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EBA – ARTES VISUAIS Nome: Ellen Fernandes Alves Curso: Conservação e Restauração de Bens Cult. Móveis Professora: Rachel Cecília de Oliveira Disciplina: Arte contemporânea e os limites da história Título: Urutu Criador: Tarsila do Amaral Data de criação: 1928 Dimensões físicas: 60,5 x 72,5 cm Procedência: Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio Tipo: pintura Técnica: óleo sobre tela O quadro da Tarsila do Amaral é algo realmente enigmático, nos fazendo questionar o porquê de a autora pintar o mesmo, dizem que por trás de todos os seus quadros têm um significado único e pessoal, através do quadro a simbologia nos leva a bíblia com a cobra simbolizando o pecado e o ovo o algo puro e inocente, como história de Adão e Eva a cobra os corrompe, Tarsila Do Amaral nos faz questionar se o mesmo não aconteceu com o ovo representado no quadro. O próprio movimento antropofágico nos leva a imaginar uma releitura do mito de Adão e Eva, pelo caráter iconográfico da paisagem, pela presença principalmente da cobra, não presente somente na obra Urutu, mas também na obra Abaporu, pela presença da folha de bananeira, posição dos corpos e ambientação selvagem/paradisíaca/tropical. O ovo também pode nos remeter a gênese do nascimento, o surgimento de algo novo. Essa simbologia é conhecida em diversas mitologias, um exemplo disso é a indígena do baixo amazonas, os originários chamavam a constelação de Escorpião de “cobra grande” e próximo do final da cauda encontra-se o ovo da serpente, eles usavam as constelações devido as semelhanças com o seu dia a dia, fazendo conexão das constelações com os seus mitos. É possível assim fazer a conexão com a lenda do Boitatá personagem do mito indígena, ela é uma serpente de fogo que protege as florestas e animais, queimando seus invasores. O nascimento do ovo é ao mesmo tempo algo intrigante e preocupante, com ele se consegue acompanhar algo que está surgindo, o que vai sair desse ovo? É uma grande questão, esse desconhecido e talvez pré-histórico e esse misto do jeito que a cobra envolve o ovo e essa ameaça mostra essa tensão existente. O ovo é um símbolo sobre a origem da vida, no cristianismo o ovo é uma retratação do periódico, dessa criação cíclica. A partir desse nascimento pode surgir uma nova serpente, simboliza novos prejuízos à sociedade, algo prejudicial. A cobra nas mitologias tem um significado do pecado, da tentação, ela sai do envolvimento com o espinho e vai para o ovo para proteger ou o corromper, ela sai dessa conexão com a natureza e busca envolver o ovo, ela poderia facilmente engolir o mesmo, a cobra é conhecida pelo seu poder de deglutição, se o ovo for dela, ela vai cuidar e proteger o mesmo até o seu nascimento, se não pertencer a ela, vai devorar sem esforço algum. Podemos ver o significado pessoal para Tarsila e como ele é palpável em todas suas obras, ela traz temas de forma lúdica e retrata o Brasil de uma forma diferente, como a análise feita por Guilherme de Almeida “esse brasileirismo de Tarsila não é uma atitude: é um imperativo do seu sangue, uma função natural do seu espírito e dos seus sentidos”. Tarsila retrata essa brasilidade nem sempre tão verdadeira como sua essência, que sem dúvidas tenta mostrar sua visão pessoal sobre suas origens usando cores primárias e as formas estáticas para isso, ela traz características pessoais notáveis por ter vindo do interior de São Paulo, retratando sua forma de ver coisas do cotidiano. Com isso vemos que Tarsila consegue transitar no imaginário das pessoas pelo religioso ocidental e o religioso xamânico através de ícones, o que facilita nesse processo é que muitos mitos indígenas foram folclorizados fazendo com que as pessoas se aproximem dessa cultura, o modernismo colaborou muito com esse processo de aproximação, criando assim o imaginário modernista sendo a Tarsila a grande criadora desse imaginário. Ela usa muito a forma lúdica para se expressar e se mostrar o Brasil através do seu olhar, utilizava cores que supunha ser brasileiras, sem se preocupar muito com a fidedignidade, ela busca mostrar uma brasilidade calculada, talvez em uma tentativa de definir suas origens e destacar o seu trabalho como o percebe o Carlos Zílio: Existe, no entanto, uma ingenuidade deliberada da pintura de Tarsila, uma identificação entre sua infância e o populismo do Modernismo, isto é, a canalização do vivido no mundo da fazenda, com sua vegetação, a mitologia dos escravos, as cores das habitações interioranas (ZÍLIO, 1982, p. 82). Cada obra de Tarsila era uma surpresa, o que ela não via, ela imaginava, imaginava e isso se transmitia para sua tela, ela só dependida da sua imaginação, o seu único compromisso era o do seu olhar como artista, a realidade retratada era a dela. Dessa forma podemos ver que ela usava o intuitivo para o movimento modernista e assim revelar um Brasil escondido, que emerge através de cada uma de suas obras explorando os mitos e lendas através dessa procura de uma arte nacional que atravessa o movimento antropofágico de Oswald de Andrade. Tarsila viajou por vários lugares do Brasil, principalmente para o interior de São Paulo e de Minas Gerais que lhe rendeu muitas inspirações para suas primeiras obras com composições de influência cubista pelo uso de formas geométricas em seus quadros e estética fora do padrão, durante sua carreira sofre influência do surrealismo na fase antropofágica, ela fazia uso de abordagem de temas sociais, cotidianos e paisagens do Brasil. O quadro Urutu é do movimento antropofágico, esse movimento na arte é de uma linguagem metafórica, esse movimento faz que ao invés de engolir pessoas se engole a cultura europeia, transformando em algo nacionalista, mais especificamente brasileiro, combatendo o eurocentrismo da arte. Na obra citada acima Urutu. Para Gotlib, O ovo, agora imenso, reaparece: e a enorme cobra urutu dele sai, volumosa, se enrolando, asquerosa, num pau à direita, como dedos humanos de mão enorme, e de lá observa de onde veio. Esse quadro, O Ovo (Urutu), refaz o caminho do mito: o fim reverte ao começo, num ciclo vital. Nova versão da cobra grande, personagem principal, aliás, do Cobra Norato de Raul Bopp, publicado também no movimentado período antropofágico do ano de 1928, inspirado em lenda que recolheu nas andanças pelo Baixo Amazonas: o Cobra Grande (...) que encontra o Cobra Norato. (GOTLIB, 2003, p. 146). Os trabalhos de Tarsila e Raul Bopp tem uma relação direta, principalmente no período do movimento Antropofágico, o poema ao que o Gotlib cita, ‘Cobra Norato’, foi escrito em 1921 e é resgatado por Oswald de Andrade em 1928. O poema foi dedicado a Tarsila, daí a provável conexão do poema e as pinturas da artista, além de Urutu as obras como “O Touro", ``O Sapo'' e ``A Cidade''. A evolução da obra da pintura por sua grande parte é classificada como “arte indígena”, ela trazia para a pintura moderna sua sensibilidade e as experiências do seu país. Warnold afirmava que sua pintura estava impregnada do espírito indígena” (WARNOD 2012, p.426). Com todo o aspecto exótico que as obras da pintora eram mencionadas, assim como essa associação com a pintura primitiva e indígena, podemos ver o seu posicionamento contra essa dominação ocidental, ela brinca com inconsciente do espectador e mostra que a arte não é só a ocidental, ela usa o exótico para marcar a arte brasileira, ela brinca com o imaginário usando ícones que podem remeter ao catolicismo, mas também aos mitos indígenas, um exemplo disso além do quadro Urutu é o quadro A Cuca de 1923. Tarsila é um meio de se conhecer o Brasil em sua essência, ela faz com que o Brasil seja reconhecido pela sua própria história e cultura e ajuda na construção dessa identidade brasileira que é reconhecida até os dias atuais.