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Moçambique multicultural em Niketche


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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
Alba Krishna Topan Feldman
Ruan Fellipe Munhoz
Organizadores
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS 
E PÓS-COLONIAIS: 
IRROMPENDO A LITERATURA CONVENCIONAL
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
 FICHA CATALOGRÁFICA
F312
 Feldman, Alba Krishna Topan; Munhoz, Ruan Fellipe (Org.)
Perspectivas multiculturais e pós-coloniais: irrompendo a literatura 
convencional / Alba Krishna Topan Feldman; Ruan Fellipe Munhoz (Org.) - Maringá: 
Editora Trema, 2019.
 226 p.: 15x21 cm
 ISBN 978-65-80781-05-8
 1. Estudos literários. 2. Multiculturalismo. 3. Pós-colonialismo.
 I. Título
CDU 82.091
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por qualquer processo mecânico, 
eletrônico, reprográfico, etc., sem a autorização, por escrito, dos autores.
PRODUÇÃO EDITORIAL
Claudine Lisboa Delgado
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Tiago Valenciano - Presidente do Conselho Editorial
Prof. Dra. Adriana Dalla Vecchia 
Prof. Dra. Alba Krishna Topan Feldman 
Prof. Dra. Annelise Nani da Fonseca 
Prof. Dra. Elaine De Moraes Santos 
Prof. Dra. Érica Daniele Silva 
Prof. Dra. Franciele Monique Scopetc dos Santos 
Prof. Dra. Juliana da Silveira 
Prof. Dr. Marcelo Augusto Pirateli 
Prof. Dr. Marcus Vinicius Araujo Batista de Matos 
Prof. Dra. Maria Carolina de Godoy 
Prof. Dr. Michel de Lucena Costa 
Prof. Dr. Rodrigo Pedro Casteleira 
Prof. Dr. Rones de Deus Paranhos 
Prof. Dra. Rosângela Jovino Alves 
Prof. Dr. Samilo Takara 
Prof. Dra. Viviane Cristina Poletto Lugli
PROJETO GRÁFICO
Tiago Valenciano
REVISÃO
Fernanda Garcia Cassiano
Marcele Aires
CAPA
Leonardo Boff Rodrigues
IMPRESSÃO
Gráfica Midiograf
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
Ao professor Thomas Bonnici, pois sem seu legado de 
pesquisa e inspiração esta obra não seria possível.
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
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PREFÁCIO
Thomas Bonnici.................................................................................................13
APRESENTAÇÃO
Alba Krishna Topan Feldman
Ruan Fellipe Munhoz........................................................................................21
ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA, SOBREVIVÊNCIA E 
CONTINUIDADE NO DISCURSO DE GRUPOS ÉTNICOS 
COLONIZADOS: REFLEXÕES TEÓRICAS
Alba Krishna Topan Feldman
Nelci Alves Coelho Silvestre.............................................................................31
RESISTÊNCIA NO EPÍLOGO DE CROSSING THE RIVER, DE CARYL 
PHILLIPS
Geniane Diamante Ferreira Ferreira...............................................................57
MULHERES, ESTEREÓTIPOS E METAFICÇÃO NA OBRA 
A RESPOSTA (2015), DE KATHRYN STOCKETT
Luiz H. Santos Cordeiro....................................................................................81
A PERSONAGEM MITOLÓGICA FEMININA FORMADORA DA 
IDENTIDADE DA MULHER INDIANA
Luiz Sérgio Alzair Alzão..................................................................................101
SUMÁRIO
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
MOÇAMBIQUE MULTICULTURAL EM NIKETCHE: UMA 
HISTÓRIA DE POLIGAMIA
Thamiris Alves da Silva..................................................................................123
O SOM DO SILÊNCIO: OS SILÊNCIOS E SILENCIAMENTOS DE 
GERALDINE NA OBRA THE ROUND HOUSE, DE LOUISE ERDRICH
Marcos Vinicius Rodrigues da Costa............................................................143
A IMPOSIÇÃO E A SIGNIFICAÇÃO DO SILÊNCIO DE UMA 
MULHER NEGRA EM VIAJE AL OTRO BRASIL
Ruan Fellipe Munhoz......................................................................................165
CULTO À IMAGEM E ENVELHECIMENTO FEMININO EM 
MILAMOR, DE LIVIA GARCIA-ROZA
Marcela Gizeli Batalini....................................................................................177
O HUMANO E O ANIMAL NA PERSONAGEM MARTIM DO 
ROMANCE A MACÃ NO ESCURO, DE CLARICE LISPECTOR
Adriana Gomes Cardozo de Andrade
Evely Vânia Libanori.......................................................................................191
LEITURA E AFRO-BRASILIDADE: UM PERCURSO DO AFETO EM 
NARRATIVAS DA LITERATURA INFANTOJUVENIL
Profa. Dra. Maria Carolina de Godoy (UEL)...............................................207
SOBRE OS AUTORES...................................................................................221
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
 O convite para escrever o prefácio de uma obra 
desta natureza, a envolver vários professores do Depar-
tamento de Línguas e Literaturas Modernas, da Uni-
versidade Estadual de Maringá, que versa sobre temas 
diversos de Literatura, ao mesmo tempo integrados, 
como Multiculturalismo, Pós-colonialismo, Gênero, 
Resistência, Racismo e outros, é uma honra e uma res-
ponsabilidade. Perspectivas Multiculturais e Pós-colo-
niais é um livro que demonstra o dinamismo do Grupo 
de Trabalho envolvido e seu engajamento na formação 
de estudantes de graduação e de pós-graduação, em ní-
veis diversos. É de grande valia perceber que a UEM 
foi a alma mater dos autores, aqui, amadurecidos por 
conteúdos, investigações e experiências, a proporcionar 
aos leitores os produtos de suas pesquisas.
 Quando, em 1984, o Prof. Silvestre Böing con-
vidou-me para integrar o pequeno grupo de professo-
res de Literatura Inglesa e Norte-Americana, junto à 
Universidade Estadual de Maringá, após o derrame fa-
tal do Prof. Giovanni Bonardelli, aceitei o convite, mas 
PREFÁCIO
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
fiquei perplexo em como enfrentaria o ensino das disciplinas do currículo 
no complexo estágio sócio-político no qual o Brasil estava no momento, 
bem como a ensinar a alunos latino-americanos em uma língua e com li-
teraturas alheias à sua cultura, sem perpetuar o colonialismo cultural. É 
um tema que vem sendo investigado desde os trabalhos pioneiros do nige-
riano Achebe e do queniano Ngugi. Neste livro, em específico, a discussão 
é introduzida e aprofundada nos capítulos escritos por Topan Feldman, 
Coelho Silvestre e Diamante Ferreira, as quais demonstram o dilema e a 
ambiguidade do professor consciente de sua missão crítica e da resistência 
dos grupos étnicos colonizados. 
 A complexidade de meu dilema inicial foi ainda maior porque, na 
universidade estrangeira em que me formei, a Teoria Literária, como tal, 
era incipiente e a Crítica Literária era algo subjetivo e não sustentada em 
princípios científicos. Demorariam décadas para a gramática da narrativa 
conhecer a luz e enveredar pelos assuntos de gênero, diversidade e digni-
dade humana. Precisamente é isso que os capítulos de Rodrigues da Cos-
ta e de Alzair Alzão ensejam: aprofundam a quebra da personalidade da 
mulher pelo estupro e a tentativa de reconstruir a identidade pelo silêncio, 
pelo recurso a arquétipos e pela mitologia. Num viés diferente, os capítulos 
de Santos Cordeiro, Alves da Silva e Munhoz versam sobre a mulher ne-
gra (brasileira, estadunidense e moçambicana), seu fascínio à rebeldia, sua 
resistência à domesticação, sua penetração por caminhos desconhecidos 
para compreender a diferença. A investigação desses textos é realmente um 
desafio a abrir veredas para pesquisas mais aprofundadas sobre a mulher 
negra. 
 Um tema novo, desconcertante e atual apresenta-se no capítulo as-
sinado por Batalini sobre o envelhecimento da mulher, a solidão, o aban-
dono, a saudade equivocada e o amor cada vez esquivo. Em Milamor, tal 
investigação da vida privada da idosa, nesse foco específico, é algo raro na 
literatura. Merece ser explorado e comparado com outros romances que 
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Alba Krishna Topan Feldman | RuanFellipe Munhoz
versam sobre o mesmo assunto. Assunto novo, atualmente, é a recuperação 
da identidade masculina, já preconizado por Lispector no capítulo assina-
do por Cardozo de Andrade e Libanori. Esse tema também deve ser explo-
rado diante do seu declínio na contemporaneidade. 
 Mas a pergunta que me afligia, no processo da docência, persistia. 
Num Brasil multirracial, fervendo de ideias democráticas e com atitudes 
politicamente corretas, como poderia ensinar a lírica apresentada pelo tra-
dicionalismo de The Golden Treasury of English Songs and Lyrics, os roman-
ces britânicos imbuídos de narrativas de supremacia europeia, branca e 
racista, assim como a obra The Tempest, de Shakespeare, como meramente 
o último testamento do Bardo? Qual seria o meu papel de professor para 
a formação de conceitos de cidadania nos alunos, ávidos por conhecimen-
tos novos e de grande potencial multiplicador? O grande empecilho foi o 
princípio, baseado em Aristóteles e Kant, de a literatura ser ars gratis artis, 
meramente estética, sem nenhum compromisso social, político ou ético. 
 Percebo que a resposta à angústia delineada se encontra refletida 
nas discussões dos capítulos de Perspectivas Multiculturais e Pós-coloniais. 
O amadurecimento da pesquisa atual, com temas sobre resistência, multi-
culturalismo, dignidade do Negro e da Mulher Negra, feminismo, culturas 
negras, supera e até anula o conceito da necessidade de literatura branca e 
europeia para ser viável. Essas investigações revelam também a atual pri-
mazia da mulher crítica e da interpretação da literatura pela mulher. Rea-
ding as a woman! Jonathan Culler diria mais tarde! Basta olhar o elenco das 
autoras. O produto é outro, diferente e instigante! 
 O surgimento de uma consciência sócio-política na literatura bri-
tânica começou a enveredar por caminhos que nenhum Byron, Conrad ou 
Hemingway haviam preconizados. Autores africanos, caribenhos e india-
nos, experimentados nos meandros sutilmente castradores da educação 
britânica ensejada por sua literatura, começaram a retrucar ao Império, a 
denunciar a falsidade da supremacia europeia, o aprofundamento do ra-
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
cismo na sua estada em países estrangeiros, a ilegitimidade da imposição 
da cultura em detrimento às culturas locais, plenamente amadurecidas, a 
falácia da perpetuação de preconceitos de gênero e a capacidade intelectual 
e organizacional da população em geral. Uma literatura diferente começou 
a surgir, a qual mostrava o caminho da rebeldia, da emancipação, da auto-
nomia no pensar e agir. Mais uma vez, os temas abordados por Feldman e 
Silvestre, Godoy e Alves da Silva implodem o conceito do cânone branco, 
exclusivo, único e supremo, como queria Macaulay em seu projeto de edu-
cação para as colônias britânicas. Os nossos autores colocam as literaturas 
africana, brasileira e indiana como autônomas para expor o Outro dife-
rente. Em termos históricos, essa emancipação literária já havia ocorrido 
na América Latina, especialmente com seu conceito de antropofagia, mas, 
como sempre acontece, abafado, não divulgado e restrito a pouquíssimos 
críticos, os quais frequentemente subestimavam sua potencialidade no en-
sino literário.
 Ademais, os temas de multiculturalismo e pluralismo na literatura 
em Perspectivas Multiculturais e Pós-coloniais começaram a ser veiculados 
na literatura nacional e estrangeira. São temas engajadores, reveladores, 
conscientizadores, a provocar os alunos a questionar-se, debater, investi-
gar e aprofundar pesquisas sobre, por exemplo, o racismo, a convivência, a 
dignidade humana, os direitos das pessoas. Nesse sentido, a literatura, em 
suas versões antiga e atual, representava essas propostas. O que faltava era 
sua crítica! É claro que muitas definições e pesquisas sobre assimilação, 
integração, multiculturalismo e antirracismo, que a literatura apresentava, 
estavam repletas de equívocos e impraticabilidade, porém constituíam um 
caminho na direção correta. Por exemplo, a literatura pré-1950 elogiava a 
convivência populacional, porém, na modalidade de e pluribus unum, um 
caminho de mão única, o descartar da diversidade, do Outro diferente e 
do desenvolvimento emancipador. O famoso cadinho de Crèvecoeur e as 
noções semelhantes só faziam crescer a inferioridade, a discriminação so-
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
cial, a fossilização das pessoas nos níveis sociais de sempre, a negação de 
ascensão no futuro. O papel do professor universitário de Literatura, que 
percebo, materializar-se agora pelos assuntos abordados neste livro, seria 
a exposição e a denúncia da ideologia de supremacia branca e masculina, 
do racismo de todos os tipos - especialmente no contexto do Brasil ne-
gro - da aceitação da conformidade como um fator legítimo e construtor 
da sociedade. No contrário, o professor de Literatura estaria a perpetuar o 
sentimento de sermos estranhos uns aos outros, a relegar as comunidades 
ao isolamento no contexto nacional e regional. 
 Acredito que a Literatura, de modo particular, o professor de Lite-
ratura, tem o enorme potencial para agir na educação da cidadania através 
da resistência e da rebeldia. O primeiro capítulo de Perspectivas Multicul-
turais e Pós-coloniais, intitulado ‘Estratégias de resistência’, é um excelente 
programa para o caminho da cidadania pelos fundamentos da literatura 
pós-colonial. No Brasil atual, que, a meu ver, está numa profunda reversão 
educacional, a perder posicionamentos conquistados com suor e lágrimas, a 
favorecer a monocracia e o autoritarismo, a menosprezar os direitos funda-
mentais das pessoas, o debate conceitual sobre a cidadania através da Lite-
ratura deve ser continuado e aprofundado. Pela interpretação da Literatura, 
preconizada nos capítulos de Perspectivas Multiculturais e Pós-coloniais, os 
nossos alunos aprendem a diversidade como um fator básico da cidadania, 
que é multiplicado nas escolas de ensino básico. O desenvolvimento profis-
sional e a educação continuada na Literatura aprofundam não somente o 
multiculturalismo e a diversidade, como também as teorias críticas de raça 
e de igualdade para igual oportunidade para todos os brasileiros. Embora a 
Literatura não seja uma panaceia, a educação para a cidadania pela Litera-
tura capacita os jovens, que preparamos, com o conhecimento, as habilida-
des e a compreensão para assumirem um papel mais efetivo na vida públi-
ca. A cidadania fomenta seu interesse em problemas tópicos e controversos, 
a engajar-se em discussões e debates, tão ausentes entre nós. Monitorados 
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
e conduzidos adequadamente, os estudantes universitários de Literatura 
conheceriam responsabilidades, deveres, liberdades, justiça e democracia, 
particularmente em tomadas de decisões e modalidades diferentes de ação 
nas comunidades onde atuam. A literatura é um grande fator de exposição 
no que diz respeito às identidades nacionais, religiosas, étnicas e de gênero 
e capacita professores e estudantes a se engajar criticamente com ideias, 
crenças, culturas e identidades diferentes e os valores que compartilhamos 
com outros brasileiros. 
 Acredito que o leitor, especialmente o estudante de Letras, alicer-
çado nos princípios de Alteridade, Diversidade, Dignidade Humana, Re-
sistência ao racismo e à unicidade, representados nas obras ficcionais aqui 
investigadas e interpretadas, possa atingir um nível de cidadania que enter-
raria os esqueletos do passado e, como diz Shelley, inauguraria algo novo, 
consoante à nossa época. 
 
Thomas Bonnici
28/10/2019
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
 A crítica literária pós-colonial nasceu junta-
mente com movimentos que buscavam observar as pro-
duções discursiva e artística de populações colonizadas. 
Essa empreitada se desenvolveu com o intuito de rever-
ter aimagem de objeto atribuída ao sujeito colonizado, 
buscando reconstituir a sua identidade transformada 
pelo colonialismo. Nesse sentido, precisamos ressaltar 
que os habitantes das colônias precisam conviver com o 
colonizador em seus diferentes personagens, o que faz 
emergir questões como a hibridização de raças e de cul-
turas, diáspora e globalização. Porém, longe de ser uma 
utopia em que pessoas e culturas híbridas convivem pa-
cificamente, esses espaços contam com conflitos, jogos 
de poder, hierarquização e opressão de grupos que se 
consideram herdeiros das classes e etnias dominantes.
 O período pós-colonial marca o esforço das 
nações afetadas pelos diferentes tipos de colonização 
não apenas para sobreviverem, mas para encontrarem 
e firmarem uma identidade nacional, étnica, grupal ou 
APRESENTAÇÃO
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
cultural. Para tanto, há uma reavaliação da cultura da qual fazem parte, 
incluindo a língua, a religião e diversos comportamentos e pontos de vistas 
herdados ou modificados durante o período colonial. Porém, esse processo 
não ocorre homogeneamente e nem tranquilamente, uma vez que popu-
lações estão em permanente movimentação gerada pela diáspora, que é a 
movimentação forçada ou voluntária de grupos sociais de um país a outro, 
causando deslocamentos físicos e psicológicos, entre outros.
 Aspectos como a globalização e o desenvolvimento de meios de 
transporte e comunicação, provocaram um entrelaçamento de culturas e 
uma convivência, seja imposta pela colonização, seja por meios mais sutis 
como o comércio e interesses políticos e econômicos. Não podemos afirmar 
que esse movimento seja algo recente, mas é evidente que a aproximação 
cultural foi levada a outro patamar com a quebra das fronteiras promovida 
pela globalização. As produções literárias dessas sociedades multiculturais 
representam essa diversidade e precisam ser avaliadas pela perspectiva da 
globalização, considerando também a intersecção entre classes sociais, gê-
neros, raças, etnias, aspectos de identidade, diversidade, hibridização, con-
vivialidade, estudos do sujeito e de sua representação.
 O estudo de obras literárias e artísticas sob a ótica dos estudos mul-
ticulturais em contexto pós-colonial traz em si questões que podem ser res-
pondidas por intermédio de uma visão holística do processo das relações 
assimétricas de gêneros, classe, etnias e culturas diferentes. O estudo de tal 
corpus evidencia a justaposição e imposição de culturas sobre as outras, 
que podem originar um sistema de subalternidade e objetificação que pre-
cisa ser analisado, não apenas em nível de identidades individual e nacio-
nal, mas também em nível de sociedade e grupos sociais.
 Portanto, a análise de estratégias narrativas que representam a 
identidade e suas formas de resistência e o embate entre tradição e moder-
nidade em um contexto transcultural são temas bastante pertinentes, pois 
possibilitam a reflexão e a atitude, que são esperados como resultado do 
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
desenvolvimento científico. Essa reorientação na interpretação das interco-
nexões sujeito/objeto não só diz respeito ao colonizador/colonizado, mas 
também a todas as sociedades minorizadas de alguma maneira, como, por 
exemplo, o homem/mulher (patriarcalismo). Isso evidencia a preocupação 
com a construção de formas de pensamento que possam viabilizar um de-
senvolvimento de uma nova atitude e como isso é constituído nas obras 
literárias.
 Considerando o papel da pesquisa no momento atual de delimitar 
e apresentar modelos representativos para a melhor compreensão da pro-
blemática e dos conflitos apresentados, que não mais se restringem somen-
te a sujeitos individuais, mas também a interesses coletivos e sociais, não 
se delimitando a momentos históricos ou limites geográficos, acreditamos 
que a mudança de perspectiva proposta pela crítica literária pós-colonial 
e multicultural assinala importantes aspectos para que se compreendam 
mais claramente as relações identitárias e culturais dos povos no mundo 
globalizado da atualidade e suas complexidades.
 Para estudar obras literárias e outros artefatos culturais não-hege-
mônicos sob a luz das teorias já mencionadas, foi criado, em 2011, o gru-
po de estudos com o título Estudos Pós-Coloniais: perspectivas e dimensões. 
Esse coletivo, de 2014 a 2016, passou a utilizar o nome de Pós-colonialismo 
em Perspectivas Multiculturais. A partir de 2016, ele foi renomeado Grupo 
de estudos em Multiculturalismo e Pós-Colonialismo (GEMUP). O grupo 
tem reunido professores e alunos de diversos cursos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e da comunidade externa.
 Esse movimento de reflexão e construção coletiva do conhecimen-
to dá origem ao livro que agora apresentamos. Por intermédio de uma vi-
são multidisciplinar, os textos aqui apresentados trabalham com obras de 
diferentes procedências culturais e étnicas no sentido de mediar diferen-
tes realidades e experiências estéticas e literárias, fomentando a pesquisa e 
os saberes na área de estudos da literatura, teoria da literatura e literatura 
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
comparada. Nesse contexto, passamos a descrever cada um dos dez capítu-
los que compõem este livro.
 Inicialmente, as professoras Alba Krishna Topan Feldman e Nelci 
Alves Coelho Silvestre apresentam o texto intitulado Estratégias de resis-
tência, sobrevivência e continuidade no discurso de grupos étnicos coloni-
zados: reflexões teóricas, com o objetivo de discutir aspectos de resistência 
pós-colonial e de outras estratégias de lutas de minorias étnico-raciais-cul-
turais contra seus aparatos de opressão. As profissionais se baseiam, so-
bretudo, na classificação dos tipos de resistência elaborados por Ashcroft 
(2001). Ademais, também discorrem sobre estratégias como a mímica, de 
acordo com o conceito desenvolvido por Homi Bhabha (1998); além da 
resistência escrita, analisada em aspectos como a reescrita, a releitura e a 
paródia, embasados em Hutcheon (1989); uma estratégia de sobrevivência 
e de continuidade fundamentada em Gerald Vizenor (2008), a partir dos 
estudos indígenas estadunidenses, como o conceito de survivance (tradu-
zido por sobrevidade), buscando paralelos em sua aplicação no estudo das 
escritas literárias de grupos considerados minorias étnicas, sociais, cultu-
rais, religiosas, entre outros.
 O segundo capítulo apresenta um estudo sobre a Resistência no 
epílogo de Crossing the river, de Caryl Phillips realizado por Geniane 
Diamante Ferreira Ferreira. O livro estudado é dividido em seis partes que 
podem ser lidas separadamente, já que a ligação entre elas é metonímica, 
realizada apenas pelo Prólogo e pelo Epílogo. No último capítulo, é possível 
analisar a resistência que permeia toda a obra, já que as personagens são 
representativas de todos os negros ao longo dos tempos, desde a escravidão 
até os dias de hoje. A divisão do trabalho conta com uma biografia do autor, 
o conceito de resistência e a análise do capítulo, seguida de uma conclusão 
e bibliografia para pesquisas ulteriores, verificando que, graças a todos os 
tipos de resistência, temos hoje uma sociedade cada vez menos discrimina-
tória, mas que ainda está longe do ideal.
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
 O terceiro capítulo é intitulado Mulheres, estereótipos e metaficção 
na obra A resposta (2015), de Kathryn Stockett. A contribuição de Luiz 
H. Santos Cordeiro conta com uma análise da representação das mulheres 
na obra literária em questão, buscando apontar os estereótipos socialmen-
te desenvolvidos e as formas de resistência presentes no objeto analisado. 
Com a pesquisa, é possível observar como empregadas domésticas negras, 
num período segregacionista da história estadunidense, conseguem sair de 
uma situação de marginalização, criada e reiterada pela elite da sociedade 
em que se encontram, através de uma obra anônima, metaficcional, que 
narra sobresua própria vivência.
 O quarto capítulo apresenta A personagem mitológica feminina 
formadora da identidade da mulher indiana. Nele, Luiz Sérgio Alzair Al-
zão discute a forma como o épico indiano O Mahabharata foi utilizado pe-
los invasores Arianos para construir a identidade feminina daquela nação 
por milhares de anos. Com o objetivo de analisar como as histórias dos 
heróis e deuses transmitidas oralmente através de gerações permanecem 
no imaginário do povo da Índia, o autor discute a forma como Draupadi, 
uma personagem mitológica feminina do clássico, desempenhou um papel 
relevante na construção da identidade, tanto da mulher subalterna quanto 
da identidade patriarcal opressora, além de refletir se um evento ocorrido 
com essa semideusa pode ser percebido como uma “autorização” para os 
estupros coletivos que se tem naquela sociedade.
 Abordando aspectos culturais em um contexto pós-colonial a par-
tir da obra da escritora moçambicana Paulina Chiziane, publicada em 2004, 
Thamiris Alves da Silva colabora com o capítulo intitulado Moçambique 
multicultural em Niketche: uma história de poligamia. Tendo como espa-
ço narrativo o país natal da autora, o romance mostra a história de Rami 
e seu infiel esposo Tony, que mantém relações extraconjugais com outras 
quatro mulheres precedentes de diversas regiões de Moçambique. Após 
descobrir as aventuras do esposo, a protagonista une-se às suas supostas 
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
rivais e exige que o homem legalize a poligamia. Nesse contexto, é possível 
notar suas relações com as imposições imperiais a partir do colonialismo, 
assim como observar variados mecanismos de resistência e reafirmação de 
tradições do país e a construção identitária das mulheres representadas no 
texto literário. 
 O sexto capítulo é intitulado O som do silêncio: os silêncios e si-
lenciamentos de Geraldine na obra The round house, de Louise Erdrich. 
Produzido por Marcos Vinicius Rodrigues da Costa, esse texto apresenta 
um estudo sobre o silêncio e o isolamento da personagem como ato de co-
municação e seu silenciamento como um ato de violência. Após sofrer um 
abuso sexual, Geraldine se refugia no silêncio por medo e como tentativa 
de proteção e de neutralização das ações de seu marido e de seu filho. O 
silenciamento pode ser considerado, além de um ato comunicativo, uma 
forma de violência, uma vez que o sujeito é impedido de se expressar e se 
comunicar, estando condicionado ao dizer imposto pelo opressor. Como 
referencial teórico, o autor se apoia principalmente nos estudos de Žižek 
(2009, 2010), Judith Butler (2015), Germanie Greer (2001) e Eni Puccinelli 
Orlandi (2007).
 O sétimo capítulo apresenta um estudo sobre A imposição e a sig-
nificação do silêncio de uma mulher negra em Viaje al otro Brasil, relato 
de viagens publicado em 2002 pelo espanhol Javier Nart. O autor, Ruan 
Fellipe Munhoz, trabalha especificamente com o silenciamento imposto 
sobre uma mulher negra brasileira descrita durante a passagem do viajante 
por Bonito, cidade situada no interior do Mato Grosso do Sul. Para dinami-
zar o processo de análise, ele utiliza, fundamentalmente, as contribuições 
de Tacca (1983) sobre o narrador, as questões pós-coloniais levantadas por 
Bonnici (2007), as noções de ideologia trabalhadas por Belsey (1982), para, 
por fim, chegar ao tema proposto por Orlandi (2011) a respeito das marcas 
significativas do silêncio no texto.
 Culto à imagem e envelhecimento feminino em Milamor, de Livia 
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
Garcia-Roza é a contribuição de Marcela Gizeli Batalini. A análise presente 
nesse oitavo capítulo está centrada na representação da mulher idosa no 
citado romance, mais especificamente nos ideais com relação à aparência 
difundidos socialmente e o reflexo dessas construções em seu cotidiano. 
Baseada, sobretudo, em Guita Debert (1999), Joana Novaes (2009, 2011) e 
Junia Vilhena (2009), a autora reflete sobre as angústias frente ao processo 
de envelhecimento, além dos sinais do tempo impressos no corpo da mu-
lher, que se intensificam diante da possibilidade de um novo relacionamen-
to amoroso.
 A contribuição de Adriana Gomes Cardozo de Andrade e Evely 
Vânia Libanori está disposta no nono capítulo sob o título O humano e o 
animal na personagem Martim do romance A macã no escuro de Clarice 
Lispector. Após cometer um crime, o personagem citado empreende fuga 
e, à medida que a deixa o universo civilizado e ruma à natureza menos 
poluída, inicia um processo de autorreconhecimento e reconstrução de si. 
Os animais não humanos que ele encontra nessa jornada são fundamentais 
nesse processo, em especial, as vacas, que com sua mansidão, seu caráter 
maternal e de renovação, colaboram na promoção de importantes mudan-
ças em Martim. Baseadas em Michel de Montaigne (1972), Greg Garrard 
(2006), John Berger (2009) e Maria Esther Maciel (2016), encontramos, 
nesse trabalho, uma análise do processo de animalização e humanização da 
personagem.
 O último capítulo, intitulado Leitura e afro-brasilidade: um per-
curso do afeto em narrativas da literatura infantojuvenil, tem, como au-
tora, a professora Maria Carolina de Godoy, da Universidade Estadual de 
Londrina na área de literaturas afro-brasileiras, especialmente convidada 
para contribuir para esta obra. Especificamente nesse trabalho, ela analisa 
a literatura infantojuvenil afro-brasileira para discutir de que modo essas 
narrativas desconstroem estereótipos e afirmam uma poética da resistên-
cia, sem perder de vista o tom lúdico e a beleza das descobertas do universo 
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
infantil, traçando um percurso do afeto. Para tanto, a autora se baseia em 
Betina (2009), de Nilma Lino Gomes; Os tesouros de Monifa, de Sonia Rosa; 
Bruna e a galinha d´Angola (2009), de Gercilga Almeida; Lendas da África 
Moderna (2010), de Heloisa Pires Lima e Rosa Maria Tavares Andrade e 
Uma princesa nada boba (2011), de Luiz Antonio.
 Como discutido anteriormente, este livro surge das reflexões re-
alizadas pelos integrantes do Grupo de estudos em Multiculturalismo e 
Pós-Colonialismo (GEMUP) e também por convidados especiais que tra-
balham com produções culturais e literárias de diversas origens, sob a égi-
de da crítica pós-colonial e multicultural, evidenciando a necessidade de 
apresentar uma pequena parcela das discussões promovidas coletivamente. 
Ademais, é necessário ressaltar que todos os trabalhos aqui dispostos são 
fruto de dissertações, teses, entre outras pesquisas realizadas ao longo dos 
anos de reuniões para ampliação do conhecimento acerca das teorias na 
área, auxiliando a formação crítica e científica dos profissionais das áreas de 
humanidades, contribuindo para a consolidação da abordagem das citadas 
teorias.
 Aproximando-nos das nossas palavras finais, agradecemos a todas 
as autoras e a todos os autores que contribuíram para a produção deste li-
vro, pois, sem o desejo e o empenho em compartilhar conhecimentos, este 
empreendimento não seria possível. Por fim, esperamos que esta produção 
possa ser lida por diferentes profissionais da educação e que contribua para 
o conhecimento das leitoras e dos leitores, tanto quanto o fez conosco, seus 
autores e organizadores. 
Desejamos uma proveitosa leitura!
Alba Krishna Topan Feldman
Ruan Fellipe Munhoz
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
1. Estratégia de Resistência
 De acordo com Ashcroft (2001), resistência é 
uma palavra que se adapta a uma grande variedade de 
circunstâncias, por isso a descreve como sinônimo de 
qualquer tipo de luta política. O autor pondera ainda 
que, se pensarmos em “resistência como qualquer for-
ma de defesa através da qual o ‘invasor’ é rechaçado, 
as formas sutis e não verbalizadas de resistência social 
e cultural têm sido muito mais frequentes1” (ASH-
CROFT, 2001, p. 20). Dessa forma,o revide ou resis-
tência é um modo de ir contra a dominação do poder 
imperial, de não aceitar as imposições colonialistas e de 
procurar reverter a situação para que os povos oprimi-
dos possam resgatar sua subjetividade.
 Há diversas maneiras de se resistir ao poder 
imperial, ou a qualquer poder dominante. Segundo 
1“resistance as any form of defence by which an invader is ‘kept out’, the 
subtle and sometimes even unspoken forms of social and cultural re-
sistance have been much more common” (ASHCROFT, 2001, p. 20).
ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA, 
SOBREVIVÊNCIA E CONTINUIDADE NO 
DISCURSO DE GRUPOS ÉTNICOS 
COLONIZADOS: REFLEXÕES TEÓRICAS
Alba Krishna Topan Feldman
Nelci Alves Coelho Silvestre
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
Ashcroft (2001), a questão da Resistência é parte essencial de uma análise, 
pois está no centro da luta entre poderes. Porém, resistir é muito mais que 
criar um “outro” e lutar contra ele, tem a ver com o poder e a afirmação de 
uma identidade pós-colonial. No entanto, mais que uma ideia de oposição 
binária, a resistência pode assumir formas tão sutis quanto efetivas para 
minar, questionar a cultura dominante e até mesmo ressignificar a cultura 
dominada. 
 O primeiro tipo de resistência que Ashcroft aborda é a resistência 
pacífica. No entanto, acrescentaríamos uma subdivisão a essa classificação 
em direta e indireta. A resistência pacífica indireta não é abertamente oposi-
tora ao poder dominante, mas pode ser feita de pequenos atos de revide por 
parte dos povos oprimidos, como as mulheres e os escravos serem morosos 
ou raivosos ao realizarem seus trabalhos, o fato de provocarem pequenos 
atos, como realizar, propositadamente, um mau trabalho, o murmúrio ou 
o xingamento de Calibã, entre outros. Trata-se de uma forma indireta de 
resistência, pois o opositor não sabe claramente que está sendo enfrentado. 
Isso ocorre, geralmente, devido ao fato de o oprimido não possuir outras 
formas de lutar ou enfrentar diretamente o opositor com o uso de armas 
e técnicas. A segunda forma de resistência pacífica seria a direta, quando 
o opressor sabe que está sendo enfrentado, mas o oprimido não se utiliza 
de armas ou outros tipos de instrumentos similares de ataque. Exemplos 
desse tipo de resistência pacífica direta foram os movimentos de desobedi-
ência civil, representados por Gandhi e Martin Luther King. 
 A mais primitiva forma de resistência ocorre por meio da luta, 
da resistência física, o revide direto: trata-se da luta armada, das guerras e 
guerrilhas, manifestações civis violentas. No período inicial da colonização 
e no período pré-independência, essa forma era a única possível pela qual 
os nativos indígenas lutavam contra os colonizadores por suas terras, suas 
culturas e por suas vidas. Posteriormente, os africanos também se utiliza-
ram da resistência física em sua luta contra seus escravizadores. Porém, os 
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
sujeitos coloniais não estavam preparados para combater os colonizadores 
e por isso não tinham muitas chances contra eles e suas armas mais avan-
çadas, aperfeiçoadas em séculos de guerras. Esse tipo de revide por meio 
de lutas e guerras foi uma boa tentativa de resistência, mas pouco serviu na 
quebra da hegemonia europeia, pois gerou ainda mais opressão por par-
te do império e mais violência nas guerras civis no período pós-colonial. 
Atualmente, a resistência armada aparece nas lutas pela independência de 
países da África, entre outros territórios antes colonizados. As lutas moder-
nas pela independência são extremamente complexas e, quando amparadas 
por aspectos legais, difusão da mídia e negociação, são mais efetivas. Ao 
fiarem-se apenas no conflito armado, há a obrigatoriedade da existência de 
um “inimigo”, que se torna um ser mítico, ideológico, sempre mau, e que 
deve ser combatido.
 O último tipo de resistência e o mais importante para os estudos 
literários, de cultura e artes em geral, é o revide discursivo, empregado pelo 
colonizado para fazer ruir a sistemática monolítica do colonizador. A de-
finição de Ashcroft de resistência discursiva também pode ser dividida em 
direta e indireta. A resistência discursiva direta trata, por exemplo, de pan-
fletos subversivos que têm um opositor nomeado. Falamos de textos ou dis-
cursos escritos com o objetivo de denunciar, questionar um acontecimento 
ou uma situação específica. Assim, a preocupação prioritária é o discurso 
contra algo ou alguém abertamente identificado. Então, tal resistência dis-
cursiva se torna mais uma arma na resistência armada, uma vez que sua 
efetividade é para alertar sobre um problema setorizado e, uma vez que o 
opositor ou o problema cessam, o discurso perde sua razão.
 A resistência discursiva indireta é feita pelas artes, pela literatura, 
principalmente. Nesse tipo de literatura resistente, pessoas conseguem de-
nunciar, questionar a história, mas isso é feito por meio da arte, da estética 
das palavras, das histórias de vida que, por meio do trabalho com a lingua-
gem, passa a atingir um público muito mais amplo, afirmar identidades e 
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
gerar identificações. Dessa forma, a literatura se torna um tipo de resistên-
cia discursiva indireta. Muito efetiva na defesa do colonizado, a resistên-
cia discursiva indireta consiste em resistir sem fazer uso da violência, em 
empregar táticas para se defender dos moldes europeus impostos ao colo-
nizado utilizando sua própria linguagem e cultura. Isso posto, trataremos, 
agora, das estratégias discursivas como formas de resistência: a mímica, a 
paródia e a cortesia dissimulada. 
2. Formas de Resistência: Mímica e Cortesia Dissimulada 
 Como estamos trabalhando com imitação e com representações 
artísticas, é importante que discutamos três aspectos relevantes para a aná-
lise de obras literárias: a mímica, a paródia e a cortesia dissimulada.
 No dicionário Houaiss (2004), mímica “é o ato de se expressar 
por gestos; pantomima” (HOUAISS, 2004, p. 497). Pelo dicionário Collins 
(2006), “mímica é a ação de imitar alguém ou alguma coisa2” (COLLINS, 
2006, p. 908). Já o Dicionário de Termos Literários (1997) explica que o ter-
mo “caracteriza-se pela sequência de gestos, movimentos e expressões, de-
sacompanhados de palavra ou de música que visam a transmitir toda sorte 
de emoção e sentimento ao expectador, e mesmo sugerir uma ação dramá-
tica completa” (MOISÉS, 1997, p. 338).
 Na literatura pós-colonial, a mímica é uma das estratégias de resis-
tência ao poder imperial. Nas palavras de Bonnici (2009), 
A mímica e a paródia são estratégias de resistência pelas 
quais o sujeito colonial imita o colonizador. Como o processo 
resulta uma condição igual e, ao mesmo tempo, não exata-
mente igual, a centralidade do colonizador é questionada e 
subvertida (BONNICI, 2009, p. 172).
 A mímica consiste na cópia das características do colonizador pelo 
2 “Mimicry is the action of mimicking someone or something” (COLLINS, 2006, p. 908).
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
colonizado, ou seja, ao assumir os mesmos valores, os mesmos hábitos do 
colonizador, o colonizado consegue imitar o colonizador, mas não exata-
mente. Uma vez que a imitação coloca em destaque as hierarquias e o do-
mínio colonial, as diferenças sociais, raciais, entre outras, a representação 
se torna uma falsificação, muitas vezes caricata e grosseira, do “original”, o 
que coloca em evidência e ridiculariza o poder a partir de seu questiona-
mento: “O escárnio, a ridicularização e a ameaça, feitos pelo colonizado, 
existem na mímica da cultura, do comportamento e dos valores dominan-
tes” (BONNICI, 2009, p. 40). Isso também ocorre com o uso da linguagem 
europeia “misturada”, híbrida, o pidgin, o dialeto, as marcações culturais 
que se apropriam da língua, mas não na forma exigida pelo “bom padrão” 
europeu. 
 Portanto, podemos dizer que a mímica provoca uma fenda na cer-
teza do colonizador, já que este acreditaque o colonizado está sob seu com-
pleto domínio. No entanto, ao ser copiado, o comportamento e os valores 
do colonizador são ridicularizados. Bhabha (1998, p. 129) assinala o caráter 
ambivalente da mímica que “reforça a autoridade colonial e a ameaça” ao 
mesmo tempo. Ainda de acordo com o autor, o sujeito colonial é “quase o 
mesmo, mas não exatamente” (BHABHA, 1998, p. 131), ou seja, ele não é 
uma reprodução exata das características do colonizador, trata-se de uma 
cópia aparentemente igual, mas que revela uma fissura na certeza das po-
tências de domínio. 
 Analisando a mímica empregada pelo sujeito pós-colonial, Bhabha 
(1998, p. 133) registra que ela “não esconde presença ou identidade atrás 
de sua máscara”, mas sua dupla visão, ao revelar a ambivalência do discur-
so colonial, pode quebrar sua autoridade. Assim, a mímica é uma forma 
de resistência do sujeito colonizado, de iludir o colonizador, que vê nessa 
atitude a imitação, a subserviência do colonizado, mas que, ao salientar as 
diferenças, faz uma crítica ao poder dominante. Portanto, a imitação sugere 
uma identidade que não é idêntica à do colonizador, mas uma reprodução 
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
subversiva. 
 A partir desse cenário, também vemos uma sub-representação do 
colonizado feito pelo colonizador: a reprodução de estereótipos pela mídia, 
homens vestidos de mulheres, brancos caracterizados de negros etc. Essa 
imitação reforça, por exemplo, a visão que os colonizadores têm de que os 
negros sejam selvagens, primitivos, preguiçosos, ou que as mulheres seriam 
objetos sexuais ou megeras. 
 No entanto, a imitação, em primeiros tempos de dominação, era 
uma obrigatoriedade para os povos dominados, uma vez que a única cul-
tura considerada válida era a cultura europeia. Ashcroft afirma que “a visão 
europeia do processo de civilização não foi nada mais que a imitação for-
çada – as culturas coloniais deveriam simplesmente imitar os ocupantes da 
metrópole3” (ASHCROFT, 2001, p. 3). 
 A mímica inversa é uma maneira de o público branco mostrar seu 
interesse pela cultura negra de forma segura, ou seja, disfarçada sob o ridí-
culo racial. A mímica do negro, operada pelos ingleses, remete-nos à trans-
culturação. A transculturação é mais uma forma de quebra do binarismo, 
pois, pelo contato entre diferentes culturas, ocorre uma troca cultural entre 
colonizador e colonizado, branco e negro. Trata-se de um processo pelo 
qual as duas culturas se tangenciam e se modificam ao entrarem em con-
tato, enfatizando as diferenças e ao mesmo tempo colocando em evidência 
as relações assimétricas de poder. A resistência na transculturação pode 
estar presente na mímica da linguagem, dos comportamentos, do modo de 
pensar e viver dos opressores. 
 Já a diferença refere-se à coexistência, ao passado no presente, ao 
mesmo no outro. Dessa forma, a figura do colonizador emerge como uma 
constituição histórica necessária para o colonizado, pois nela repousa a 
possibilidade de mudança, de diferença. No entanto, a mímica mostra que 
o caminho inverso também ocorre, ou seja, da mesma forma que o coloni-
3 “the European view of the civilizing process was nothing less than enforced emulation – co-
lonial cultures should simply imitate their metropolitan occupiers” (ASHCROFT, 2001, p. 3).
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
zado é construído a partir do colonizador, o colonizador se constrói a partir 
da imagem do colonizado. Figuras históricas como Xica da Silva, La Ma-
linche (Doña Marina, que auxiliou a conquista da América espanhola por 
Cortez), assim como King Philip (Metacomet, chefe indígena Wampano-
ag que auxiliou os primeiros colonizadores nos EUA) e Pocahontas, eram 
lembretes ao colonizador de que outros grupos sociais poderiam imitá-los. 
Mesmo sem serem completamente iguais, tinham poder e transitavam 
no mundo europeu, colocando, assim, a hegemonia europeia em xeque. 
Bonnici (2009, p. 61) confirma que “a mímica é uma resistência contínua e 
mostra o sujeito colonial constantemente pronto para continuar subverten-
do a autoridade colonial”. 
 Outra forma de resistência, consoante Bhabha (1998, p. 147), em 
sua obra O Local da Cultura, é a sly civility, “cortesia dissimulada” em por-
tuguês, tática que consiste na “recusa nativa a satisfazer a demanda narra-
tiva do colonizador”. Nesse tipo de resistência, o sujeito não enfrenta o co-
lonizador de forma direta, mas se utiliza de elementos da cultura europeia 
a seu favor. Por meio de uma falsa sujeição à imposição do colonizador, de 
uma suposta aceitação por parte do colonizado, o sujeito parece se subme-
ter à influência hegemônica, mas, na verdade, vai eliminando de forma sutil 
a suposta autoridade colonial.
 Dessa forma, o fato de não querer contradizer o colonizador é uma 
estratégia de resistência pacífica indireta face às suas imposições. Ao fingir 
aceitar as normas impostas, o colonizado assume os hábitos alheios como 
forma de proteção. Nesse sentido, a estratégia da cortesia dissimulada se 
mostra eficaz justamente porque o colonizado, fingindo submissão, não 
contradiz o discurso do colonizador diretamente. Assim, a imposição co-
lonial torna-se cada vez mais ineficaz, impedindo que o colonizador reaja 
de forma violenta contra o nativo, porque ele não deixa de se submeter às 
ordens que lhe são dadas. Porém, sua submissão está longe da verdade e da 
confiança, que quebra os princípios naturais da civilidade/cortesia. Exem-
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
plos disso são as conversões forçadas ao cristianismo no início do processo 
de colonização. Na resistência discursiva, a escrita irônica, cheia de elogios 
dúbios e falsas alegações de humildade ou desconhecimento por parte do 
grupo oprimido, pode ser considerada uma cortesia dissimulada, enquanto 
possibilita que ele continue transitando em junto ao poder. 
 Em consonância com o exposto por Bonnici (2009, p. 62) sobre a 
cortesia dissimulada, percebemos que essa estratégia de resistência “dá ao 
colonizado maior agência e autonomia porque se apropria das estratégias 
ambivalentes do poder colonial”. Nesse contexto, as formas de resistência 
vistas até agora existem no terreno da escrita e do discurso propriamente 
dito. Em seguida, passaremos a analisar as formas de resistência discursiva 
propriamente dita. 
3. Paródia, Ab-rogação e Apropriação, Releitura e Reescrita
 A paródia, assim como a mímica, também é uma espécie de imi-
tação, só que consiste na cópia do discurso do colonizador por meio da 
escrita. Semelhantemente à mímica, a paródia expressa a não aceitação dos 
valores ocidentais impostos, subvertendo-os. Pela escrita, o sujeito coloni-
zado resiste discursivamente ao jugo imperial. Bonnici (2009) enuncia que 
“Paródia vem do grego paroidia, canto ou discurso alternativo, e atualmen-
te significa um discurso burlesco que imita o discurso sério para o subver-
ter” (BONNICI, 2009, p. 60). De acordo com o autor, os termos mímica e 
paródia são sinônimos no contexto pós-colonial.
 A paródia nesse contexto consiste na estratégia por meio da qual 
um texto dialoga com outro anterior a ele, objetivando desconstruir o dis-
curso ideológico. Trata-se de uma escrita que dá voz ao excluído. Segundo 
o filósofo francês Gérard Genette, paródia é um termo cuja origem remon-
ta à Grécia Antiga. Em sua obra Palimpsestos (1997), o autor registra que o 
prefixo “para” tanto pode significar “ao lado de” como “contra”. O primeiro 
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
sentido é mais utilizado, já o segundo indica uma “sugestão de um acordo 
ou intimidade, em vez de um contraste” (HUTCHEON, 1989, p. 48). O su-
fixo “odia” (ode) significa “canto”, ou, como indica Sant’Anna, em Paródia, 
Paráfrase & Cia, “um poema para ser cantado” (SANT’ANNA, 1985, p. 12), 
de modo que a paródia pode ser entendida como uma espécie de “contra-
canto” ou “canto paralelo”. Sua origem, portanto, é musical. 
 No que tange à definição, o dicionário Houaissde Língua Portu-
guesa (2004) registra o termo paródia como imitação cômica de um texto, 
de uma peça de teatro (HOUAISS, 2004, p. 550). O dicionário Collins de 
Língua Inglesa (2006), por seu turno, registra que “Uma paródia é uma 
peça humorística de teatro, drama, ou música que imita o estilo de uma 
pessoa bem conhecida ou representa uma situação familiar de uma forma 
exagerada4” (COLLINS, 2006, p. 1045). Já Massaud Moisés define a paródia 
como uma
[...] composição literária que imita, cômica ou satiricamente, 
o tema ou/e a forma de uma obra séria. O intuito da paródia 
consiste em ridicularizar um estilo que, por qualquer motivo, 
se torna conhecido e dominante. No geral o texto parodiado 
ostenta características relevantes, que o distinguem facilmen-
te dos outros (MOISÉS, 1997, p. 388).
 Nas palavras do autor, a paródia é vista como ridicularização e cen-
sura. Sendo assim, é possível depreender que o texto original é tão marcan-
te a ponto de ser imitado, mesmo em forma de sátira.
 Genette (1997) declara que a paródia normalmente se refere a uma 
produção anterior à que foi parodiada, ela se relaciona com outro texto. 
Além disso, o autor limita a paródia a textos curtos como poemas, provér-
bios, trocadilhos, títulos e aos modos satíricos e recreativos, pois em seu 
entendimento ela é a transformação mínima de um texto. Diante desses 
apontamentos, Hutcheon, que discorda do teórico francês, escreve o livro 
4 “A parody is a humorous piece of writing, drama, or music which imitates the style of a well-known 
person or represents a familiar situation in an exaggerated way” (COLLINS, 2006, p. 1045).
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PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
Uma teoria da paródia (1985). Nele, a autora trabalha a partir de conceitos 
que englobam a concepção clássica e moderna de paródia, além de desmiti-
ficar a crença de que se trata de um gênero ligado ao cômico ou ao ridículo. 
Para a estudiosa, a paródia é “repetição com distância crítica, que marca a 
diferença em vez da semelhança” (HUTCHEON, 1989, p. 17).
 Mesmo sendo uma forma de expressão bastante atual, a paródia 
não é uma invenção recente. Segundo Sant’Anna (1985), ela já existia na 
Grécia, em Roma, na Idade Média. Em Aristóteles já há menção à palavra. 
Na visão aristotélica, a origem do termo data do século V A.C. com o poeta 
Hegemon de Thaso. Entretanto, alguns autores apontam Hipponax de Éfe-
so como “pai da paródia”. Massaud Moisés (1997) acrescenta que os autores 
anônimos de Magites e Batrachomiomachia (Batalha das Rãs e dos Ratos) 
foram os responsáveis pela introdução das obras de natureza paródica.
 Hutcheon (1989) confirma o fato de que o fenômeno paródico não 
é recente. A autora retoma Bakhtin para quem a paródia é “um híbrido 
dialogístico intencional”. Ou seja, a paródia funde discursos da prosa e do 
verso, o que a coloca como um gênero híbrido. Sant’Anna (1985), ancorado 
na obra de Bakhtin, explica que a paródia, se comparada à versão original 
do texto, é uma espécie de “filha rebelde” porque possui efeito deformador. 
Partindo desse conceito, é possível afirmar que a mímica e a paródia se en-
trelaçam já que o ponto de referência de ambas é a deformação, a exemplo 
da máscara que também deforma.
 Nesse sentido, Sant’Anna (1985, p. 30), ao relacionar paródia com 
representação, comenta que a paródia tem uma prática teatral interessante 
já que possui “função complementar nas peças dramáticas”. Para o autor, “a 
paródia tem uma função catártica, funcionando como contraponto com os 
momentos de muita dramaticidade” (SANT’ANNA, 1985, p. 30). 
 A paródia nos interessa por fazer parte de uma estratégia discur-
siva de resistência: ao se apropriar da linguagem do colonizador (ou do 
dominador), os dominados podem ter acesso a instrumentos para sua au-
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Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
toexpressão. Há então paródias com relação ao gênero literário, como, por 
exemplo, Darcy Ribeiro, que parodia cenas de uma missa para recuperar 
parte da cultura indígena do Amazonas, no seu romance Maíra (1989). 
Também há paródias como o Auto da Compadecida (1990), de Ariano Su-
assuna, que recupera o gênero de teatro europeu medieval para problema-
tizar a situação do sertanejo brasileiro.
 Portanto, a afirmação de Sant’Anna (1985) de que a paródia pode 
ser entendida como algo mais que uma representação parece oportuna. 
Segundo ele, a recuperação do vocábulo no sentido psicanalítico define a 
paródia como uma re-apresentação. Aquilo que ficou recalcado em seu sub-
consciente pode emergir, acrescido de informações outrora ocultas. Para o 
autor, o texto parodístico cumpre exatamente esse papel, pois é uma forma 
diferente e inteiramente nova de ler o convencional. Trata-se de adquirir 
consciência crítica pela liberação do discurso. 
 Ainda nesse campo, o estudioso sustenta que a compreensão de 
paródia se associa à imagem no espelho consoante a teoria lacaniana. Nessa 
teoria, segundo especialistas, a criança, ao se olhar no espelho, não sabe que 
a imagem que vê é dela mesma. Ela pode pensar que se trata da imagem 
de outra pessoa. Daí a analogia da paródia com o espelho. Ainda segundo 
Sant’Anna (1985, p. 32), a paródia “pode ser um espelho, mas um espelho 
invertido”. Por essa razão, o autor opta pela imagem da “lente”, pois através 
dela é possível visualizar os exageros, o que possibilita a conversão do que 
foi focado em algo ou alguém dominante, ou seja, a inversão do que está 
refletido. 
 Diante do exposto, concordamos com a afirmação de Hutcheon 
(1989) de que a paródia é uma “imitação com diferença crítica” (HUT-
CHEON, 1989, p. 53). Retomando o seu estudo, observamos que a autora 
considera a natureza e a função da paródia como expressão da pós-moder-
nidade. Para tanto, resgata as forças antirrenascentistas do século XVIII a 
fim de consolidar o significado como ridicularização e negação do texto 
42
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
parodiado. Aliada à ironia, a paródia, no afã de alcançar efeito cômico, traz 
em seu bojo o elemento ridículo. 
 Nesse percurso, Hutcheon (1989) retoma a concepção de paródia 
de Genette (1997) para explicar suas duas conceituações distintas: a clás-
sica e a moderna. Enquanto a clássica indica reverência e homenagem ao 
alvo da paródia, a moderna implica em sátira e escárnio. Então, a paródia 
assume a perspectiva da imitação com distanciamento crítico. Nas pala-
vras da autora, “Os seus antecedentes históricos são as práticas clássicas 
e renascentistas da imitação, se bem que com maior ênfase na diferença e 
na distância do texto original ou conjunto de convenções” (HUTCHEON, 
1989, p. 128). A paródia não é apenas uma “homenagem ao original”, mas 
uma forma de crítica e reescrita de certos aspectos históricos e ideológicos 
que reproduzem o ponto de vista do marginalizado, recolocando-o como 
marca positiva e construtora da história.
 Hutcheon (1989, p. 39) aponta, ainda, que o caráter ideológico 
da paródia é tênue, pois ela “é, fundamentalmente, dupla e dividida; a sua 
ambivalência brota dos impulsos duais de forças conservadoras e revolu-
cionárias que são inerentes à sua natureza, como transgressão autorizada” 
(HUTCHEON, 1989, p. 39). Assim, a dupla estrutura do termo (repetição 
e diferença) não só reforça pela repetição como desmascara pela diferença, 
ou seja, conecta o passado ao presente, trazendo à tona discussões de ten-
sões históricas, que são renovadas pelo texto parodiado. Portanto,
[...] a paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui di-
ferença; é imitação com distância crítica, cuja ironia pode 
beneficiar e prejudicar ao mesmo tempo. Versões irónicas 
de “transcontextualização” e inversão são os seus principais 
operadores formais, e o âmbito de ethos pragmático vai do 
ridículo desdenhoso à homenagem reverencial (HUTCHE-
ON, 1989, p. 54).
 Na teoria pós-colonial, os discursos dominantes assumem novos 
43
Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
significados, visto que são readaptados pelo processo paródico.Hutcheon 
(1989) afirma que, na reapropriação dos textos anteriores, a paródia man-
tém uma relação simultânea de diferença e de dependência com o texto 
parodiado, pois “Não se trata de uma questão de imitação nostálgica de 
modelos passados: é uma confrontação estilística, uma recodificação mo-
derna que estabelece a diferença no coração da semelhança” (VODICKA, 
1964, p. 90 apud HUTCHEON, 1989, p. 19). 
 Dessa maneira, consoante a pesquisadora, os textos parodiados 
não serão reconhecidos como imitação se não forem apreendidos e inter-
pretados pelo leitor: “Sem a existência implícita de um leitor, os textos es-
critos não passam de acumulação de marcas pretas em páginas brancas” 
(HUTCHEON, 1989, p. 35). Em outras palavras, o texto parodiado só atin-
ge o status de paródia quando o leitor consegue identificar a conexão com 
o texto anterior e as diferenças significativas em relação a ele.
 Hutcheon (1989, p. 48) assinala ainda que “Está implícita uma dis-
tanciação crítica entre o texto em fundo a ser parodiado e a nova obra que 
incorpora, distância geralmente assinalada pela ironia”. Nesse sentido, a 
paródia, a partir do pós-modernismo, faz referências a estruturas irônicas 
com os intuitos de recontar e recontextualizar a obra literária bem como 
outras obras de arte. A estudiosa aponta também que “A paródia é, pois, 
uma via importante para que os artistas modernos cheguem a acordo com 
o passado – através da recodificação irônica [...]” (HUTCHEON, 1989, p. 
128). Desse modo, Hutcheon designa a paródia como uma das principais 
formas modernas de autorreflexão. Frente a tais apontamentos, é possível 
afirmar que o caráter desconstrutivo da paródia se encarrega de modelos e 
propósitos que vão do ridículo à seriedade respeitosa. A última é bastante 
evidente na literatura pós-colonial, pois nela a paródia atua como revisão 
ou releitura do passado no sentido de confirmar ou de subverter o poder 
representativo da história.
 O termo ab-rogação significa a recusa do colonizado em aceitar 
44
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
os conceitos normativos da língua europeia ou da inferiorização da língua 
nativa, ou seja, pela ab-rogação o sujeito colonizado repudia a estética da 
cultura imperial, recusando-se a fazer o uso correto ou o uso padrão da 
língua, além de desprezar os significados fixos das palavras.
 Já o termo apropriação refere-se à língua europeia que é adaptada 
para se descrever o ambiente não europeu. Pela apropriação o colonizado 
assume a linguagem do colonizador e a utiliza para seu próprio serviço. A 
adaptação da língua imposta, para descrever o contexto do colonizado, não 
é uma estratégia aceita por todos os autores pós-coloniais. Em alguns mo-
mentos de sua carreira, Ngugi Wa Thiong’o, por exemplo, escreveu em sua 
língua materna porque acreditava que essa era uma forma de subversão ao 
poder colonial e de valorização de sua cultura, ab-rogando, assim, a língua 
europeia. Para ele, usar a língua imposta pelo colonizador seria refletir uma 
cultura da qual não faz parte. 
 Por sua vez, Chinua Achebe acreditava que o fato de se apropriar 
da língua inglesa, de subvertê-la e de utilizá-la para descrever suas experi-
ências de povo colonizado, era uma boa forma de propagar suas obras e, ao 
mesmo tempo, de denunciar a realidade colonial. No entanto, ao assumir a 
língua do colonizador, Achebe trabalhou a língua inglesa sem abrir mão de 
vocábulos e expressões próprias da cultura Igbo, da qual o autor faz parte, 
e também não deixou de problematizar a situação de seu grupo social pe-
rante a colonização em suas obras, o que caracteriza a sobrevidade, assunto 
que trataremos posteriomente.
 A apropriação da língua inglesa ou qualquer outra língua domi-
nante, seu uso para contar a experiência colonial e pós-colonial ocorrem 
no plano literário também por meio das práticas discursivas da releitura e 
da reescrita. 
 A releitura é uma forma que os autores pós-coloniais utilizam para 
demonstrar resistência às imposições imperiais. Bonnici (2005, p. 49) ar-
gumenta que “A releitura é uma maneira de ler os textos literários para 
45
Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
revelar suas implicações no processo colonial”. Por intermédio da releitura, 
é possível desconstruir a ideologia colonialista de textos escritos pelos colo-
nizadores. A releitura da peça de Shakespeare, A tempestade, por exemplo, 
permite desvendar o discurso cultural e ideológico dominante a respeito 
do nativo. Assim, a personagem Calibã seria a representação dos nativos 
afrocaribenhos com todos os estereótipos criados pelos europeus. No caso 
da obra de Jane Austen, Mansfield Park (1814), alguns momentos do livro 
mostram que o trabalho escravo era a base da riqueza britânica. O processo 
de releitura, nesse viés, colabora para a possibilidade de uma nova premissa 
de construção social e cultural, colocando em evidência fatos e vozes antes 
desconhecidos ou obscurecidos pelos narradores da história.
 A reescrita é outro recurso que os autores pós-coloniais utilizam 
para se apropriar da linguagem do dominador e apresentar um contra-
discurso efetivo, podendo ser considerado um passo à frente da releitura, 
pois a primeira se configura em uma nova interpretação da obra original, 
enquanto a segunda seria uma resposta em forma de literatura feita nos 
interstícios ou uma nova perspectiva do evento histórico representado pela 
obra original, o que consistiria em uma resposta ou questionamento dos 
estereótipos e imagens geradas pelo texto original. Bonnici (2005) assinala 
que 
 
[...] a reescrita tornou-se uma prática discursiva pós-colonial 
através da qual, e aproveitando-se de lacunas, silêncios, ale-
gorias, ironias e metáforas do texto ‘canônico’, surge um novo 
texto que subverte as bases literárias, os valores e os pressu-
postos históricos do primeiro (BONNICI, 2005, p. 48-49).
 Em outras palavras, a reescrita de textos canônicos é a própria ma-
terialização da paródia, pois seu intento é a subversão dos valores. Bonnici 
(2005) aponta alguns romances como exemplos de reescrita fundados na 
paródia. Um deles é Foe, do autor sul-africano J.M. Coetzee, reescrita de 
Robinson Crusoe. Segundo ele, o romance 
46
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
[...] retoma as lacunas deixadas pelo silêncio da mulher e o 
tema do ‘feliz encontro’ de Friday com o europeu. Portanto 
constrói um novo texto, problematizando a possibilidade da 
fala dos colonizados: esse novo texto interroga o texto ‘canô-
nico’ e, ao mesmo tempo, se constrói como discurso legítimo 
(BONNICI, 2005, p. 49).
 
 Outro exemplo é a narrativa de Jean Rhys, Wide Sargasso Sea, re-
escrita de Jane Eyre, de Charlote Brontê. Nessa obra, Antoinette, outrora 
Bertha Antoinette Mason (a louca do sótão), em Jane Eyre, assume a voz 
feminina e conta sua versão dos fatos. Nessa linha de raciocínio, a paródia 
se configura na retomada do romance canônico, fato que permite que as 
personagens, antes objetificadas, tenham vez e voz, alcançando a subjetifi-
cação. 
 Desse modo, a reescrita e a releitura são estratégias utilizadas para 
se repensar o cânone literário, uma vez que não só repensam as relações 
imperialistas, contidas nas obras canônicas, como também reconsideram a 
literatura contemporânea. Além disso, é importante destacar que o recurso 
da paródia faz parte da reescrita de várias obras no cenário literário inter-
nacional, sendo que as que se baseiam na teoria pós-colonial são as que 
mais se dedicam a essa tipologia. A reescrita paródica de obras de registro 
histórico serve para descortinar uma falsa ideologia que, se não for denun-
ciada, difundida, propagada, eternizar-se-á, exatamente como as ideias ra-
cistas de que o negro era inferior ao branco. 
4. Survivance ou sobrevidade 
Somos sombras, silêncio, pedras, histórias, nunca uma si-
mulação morta da luz na distância. Pedras do embusteiro e 
histórias pós-indígenas são minhas sombras, os traços natu-
rais de libertação e sobrevidade nas ruínasda representação 
(VIZENOR, 1994, p. 64).5 
5 We are shadows, silence, stones, stories, never dead simulation of light in the distance. Trickster stones 
47
Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
 O termo survivance definia sobrevivência a algum evento ou so-
breviver a uma pessoa no inglês jurídico até o século XVIII. Derrida (2011) 
utilizou o termo para significar um estado, que não seria nem vida, nem 
morte, algo como uma existência inexistente. Gerald Vizenor, escritor in-
dígena Anishinaabe, baseado em Derrida, ampliou o sentido da palavra 
em seu livro Manifest Manners: Narratives on Postindian Survivance (1994). 
Nesse livro, ele descreve a literatura indígena, explicando o termo da se-
guinte forma: “Survivance é um senso ativo de presença, a continuidade 
das histórias nativas, e não apenas uma reação, ou um nome que sobrevive. 
Histórias de survivance indígena são renúncias à dominação, tragédia e vi-
timização”. 
 Apesar de ser deliberadamente impreciso, estudiosos da fortuna 
crítica sobre a escrita indígena encaram o termo como uma aglutinação de 
survival e endurance, ou resistance. Ou seja, algo em português que poderia 
ser traduzido como sobrevidade, uma mistura de sobrevivência com con-
tinuidade. Trata-se de uma sobrevivência ativa, na qual os povos indíge-
nas são representados além das ruínas de suas comunidades e das culturas 
decretadas mortas, ou restritas a reservas, os índios estereotípicos da raça 
extinta, ou em vias de extinção. Também retrata o questionamento dos es-
tereótipos do indígena selvagem assassino e o nobre selvagem, subserviente 
aos colonizadores. Os indígenas, mais do que meramente subsistirem nas 
ruínas de sua cultura tribal ou cumprirem os papeis de vítimas geralmente 
destinados a eles, estão herdando e reconfigurando suas culturas para a 
era pós-moderna, adaptando-se, negociando, apropriando-se dos instru-
mentos hegemônicos da dominação para garantir sua continuidade, muitas 
vezes, como uma cultura híbrida, mas questionadora.
 O uso de Vizenor para Sobrevidade é a oposição de vitimização, 
que coloca as populações de indígenas como meros sobreviventes dos 
and postindian stories are my shadows, the natural traces of liberation and survivance in the ruins of 
representation. (VIZENOR, 1994, p. 64)
48
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
ataques genocidas que vieram sofrendo desde o início da colonização das 
Américas. Depois, esse passa a ser um termo de arte, ou uma estratégia de 
retórica, empregada por muitos críticos e autores indígenas. 
 Stromberg (2006) pergunta: porque survivance e não sobrevivência 
– survival? Ele afirma que, enquanto a ideia de sobrevivência traz imagens 
de prender-se a um tênue fio de existência, survivance vai além da mera 
sobrevivência, em direção ao reconhecimento da natureza criativa da re-
tórica indígena. Stromberg ainda afirma que essa estética vai transparecer 
na música, na arte, na literatura, em todas as formas de expressão linguís-
tica e cultural que podem transferir uma nova representação da vida do 
“povo dominado”, nesse caso, dos indígenas. Trata-se, então, de reivindicar 
e reforçar a perspectiva indígena dentro de um espaço cultural contestado, 
no qual os indígenas estão em desvantagem histórica, política e cultural. 
Isso não significa vender-se, ou entregar-se à cultura dominante, mas um 
discurso que permita a resistência adaptativa que reafirme a existência e a 
identidade do indígena. 
 A sociedade se utiliza de estratégias para anular a existência do 
indígena, como, por exemplo, negar a identidade cultural pelo fato do indí-
gena não utilizar o tempo todo trajes tradicionais ou o uso de outros mar-
cadores culturais, como pintura corporal. Dessa forma, o indígena seria 
apenas uma figura seminua, analfabeta e distante da chamada “civilização”. 
Porém, autores indígenas se valem dos mesmos estereótipos para questio-
ná-los com ironia, símbolos e metáforas, exatamente para reafirmar a exis-
tência desse indígena culto, que se adapta ao novo mundo, e que reivindica 
para si sua cultura e sua voz. 
 A sobrevidade permite a resistência e a continuidade enquanto 
houver sobrevivência. Tratam-se de técnicas adaptativas mostrando que a 
cultura indígena tem capacidade de se desenvolver e se recriar, adaptan-
do-se pelo contato com outras culturas imigrantes. Caso permanecessem 
como eram, tais culturas teriam desaparecido. 
49
Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
 Vizenor, para se referir aos indígenas americanos em geral, uma 
vez que indians descreve os habitantes da Índia, e nativos é um termo gené-
rico, cunhou o termo varionativo (varionative), lembrando a diversidade de 
etnias (nações) que compõem o quadro de indígenas das Américas. Tam-
bém cria o termo transmotion (transmovimento), definindo-o da seguinte 
forma:
O varionativo é uma curva incerta de antecedência nativa; 
noções obscuras de lembrança nativa e presença. Os traços 
varionativos de ancestrais são escriturais, episódicos e irôni-
cos nas narrativas. (…) A memória nativa é aquele senso de 
presença na lembrança, aquele traço da criação e da razão 
natural nas histórias; antes um nome obscuro, a conotação de 
memória é uma presença nativa nesses ensaios, não o roman-
ce de uma ausência estética ou da vitimização. As conota-
ções de transmovimento, aquele senso de movimento nativo 
e uma presença ativa, é soberania sui generis. O transmo-
vimento é sobrevidade, um uso recíproco da natureza, não 
uma soberania monoteística, territorial. Histórias nativas de 
sobrevidade são as marcas de transmovimento e soberania6(-
VIZENOR, 1998, p. 15).
 Como estética literária, críticos começam a verificar como os as-
pectos culturais e narrativos de indígenas passam a fazer parte de suas his-
tórias de vida e sua literatura que assume formas específicas, tanto indivi-
duais quanto tribais, e diferenciadas. A partir da crítica, o termo também é 
incorporado em obras literárias escritas por autores indígenas, como esse 
poema da escritora da etnia Cherokee, Diane Glancy.
6 “The varionative is an uncertain curve of native antecedence; obscure notions of native sovenance and 
presence. The I’arionative traces ofancestors are scriptural, episodic, and ironic in narratives. The pene-
natil’e is the autoposer, the autobiographical poseur, or the almost native by associations and institutive 
connections. Native sovenance is that sense of presence in remembrance, that trace of creation and na-
tural reason in native stories; once an obscure noun, the connotation of sovenance is a native presence 
in these essays, not the romance of an aesthetic absence or victimry. The connotations of transmotion 
are creation stories, totemic visions, reincarnation, and sovenance; transmotion, that sense of native 
motion and an active presence, is sui generis sovereignty. Native transmotion is survivance, a reciprocal 
use of nature, not a monotheistic, territorial sovereignty. Native stories of survivance arc the creases of 
transmotion and sovereignty” (VIZENOR, 1998, p. 15).
50
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
Diane Glancy – Cherokee
O poema Reverbera
Uma virada da escrita
Sobre – uma sobrevivência além da sobrevivência
Vidade – a vitalidade disto7 
 
 Como característica, a estética da sobrevidade vale-se da ironia, 
do quebrar de regras, das brincadeiras da linguagem para enganar a pró-
pria ideologia dominante, trazendo formas de expressão específicas, como 
o tricksterismo, ou seja, a utilização da figura do trickster indígena como 
personagem (a exemplo dos brasileiros Saci-Pererê e Macunaíma) ou como 
linguagem (o próprio uso de ironias, aspectos orais, entre outras caracterís-
ticas).
 A estética de sobrevidade na literatura é representada principal-
mente pela escrita do Trickster, o embusteiro, aquela figura mítica de di-
versas etnias indígenas, incluindo Coyote, Corvo, Iktomi (a Aranha), entre 
outros. Trata-se de um ser que fica nas fronteiras entre o humano, o animale o divino e, ao mesmo tempo, auxilia e atrapalha nas histórias de criação 
do mundo vistas pelos indígenas. Na linguagem, o Trickster engloba a am-
biguidade e a ironia que afirma a identidade indígena dentro do mundo 
não-indígena, utilizando-se dos instrumentos construídos para negá-la. 
 Na literatura indígena estadunidense, autores como Sherman Ale-
xie, Joy Harjo, Leslie Marmon Silko e Scott Momaday utilizam-se da língua 
inglesa para falar dos problemas indígenas, mas executam uma releitura 
dos gêneros. Por exemplo, podem transformar um memoir, uma história 
de vida em romance em um gênero híbrido, com características que lem-
bram, por exemplo, o realismo fantástico, colocar poesia, letras de música, 
palavras e aspectos culturais de suas etnias, trabalhando com diversos gê-
7 Poetry is Rebound. 
A turn of writing.
Sur- a survival outside survival.
Vivance – the vitality of it
51
Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
neros numa mesma obra. Outros autores, como Thomas King e Zitkala-Sa 
recontam as lendas e mitos, assim como recuperam a tradição de suas et-
nias, embora as escolham e reescrevam de maneira que também possam ser 
inscritas nos problemas atuais dos indígenas, situando-as no limite entre o 
real e o imaginário, entre a tradição e a contemporaneidade.
 Assim, a sobrevidade garantiu aos indígenas estadunidenses a for-
mação de um cânone próprio e, não só isso, uma estética própria, que mis-
tura gêneros, trabalha com a linguagem e desafia muitos críticos e autores 
literários que ainda afirmam que a literatura indígena é menor, produzida 
por incultos: 
Os novos nacionalistas denigririam o individualismo nati-
vo, as narrativas visionárias, oportunidades, razão natural, e 
sobrevidade, pois as ideologias negam quaisquer distinções 
de estética nativa e arte literária. Michael Dorris, o falecido 
romancista argumentava contra as distinções estéticas da li-
teratura indígena. Outros autores e intérpretes de literatura 
resistiram à ideia de uma estética indígena singular8(VIZE-
NOR, 2008, p. 17).
 Mesmo com as teorias e teóricos presos aos processos mais formais 
de criação literária negando a estética da sobrevidade, podemos observar 
que aspectos de resistência e de sobrevidade também na literatura brasilei-
ra, como veremos no próximo tópico. 
5. Sobrevidade e aspectos de resistência na literatura brasileira
 Seguindo muitos dos aspectos de resistência e sobrevidade, no Bra-
sil temos autores como Daniel Munduruku, autor da etnia Munduruku, 
que escreveu dezenas de livros nas últimas décadas, que variam desde his-
8 “The new nationatists would denigrate native individualism, visionary narratives, chance, natural 
reason, and survivance for the ideologies that deny the distinctions of native aesthetics and literary art. 
Michael Dorris, the late novelist, argued against the aesthetic distinctions of native literature. Other 
authors and interpreters of literature have resisted the idea of a singular native literary aesthetic” (VI-
ZENOR, 2008, p. 17).
52
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
tórias de vida, crônicas, contos, literatura infantil, até estudos científicos e 
sócio-históricos da cultura indígena. Outro exemplo é Eliane Potiguara, da 
etnia Potiguara, cuja obra Metade cara, metade máscara (2004) torna-se um 
livro inclassificável, pois contém uma narrativa poética épica ficcional, his-
tórias da vida da autora, poemas avulsos e, também símiles e transcrições 
de notícias de jornais. Com essa configuração estética, ela problematiza a 
situação do indígena desde o início da colonização das Américas até a atu-
alidade.
 Outros autores indígenas como Kaká Werá Jekupê e Olívio Jecupê, 
ambos Guaranis, também escrevem suas histórias de vida, poemas, lite-
ratura infantojuvenil e adulta. Também são autores de diversas obras que 
problematizam a situação indígena desde a recuperação de suas histórias 
tradicionais até a crítica política, feita de forma direta, com textos ensa-
ísticos ou crônicas, ou de forma indireta, dentro das obras de ficção, nas 
metáforas, na simbologia, nas ironias e nas narrativas de vida.
 No Brasil, podemos ver a literatura de sobrevidade existindo tam-
bém em outros grupos sociais além dos indígenas, como Blogueiras Negras, 
as escritas de periferia das grandes cidades, ligadas não apenas à estética 
das favelas e das comunidades carentes, mas também a questões sociais, 
étnicas, todas com uma nova proposta de estética. Ainda nesse contexto, 
podemos citar Conceição Evaristo como exemplo de autora negra, que em 
poesia e prosa problematiza e liriciza a narrativa, transformando a realida-
de dura de ser mulher, negra e pobre no Brasil, em algo descrito de forma 
poética, singular e nova. 
 Carolina Maria de Jesus também denuncia a condição da mulher 
negra, oprimida, favelada de forma poética e autobiográfica. Sua escrita 
carregada de lirismo apresenta denúncias e testemunhos de uma favela-
da, catadora de papel que busca o pertencimento por meio da escrita. Da 
mesma forma, Ana Maria Gonçalves denuncia a condição de uma mulher 
negra, ex-escrava, de forma subjetiva, poética e autobiográfica. As vozes 
53
Alba Krishna Topan Feldman | Ruan Fellipe Munhoz
das ancestrais femininas presentes em seu romance Um defeito de cor reco-
locam o negro na (e reescrevendo assim a) história. 
 Solano Trindade, poeta e dramaturgo, ativista pelas causas negras, 
também utilizou a resistência discursiva e a sobrevidade em suas poesias 
carregadas de lirismo e denúncia social, por meio da valorização da cultura 
e do resgate da história dos seus antepassados, como as religiões e costumes 
africanos e afro-brasileiros. 
 Os escritores e escritoras citados são apenas alguns exemplos tra-
zendo inovações que confrontam a estética canônica, ao mesmo tempo 
em que denunciam os sofrimentos de suas etnias, raças, classes ou grupos 
sociais distintos, negociando e afirmando identidades. Além deles, há di-
versos outros que publicam cada vez mais, muitas vezes originando-se em 
outros grupos sociais não citados neste capítulo, que se utilizam do discur-
so literário para criarem uma estética nova, desafiadora e engajada, enri-
quecendo, assim, a literatura brasileira. 
6. Considerações Finais
 Mesmo com as vitimizações, explorações e imposições de hierar-
quia do poder colonial e de outras forças dominantes, como o capitalismo, a 
hegemonia cultural europeia, escritores, utilizando-se de diversos aspectos 
da resistência discursiva, não apenas sobrevivem, questionam e reescrevem 
suas histórias, mas também garantem a criatividade, a produção de uma 
nova estética que se utiliza das ferramentas da tradição e da modernidade 
em seu trabalho. 
 Este capítulo mostrou apenas algumas dessas estratégias, que vão 
desde ações físicas, como a resistência pacífica (à qual acrescentamos a sub-
divisão de direta e indireta à classificação de Ashcroft), passando pela resis-
tência armada ou violenta e chegando, finalmente, à resistência discursiva 
(à qual também subdividimos em direta e indireta). Quanto à resistência 
54
PERSPECTIVAS MULTICULTURAIS E PÓS-COLONIAIS
discursiva indireta, mostramos que pode ser feita pela paródia, a releitura, 
e a reescrita, a ab-rogação da dominação, e a apropriação dos bens culturais 
do dominante, não apenas para imitá-lo, mas, principalmente, com o obje-
tivo não só da sobrevivência de uma cultura, etnia, modo de pensamento, 
mas também para sua continuidade, adaptação, ou seja, a sobrevidade. 
 Destacamos que a estética da sobrevidade, observada e apontada 
primeiramente por Gerald Vizenor na literatura indígena, pode muito bem 
ser demonstrada em outros grupos considerados minorias étnicas, sociais, 
culturais, religiosas, entre outros, tanto na literatura brasileira feita por 
esses grupos, quanto em outras literaturas mundiais de natureza similar. 
Além disso, buscamos fazer um painel exemplificando alguns autores que 
se utilizam dessas técnicas no Brasil.
 Todas as formas de resistência discursiva

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