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ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar a proposta das ciências da natureza no contexto do ensino fundamental de nove anos. > Descrever as unidades temáticas presentes na área das ciências da na- tureza. > Reconhecer o trabalho docente na área das ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos. Introdução A proposta do ensino fundamental de nove anos tem como um de seus objetivos a desfragmentação do ensino. Até pouco tempo, cada componente curricular era tratado de forma isolada e os conteúdos eram relacionados conforme o ano de ensino. Em ciências, essa compartimentalização era evidente, com o 6º ano estudando a Terra e outros aspectos do sistema solar e do universo, enquanto no 7º ano estudava-se os seres vivos, no 8º ano abordava-se o corpo humano e aspectos relacionados à saúde e no 9º ano focava-se em química e física. Normalmente, neste último ano alguns conhecimentos nestas duas áreas já eram aprofundados, com o propósito de preparar o aluno para o ensino médio. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos Claudia Vera Jankowski Entretanto, apesar dessa aparente organização curricular, cada escola fazia sua proposta de trabalho com esses conteúdos, na sequência que o professor considerasse a melhor. Assim, alunos moradores da mesma cidade mas que estudavam em instituições diferentes tinham roteiros de aprendizagem dis- tintos. O ponto em comum era o foco na transmissão dos conteúdos, que nem sempre eram contextualizados e faziam sentido para o estudante. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo de toda a educação básica, representa o início de uma sistematização para a mu- dança de perspectiva na educação brasileira. No caso do ensino de ciências, representa um grande avanço, embora com muitos desafios. De qualquer forma, é o prenúncio de uma formação científica possível e transformadora no desenvolvimento dos alunos. Neste capítulo, você vai compreender como o ensino de ciências está con- textualizado dentro da proposta do ensino fundamental de nove anos, de que forma a proposta pedagógica dessa área de conhecimento está estruturada na BNCC e qual é o papel do professor nessa nova perspectiva educativa. As ciências da natureza no contexto do ensino fundamental de nove anos Uma das premissas que servem de base para o ensino fundamental de nove anos é a oportunização do letramento em todas as áreas de conhecimento, envolvendo anos iniciais e finais. A expectativa é que as crianças não sejam somente alfabetizadas, mas que saibam fazer uso deste conhecimento em seu dia a dia. Alfabetização e letramento são processos distintos, embora complementa- res e inseparáveis. Uma criança alfabetizada pode reconhecer os símbolos que representam cada letra e escrever palavras e frases, mas não necessariamente ela compreende o processo de escrita nem interpreta a mensagem subja- cente ao texto. Portanto, saber ler e escrever vai muito além dos processos relacionados a codificação e decodificação de sons e letras. Neste sentido, o letramento passa a desempenhar um papel fundamental, que é dar sentido ao aprendizado e mostrar ao aluno como ele pode fazer uso deste conhecimento em seu contexto de vida. Portanto, o letramento extrapola a concepção de alfabetização como saber ler e escrever, mostrando que é preciso ir além, como saber interpretar, analisar e aplicar o que aprendeu. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos2 Segundo Barrera, Ribeiro e Viana (2017), o conceito de letramento diz respeito aos conhecimentos relacionados ao uso e à função social da língua escrita. Nesse sentido, argumentam que na verdade as crianças aprendem sobre a linguagem oral e escrita antes mesmo da escolarização formal. É neste contexto que entra o desenvolvimento de competências no ensino, um dos fundamentos pedagógicos da BNCC, documento que norteia todas as propostas pedagógicas do ensino fundamental. A BNCC define o conjunto de aprendizagens essenciais que precisam ser desenvolvidas pelos estudantes no decorrer da educação básica. Essas aprendizagens essenciais levarão ao desenvolvimento de competências gerais, permitindo ao estudante pensar e agir sobre seu cenário de vida, contextualizando seu processo de apren- dizagem de forma que ele possa refletir e agir sobre situações do dia a dia. São estas competências que vão permitir o letramento nas diferentes áreas do conhecimento. Segundo a BNCC: [...] competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, documento on-line). No caso das ciências da natureza, espera-se o desenvolvimento do letra- mento científico, que “envolve a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo” (BRASIL, 2018, documento on-line). Além disso, como o foco é o desenvolvimento de competências e não a pura transmissão de conteúdos desconexos da realidade local, os conhecimentos desenvolvidos atuam como meio para o processo de ensino e aprendizagem, e não como o objetivo final. Assim, no decorrer do ensino fundamental de nove anos, o estudante precisa ter acesso aos diversos conhecimentos científicos desenvolvidos ao longo da história, por meio de atividades investigativas, que ganham complexidade com o passar do tempo. O ponto central é elaborar situações de aprendizagem que tenham como ponto de partida situações-problema que exijam observação, análise, levantamento de hipóteses, organização de resultados e propostas de intervenção que sejam plausíveis e dentro Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos 3 das possibilidades da comunidade em que os estudantes fazem parte. Portanto, como afirma Ward (2010), uma atividade investigativa é mais do que uma aula em laboratório, pois ela exige um preparo e um envolvimento dos alunos no decorrer de toda a execução. Desta forma, gera-se motivação e uma aprendizagem mais significativa, proporcionando o desenvolvimento de competências relacionadas ao letramento científico. Segundo a BNCC (BRASIL, 2018), o ensino de ciências no decorrer dos nove anos do ensino fundamental precisa proporcionar situações de aprendizagem envolvendo: � definição de problemas, em que os alunos possam observar o ambiente em que vivem, fazer questionamentos e levantar hipóteses; � levantamento e análise de dados, elaboração de explicações e repre- sentação por modelos; � formas de comunicar resultados, com participação em discussões e preparação de relatos orais e escritos; � desenvolvimento de ações intervencionistas por meio de diferentes ferramentas, inclusive digitais, visando resolver situações cotidianas e melhorar a qualidade de vida e do ambiente. Nessa proposta, o ponto de atenção é o desenvolvimento do aluno como um sujeito articulado, reflexivo e transformador de sua realidade. Por isso, o processo de ensino e aprendizagem é baseado em competências que pre- cisam ser desenvolvidas ao longo dos anos de ensino, a partir dos conteúdos organizados por temas que se distribuem nos nove anos. Assim, o conhecimento deixa de ser oportunizado em blocos e passa a ser contemplado no seu todo, ao longo do processo formativo na área específica. Em se tratando do ensino de ciências, as mudanças foram significativas, não somente em termos de organização de temas, mas também no que diz respeito à proposta pedagógica. O conteudismo dá lugar ao letramento científico e a um ensino contextualizado dentro da realidade do aluno. Para que os currículos escolares consigam satisfazer essa perspectiva de ensino, as aprendizagens essenciais que precisam ser oportunizadas ao longo dos nove anos foram organizadas em unidades temáticas por área de conhecimento. Cada unidade temática traz osobjetos de conhecimento que devem ser contemplados naquele ano de ensino, ou seja, os conteúdos que servirão de base para o desenvolvimento de determinadas habilidades. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos4 Vejamos no Quadro 1 um exemplo dessa organização para o 1º ano. Quadro 1. Ciências 1º ano — exemplo de organização de unidade temática Unidade temática Objeto de conhecimento Habilidades Matéria e energia Características dos materiais (EF01CI01) Comparar características de diferentes materiais presentes em objetos de uso cotidiano, discutindo sua origem, os modos como são descartados e como podem ser usados de forma mais consciente. Neste ponto, fica evidente a mudança de foco no processo de ensino e aprendizagem, que deixa de ser o conteúdo para se voltar ao sujeito que aprende. Neste caso, ao se estudar as características dos materiais, o objetivo é propor atividades que promovam o desenvolvimento da capacidade de comparação, de forma que, ao analisar os objetos de seu dia a dia, o aluno consiga caracterizar os diferentes materiais que os compõem, levando em consideração sua origem, e a partir dela entender como eles podem ser descartados corretamente e/ou utilizados de forma consciente, evitando desperdícios e o consumismo. O interessante é que não importa onde o aluno more, se numa cidade do interior ou numa capital, nem sua condição socioeconômica — todos que estiverem no 1º ano do ensino fundamental irão estudar esse objeto de co- nhecimento para desenvolver essa habilidade. Nesse sentido, a proposta de ensino se torna mais democrática, pois todos terão o desenvolvimento das mesmas habilidades, diferenciando-se somente na realidade do ambiente em que vivem. Nesta seção, vimos as mudanças na abordagem do ensino de ciências da natureza na proposta de ensino fundamental de nove anos, onde o foco na memorização e na transmissão de conteúdos passa para uma educação contextualizada, que faça sentido para o aluno. Dentro da BNCC, este conhe- cimento está organizado em unidades temáticas que norteiam os currículos escolares e o trabalho pedagógico do professor. Na próxima seção, vamos Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos 5 conhecer quais são as unidades temáticas das ciências da natureza, como elas estão estruturadas e orientações para organizar os espaços de ensino e aprendizagem. As unidades temáticas no ensino de ciências da natureza As unidades temáticas propostas pela BNCC em 2017 são formadas pelos objetos de conhecimento, que envolvem os conteúdos, conceitos e processos, e pelas habilidades a eles relacionadas. Segundo a BNCC: “As habilidades expressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos escolares” (BRASIL, 2018, documento on- -line). Portanto, as habilidades são mais específicas do que as competências, pois estão relacionadas ao saber fazer. O desenvolvimento de um conjunto de habilidades permite o domínio de uma competência. Para um aluno con- seguir elaborar uma proposta de solução para um problema ambiental na comunidade em que vive, por exemplo, ele precisa conhecer as características daquele ambiente, entender as causas daquele problema ou levantar hipó- teses, analisar o contexto para elaborar uma proposta de solução, planejar a execução da ação e saber registrar este plano de ação de forma que possa ser executado. Desse modo, uma competência envolve o aprendizado de muitas habilidades. A proposta das ciências da natureza na BNCC está organizada em três unidades temáticas, que se repetem nos anos iniciais e nos anos finais. São elas: matéria e energia; vida e evolução; Terra e universo. Matéria e energia Esta unidade temática tem por objetivo estudar a natureza da matéria e o uso da energia em nossa vida diária. São contemplados estudos relacionados à utilização e processamento dos recursos naturais e energéticos, tendo em vista a sustentabilidade e os aspectos históricos de sua exploração. Nos anos iniciais, o desenvolvimento dos conteúdos tem por base ex- plorar mais os elementos concretos que fazem parte do entorno em que a criança vive, como a sua casa, os aspectos de seu bairro e de sua cidade. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos6 Nos anos finais, este olhar se amplia tendo por perspectiva a compreensão do ambiente como um todo, bem como os impactos das ações antrópicas sobre a qualidade de vida. Aborda-se também de que forma as tecnologias utilizadas pelo ser humano em suas atividades podem contribuir ou não para a preservação ambiental. Os objetos de conhecimento explorados na unidade temática “Matéria e energia” são: � 1º ano — características dos materiais; � 2º ano — propriedades e usos dos materiais, prevenção de acidentes domésticos; � 3º ano — produção de som, efeitos da luz nos materiais, saúde auditiva e visual; � 4º ano — misturas, transformações reversíveis e não reversíveis; � 5º ano — propriedades físicas dos materiais, ciclo hidrológico, consumo consciente, reciclagem; � 6º ano — misturas homogêneas e heterogêneas, separação de materiais, materiais sintéticos, transformações químicas; � 7º ano — máquinas simples, formas de propagação do calor, equilí- brio termodinâmico e vida na Terra, história dos combustíveis e das máquinas térmicas; � 8º ano — fontes e tipos de energia, transformação de energia, cálculo de consumo de energia elétrica, circuitos elétricos, uso consciente de energia elétrica; � 9º ano — aspectos quantitativos das transformações químicas, estru- tura da matéria, radiações e suas aplicações na saúde. Analisando-se os objetos de conhecimento desta unidade temática no decorrer dos nove anos, pode-se perceber que a complexidade dos temas aumenta com o tempo. Alguns objetos são revisitados, mas as habilidades desenvolvidas são de níveis de complexidade diferentes. No 4º ano, por exemplo, é apresentado aos alunos o conceito de mistura, de forma que eles identifiquem as misturas conhecidas de seu dia a dia, observando sua composição. No 6º ano, este estudo é aprofundado abordando-se os tipos de misturas homogêneas e heterogêneas, sua identificação e formas de separar seus componentes, nem sempre visíveis. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos 7 Vida e evolução Nesta unidade temática, concentram-se os estudos relacionados aos seres vivos em geral, inclusive os seres humanos. O foco são as características de cada grupo, os processos evolutivos, os diferentes ecossistemas, as interre- lações entre seres vivos e ambiente e a biodiversidade. Nos anos iniciais o estudo das características dos seres vivos ocorre a partir das vivências dos alunos, suas representações e observações orientadas. Aspectos ligados à saúde e ao corpo também são contemplados, reforçando- -se o respeito pelas diferenças. Nos anos finais, a compreensão da ação antrópica no ambiente é estudada de forma mais aprofundada e crítica. São abordadas questões relacionadas a consumismo, exploração ambiental predatória e qualidade ambiental dos centros urbanos. A reprodução humana e a sexualidade também são estu- dadas, além de questões relacionadas a condições sanitárias e importância do saneamento básico, da qualidade do ar, da água e da alimentação. O uso dos conhecimentos científicos na elaboração de propostas intervencionistas é estimulado, reforçando-se o desenvolvimento da cidadania e da respon- sabilidade com todos. Os objetos de conhecimento explorados na unidade temática “Vida e evolução” são: � 1º ano — corpo humano, respeito à diversidade; � 2º ano — seres vivos no ambiente, plantas; � 3º ano — características e desenvolvimento dos animais; � 4º ano — cadeias alimentares simples, microrganismos; � 5º ano — nutrição do organismo, hábitos alimentares, integração entre os sistemas digestório, respiratório e circulatório; � 6º ano — célula como unidade da vida, interação entre os sistemas locomotor e nervoso, lentescorretivas; � 7º ano — diversidade de ecossistemas, fenômenos naturais e impactos ambientais, programas e indicadores de saúde pública; � 8º ano — mecanismos reprodutivos, sexualidade; � 9º ano — hereditariedade, ideias evolucionistas, preservação da biodiversidade. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos8 Pode-se perceber que, à medida que os anos avançam, a importância da abstração se faz mais presente. No 1º e 2º anos, estuda-se o corpo humano, seres vivos no ambiente e plantas, considerando-se o mundo visível sem a ajuda de instrumentos. No 4º ano, os microrganismos são abordados já pressupondo-se o uso lupas, microscópios ou atividades de observação. É no 6º ano que a célula como unidade básica dos seres vivos é apresentada, exigindo uma capacidade de abstração maior e conhecimentos que serão retomados no 9º ano, com a hereditariedade. Terra e universo Nesta unidade temática, são explorados objetos de conhecimento relacionados aos estudos sobre a Terra, a Lua, o Sol e outros corpos celestes. Atividades de observação do céu, da Terra e dos ambientes são recomendadas, de forma que o aluno possa entender além dos espaços onde vive e interage. A história da ciência se faz presente, compreendendo-se como se dá o pro- cesso de construção do conhecimento no decorrer do tempo, considerando-se as tecnologias de cada época, a ciência conhecida, as crenças e as culturas locais vigentes. O planeta Terra é estudado em sua estrutura, composição, formação e evolução. Ressalta-se a transformação dos ambientes decorrente da ação humana e a dinâmica natural do planeta, como terremotos, tsunamis e furacões. Nos anos iniciais, explora-se a curiosidade dos alunos pelos fenômenos terrestres e corpos celestes, desenvolvendo a abstração e a observação do céu e das regularidades relacionadas ao dia e à noite, aos movimentos de rotação e translação e a importância do Sol em diferentes culturas. Nos anos finais, enfatiza-se o estudo do solo, os ciclos biogeoquímicos, os efeitos do clima e suas consequências e a sustentabilidade, proporcionando uma visão mais ampla e sistêmica do planeta. A compreensão sobre o sistema solar, a galáxia e o universo é aprofundada, assim como a evolução dos conhecimentos científicos relacionados a esses temas. Os objetos de conhecimento contemplados na unidade temática “Terra e universo” são: � 1º ano — escalas de tempo; � 2º ano — movimento aparente do Sol no céu, o Sol como fonte de luz e calor; � 3º ano — características da Terra, observação do céu, usos do solo; � 4º ano — pontos cardeais, calendários, fenômenos cíclicos e cultura; Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos 9 � 5º ano — constelações e mapas celestes, movimento de rotação da Terra, periodicidade das fases da Lua, instrumentos ópticos; � 6º ano — forma, estrutura e movimentos da Terra; � 7º ano — composição do ar, efeito estufa, camada de ozônio, fenômenos naturais (vulcões, terremotos e tsunamis), placas tectônicas e deriva continental; � 8º ano — sistema Sol, Terra e Lua, clima; � 9º ano — composição, estrutura e localização do sistema solar no universo, astronomia e cultura, vida humana fora da Terra, ordem de grandeza astronômica, evolução estelar. Observa-se que alguns objetos de conhecimento são retomados no decor- rer dos anos de ensino, mas a complexidade do estudo e o nível de abstração crescem de forma proporcional. Entre o 1º e 4º anos, estuda-se as escalas de tempo, os movimentos aparentes do Sol e a observação do céu. No 5º ano, são abordadas constelações e os movimentos da Terra, cuja estrutura passa a ser detalhada a partir do 6º ano, avançando no 9º ano com a estrutura do sistema solar, universo e evolução estelar. Embora essas unidades temáticas sejam abordadas separadamente no contexto da sala de aula, todas se conversam entre si e são trabalhadas no decorrer do ano letivo. Discussões relacionadas à sustentabilidade, por exemplo, são contempladas nas três unidades temáticas e em todos os anos de ensino. Os objetos de conhecimento, apesar de estarem organizados dentro das unidades temáticas, são complementares, desenvolvendo habili- dades que se agregam no decorrer dos nove anos. Tendo em vista essa proposta de ensino que tem como parâmetros o desenvolvimento de competências e o letramento científico, é preciso pensar sobre o trabalho do professor diante desses desafios e os direcionamentos necessários em sua formação. Nesta seção, compreendemos como as unidades temáticas de ciências da natureza estão estruturadas e as orientações de como desenvolver os conhecimentos com os alunos dos anos iniciais e finais. Como eles estão em momentos diversos de desenvolvimento, é preciso direcionar a abordagem para atender as especificidades de cada faixa etária. Na próxima seção, vamos discutir a ação do professor de ciências da natureza dentro da proposta de ensino fundamental de nove anos, bem como as atividades recomendadas e a necessidade de um olhar avaliativo formativo. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos10 A ação docente no ensino de ciências da natureza O ensino fundamental de nove anos trouxe mudanças não somente para a estrutura curricular, mas também para o trabalho docente, para a formação de professores e para o entendimento do que é ensinar e aprender. Até a formalização da BNCC em 2017, o ensino de ciências era pautado na memori- zação, na replicação de atividades práticas e na apresentação dos conteúdos de forma descontextualizada e desconexa com a realidade do aluno. Já com o advento da BNCC, isso deu lugar a uma proposta totalmente diversa. A organização curricular por unidades temáticas — com objetos de co- nhecimento associados a habilidades que precisam ser desenvolvidas para que os alunos tenham as competências necessárias para interferir na sua realidade — é um contexto novo que pode trazer inseguranças sobre como precisa se dar a ação docente. Segundo Zabala e Arnau (2014), um dos princípios do ensino por competências é o professor ser capaz de identificar situações- -problema próximas à realidade, levando em consideração sua complexidade. Portanto, ao organizar a abordagem a ser adotada para determinado conteúdo, o docente precisa considerar o nível de dificuldade que será explorado e a forma como este conhecimento será utilizado no desenvolvimento das habilidades e competências. Por esse motivo, é importante que ele compreenda quem é este aluno-alvo, que tipo de atividade ele precisa contemplar e o que considerar na abordagem dos conteúdos. Como as atividades propostas precisam estar em conformidade com o contexto dos alunos, são pontos importantes partir de conhecimentos pré- vios, compreender as motivações e curiosidades e oferecer desafios, apesar dessas ações ainda não fazerem parte da realidade de todos os professores (ZABALA; ARNAU, 2014). Ao começar os estudos no anos iniciais, a criança já chega com uma vivên- cia de mundo formada por conhecimentos, curiosidades e experiências que precisam ser considerados e explorados. Por isso, as atividades de ciências devem contemplar esse arcabouço trazido por elas, ampliando os conhe- cimentos e a compreensão sobre o ambiente em que vivem e outros que poderão ser investigados. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos 11 As atividades investigativas precisam estar presentes no cotidiano escolar, de forma que os conhecimentos científicos sejam apresentados e vivencia- dos num contexto em que o aluno se identifique e assim transponha o seu aprendizado. As propostas devem despertar sua curiosidade, capacidade de observação, raciocínio lógico, bom uso de tecnologias e senso colaborativo. Nunca é demais ressaltar a importância do letramento científico estar sempre presente, inclusive nos dois primeiros anos, de forma concomitante com o processo de alfabetização. Nos anos finais, a exploração das vivências, saberes e curiosidades per- manece presente,mas a abstração e a autonomia são intensificadas, com situações-problema mais desafiadoras, que exigem um maior planejamento e uma análise mais criteriosa e aprofundada dos contextos. À medida que os anos avançam, os alunos passam a ter uma vida social mais intensa e di- versificada, socializando com novos grupos e conhecendo outros ambientes. Por esse motivo, é importante incorporar atividades propostas que envolvam questões sociais e ambientais mais complexas, aspectos culturais e históricos mais amplos, análises críticas mais aprofundadas e fundamentadas e discus- sões que levem a reflexões sobre o respeito ao próximo, a não discriminação, a inclusão, a responsabilidade, a colaboração e a cooperação. Uma vez que o protagonismo do aluno se faz cada vez mais presente, é importante que ele possa refletir sobre suas escolhas, ponderar sobre as consequências e cuidar do seu corpo e de sua saúde física, mental e sexual, aprender a cuidar de si e do próximo, estimulando o sentimento de empatia e aceitação de diferenças. Mas a ação do professor não se resume à organização do espaço das aulas, devendo também propor atividades investigativas, estimular a participação dos alunos e desenvolver o senso crítico e a autonomia de pensamento. Considerando-se um ensino por competências, o processo avaliativo precisa ser condizente com essa perspectiva. Nesse sentido, Perrenaud et al. (2007) relacionam uma série de características importantes na formação de professores relacionadas com a avaliação. Dentre elas, destacam-se: tarefas contextualizadas, problemas complexos, utilização funcional dos conheci- mentos, colaboração entre os alunos e presença de autoavaliação. Segundo os autores, é preciso encarar a avaliação como um processo formativo, de modo que ela também contribua para o desenvolvimento das competências nos alunos. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos12 Portanto a avaliação passa a ser processual, presente no decorrer de todo o ano letivo e sob diferentes propostas. Isso não significa a abolição dos dias de prova, e sim a não limitação da avaliação didática a um momento específico e a uma proposta. Como a avaliação com uma intenção formativa leva em consideração a diversidade dos processos de desenvolvimento dos alunos, ela é organizada em diversos momentos e formatos. Um aspecto importante nesse âmbito é que, independentemente da atividade proposta, ela deve ter como premissa verificar processo de en- sino e aprendizagem com foco nas habilidades que se espera que os alu- nos tenham alcançado e não na memorização dos conteúdos que formam um objeto de conhecimento. Assim, ao elaborar as propostas de avaliação, o professor precisa pensar sobre como irá averiguar os diferentes ritmos de desenvolvimento dos alunos e de que forma irá interceder junto àqueles que apresentarem dificuldades. Esse quesito é importante, porque uma avaliação processual e de caráter formativo precisa se preocupar com o processo de ensino como um todo, e não somente em detectar se o aluno aprendeu um determinado assunto ou não. Considerando-se o ensino de ciências, não importa tanto se o aluno domina determinados conceitos, mas sim se ele consegue usar esse conhecimento para pensar sobre as situações que fazem parte de seu cotidiano. É este refletir sobre ele mesmo e sua realidade que possibilitará sua for- mação como cidadão inserido na sociedade da qual faz parte, contribuindo para a realização das mudanças necessárias em seu ambiente coletivo e social. Desse modo, é possível formar um sujeito ativo e consciente de seu papel na constituição de seu mundo e, a partir de sua interação com o outro, promover uma relação dialética e dialógica. No ensino de ciências, a proposta de nove anos tem como norte a BNCC, a qual representa uma ruptura com o formato tradicional de educação, em que se privilegiava a memorização, a cópia do quadro, a prova descontextu- alizada e a transmissão de conteúdo como objetivo principal. O aluno, que deveria ser o personagem principal, era esquecido e desconsiderado. Hoje, temos uma perspectiva de educação formativa e inclusiva e que possibilita o desenvolvimento de cidadãos conscientes de seu papel na mudança de sua realidade. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos 13 Referências BARRERA, S. D; RIBEIRO I.; VIANA, F. L. (2017). Desenvolvendo competências de letramento emergente: inserção do programa Decole no contexto da educação infantil no Brasil. In: VIANA, F. L.; RIBEIRO, I.; BARRERA, S. D. (org.). Decole: desenvolvendo competências de letramento emergente. Porto Alegre: Penso, 2017. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ver- saofinal_site.pdf. Acesso em: 14 dez. 2022. PERRENAUD, P. et al. As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2007. WARD, H. Investigação científica. In: WARD. H. et al. Ensino de ciências. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. ZABALA, A; ARNAU, L. Como aprender e usar competências. Porto Alegre: Penso, 2014. Leituras recomendadas MARCHESONI, L. B.; SHIMAZAKI, E. M. Alfabetização e letramento: explorando conceitos. Educação: teoria e prática, v. 31, n. 64, 2021. Disponível em: https://www.periodicos. rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/14368/11992 Acesso em: 14 dez. 2022. ZABALA, A.; ARNAU, L. Métodos para ensinar competências. Porto Alegre: Penso, 2020. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Ciências da natureza no ensino fundamental de nove anos14