo. E, em terceiro lugar, à medida que se estendia e aprofundava a crise político-econômica, politizavam-se ainda mais as urbanas e rurais, acentuando-se as condições entre as classes sociais (IANNI, 1971, p.217 apud GONÇALVES, 2005). Podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou- se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar. A partir da instalação do regime militar em 1964, observa-se o fortalecimento do Poder Executivo, a interferência crescente do poder público em praticamente todos os setores do sistema econômico nacional e a expansão da tecnoestrutura estatal, consubstanciada na grande elaboração de planos, programas, criação de órgãos públicos e de fundos de financiamento. Sem a intenção de um maior aprofundamento na análise dos serviços, programas, órgãos públicos, planos e demais políticas urbanas do período militar, é importante destacar, resumidamente que, durante este período, a atividade de planejamento teve um grande desenvolvimento no Brasil. [...] à medida que cresceu a importância do Estado, para o conjunto do sistema econômico, cresceram também as exigências relacionadas com a coleta de informações, a sistematização de dados, a análise de problemas, a formulação de previsões, a tomada de decisões, o controle da execução, e a avaliação dos resultados particulares e gerais dos planos, programas e projetos. Isto é, à medida que crescia a importância relativa e absoluta da participação do Estado na economia, havia uma contínua incorporação de conselheiros, assessores, técnicos, engenheiros, estatísticos, economistas nos órgãos de formulação, execução e controle da política econômica governamental. Pouco a pouco, formou-se uma dependência muito especial do Poder Executivo, com os característicos de uma nova estrutura burocrática (...) as pessoas que compunham essa tecnoestrutura estatal passaram a representar uma dimensão nova e importante do Poder Executivo. Assim, a hipertrofia crescente do Executivo (em detrimento do Legislativo) caminha de par em par com a crescente importância do grupo que compõe essa nova estrutura burocrática (IANNI, 1977, p.311-312 apud GONÇALVES, 2005). São desse período as seguintes iniciativas de planejamento: o Poder de Ação Econômica do Governo (PAEG) (1964-1966), o Plano Estratégico de desenvolvimento (PED) (1968-1970), que foi complementado por planos setoriais e regionais dirigidos nitidamente ao Nordeste e à Amazônia (Cadernos nae, 2004). Mas, na opinião de Moraes (Moraes, 1994 apud BONFIM, 2006) a iniciativa mais completa de 22 planejamento viria com o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que conheceu duas versões implementadas (1972-1974 e 1975-1979) e uma terceira (1980-1985) nunca posta em prática. Uma quantidade inédita de Planos Diretores foi elaborada no período [de 1964 até os anos 1980]. Escritórios técnicos de consultoria e planejamento se multiplicam. Álibi ou convicção positivista, o planejamento foi tomado como solução para o ‘caos urbano’ e o ‘crescimento descontrolado’. Essas idéias dissimulavam os conflitos e os reais motores desse plano que foi elaborado por especialistas pouco engajados na realidade sociocultural local. A população não foi ouvida e, frequentemente, nem mesmo os técnicos municipais (MARICATO, 2000, p.139 apud GONÇALVES, 2005). Segundo MATUS (1997a, p.312) Como toda técnica, é simplesmente uma ajuda para sistematizar o conhecimento de uma realidade. Essa ajuda é, por vezes, desnecessária para pessoas experientes e com mente bem organizada. Mas se o planejamento deve sustentar-se numa análise dos problemas que afetam a população, são necessários métodos simples para que todos compreendam a gestação e o desenvolvimento dos problemas. Naturalmente, os métodos de explicação situacional devem ser praticados com assessoria técnica de pessoas com experiência nos problemas. As pessoas que conhecem a técnica de explicação situacional, mas não conhecem os problemas não podem obter resultados úteis (MATUS, 1997a, p.312 apud GONÇALVES, 2005). É importante destacar, porém, que se há uma intensa atividade na elaboração de planos, isto não significa que sua efetivação estivesse garantida. Isto porque o modelo de planificação adotado, nem sempre tinha na realidade para a qual se destinava, a sua fundamentação. De fato, em consonância com o autoritarismo vigente, o planejamento amplamente adotado como instrumento de operacionalização da máquina pública, tinha por característica central, no dizer de Carlos Matus ser uma “camisa de força” que tentava adequar a realidade às decisões que, por estarem envolvidas no discurso da racionalidade técnica, não eram passíveis de questionamentos. O período militar- autoritário, vivenciado por vários países da América Latina, e também no Brasil, representa o auge do chamado “planejamento normativo”, ou “planejamento tradicional”. O Planejamento normativo ou planejamento econômico normativo tem como característica ser um tipo de planejamento que se limita ao âmbito econômico, desconsiderado sua viabilidade política ou a ausência dela (MATUS, 1996). É um 23 planejamento de caráter “prescritivo”, ou seja, aponta um “dever ser”, sem levar em conta o movimento da realidade. É um planejamento que se coloca “técnico” e “neutro”. Cabe ressaltar que o Planejamento Normativo foi o modelo amplamente utilizado pelos governos militares no Brasil no período pós-64. Os Assistentes Sociais que se identificavam com as diretivas institucionais que Netto (1993) denomina “modernização conservadora” eram adeptos desse tipo de planejamento. Poderíamos dizer que o Planejamento Normativo fica limitado à “aparência imediata dos fatos”, desconsiderando sua essência (realidade concreta). Isso por supervalorizar o aspecto técnico e o cálculo econômico, desconsidera os possíveis adversários, por ser calcado em “certezas”, por ser um planejamento de “médio prazo”, por não fazer a relação “história-plano” e, por isso, é um planejamento inconsistente, por ser meramente discursivo e não “opcional”, por ser considerado uma ferramenta meramente administrativa, por ser oficialista, uma vez que é feito a partir de governos e para governos, ignorando outras forças sociais (ou, no caso de uma ação profissional, feito a partir da instituição e para a instituição, desconsiderando outras forças institucionais), por se tratar de um planejamento dissimulado, pois os formalismos técnicos são utilizados para ocultar as verdadeiras causas dos problemas e por não possuir flexibilidade, pois atua em tempos rígidos, desconsiderando os “diferentes tempos” dos atores sociais envolvidos (Matus, 1993). O modelo normativo, muitas vezes identificado como sinônimo de planejamento, provocou - e ainda provoca – equívocos, ao reduzir o planejamento a procedimentos. Contudo, rompendo com esse estigma reducionista, que, tendo como referência apenas o planejamento normativo, desqualifica o planejamento em si, Carlos Matus, resgata o planejamento como ferramenta útil, flexível e eficaz para lidar com as necessidades da direção em cada lugar da administração pública. Matus destaca, entretanto, que o plano não pode ser constituído de uma simples agregação de problemas,que nesse sentido, devem se inter-relacionar. Com esse intuito é recomendada a construção de um “fluxograma situacional global, que conheça a unidade da realidade como um grande problema” (MATUS, 1997a, p.324 apud GONÇALVES, 2005). Após o momento em que são detectados os problemas surge, na concepção de Matus, o momento normativo que determinaria o desenho do conteúdo propositivo do 24 plano, ou seja, é o momento de por no papel o que se pretende com o plano. O desenho do plano abrange diversos níveis de generalidade e especificidade. Começa com o programa (linhas e critérios), continua com o programa direcional (precisão global em nível de projetos de ação), prossegue com a desagregação do plano na matriz geral problemas-operacionais, passa à subdivisão do plano em sub-planos (os módulos OP), para em seguida desagregar as operações em ações e as ações em sub-ações. Essas partições derivam da necessidade de descentralizar para que o planejamento seja criativo e democrático, embora se deva ao mesmo tempo respeitar certos critérios de coerência global, indispensável para a eficácia da condução (MATUS, 1997a, p.336 apud GONÇALVES, 2005). A ordem lógica e formal não deve ser, necessariamente, seguida, mas é importante que se busque, na visão de Matus, um equilíbrio entre os critérios de coerência global e a criatividade descentralizada. Ressalta-se que o programa, além de buscar o enfrentamento de alguns problemas, também representa uma convocação à ação. “Em nível político, pode ter a forma de um programa eleitoral; no nível de um dirigente, ou pode ser uma proposta de desenvolvimento da empresa; para um dirigente sindical, a sua plataforma de luta por novas conquistas para os trabalhadores” (MATUS, 1997a, p.337 apud GONÇALVES, 2005). A análise da viabilidade do programa direcional do plano passa, a ser a preocupação central do momento estratégico. Deve-se considerar tanto a viabilidade política, quanto econômica, a tecnológica e a industrial-organizacional. O momento estratégico concentra-se, dessa forma, na análise de viabilidade que aponta para a dialética entre o necessário, o possível e a criação de possibilidades. Após analisar e conhecer e realidade, desenhar o futuro e definir as possibilidades de realização do plano, o planejamento deve-se converter em ação concreta. A mediação entre o conhecimento e a ação representa a tarefa do momento tático-operacional. Ressalta-se que “a ação é sempre o produto final de um cálculo, mas não necessariamente o produto final do plano formalizado. Tal divergência deve ser resolvida pelo momento tático-operacional” (MATUS, 1997a, p.485 apud GONÇALVES, 2005). 25 De forma sintética, para Matus o planejamento confunde-se com o cálculo totalizante do processo de governo na ação concreta e essa ação deve buscar a solução para as seguintes questões: O primeiro problema consiste em conhecer a realidade a partir de várias perspectivas situacionais (...). O segundo problema tem caráter normativo e refere-se ao desenho da direcionalidade para responder às perguntas: para onde eu quero ir? O que devo fazer para isso? Qual a situação-objetivo que desejo? O terceiro problema é de viabilidade, para enfrentar os desafios representados pelas restrições da realidade e pelos obstáculos colocados pelo outro, que se opõe ao meu plano. O quarto problema é de operacionalidade, e refere-se à pergunta: o que devo e posso fazer hoje, e todos os dias quando forem hoje, para que eu avance em direção à minha situação-objetivo? (MATUS, 1996a, p.562). 1.2 PLANEJAMENTO E GOVERNO NO PENSAMENTO DE CARLOS MATUS Carlos Matus Romo nasceu no Chile, em 1931. Formou-se, em 1955, na Escola de Economia da Universidade do Chile, tendo-se pós-graduado, em 1956, na Universidade de Harvarde, em Santiago do Chile, na CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina). Atuou como assessor do Ministro da fazenda, de 1957 a 1959 e como Ministro da Economia (1971 – 1972) do Governo do Presidente Allende. Entre 1965 e 1970, como diretor da divisão de serviços de assessoria do Instituto Latino Americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES), organismo autônomo criado sob a égide da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em Santiago do Chile, dirigiu missões na América Central, Brasil (Minas Gerais), República Dominicana, Equador, Bolívia, Peru, Colômbia, entre outros países. Em 1969, Matus publica o livro “Estrategia y Plan” no qual já elaborava suas primeiras críticas ao planejamento tradicional (normativo). Pode-se acusar o Planejamento normativo de insinceridade, porque ele oculta a ambiguidade inconsistente de sua resposta à pergunta: caso se faça tudo o que está anunciado no plano-livro, os objetivos serão alcançados? Mais ainda, a causa principal do não-cumprimento dos objetivos não está no não- cumprimento dos planos, mas no fato de que eles não conduzem aos objetivos que declaram (MATUS, 1997a, p. 563 apud GONÇALVES, 2005). Segundo MATUS (1997a, p.202) A práxis a partir da qual foi inicialmente teorizado este enfoque metodológico foi a tentativa de transformação social no período de Allende no Chile; produziu-se então um tríplice divórcio entre o planejamento 26 econômico normativo (que ficou relegado a meras fórmulas), a condução econômica (que impôs autonomia em relação ao planejamento formal) e a condução política (que não considerou nem o planejamento formal nem as consequências da condução econômica). Foi esta experiência rica e frustrada que inspirou o livro Planejamento de Situações, enquanto enfoque de planejamento que pretende integrar estes três aspectos (MATUS, 1997a, p.202 apud GONÇALVES, 2005). Ainda, segundo MATUS (1997a, p.59) O condutor dirige um processo para alcançar objetivos que escolhe e altera segundo as circunstâncias (seu projeto), superando os obstáculos de maneira não-passiva, mas ativamente resistente (governabilidade do sistema). E, para vencer essa resistência com sua força limitada, o condutor deve demonstrar capacidade de governo. Governar, então, exige a constante articulação de três variáveis: a) projeto de governo; b) capacidade de governo; c) governabilidade do sistema (MATUS, 1997a, p.59 apud GONÇALVES, 2005). Estas críticas advinham de sua própria experiência de governo e da análise do emprego do planejamento normativo nos regimes autoritários da América Latina na década de 1970. Matus tematiza, então uma concepção de planejamento no qual a tomada de decisões é responsabilidade de quem governa, de quem conduz. Segundo ele, planeja quem governa, logo planeja quem tem a capacidade de decidir, de conduzir e não apenas um corpo limitado de técnicos pretensamente neutros sem qualquer compromisso com a eficácia e efetividade do que foi planejado. Nessa perspectiva, a efetividade do planejamento está condicionada à capacidade de resposta que oferece às demandas da realidade. Assim, o planejamento estratégico é compreendido como uma forma de organização para a ação, e esta seria sua diferença fundamental em relação ao planejamento tradicional. Com ele é introduzida a noção de que o planejamento está voltado para o presente, já que a única forma de construir o futuro é agir, e só é possível agir no presente. Toda ação concreta se faz no presente, para impactar o futuro desejado. Assim, a decisão sobre o que fazer hoje será eficaz ou não para a construção do futuro desejado. Matus aponta como produto último do plano, o cálculo que precede e preside a ação hoje. [...] o planejamento estratégico implica no processo de análise do ambientee do sistema organizacional, na elaboração de filosofias e políticas, na escolha de objetivos e no desenvolvimento de estratégias e na sua implementação e controle. (TAVARES, 1991, p. 69 apud FRITSCH, 1996). 27 Segundo FISCHMANN e ALMEIDA (1990, p.25) [...] é uma técnica administrativa que, através da análise do ambiente de uma organização, cria a consciência de suas oportunidades e ameaças, dos seus pontos fortes e fracos, para o cumprimento de sua missão e, através desta consciência, estabelece o propósito de direção que a organização deverá seguir para aproveitar as oportunidades e evitar risco. (FISCHMANN e ALMEIDA, 1990, p.25 apud FRITSCH, 1996). O planejamento estratégico aponta o fracasso do planejamento enquanto “livro- plano”, ou seja, enquanto documento normativo, enquanto um futuro que “deve ser”. Como a realidade muda constantemente, é preciso que o planejamento seja a mediação entre o conhecimento e a ação, sendo assim continuamente construído. Dessa forma, o planejamento, deve, necessariamente, incorporar a perspectiva política como forma de lidar com as resistências de outras forças presentes na realidade. Torna-se imprescindível considerar, além dos recursos econômicos, os recursos de poder existentes para criar viabilidade ao processo de mudança. Também com base em sua experiência, Matus observou que a capacidade de governo encontrava-se em crise, em contraste com o avanço das ciências naturais e com o crescimento, em complexidade e intensidade, dos problemas sociais. A prática cotidiana estava marcada pela baixa qualidade governamental, pelo estilo primário (dissonante da realidade) de fazer política, pela pobreza teórica da cooperação técnica internacional e pela carência de respostas das universidades aos problemas de governo. Acreditando que essas deficiências têm origem na separação entre política e ciência, ou seja, entre prática e teoria. Matus considera que a condução da política é uma arte, mas há espaço para as ciências, quando se aprende a teorizar sobre a prática. Por muitas vezes, a improvisação, o imediatismo e a incapacidade para processar “técnica e politicamente” os problemas sociais aparecem como resultado da ausência de embasamento científico nas esferas político-administrativas. Porém, Matus é um crítico vigoroso de uma concepção de teoria (e de ciência) isolada em compartimentos verticais que criam barreiras entre o técnico e o político. Os problemas práticos, contudo, se diferem dos problemas das ciências. Os problemas apresentados ao dirigente que exerce uma função pública não são reconhecidos pelas ciências e traspõem as fronteiras da formação tradicional especializada por faculdades (MATUS, 2000). A teoria do planejamento situacional é a teoria de um jogo, não no sentido matemático da teoria dos jogos, mas no sentido de Kriegspiel (jogo de 28 guerra), como assinala corretamente o professor Noel Mc Ginn da Universidade de Harvard. (...) o problema do plano consiste em que cada força deve vencer a resistência ativa e criativa do oponente para poder alcançar sua situação-objetivo. Consequentemente, cada jogador deve desenhar uma estratégia e uma tática para construir a viabilidade de seu arco direcional. (...) se o processo avança na direção desejada pela força A, ele se afasta da situação-objetivo da força B. Por isso, o que é construção de viabilidade para uma força é destruição de viabilidade para seu oponente (MATUS, 1997a, p.171-172 apud Gonçalves, 2005). A partir dessas colocações, Carlos Matus entende ser necessária uma visão “transdepartamental” e propõe a construção de uma ciência social horizontal com o intuito de reconstruir uma “teoria do governo” capaz de fundamentar os “métodos de governo”. Assim, de acordo com sua proposta, torna-se importante uma “teoria prática”, e essa teoria deve ser entendida como uma “ciência horizontal”. É sobre a base da teoria da produção no jogo social, que sustenta o Planejamento Estratégico Situacional, propondo construir as ciências e técnicas de governo. Segundo Matus (2000), a “prática social horizontal”, exercida no âmbito público, atravessa os departamentos das ciências tradicionais, produzindo problemas comuns, gerando relações entre esses departamentos e, consequentemente, produzindo um intercâmbio de problemas entre eles, ou seja, a ação pública acaba por gerar efeitos positivos ou negativos em relação às metas anunciadas. O padrão explicativo da teoria social tradicional, seguindo as ciências naturais, baseia-se em uma observação objetiva da realidade “a partir de fora”. Essa explicação assume uma relação fria entre o sujeito observador e o objeto observado, desconhecendo a complexidade da interação humana. Já a ação prática é realizada no jogo social “a partir de dentro”, através da intervenção entre jogadores e jogadas. O planejamento, enquanto instrumento para a organização da ação deve, necessariamente, estar referenciado na dinâmica do contexto social e político onde se realiza, considerando todos os sujeitos presentes. Matus não lida com categorias do pensamento marxiano e, em suas análises não estão presentes distinções entre realidade imediata e realidade concreta, ou sobre a necessidade de superação da aparência imediata como condição para conhecer a essência dos fenômenos. Porém, sua concepção de conhecimento da realidade não pode partir da perspectiva do cientista clássico, baseada em uma concepção verticalizada de conhecimento, perspectiva esta que possui como características principais: o determinismo, a desconsideração das subjetividades, a compartimentalização vertical 29 das ciências, a explicação única da realidade através de diagnóstico, a consideração da sociedade com um objeto sem atores ou como um sistema manipulável. Para os deterministas, o homem não tem a liberdade de criar o seu futuro. E, no mundo das ideologias, enquanto os filósofos, os pensadores sociais evoluem no plano das idéias, a realidade vivida cada dia exige uma resposta pronta, capaz de adequar movimentos e situações às mudanças concretas no quadro existencial. Então, as teorias resultantes dos conhecimentos científicos, e mesmo as resultantes das ciências sociais (e também morais, por que não), dependem de uma tecnologia que as torne práticas no quotidiano (BARROS, 1987, p.6 apud FRITSCH, 1996). Matus (2000) entende que a rigidez dessas idéias é contra a complexidade da práxis social. Em contraponto, propõe a perspectiva do ator que protagoniza o jogo social, baseada na práxis horizontal, ou seja, propõe uma teoria da ação social. Entendendo o jogo social como arena onde ocorre a prática política e se exercita o governo, constara-se que ele se apresenta como um meio conflitivo, competitivo e/ou cooperativo. A perspectiva proposta pretende enfatizar a relação entre sujeitos e os problemas da interação. Segundo Carlos Matus (2000), o pensamento científico avançado contemporâneo reconhece que os processos, em geral, seguem um padrão não determinístico. A partir dessa consideração, critica a teoria econômica, referência central nos modelos normativos de planejamento que, para ele, está aparentemente fundada como uma ciência social, mas que não apresenta a complexidade do jogo social, tratando de sistemas fechados, através do paradigma determinista. Assim, o aspecto econômico é importante na prática social, mas não é tudo. Nesse sentido, Matus sustenta que a teoria econômica se baseia nos seguintes supostos: é uma ciência vertical que impõe suas fronteiras, excluindo outras dimensões, como a dimensão política; segue leis e desconsidera criatividade;sua potência depende de sua capacidade de predição do futuro; estabelece relações do homem com as coisas e não se refere às relações entre os homens, não explorando o mundo interno humano; seu método de investigação é similar aos métodos das ciências da natureza, não considerando as diferenças entre ciências naturais e sociais (MATUS, 2000). Uma das críticas de Matus à teoria econômica recai sobre as muitas soluções inadequadas e custosas dadas aos problemas reais, fato que ele relaciona, sobretudo, à desconsideração e à falta de análise do intercâmbio de problemas com os outros 30 departamentos das ciências, especialmente as relações com o jogo político, e a despreocupação com a teoria da ação humana e suas complexidades. A complexidade da teoria social deve-se, em grande parte, à sua relação com os processos criativos e à consideração do mundo interno do homem. Se, de acordo com o positivismo lógico, um enunciado só é racional ou científico quando verificável na observação empírica, contraditoriamente, os juízos de valor que estão por trás da conduta humana, como conexões de sentido, não podem ser ignorados e declarados insignificantes para as ciências. Ainda que atuantes em um mesmo jogo social, os atores vivem realidades diferentes. Um problema para um pode ser um bom negócio para o outro. As diferenças e desigualdades são inerentes ao jogo social, principalmente ao se considerar as relações de conflito e cooperação entre os jogadores, Cada um está marcado por sua experiência, formação intelectual e intuitiva, pelo seu trabalho, seu status social, seus hábitos. Quem acredita em participação, estabelece uma disputa com o poder. Trata- se de reduzir e não de manter a quimera de um mundo naturalmente participativo. Assim, para realizar participação, numa construção arduamente levantada, centímetro por centímetro, para que não se recue nenhum centímetro. (DEMO, 1993b, p.20 apud FRISTSCH, 1996). Bordenave (1992, p.22 apud FRISTSCH, 1996) diz que participar é fazer parte, tomar parte ou ter parte. Na definição do autor, a participação é, ao mesmo tempo, instrumento para a solução de problemas e necessidades fundamentais do ser humano. Como necessidade humana só pode ser concebida se o homem conjugar o fazer, o tomar e ter parte nas realidades individuais e coletivas. Em outras palavras, Demo (1993b apud FRITSCH, 1996) aponta como característica da participação à condição de ser meio e fim, portanto é instrumento de autopromoção, mas é igualmente a própria autopromoção. Diante dessas premissas, o mundo não deve ser ajustado a uma explicação teórica simples. A complexidade da realidade deve ser respeitada. Com essa intenção, Matus (2000) afirma buscar um conceito mais amplo que abra espaço para os processos criativos, negando a concepção das ciências determinísticas. Portanto faço um apanhado em todos os capítulos, onde trazemos a importância do planejamento como instrumental essencial na prática profissional, pois pensar diferente nos remete ao Planejamento de Carlos Matus, que confronta a lógica 31 conservadora. Não tem como se desenvolver uma prática profissional, sobretudo no Serviço Social, demandado pelas mais diversas e complexas questões sociais, sem implementar o planejamento. Pelo capítulo I, pode-se concluir que a lógica do planejamento social é a práxis social, é determinante das relações sociais, fato que engloba aspectos políticos e econômicos, dentro dessa realidade o planejamento torna-se indispensável para que se chegue a um resultado. Diferente da lógica de planejamento do mercado, onde, cada vez mais se preocupa com a produção, comercialização, consumo e lucro e deixando de lado o ser social. 32 CAPÍTULO II O PLANEJAMENTO E SERVIÇO SOCIAL Na segunda metade da década de 1950, o ideário desenvolvimentista chega com força a América Latina trazendo o discurso modernizador e o desenvolvimento como estratégia fundamental para impedir que o continente torne-se terreno fértil para as ideologias socialistas. Um povo “desenvolvido” estaria menos susceptível a participar de movimentos reivindicatórios e lutas sociais. Dentro do ideário desenvolvimentista, o planejamento econômico de governo assume papel preponderante, incorporando-se aos discursos e às práticas de diversos agentes governamentais, como símbolo da racionalidade técnica, da eficiência e da eficácia da ação estatal. O Serviço Social face à política desenvolvimentista e ao apelo à participação das massas trabalhadoras, herança da política de massas do getulismo, se contrapõe à tendência conservadora hegemônica da profissão, tendência esta que é respaldada pela posição da igreja naquele momento. Numa sociedade burguesa, é sempre difícil legitimar a participação política das massas trabalhadoras, e os setores mais conservadores da sociedade brasileira sempre combateram com violência o populismo, por verem nele o prenuncio da destruição do poder burguês. Diante dessa realidade o Serviço Social, inicialmente, segundo Iamamoto (1983, p. 343) se mostra relativamente alheio, à temática desenvolvimentista. O que não o impediu de beneficiar-se da expansão econômica; das novas pressões pela ampliação de seu consumo desencadeado pelas classes subordinadas; de desenvolver-se enquanto instituição, absorver e aprofundar novas experiências e institucionalizar-se enquanto profissão. O Serviço Social aos poucos logra maior sistematização técnica e teórica de suas funções, alcançando definir áreas preferenciais de atuação técnica. Aprofunda-se, no plano do ensino, a influência norte-americana, voltando-se ao Serviço Social de Grupo, que há tempo vinha sendo utilizado de forma tradicional (recreação e educação), na década de 1950 começa a fazer parte dos programas nacionais do SESI, LBA, SESC, em hospitais, favelas etc.; iniciando-se uma nova abordagem, que se generaliza na 33 década de 1960, que relaciona estudos psicossociais do participante com os problemas da estrutura social e utilização da dinâmica de grupo. As iniciativas vinculadas ao Desenvolvimento de Comunidade apresentam nesse período franco desenvolvimento, com o surgimento de uma série de organismos e a realização de importantes Seminários. Esses organismos desenvolverão programas que buscam sua inspiração na experiência norte-americana. Estarão essencialmente, baseados em técnicas de Desenvolvimento de Comunidade e perseguem a modernização da agricultura brasileira, tendo por estratégia a Educação de Adultos. Três (03) Seminários realizados nesse período desempenham papel extremamente importante para que o Desenvolvimento de Comunidade se solidifique enquanto nova opção de política social para atuar nos meios sociais marginalizadas pelo desenvolvimento econômico e, portanto, como nova disciplina. Realiza-se em 1961, tendo também o caráter de ato preparatório de um encontro internacional, no caso, a XI Conferência Internacional de Serviço Social, marcada para a cidade de Petrópolis (RJ), em 1962. Com um intervalo de quatorze (14) anos em relação ao último Congresso, este segundo encontro abrange do meio profissional dos Assistentes Sociais irá ocorrer numa conjuntura bastante modificada. Após mais de uma década de desenvolvimentismo sustentado em estratégias políticas populistas, a vitória do “janismo” representa a possibilidade de um novo começo (MATUS, 1993). A preocupação central do que poderia ser caracterizado como projeto desenvolvimentista janista estaria na formação de uma nação forte e uma economia globalmente forte. Desse eixo central decorre uma atenção especial ao social; a metaprioritária é o homem e não o crescimento econômico em si mesmo. A ênfase no social não é, assim, um alvo demagógico no projeto janista. Dá grande importância à saúde, propondo, além da perspectiva de uma melhora no nível de vida, campanhas e enriquecimento do sistema alimentar, contra a desnutrição infantil e contra as insalubridades. E seu projeto educacional situa-se outro ponto de destaque: a educação não é vista apenas a partir do prisma economicista de aumento da produtividade. E sim numa perspectiva de reestruturação da sociedade, de “redenção do país pela educação”, a visão da educação como um dos esteios do projeto de desenvolvimento para integração nacional. O projeto janista propõe, enfim, em desenvolvimento harmônico e humano. Percebendo a causa da crise na crise moral e 34 político-social, propõe soluções moralizantes, justiça social solidariedade. Preocupando com a racionalidade, exige um planejamento democrático e a integração nacional. A vitória do “janismo” representa, assim, a colocação na ordem do dia de uma nova estratégia desenvolvimentista, que, mantendo, os grandes eixos do crescimento econômico, passaria a centrar-se no homem, no pleno florescimento de suas capacidades, tudo dentro da ordem e do respeito à dignidade da pessoa humana. Diante dessa realidade, o Serviço Social deve urgentemente re-situar-se. Readaptar-se, procurando sintonizar seu discurso e métodos com as preocupações das classes dominantes e do Estado em relação à questão social e sua evolução. A organização do II Congresso Brasileiro de Serviço Social aparece como um exemplo bastante claro de uma estratégia de atualização em relação à ideias que agitam os setores dominantes e às demandas objetivas que fazem à instituição Serviço Social. De acordo com o momento, o tema central do Congresso será: “Desenvolvimento Nacional para o Bem-estar Social”, sendo os trabalhos organizados, segundo as modernas técnicas, em torno desse tema e sua particularização para o Serviço Social. Representa também um desafio. O governo solicita da instituição o cumprimento de determinadas funções, dentre elas: estar em sintonia com a atual conjuntura; estar presente junto a outros técnicos, se pondo a serviço do desenvolvimento nacional; reaparelhamento das escolas de Serviço Social; a organização de cursos específicos de pós-graduação; reforma universitária; aproximação das escolas em relação a comunidades etc. No campo profissional, reivindica-se a fixação de uma série de direitos, entre os quais carga horária reduzida (máximo de 30 horas semanais), remuneração condigna (fixação do salário profissional), e a estimulação da organização gremial. Criticam-se as práticas paternalistas das grandes instituições assistenciais, constata-se a inadequação das estruturas político-administrativa às exigências do desenvolvimento sócio-econômico e a necessidade de medidas corretivas, verifica-se a necessidade de medidas corretivas; verifica-se a necessidade de uma reforma universitária, ao mesmo tempo em que se aplaude a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é combatida pela parcela da comunidade universitária que mais se bate pela reforma. Pede-se melhor qualidade e pontualidade nos serviços prestados pela Previdência, Salário-Família e Auxílio Desemprego. Reafirma-se a necessidade de 35 uma legislação agrária, de uma revisão de legislação social e sua extensão às populações rurais. Percebemos então que o Serviço Social não ficou imune a este movimento, mesmo porque, ao longo de sua história, esta profissão é tencionada sintonizar seu discurso e métodos às preocupações das classes dominantes e do Estado em relação à questão social e sua evolução. Dentro destas novas exigências é colocada a reformulação do currículo do Assistente Social, situando como matérias básicas para o curso de Serviço Social a economia, sociologia urbana e rural, planejamento e psicologia social e o desenvolvimento de estudos sobre pesquisa social, cooperativismo, planejamento etc, procurando reforçar os aspectos técnicos na formação do Assistente Social. Os governos militares, a partir de 1964, reforçaram os discursos desenvolvimentistas, atrelando-o à doutrina da “segurança nacional” no qual a racionalidade técnica vinha acompanhada de práticas altamente pelo aparato estatal da ditadura. O planejamento enquanto conjunto de procedimentos técnicos visando uma dada racionalidade operativa somente chegada ao Serviço Social com as transformações políticas e sociais provocadas pelos governos militares. A autocracia burguesa provoca uma profunda alteração no quadro institucional brasileiro, seja nos espaços institucionais já configurados como espaços de trabalho para o Serviço Social seja nos espaços que, nesse contexto passarão a demandar a presença profissional do Assistente Social. 2.1. PLANEJAMENTO E RUPTURA COM O TRADICIONALISMO NA PROFISSÃO Este novo aparato institucional, moderno no discurso, mas conservador em suas concepções corresponderá aos ditames do governo autoritário, tendo como características a centralização, o tecnicismo e a verticalização das decisões. Estas características, como já foi dito, marcam a planificação enquanto elemento dos discursos e das práticas da lógica institucional dos governos militares. Planificação esta que também será incorporada ao segmento hegemônico dos Assistentes Sociais que irão aderir aos pressupostos do Regime. 36 Com efeito, a busca pela modernização e pelo bom desempenho técnico é pauta dos dois encontros mais significativos: Os seminários de Teorização de Araxá, em 1967 e o seminário de Teorização de Teresópolis em 1971. Embora o Serviço Social continue, de modo geral, circunscrito a funções executivas, distante das instâncias do planejamento de governo propriamente dito, no período em tela, uma preocupação em conferir às suas práticas e um caráter técnico. Nessa perspectiva, o planejamento será incorporado às práticas dos Assistentes Sociais em sua busca por legitimar sua competência técnica. As lutas de categoria superação do conservadorismo culminam da “virada histórica” no Congresso de 1979 onde foram alterados os pressupostos teóricos, metodológicos e políticos da profissão, Esta “virada” representou um avanço no sentido de romper com uma visão a-histórica de profissão e com os pressupostos conservadores da adaptação do indivíduo ao meio social, que mesmo no período onde o discurso da modernidade técnica dava o tom, prevaleciam. Porém, todas essas alterações por suas próprias características, ao buscar romper om qualquer elemento vinculado a períodos considerados ultrapassados da profissão, excluíram sob o argumento do “desvio positivista”, qualquer componente metodológico e/ou técnico que não estivesse vinculado diretamente à perspectiva transformadora/revolucionária que, passava a orientar os rumos da profissão. No contexto histórico político brasileiro em que foi efetivada, diga-se no final dos anos 1970, início dos anos 1980 essa perspectiva representava a adesão da profissão, em sua parcela hegemônica, à possibilidade de uma transformação social radical para o país a partir da extinção da ditadura. É, portanto, que este período tenha se caracterizado pela radicalidade no trato das questões que passariam a orientar o Serviço Social dali em diante, no sentido de romper com quaisquer referências teóricas, metodológicas ou técnicas que significasse lembrasse qualquer vinculação com os pressupostos conservadores que orientam a profissão desde suas origens. Ora, o planejamento, identificado mecanicamente com o modelo de planejamento incorporadopela parcela hegemônica do Serviço Social no período autoritário, não desfrutará de qualquer prestígio ou simples espaço de relevância no âmbito do Serviço Social que se colocava como elemento da transformação social. Assim, se reforma curricular que se segue à mudança do padrão hegemônico na 37 profissão no final dos anos 70, e durante quase toda a década de 80, o planejamento não adquire maior relevância. Na segunda metade dos anos 80, quando a realidade brasileira, do ponto de vista social e político já dava claros sinais de que o fim da ditadura não significava a transformação imediata da sociedade rumo a um novo sistema social político e econômico, ao mesmo tempo em que o mundo alardeava o “fim da história”, significando o fim das utopias que fundamentaram suas referências na teoria social crítica, ao Serviço Social coloca-se a necessidade imperiosa de rever alguns de seus pressupostos. Se, do ponto de vista político ideológico permanece o compromisso com uma perspectiva de transformação rumo a uma ordem social mais justa, é necessário re- instrumentalizar a profissão para atuar, no plano da realidade concreta, ou seja, uma atuação que acontece nos marcos da sociedade capitalista. Surge então o desafio: o Serviço Social, em seus pressupostos ético-políticos, defende e atua na perspectiva de uma transformação social, mas deve fazê-lo dentro das instituições do atual modelo social, o que requer um aprimorado sentido de competência em seus aspectos ético-políticos, mas também em seus aspectos técnicos. É dentro dessa perspectiva que o planejamento aparecerá, não apenas nos currículos das instâncias de formação, mas também nos instrumentos normativos da profissão, tais como a Lei 8662/93 que regulamenta a profissão de Assistente Social. O projeto profissional é o instrumento mais utilizado pelos Assistentes Sociais em sua prática, pois inúmeras vezes o processo de planejamento está implícito no cotidiano institucional, sem uma expressão formal. Deve-se recordar que o projeto concretiza as decisões, sinaliza para ações que operacionalizam a intenções e objetivos contidos nos planos. Por essa razão é ressaltada a importância do projeto profissonal estar vinculado ao planejamento, de modo que não se realize apenas ações pontuais e imediatas. Na ação cotidiana do Assistente Social, os sistemas de avaliação e controle devem ser coerentes com os objetivos que se quer atingir. Podem ser identificados em um primeiro momento: a avaliação da instituição em si, abarcando aspectos para os quais pode-se construir alguns indicadores, tais como coerência e pertinência social da sua missão, integração com o seu entorno, comunidade ou região, competência no desempenho de tarefas, atualidade de seus processos de trabalho, flexibilidade para incorporação de novas demandas, visibilidade e reconhecimento social e sua forma de 38 inserção na esfera pública. Tem como objetivo apreciar a capacidade de resposta e influência da organização. O outro foco de avaliação incide sobre os serviços prestados aos seus usuários, a partir da implementação de um sistema de planejamento. Um terceiro foco é a avaliação do próprio desempenho profissional, ajuizando, a partir dos resultados obtidos, as necessidades de aprimoramento, atualização e reciclagem. Pensar sobre o trabalho desenvolvido a partir de seus resultados e não de discursos sem relação com a realidade. A avaliação possibilitará ao profissional apreciar os fatores que são decorrentes de fragilidade de sua ação ou de fatores à mesma. Esse procedimento tem duas dimensões significativas: de um lado contribui para o aperfeiçoamento profissional individual e de outro para o da categoria, na medida em que relato da experiência pode ser partilhado e apreciado pelos demais profissionais. Seria simplista e mecânico associar a emergência e generalização dos chamados movimentos sociais urbanos à degradação das condições de vida. Talvez seja mais adequado afirmar que esses movimentos contribuíram (e seguem contribuindo), mais que qualquer exercício técnico ou acadêmico, para dar visibilidade a certas irracionalidades, expor carências novas e antigas (VAINER E SMOLKA, 1991, p.22 - GONÇALVES, 2005). É para esse grupo da sociedade que o Serviço Social, de modo especial se destina. Entendemos que a atualização que se impõe ao Serviço Social deve considerar a inserção da profissão no momento histórico atual, como valor a ser agregado, a visa potencializar a ação profissional dos Assistentes Sociais, isso sem perder de vista, os espaços já conquistados, referente a uma prática profissional que vem tentando se firmar e se legitimar, a partir de uma perspectiva de crítica às sociedades marcadas pela exclusão social e econômica da maioria das populações. 2.2. PERCEPÇÕES SOBRE O PLANEJAMENTO NA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL Optamos por aplicar a técnica de entrevista semi-estruturada junto aos Assistentes Sociais que por meio de convênio junto a Universidade Federal Fluminense, prestam supervisão de estágio. Considerando que o universo destes supervisores era restrito do ponto de vista quantitativo, então optei por trabalhar com 04 (quatro) 39 supervisores, sendo que 01 (um) deles não deu retorno ao meu convite para realizar a entrevista. Cabe ressaltar que mesmo se tratando de um universo restrito do ponto de vista quantitativo, do ponto de vista qualitativo este universo é muito significativo, por se tratar de profissionais que atuam em diferentes áreas e em diferentes tempos de atuação. A pesquisa foi desenvolvida com base em entrevistas abertas, na qual as perguntas foram respondidas dentro de uma conversação informal, onde a interferência do entrevistador foi mínima. As entrevistas foram orientadas por dois eixos: O primeiro se refere à importância que estes profissionais atribuem ao planejamento de ações na prática do Serviço Social e o segundo, refere-se à utilização do planejamento na sua prática. Estendi este segundo eixo para que, caso o profissional utilizasse o planejamento em sua prática, que explicasse a forma e em caso negativo que apresentassem uma causa. Desta forma foi possível obter o maior número de informações sobre o tema, segundo a visão do entrevistado, e também obter um maior detalhamento do assunto em questão. Para análise dos dados colhidos nas entrevistas utilizamos a proposta do método hermenêutico-dialético (O método hermenêutico-dialético é uma técnica de entrevistas que permite a interação dos entrevistados entre si (sujeitos da pesquisa) e destes com o pesquisador. Nesta técnica, o pesquisador, mesmo realizando entrevistas individuais com cada sujeito da pesquisa, possibilita que suas falas possam ser lidas pelos outros entrevistados, que elaboram uma síntese da sua e das demais respostas, conduzindo ou não modificações na sua resposta original.), mencionado na obra de Minayo (1994), que me possibilitou situar as falas dos entrevistados no seu contexto. Com base nos eixos que nortearam as entrevistas podemos observar que é unanimemente mencionado entre os entrevistados a importância que dão ao planejamento. Contudo dentre as falas dos 03 (três) entrevistados, apenas o primeiro esmiuçou sua compreensão acerca desta importância que é conferida ao planejamento. Em sua visão, o planejamento é de suma importância por lhe permitir organizar suas ações nos mais variados momentos, com base na sistematização de suas ações, documentação, ou seja, aqui fazem referência ao planejamento como uma importante técnica, um instrumento que quando apropriado por determinadas categorias profissionais, lhes confere maior possibilidade
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