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AULA 2 SUPPLY CHAIN MANAGEMENT ESSENTIALS (SCME) Prof.ª Rosinda Angela da Silva 2 CONVERSA INICIAL Anteriormente, estudamos os conceitos basilares dos supply chain management essentials (SCME). Então, agora, estamos prontos para compreender como a gestão da supply chain pode agregar valor aos negócios das organizações. Para atingirmos esse objetivo, alguns assuntos precisam ser discutidos, tais como: gestão da cadeia de valor e sua estrutura, pilares de sustentação dos SCME, importância da minimização dos gargalos, principalmente os logísticos, planejamento door to door e, por fim, roteirização nas entregas e o sistema milk run. TEMA 1 – A GESTÃO DA CADEIA DE VALOR A cadeia de valor é considerada como uma ferramenta de gestão e seu conceito foi criado por Michael Porter em meados da década de 1980. A proposta de Porter (1993) é que os gestores construam a cadeia de valor de suas empresas e, com isso, identifiquem os processos internos que efetivamente criam valor para os clientes e, depois de identificar tais processos, que geralmente são críticos, os mantenham em constante monitoramento e melhoria, já que, na maioria das empresas, são eles que impactam diretamente a criação de valor para o cliente. Para compreendermos como realizar a gestão da cadeia de valor de maneira eficiente, necessitamos conhecê-la ou revisitá-la para distinguir os seus processos críticos. 1.1 A estrutura da cadeia de valor A cadeia de valor é reconhecida visualmente por sua apresentação e discrimina as atividades primárias e de apoio de uma organização, conforme a Figura 1. 3 Figura 1 – Cadeia de valor de Porter Fonte: elaborado com base em Porter, 1993, p. 51. Com base na análise da Figura 1, percebe-se que a cadeia de valor é uma ferramenta estratégica de gestão porque apresenta um fluxo lógico e analisa como cada atividade da cadeia é realizada. Essas atividades são classificadas em primárias e de apoio e podem ser compreendidas da seguinte forma: as atividades primárias, segundo Pires (2016, p. 43), “[...] são aquelas envolvidas na criação física do produto, na movimentação física, no serviço de pós-venda”. Cada empresa atribuirá a importância de cada atividade primária de acordo com a sua realidade, o que torna a cadeia de valor uma ferramenta adaptável a diversos tipos de negócios. Consistem em atividades primárias da cadeia de valor: • Logística de entrada: refere-se ao relacionamento que a empresa focal tem com seus fornecedores, que precisa ser sinérgico e em sistema de aliança, uma vez que a empresa focal se torna, de certa forma, dependente da qualidade dos elos da sua cadeia. A logística de entrada se ocupa basicamente da logística de inbound e exige seu monitoramento completo, desde o envio do pedido ao fornecedor até o recebimento dos produtos ou serviços na empresa focal. • Operações: nesse quesito, refere-se ao cuidado que a empresa (focal ou não) precisa ter com os recursos que são utilizados no seu processo produtivo ou de atendimento. Como se espera criar valor para o cliente, se 4 produtos são entregues com defeitos, serviços são realizados com atraso ou com qualidade insuficiente? Nesse sentido, para estabelecer a cadeia de valor, é exigido que o gestor avalie como está a sua capacidade de manutenção preventiva, preditiva e corretiva, ou seja, qual se destaca mais? Além disso, ele deve verificar se são realizados testes em produtos e processos que validem a qualidade que a empresa se propôs a entregar ao cliente. Somente assim é possível conceber que operações contribuem para a empresa criar valor para o seu público-alvo. • Logística de saída: esse processo abrange todas as operações associadas à entrega do produto ou serviço ao cliente. Pode-se compreendê-la como a última etapa do produto nas dependências da empresa e por isso ela implica um processo crítico, uma vez que é a última chance que a equipe interna tem de revisar o produto (ver se o item está certo, a embalagem, adequada, a identificação e o endereçamento, corretos) para que não ocorram falhas de expedição. • Marketing e vendas: podemos considerar que esses dois setores, embora realizem atividades internas, são aqueles que mais mantêm contato com o cliente externo. O marketing se envolve nas atividades de promoção do produto ou serviço, bem como nas decisões estratégicas de quais canais de distribuição serão utilizados. Nesse sentido, compete ao marketing conhecer profundamente o mercado consumidor da empresa para lhe oferecer o produto correto e disponibilizá-lo no local adequado, ou seja, onde o cliente quer comprá-lo. Já o setor de vendas está em constante contato com os clientes, seja nos processos de negociação, seja no de administração dos pedidos. É visto, portanto, como um setor-chave para criar valor para o cliente. • Serviços de pós-vendas: também chamados de pós-compra, constituem uma atividade de extrema relevância para a organização estreitar o relacionamento com os clientes, porque lembra a empresa de que o processo não finaliza quando o produto ou serviço é entregue ao cliente, pois é preciso monitorar, também, qual o coeficiente de satisfação dele. Já as atividades de apoio, ainda segundo Pires (2016, p. 43), “[...] são as que dão suporte às primárias e também a elas próprias”. Na prática, são as demais atividades que mantêm a organização em constante movimento. Consistem em atividades de apoio da cadeia de valor: 5 • Infraestrutura: para que a empresa consiga manter suas operações em dia, é preciso ter uma infraestrutura adequada e que atenda às necessidades dos seus colaboradores. Isso abrange a realização de todas as atividades administrativas, contábeis, financeiras, de compliance, de gestão de riscos, de análise de dados, de proteção de dados, enfim, da gestão geral da organização. • Administração de recursos humanos: nesse quesito, a cadeia de valor evidencia que não há como criar valor para os clientes com colaboradores que não estejam devidamente qualificados. E esse processo se inicia com as atividades de recrutamento, seleção, integração e retenção dos profissionais certos, nas áreas certas. Considerando que uma empresa é feita de pessoas (os colaboradores) para pessoas (os clientes), percebe- se quão importante é esse elemento para criar valor para os clientes. • Tecnologia da informação: investir nas tecnologias apropriadas sempre será relevante para as organizações que buscam agregar valor ao seu produto ou serviço. Para isso, inúmeros recursos tecnológicos têm sido criados, nos últimos anos, para dar esse suporte à organização, como os sistemas informatizados para a realização das atividades internas da empresa, a automatização de processos fabris e até de recursos de autosserviço para que o cliente agilize o seu próprio processo de compra ou de aquisição de serviço. • Suprimentos: processo responsável pela aquisição de tudo aquilo que a empresa necessita para seu funcionamento. Isso engloba recursos básicos como os materiais de uso e consumo (material de escritório, limpeza, higiene, conservação, descartáveis), gastos gerais de fabricação, com máquinas, equipamentos, matérias-primas, tecnologia, serviços, entre tantos outros. Porter (1993) ainda comenta que a cadeia de valor das empresas deve ser gerenciada de forma sistêmica e não com acompanhamento de cada operação de maneira isolada, pois, para criar valor para o cliente final, é preciso que o fluxo não apresente interrupções e as operações apresentadas ocorram de forma cadenciada. E qual a relação entre a cadeia de valor e a cadeia de suprimentos? Para entendermos essa relação, precisamos considerar que cada elo da cadeia de suprimentos tem a sua própria cadeia de valor. Sendo assim, podemos entender 6 que a forma com que cada elo gerencia sua cadeia de valorpode impactar o coeficiente de qualidade entregue para a empresa focal. Devido a essa importante constatação, a cadeia de suprimentos precisa ser construída pela empresa focal com a participação dos seus elos principais (fornecedores e clientes mais próximos) para que os pilares de sustentação da sua gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management – SCM) sejam construídos juntos. Discutiremos esse assunto a seguir. TEMA 2 – OS PILARES DE SUSTENTAÇÃO Uma empresa focal que já tem seus SCME implementados se encontra na fase de monitoramento e crescimento de sua cadeia. Já uma empresa que está iniciando a formação da sua SCM ou reestruturando-a precisa ter claro os pilares que sustentarão suas operações no mercado. Aqui serão apresentados os principais pilares (mas não os únicos) que devem construídos pela empresa focal e seus elos mais próximos, em relação à gestão da sua cadeia de valor. 2.1 Principais pilares da SCM Quando pensamos na palavra pilar, certamente vem à nossa mente uma imagem parecida com a da Figura 2. Figura 2 – Modelo conceitual dos principais pilares dos SCME Créditos: Dzm1try/Shutterstock. 7 Sabendo que um cliente escolhe a empresa A em detrimento da empresa B pelo valor percebido do produto ou do serviço recebido, a Figura 2 evidencia que o objetivo de uma gestão da cadeia de valor é o atendimento ao cliente. É com base no coeficiente de qualidade com que a empresa focal determina como quer atender ao seu cliente é que os demais processos se movimentam. Para ilustrar essa situação, imagine que uma empresa focal determinou como coeficiente de qualidade (também chamado de nível de serviço) de suas entregas algo expresso como 100% imediato. Com base nessa determinação, todos os demais movimentos dessa empresa serão realizados visando atender a esse nível de serviço, o que significa dizer que os elos da SCM responsável pelo fornecimento (logística de inbound) terão que abastecer a empresa focal tão rapidamente que não falte produto para pronta-entrega. Da mesma forma, os responsáveis pela distribuição e entrega dos produtos ao mercado (logística de outbound) não poderão deixar pontos de venda desabastecidos, para que o cliente sempre encontre o produto disponível. Certamente, isso acrescenta custos aos elos de produção e à própria empresa focal; então, para minimizar esses custos, é preciso planejamento, o qual precisa envolver todos os elos da cadeia. O planejamento das ações da SCM deve se dar em conjunto com os outros elos, principalmente no tocante aos volumes de estoques adequados a se atender ao mercado, isso porque o estoque costuma ser o vilão dos custos, na SCM. Tal planejamento exigirá organização prévia por parte da empresa focal, que deverá estimar a perspectiva de venda num certo período, para informá-la às partes interessadas. Isso impactará os fatores cruciais da SCM, que são: a. os fornecedores e a sua capacidade de atendimento; b. a produção interna das fábricas ou as operações dos seus serviços e pontos de varejo; c. a capacidade dos canais de distribuição, para manter o produto o mais próximo possível do cliente. Considerando que um planejamento eficiente envolve o levantamento e a análise dos dados por toda a cadeia, a tecnologia tornou-se vital para viabilizar essa tarefa. Na atualidade, inúmeros sistemas informatizados estão à disposição das empresas visando melhorar o processo de coleta de dados (sistemas de venda, ticket médio, promoção, tipos de produto preferidos, pontos de venda, 8 público-alvo, logística reversa, entre tantos outros) e acelerando o processo de análise dos dados para tomada de decisão. A tecnologia auxilia também na integração entre a empresa focal e os elos da cadeia de gestão, por meio do uso dos sistemas informatizados que conectam toda a base de dados (respeitando as individualidades e os dados estratégicos de cada empresa, claro) e que impactam o planejamento e as decisões da SCM. Por exemplo, uma empresa focal consegue disponibilizar uma dada informação para os seus fornecedores e também para os seus canais de distribuição em tempo hábil e sem falhas, por meio do seu portal próprio de comunicação com eles. Assim, os elos da cadeia podem tanto acessar o portal para obter as informações ou serem cientificados, por meio de avisos automáticos, de que há novas informações à disposição. Isso dá agilidade a toda a cadeia e melhora a eficiência nos pedidos, tanto de compra quanto de venda. Outro pilar essencial de uma SCM é a forma com que a gestão ativa dos elos da cadeia é realizada e isso compete à empresa focal, pois lembre-se que, em uma cadeia de suprimentos, o elo mais fraco representa a força da cadeia. Sendo assim, é de responsabilidade dos gestores da empresa focal manter os elos fortalecidos por meio da informação atualizada, além de negociar novos contratos ou novos pedidos, envolvê-los nos novos projetos, buscar, em conjunto, melhoria das matérias-primas ou demais insumos, ampliar o nível de serviço entregue, encontrar novas formas de agregar valor ao cliente com o produto ou serviço. Tais objetivos somente serão alcançados por meio da gestão ativa para receber o melhor de cada elo da cadeia. A gestão ativa também possibilitará que a empresa focal construa um relacionamento de aliança estratégica com seus elos, pois é perceptível que, quanto mais envolvidos eles estão nos processos de decisão da cadeia, mais eles se comprometem com o sucesso deles. O desafio de um sistema de aliança estratégica é a exigência da mudança de postura dos elos envolvidos, por exemplo, com uma empresa focal disposta a desenvolver, homologar, prestigiar e manter seus fornecedores, bem como seus clientes intermediários (canais de distribuição). Da mesma forma, os fornecedores e clientes intermediários estarem emprenhados em buscar melhorias continuamente, para se manterem na SCM. Isso nos leva a refletir que uma SCM também tem riscos e fazer com que todos os elos se mantenham no ritmo não é algo fácil de conseguir. 9 Compreendidos esses elementos que envolvem sobremaneira a gestão da SCM, a saber: planejamento conjunto; tecnologia; integração; gestão ativa dos elos e aliança estratégica em torno deles, podemos compreender o porquê de a padronização e a qualidade das entregas estarem na base desses pilares. Será por meio de processos e operações padronizados que a empresa focal conseguirá que sua SCM atenda às necessidades do seu negócio. Já em relação à qualidade das entregas, temos que ter claro que, sem entregas no prazo e com produtos ou serviços que não atendam às expectativas criadas nos clientes, a SCM não agregará valor e não manterá a empresa focal na preferência desses clientes por muito tempo. TEMA 3 – A MINIMIZAÇÃO DOS GARGALOS O conceito de gargalo já é bastante difundido nas áreas produtivas e logísticas, pois é entendido como uma restrição ao sistema. Isso significa dizer que, em cada ponto do processo, seja de produção, seja de atendimento ao cliente, onde seja preciso aguardar alguma coisa, temos um gargalo. Para facilitar o entendimento dessa restrição, comumente é utilizada a imagem de uma garrafa porque, por mais que ela seja larga em uma extremidade, na outra há um estreitamento, que é por onde sai o líquido. Observe a Figura 3, que facilita a visualização dessa ideia. Figura 3 – Modelo conceitual de gargalo Créditos: Nexusby/Shutterstock. 10 E como esse conceito pode ser utilizado na SCM? Considerando que uma SCM é composta por diferentes elos, os quais possuem diferentes capacidades produtivas e de atendimento, a empresa focal pode ficar refém dos seus elos na cadeia. Diante dessa preocupação, um trabalho ostensivo é realizado, pela equipe de gestão da SCM, para manter o equilíbrio entre a sua necessidade e a capacidade dos seus aliados. Para compreendermosem linhas gerais como os gargalos podem ocorrer, observe a Figura 4, a qual traz um exemplo reduzido dos processos de uma SCM. Figura 4 – Elementos de uma SCM Fonte: Elaborado com base em Bertaglia, 2006, p. 25. A Figura 4 evidencia o planejamento como o início do processo. Cada fase do processo (comprar, produzir, distribuir) precisa ser detalhadamente planejada, para se evitar rupturas de fornecimento. Considerando que a empresa focal não produz tudo o que precisa, ela desenvolve sua rede de fornecedores e precisa monitorar a qualidade de entrega deles, para que ela não afete o seu processo produtivo. Diante disso, observe que a Figura 4 demonstra que o processo se inicia no fornecedor, lembrando que uma SCM pode ter dezenas de fornecedores envolvidos e a capacidade de entrega de todos eles deve ser monitorada. Isso porque, na cadeia, se um falhar, todos falham. Mas, como assim? Imagine uma indústria montadora de eletrodomésticos que recebe componentes de fornecedores diferentes. Caso um dos fornecedores, por algum motivo, falhe na entrega do material, isso criará um gargalo na montadora, pois uma fila de produtos semiacabados se formará, ou seja, a montadora poderá até montar algumas partes dos eletrodomésticos, mas não conseguirá finalizá-los, Planejar Fo rn ec ed o r C lien te Comprar Distribuir Produzir 11 pela falta do componente atrasado. Sendo assim, de nada adianta acelerar outros fornecedores ou até antecipar entregas de componentes que não permitirão que os produtos sejam finalizados. Quando isso acontece, na maior parte dos casos a empresa focal solicita postergação das entregas dos demais fornecedores, impactando todos os elos da cadeia. O caminho comumente utilizado pelas empresas focais é a manutenção de uma carteira de fornecedores atualizada, na qual há mais de uma opção para cada item crítico, minimizando, assim, o gargalo do fornecimento. A empresa focal pode, contudo, ter gargalos internos, os quais também precisam ser minimizados, por exemplo, a falta de capacidade: • financeira de pagar as compras; • de recebimento das mercadorias em determinados horários ou dias do mês; • de liberação das mercadorias pelo controle de qualidade, por insuficiência de recursos físicos (equipamentos metrológicos, por exemplo), de colaboradores capacitados, entre outros motivos; • de movimentação interna, por falta de equipamentos apropriados como empilhadeiras e paleteiras; • de estocagem, por falta de espaço para guardar as matérias-primas ou mercadorias que chegam à empresa; • de separação de pedidos, por carência de mão de obra preparada para isso; • de expedição de mercadorias, por carência de docas para atender às transportadoras, entre outros problemas. Outro gargalo que também afeta a SCM ocorre na distribuição, principalmente pela falta de integração entre os elos da cadeia. Isso impacta diretamente a disponibilidade dos itens da empresa focal, no mercado. Por exemplo, pouco adianta a empresa focal realizar um megaesforço, perante os seus fornecedores, para manter as entregas dos insumos de que precisa, em dia, bem como acelerar sua produção interna, se a distribuição do que produz também não for eficiente e eficaz. No entanto, nesse caso, não somente os canais de distribuição podem gerar gargalos, como a infraestrutura logística disponível na região de atendimento. Para ilustrarmos, se uma indústria está localizada na cidade de Videira, no Estado de Santa Catarina, e precisa enviar seus produtos 12 para a cidade de Serra, no Espírito Santo, há uma distância de 1.715 km de estrada entre essas duas cidades e mais de 22 horas de direção, com trechos de rodovias em boas condições e outros trechos, nem tanto. E essa situação é externa à empresa focal, pois não há garantias de que a carga chegará, exatamente no horário combinado, ao distribuidor, em Serra, até porque o veículo de carga certamente encontrará os gargalos normais de uma viagem com essa distância, como os pedágios, os desvios ou as paradas por obras, os possíveis acidentes, os trechos urbanos com limite de tráfego e velocidade, entre outras questões. Para minimizar esses e tantos outros gargalos é que a SCM pode encontrar o planejamento e o uso de tecnologias apropriadas a cada situação que se estabeleça, que ainda são as ferramentas mais indicadas para o gestor da SCM se organizar. TEMA 4 – O PLANEJAMENTO DOOR TO DOOR A expressão door to door, na logística, foi traduzida como entrega porta a porta; e, em um país com a extensão territorial do Brasil, pode ter certeza de que cumpri-la é um grande desafio. Na prática, a logística door to door é a operação realizada de forma completa (geralmente, por um operador logístico ou um agente de cargas), tanto em operações nacionais quanto internacionais. Para que esse tipo de operação obtenha êxito, é preciso planejamento eficiente e alianças com fornecedores e prestadores de serviços logísticos comprometidos, principalmente nas operações internacionais. Observe os exemplos a seguir: • Operação door to door no território nacional: a Natura é um exemplo de gerenciamento eficiente das operações nessa modalidade. No primeiro momento, a Natura (que é uma empresa focal) se mostra uma referência em vendas porta a porta; mas a logística de entrega dela também é porta a porta, pois, desde o momento em que a consultora registra o pedido no portal da empresa, até o recebimento dos produtos por ela, tudo é planejado e monitorado pela empresa. De acordo com Carvalho (2019), Para garantir que os pedidos cheguem corretamente na casa das consultoras, a Natura possui uma central de experiência. Tudo é acompanhado em tempo real. “Em um mesmo ambiente temos equipes de Supply Chain, sistemas e vendas. Todos os processos são monitorados em TVs”. A empresa também investiu em uma solução de rastreamento que reúne informações sobre potenciais atrasos e outros dados de entregas em um painel. A localização dos itens pode ser 13 visualizada pelas revendedoras ou clientes durante o pedido. “Conseguimos saber exatamente onde está o produto. As informações são disponibilizadas na plataforma de e-commerce e no app, que hoje é utilizado por 40% das nossas consultoras. Com isso, percebe-se a preocupação da Natura com a qualidade da sua distribuição, uma vez que a empresa se responsabiliza pela agilidade no recebimento, faturamento, triagem, separação, embalagem, expedição, transporte, rastreamento e entrega dos produtos na casa da consultora. • Operação door to door no território internacional: em uma operação internacional, é muito mais prático a empresa focal contratar um operador logístico especializado para realizar a operação por completo do que fazer isso por conta própria. Certamente, algumas empresas focais realizam grandes volumes de negociações internacionais e, para isso, possuem seus próprios setores de comércio exterior (Comex) internos. Ainda assim, elas precisam estabelecer parcerias com empresas especializadas que possam intermediar suas operações nos outros países, por exemplo em uma importação marítima advinda da Itália para o Brasil. O operador logístico contratado se encarregará das seguintes operações: a. coleta da mercadoria no fornecedor, na cidade onde ele estiver localizado, que pode ser próxima ou distante do porto; b. emissão da documentação apropriada (commercial invoice; packing list; bill of lading; certificate of origin, entre outros documentos); c. transporte da mercadoria do fornecedor até o porto; d. monitoramento do transporte marítimo, se a mercadoria parou em outro porto ou se veio direto para o Brasil, se trocou de navio ou está no mesmo que saiu da Itália etc.; e. acompanhamento da chegada do produto ao porto brasileiro; f. registro e nacionalização do produto; g. liberação dacarga, no porto brasileiro; h. transporte da mercadoria do porto brasileiro até a cidade da empresa focal; i. entrega da carga no destino discriminado pela empresa focal; j. devolução do contêiner; k. fechamento dos custos; l. documentação final do processo. Todas essas operações realizadas pelo operador logístico precisam atender à legislação vigente tanto no país de origem da carga quanto no seu país 14 de destino, garantindo à empresa contratante a comodidade de monitorar a movimentação dessa carga e recebê-la em suas instalações. Ademais, em uma SCM, é comum as empresas focais obterem parte dos insumos de fornecedores internacionais; sendo assim, esse tipo de operação é corriqueiro. Embora corriqueira, ela pode enfrentar alguns desafios, principalmente quando a parte final da logística door to door ocorrer em algum grande centro urbano. Nesse contexto, o desafio mais complexo é a logística de última milha, ou last mile logistic. E você imagina os motivos disso? Discutiremos alguns pontos que justificam porque essa atividade logística se mostra desafiante. A logística de última milha significa a etapa da logística que é responsável por colocar os produtos nas mãos do consumidor. É considerada um desafio para os gestores no mundo todo, pois, cada vez mais, o volume de compras que exigem entregas aumenta e a complexidade do trânsito nas grandes cidades, também. Até o ano de 2020, a logística de última milha era uma preocupação de muitas empresas, mas não a ponto de se criar um comitê ou grupo de trabalho para buscar soluções imediatas para ela. Tudo era para o futuro. No entanto, no início de 2020, a pandemia causada pela Covid-19 colocou sob questionamento o modus operandi das entregas vigente, até então, em todo o mundo. Os lockdowns realizados em diversos países do mundo e as restrições sanitárias impostas a toda a sociedade, inclusive no Brasil, exigiram que as empresas se reorganizassem rapidamente e se tornassem virtuais. Pense que a virtualização ocorreu no processo da compra, em que os consumidores passaram a utilizar a internet como seu principal canal de compras; mas as entregas continuaram no mesmo modelo, ou seja, realizadas de forma física. E isso causou grandes transtornos para as empresas que não estavam preparadas para entregar o volume de compras, pelos canais digitais, que disparou, como aquelas realizadas via aplicativos, sites, redes sociais, entre outros canais. O início da pandemia foi desafiador para as empresas responsáveis pelas entregas e algumas soluções surgiram, como o conceito de crowdsourcing, que foi explicado por Neves (2021, p. 16) da seguinte forma: como o “[...] ato de tornar uma tarefa tradicionalmente realizada por agentes selecionados, com um funcionário ou contratado, transferindo-a para um número desconhecido, mas significativo de pessoas por meio de recrutamento aberto”. O case a seguir facilitará o entendimento do conceito de crowdsourcing e sua conexão com o last mile logistic. 15 Era um sábado, início de dezembro passado (dez/2020) perto das 12h a campainha toca em minha casa, eu me levanto do sofá e caminho em direção à porta. No curto trajeto entre a sala e o portão, sinto o celular vibrar. Paro para olhar a mensagem: é o aplicativo de uma determinada empresa de comércio eletrônico informando que três encomendas, recentemente feitas, haviam sido entregues. Quando eu ia questionar as entregas não realizadas, escuto alguém dizer: “Sr. Marco, bom dia! Tenho três pacotes para você! Um senhor, de fisionomia conhecida me esperava na entrada de casa, à frente do seu Fiat Palio preto, do qual estava retirando três pacotes. Com um celular, ele já tinha confirmado a entrega e reportado à empresa, que, na sequência, me notificou. Ou seja, recebi a confirmação da entrega antes mesmo da entrega ser realizada! Fantástico, não é? (Neves, 2021, p. 15) No relato de Neves (2021), percebemos que o crowdsourcing foi uma das soluções encontradas pelo comércio eletrônico para viabilizar a entrega das compras do Sr. Marcos, uma vez que o motorista do Fiat Palio preto era um autônomo realizando uma entrega e não o colaborador de uma empresa prestadora de serviços logísticos. Essa solução (crowdsourcing) tem sido uma das alternativas encontradas para viabilizar a entrega de mercadorias nos grandes centros urbanos, que, muitas vezes, possuem restrições de horário de acesso às vias centrais, rodízio de placas, entre outras situações. Pois, só para reforçar: as compras foram virtualizadas; mas, as entregas, não! TEMA 5 – A ROTEIRIZAÇÃO NAS ENTREGAS E O SISTEMA MILK RUN A palavra roteirização nos lembra um caminho a ser percorrido, não é mesmo? Sim, e é isso mesmo! Então, de forma simplificada, podemos compreender a roteirização como a definição de uma rota a ser percorrida, a qual pode ser utilizada no contexto pessoal e organizacional. No contexto pessoal, podemos usar os exemplos de roteirização quando queremos chegar do ponto A ao ponto B, como em uma viagem com a família. O motorista (ou os motoristas) quer(em) dirigir no menor tempo possível e em vias de melhores condições, porque isso economiza combustível e aumenta a segurança da viagem. Já no contexto organizacional, a roteirização auxilia a maximizar o uso dos veículos de carga, a reduzir o tempo das entregas e os custos de transporte, o que, no Brasil, é um dos maiores desafios logísticos. Tanto empresas quanto pessoas físicas se beneficiam dos processos de roteirização e, para isso, na atualidade, podem contar com recursos tecnológicos, que são os roteirizadores, ferramentas que mostram as melhores rotas existentes com base em um banco de dados já existente. Na prática, essas ferramentas são 16 softwares que consideram as variáveis segundo um trajeto especificado e sugerem os melhores caminhos para os motoristas ou gestores de frotas. Nos processos logísticos, a roteirização é ferramenta indispensável para agilizar as entregas das mercadorias, seja no ambiente business to business (B2B), que significa de empresa para empresa; seja no ambiente business to costumer (B2C), que significa da empresa para o consumidor final. Lembrando que reduzir o tempo de entrega impacta diretamente o coeficiente de qualidade considerado pelo cliente, o uso dos roteirizadores tornou-se prática comum entre as empresas que realizam entregas. Discutiremos, a seguir, a importância desse processo. 5.1 Roteirização das entregas A atividade de entrega de mercadorias é essencial para as empresas tanto para o recebimento de seus insumos, quanto para a distribuição dos seus produtos acabados, ou seja, impacta tanto a logística de inbound quanto a de outbound, não é mesmo? E, para a realização de entregas eficientes e eficazes, a roteirização é uma ferramenta indispensável, como já citado. Nesse sentido, Brasil e Pansonato (2018, p. 137) colaboram explicando que “o objetivo primário da roteirização de veículos é encontrar o melhor roteiro entre o ponto de origem e o(s) ponto(s) de destino, por meio de menor custo e com o melhor nível de serviço possível”. Novaes (2004), por sua vez, cita que alguns segmentos de negócio necessitam realizar várias entregas no mesmo dia, o que só é possível otimizar o tempo por meio da roteirização, tais como: • coleta do lixo urbano; • serviços de entregas dos correios; • entrega das compras do e-commerce; • distribuição de combustível nos postos; • distribuição de bebidas em bares e restaurantes; • abastecimento dos caixas eletrônicos com cédulas de dinheiro; • abastecimento de hospitais e clínicas com os insumos necessários; • abastecimento das máquinas de autosserviço de alimentos e bebidas; • abastecimento das lojas de conveniências com pães, salgados e bebidas. Os segmentos citados são apenas alguns que se beneficiam otimizando o tempo e o custo do transporte medianteuso de uma roteirização eficiente, mas 17 exemplificam bem a importância de uma roteirização eficiente. Uma aplicação bem interessante do sistema de roteirização ocorre com a prática da milk run, a qual discutiremos na sequência. 5.2 Sistema milk run Entendemos que roteirizar é o ato de criar uma rota/um caminho que informe ao motorista qual a sequência de paradas para entregar ou coletar mercadorias. Pois bem, muitas empresas (principalmente indústrias) utilizam um sistema que uniu as duas atividades (entregar e coletar): a milk run, traduzida como corrida do leite. No contexto da logística, a corrida não é somente do leite e, sim, de toda e qualquer operação que seja realizada com o envolvimento de elos da SCM. E você já ouviu falar desse sistema? Vamos compreender seu conceito e seu funcionamento. Pires (2016) explica que milk run é uma antiga prática da logística de inbound em que há um sistema de abastecimento com roteiros e horários predefinidos, para as coletas de materiais de fornecedores. Observe a Figura 5, que ilustra a diferença entre o sistema de entrega tradicional e a prática da milk run. Figura 5 – Comparação entre a entrega individual e a milk run Crédito: Elias Dahlke. Ao se analisar a Figura 5, percebe-se que, no modelo de entrega individual, cada fornecedor faz a entrega dos suprimentos para a empresa focal por conta própria, enviando ao destino um veículo de carga e retornando para a base. Isso 18 pode ocorrer também com o uso de transportadora, que entregará os suprimentos na empresa focal e seguirá adiante, na sua programação de entregas. Já o funcionamento da milk rum, representada por uma figura circular, indica que um veículo de carga pode partir da empresa focal, cumprir um roteiro lógico de coleta de materiais em seus fornecedores e voltar para a empresa. A prática da milk run tem sido utilizada pelas empresas focais principalmente quando elos da logística de inbound são responsáveis por parte do processo de produção. E, nesse caso, no momento de coletar o material já montado, deixam-se componentes para que o fornecedor possa produzir seus bens no dia seguinte ou até a próxima coleta. Entre os seus benefícios para os elos envolvidos, temos: organização, integração, compartilhamento de know-how, redução de custo de transporte, melhoria na qualidade do fornecimento, redução de volumes de estoques, redução de avarias de produtos, entre tantos outros. 19 REFERÊNCIAS BERTAGLIA, P. R. Logística e gerenciamento da cadeia de abastecimento. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006. BRASIL, C.; PANSONATO, R. Logística dos canais de distribuição. Curitiba: InterSaberes, 2018. CARVALHO, I. Como a Natura usa tecnologia para aprimorar sua logística e alcançar mais clientes. StartSe, 27 set. 2019. Disponível em: <https://www.startse.com/noticia/nova-economia/natura-logistica-tecnologia>. Acesso em: 16 jun. 2022. NEVES, M. A. O. Logística de crowdsourcing: o remédio para todo os males da última milha? Revista Mundo Logística, Maringá, v. 14, n. 80, jan./fev. 2021. NOVAES, A. G. Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição: estratégia, operação e avaliação. Rio de Janeiro: Campus, 2004. PIRES, S. R. I. Gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management): conceitos, estratégias, práticas e casos. São Paulo: Atlas, 2016. PORTER, M. E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993.