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Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor." Romanos 6:23 r - H \< «* ‘2 2 3 L , * Z . í j ^ ̂ i <■> 4 0 * • 1 IS S# ' Jaãa Bunyan (Autor de O Peregrino) PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS Rua 24 de Maio, 116 - 3o andar - salas 14-17 01041-000-São Pau lo -SP Journey to Hell Copyright © 1999 by Whitaker House Título original em inglês: The Life and Death of Air fíadman Traduzido com permissão de: Whitaker House 1030 Hunt Valley Circle New Kensington, PA 15068, USA Ia Edição - 2010 Ia Reimpressão - 03/21 Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados por P u b l i c a ç õ e s E v a n g é l i c a s S e l e c i o n a d a s Rua Carlos Gomes, 993, Sto Amaro São Paulo-SP - 04743-050 Tel. (011) 3223-6594 Email: sheddpublicacoes@uol.com.br www.sheddpublicacoes.com.br Tradução: ( )dayr C llivetti Cooperador: Silas Roberto Nogueira Capa: Wirley Corrêa dos Santos Paginacão e diagramacão: Editorial PressO o O o D ados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Bunyan, John, 1628-1688 Jornada para o inferno / John Bunyan ; tradução de O dayr Olivetti — São Paulo : Publicações Ivvangélicas Selecionadas, 2010. ISBN: 978-85-63905-00-0 Título original: Journev to hell 1. Ficção cristã 2. Literatura inglesa 3. Vida cristã - Ficção I. Título 10-09901 CD D -828 índices para catálogo sistemático: 1. Ficção cristã : Literatura inglesa 828 mailto:sheddpublicacoes@uol.com.br http://www.sheddpublicacoes.com.br Jornada para o Inferno João Bunyan (Autor de O Peregrino) Publicações Evangélicas Selecionadas Caixa Postal 1287 - São Paulo, SP - 01059-970 www.editorapes.com.br http://www.editorapes.com.br Joumey to Hell Copyright © 1999 by Whitaker House Todos os direitos reservados. Traduzido com permissão de: Whitaker House 1030 Hunt Valley Circle New Kensington, PA 15068, USA Título original: The Life and Death of Mr Badman Todos os direitos de tradução e edição para a língua portuguesa reservados à Publicações Evangélicas Selecionadas - Editora PES. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob qualquer meio impresso, eletrônico e digital sem autorização expressa dos editores. Primeira edição: 2010 Tradução: Odayr Olivetti Cooperador: Silas Roberto Nogueira Capa: Wirley Corrêa dos Santos Consultoria Editorial: Editorial Press Impressão e Acabamento: Imprensa da Fé Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bunyan, John, 1628-1688. Jornada para o inferno / John Bunyan ; [tradução Odayr Olivetti]. — São Paulo : Publicações Evangélicas Selecionadas, 2010. T ítu lo original: Journey to hell. ISBN 978-85-63905-00-0 1. Ficção cristã 2. Literatura inglesa 3. Vida cristã - Ficção I. Título. 10-09901 CDD - 828 índices para catálogo sistemático: 1. Ficção cristã : L iteratura inglesa 828 índice Ditos de João Bunyan........................................................... 6 Sobre o Autor: A Vida de João Bunyan................................ 7 Prefácio: O Autor Fala ao Leitor........................................ 21 1. As Consequências da Morte de um Homem Mau..........35 2. Um Menino Mau............................................................ 43 3. Aprendizado do Homem Mau sob um Mestre Piedoso..73 4. O Novo Mestre do Homem Mau................................. 103 5. Os Truques de um Negociante Perverso......................111 6. O Homem Mau Engana uma Boa Mulher................... 117 7. É Tirado o Disfarce do Homem Mau...........................125 8. O Homem Mau Usa a Falência para Ganhar Dinheiro 151 9. Os Procedimentos Fraudulentos do Homem Mau......171 10. Visão Cristã da Extorsão............................................... 187 11. Instruções aos Cristãos sobre Negócios........................ 197 12. O Pecado do Orgulho....................................................203 13. O Juízo de Deus sobre o Alcoolismo............................223 14. Falso Arrependimento..................................................229 15. A Volta do Homem Mau ao Pecado..............................235 16. A Morte de um Cristão................................................. 241 17. O Homem Mau Recebe o Castigo que Ele Merece.......249 18. Morte em Segurança Pecaminosa.................................255 19. Morte Difícil, Mas Tranquila....................................... 271 20. O Juízo Final................................................................ 283 Pensamento Final............................................................... 290 Ditos de João Bunyan “O inferno seria uma espécie de paraíso, se não fosse pior do que o que há de pior neste mundo.” “Seria considerado estulto o homem que desconsiderasse um juiz a quem coubesse julgar tudo o que ele possui. O julgamento que temos diante Deus é de outra classe de✓ importância. E concernente à nossa felicidade ou miséria eterna, e ainda vamos afrontá-10?” “Muitas vezes penso que os melhores cristãos se encontram nos piores tempos. E também penso que um motivo pelo qual não somos melhores é que Deus não nos expurga mais. Noé e Ló: quem foi tão santo como eles no tempo das suas aflições? E, contudo, quem foi tão ocioso como eles, no tempo da sua prosperidade?” “Geralmente, em tempos de aflição desfrutamos das mais doces experiências do amor de Deus.” “A oração fará o homem parar de pecar, ou o pecado instigará o homem a parar de orar.” “Não abandone o culto público a Deus, para não suceder que Deus o abandone, não somente em público, mas também em privado.” 6 Sobre o Autor A Vida de João Bunyan Íoão Bunyan, nome com o qual todos os ouvidos estão familiarizados, nasceu em 1628 no vilarejo de Elstow, glaterra, situado dentro de uma milha de distância de Bedford. Para empregar suas próprias palavras, ele nasceu “de uma geração que era objeto de humilhante desconsideração”, pois seu pai seguiu a carreira universalmente desprezada de latoeiro (consertava panelas e frigideiras). Ao que parece, essa ocupação era mal vista naquele tempo, provavelmente devido a que a confraria de latoeiros não seguia regras ou princípios e os latoeiros em geral eram itinerantes. Mas o pai de João tinha estabelecido residência em Elstow e desfrutava de boa reputação na vizinhança. Além disso, ele providenciou para que João frequentasse uma escola numa época em que era muito menos comum do que, felizmente, agora, os pais pertencentes a uma condição social inferior, fazerem uso das bênçãos da educação para seus filhos. João aprendeu a ler e a escrever, embora mais tarde tenha dito que “logo perdeu o pouco [que ele tinha] aprendido”. Contudo, os seus escritos mostram claramente que sua memória tinha extraordinário e tenaz poder de retenção, 7 JORNADA PARA O INFERNO e que as outras faculdades da sua mente eram saudáveis/ e vigorosas. E provável que a sua avaliação do que se lembrava da escola só reflita o juízo que, em consequência da sua conduta na juventude, levou Bunyan a perder todo o encanto pelo saber humano. Ele achava que isso não tinha acrescentado nada a seu parco estoque de conhecimento, até quando deixou de dissipar preciosos anos num modo de viver mau e inútil. O leitor poderá ver uma vivida e fiel narrativa das suas atividades quando jovem, e da extrema angústia que sentiu em consequência delas, em sua autobiografia espiritual intitulada Grace Abounding to the Chief of Sinners (Graça Abundante para o Pior dos Pecadores). A Graça de Deus em Ação Durante a primeira parte da sua vida, várias vezes Bunyan escapou extraordinariamente de perigo iminente. Duas vezes ele escapou por pouco de afogamento. E quando servia no exército parlamentar, um soldado pediu que Bunyan trocasse de posição com ele, e aquele homem recebeu “um tiro de mosquete na cabeça e morreu”. Posteriormente, recordava os fatos com profunda gratidãoao Deus preservador e paciente, que não o exterminara quando vivia em constantes pecados, mas que havia fundido a misericórdia com o juízo. Entre os atos divinos de misericórdia, não menor que os outros foi o fato de, quando era ainda jovem adolescente, “conquistou uma esposa” que tinha sido educada religiosamente. O exemplo e a conversação dela persuadiram Bunyan a frequentar regularmente a igreja de boa vontade, e a preferir a compa nhia dela junto à sua própria lareira a ir ao bar à companhia dos seus companheiros de bebidas. O jovem casal “uniu-se tão pobre quanto pobre se pode ser, não tendo nenhum utensílio mais que um prato e uma colher entre [eles] dois”. Sua esposa tinha dois livros que trouxera para o seu casamento: The Plain Man’s Pathway to Heaven (O 8 A Vida de João Bunyan Caminho do Homem Comum para o Céu) e The Practice of Piety (A Prática da Piedade).1 Estes livros tiveram significativa influência sobre o desenvolvimento espiritual de Bunyan. Bunyan era jovem, sadio, e manteve um comércio pelo qual sempre pôde ganhar o suficiente para uma vida decente. Sua esposa tinha hábitos frugais, era laboriosa e tinha bom temperamento. Que mais era necessário para iluminar sua cabana, enchendo-a de paz e contentamento, exceto a presença da religião verdadeira em ambos? Mas João ainda era um estranho à verdadeira piedade cristã. Ele tinha adquirido certo gosto por ir à igreja e um grande respeito, como ele descreve, “pela alta posição, pelo gabinete clerical, pelas vestes, pelo culto e por todas as demais coisas relacionadas à igreja”. Sua imaginação forte e ativa muitas vezes era poderosamente incitada por circunstâncias que causariam fraca impressão na mente das pessoas comuns. Mas ele continuava alheio à religião real. Suas devoções eram tão formais quanto se pode imaginar, e muitas vezes não conseguiam manter quieta a sua consciência, muito embora sentisse certo prazer em voltar a elas. Suas noções religiosas eram por demais confusas e contraditórias. Pareciam acompanhadas por uma forte tendência para o misticismo e também para atrevida especulação. V As vezes ele achava que lhe eram ditas palavras vindas do céu. Outras vezes achava que eram apresentados novos e misteriosos objetos a seus sentidos. Ele se entregava à oração e à leitura da Bíblia com um infantil desejo de ser ensinado. Depois abandonava o seu estudo da Palavra para perder-se completamente em meio a especulações, demasiado elevadas para ele, sobre o assunto das leis divinas. 1 Por Lewis Bayly. Em português, A Prática da Piedade, tradução de Odayr Olivetti para Publicações Evangélicas Selecionadas (PES), 2009. 9 JORNADA PARA O INFERNO Tempos de Desespero V As vezes um raio de luz e de esperança cruzava as trevas de sua alma atribulada, e ele achava que podia perceber o que lhe era razoável e oportuno fazer a fim de estar em paz consigo e com seu Deus. Noutras ocasiões as trevas da mais densa noite do desespero pareciam baixar sobre sua alma, e nessa medonha atmosfera ele declarava insanamente: “O estado em que me encontro é miserável, miserável se abandono os meus pecados, miserável se continuo a segui-los. Só posso ser condenado, e, se é preciso que seja assim, tanto faz eu ser condenado por muitos pecados ou por poucos”. Nessas condições, certa ocasião ele disse: Parei no meio do meu jogo, diante de todos os que se achavam presentes, mas não lhes disse nada; mas, tendo chegado a essa conclusão, voltei desesperadamente a meu esporte. E me lembro bem de que, de fato, esse tipo de desespero tomou posse da minha alma de tal maneira, que fui persuadido de que jamais chegaria a ter outro conforto além do que eu obtinha do pecado, pois o céu já se me fora, de modo que eu não deveria pensar mais nele. Por isso senti dentro de mim um grande desejo de encher-me de pecado, estudando que pecado ainda havia para cometer para que eu pudesse saborear sua doçura, para não suceder que eu morresse antes de ver cumpridos os meus desejos. Um Homem Transformado Desse miserável curso de ação ele foi resgatado de maneira extraordinária. Aconteceu que uma mulher, ela própria uma pessoa de mau caráter, ralhou com ele por ter praguejado. Ela lhe disse que ele “era o homem mais ímpio que ela ouvira 10 A Vida de João Bunyan em toda a sua vida” e capaz de corromper toda a juventude da cidade. A crítica chocou-o com tanta força que daquela hora em diante começou a descontinuar o pecado de praguejar. Também se comprometeu a voltar a ler a Bíblia. Sua conduta mudou tanto, que os seus vizinhos começaram a vê-lo como uma pessoa completamente transformada. Antes ele tinha grande prazer em tocar os sinos da igreja. Com sua consciência tornando-se cada vez mais sensível, passou a achar que “essa prática era simplesmente vã”. Abandonou esse divertimento, e também deixou de dançar, considerando a dança uma recreação traiçoeira e frívola. Um espírito legalista tomou posse dele; ele começou a pensar que “nenhum homem da Inglaterra podia agradar a Deus melhor” do que ele. Não tinha consciência da necessidade de uma mudança mais profunda e mais poderosa do coração e da natureza do que a mudança que ele tinha experimentado. Contudo, sentia alguma desconfiança e certa intranquilidade quanto à sua real situação aos olhos de Deus. Como aconteceu que ouviu sem querer algumas mulheres piedosas falarem sobre a regeneração, afinal ficou convencido de que as suas idéias sobre a religião eram muito defeituosas - foi persuadido de que lhe “faltavam os genuínos sinais de um homem verdadeiramente piedoso”. As mulheres a quem Bunyan ficou sendo devedor por sua nova luz eram membros de uma pequena congregação batista em Bedford, cujo pastor era John Gifford. Sobre esse bom homem, o Sr. Ivimey, disse em sua History ofthe English Baptists (História dos Batistas Ingleses): Aparentemente, os seus trabalhos restringiam- -se a um estreito círculo, mas os seus efeitos se estenderam muito amplamente, e não deixarão de existir quando o tempo não mais existir. Aludimos ao fato de ele ter batizado e introduzido na igreja o ímpio latoeiro de Elstow. Gifford foi, sem dúvida, 11 JORNADA PARA O INFERNO o honrado evangelista que encaminhou Bunyan para a “Wicketgate” (porta estreita) pela instrução que lhe deu no conhecimento do evangelho, conduzindo-o das trevas para a luz, e do poder de satanás para Deus. Mal podia imaginar que um tal vaso escolhido, fora enviado para a sua casa, quando abriu a porta para deixar entrar o pobre, depravado e desesperado Bunyan. s E um exagero afirmar que o Sr. Gifford foi o instrumento da conversão de Bunyan; todavia que a sua conversão e a sua pregação foram grandemente abençoadas para o outrora “ímpio latoeiro de Elstow”, temos a melhor autoridade para acreditar. Bunyan suportou interiormente grande agitação de alma, não somente por causa da sua própria consciência de pecado, mas também por causa das conversas de alguns antinomianos (que ensinavam que o perdão de Cristo elimina a necessidade de leis), em cuja companhia ele andava. Mas Bunyan já tivera estudado as Escrituras diligentemente e com fervente oração e, com a bênção do Espírito de Deus, ele obteve um lugar de repouso para seu espírito atribulado na garantia bíblica de que “ninguém que confia em Deus será confundido”. (Ver Isaías 45:17 e Salmo 25:20). Designado para pregar Em 1655, Bunyan, então com vinte e sete anos de idade, foi admitido como membro na igreja do Sr. Gifford. Logo depois, a morte privou a igreja de seu pastor e o jovem irmão, tão recentemente admitido à sua comunhão, depois de algumas provas das suas qualificações, foi chamado para encarregar-se do ofício de pregador ou exortador ocasional entre eles. Acerca dessa incumbência, Bunyan escreveu: 12 A Vida de João Bunyan Alguns dos santos mais capazes entre nós, isto é, os mais capazes de julgamento e de santidade no viver, como eles o concebiam, perceberam que Deus mehavia considerado digno de entender algo da Sua vontade em Sua santa e bendita Palavra, e me dera alguma capacidade de comunicação para expressar o que aprendi para edificação de outros. Por isso me quiseram, e com muita insistência, desejando que eu me dispusesse a incumbir-me de lhes dirigir, algumas vezes, uma palavra de exortação. Embora isso tenha causado, a princípio, muito temor e vergonha a meu espírito, em face do seu insistente desejo e pedido, atendi à sua solicitação. Assim que Bunyan começou a pregar, vinham pessoas de toda parte da região para ouvi-lo. Tal foi o visível sucesso do seu ministério que dentro de pouco tempo, “após solene oração e jejum”, ele foi separado de maneira especial pela igreja para o exercício regular de um ministério itinerante em Bedford e vizinhança. No início do seu ministério, ele tratou principalmente dos terrores da lei. Sobre esse aspecto da sua pregação, ele escreveu: Esta parte do meu trabalho eu cumpri com viva consciência, pois eu pregava o que eu sentia vividamente, ao ponto de minha pobre alma gemer e tremer de espanto sob o seu peso. Eu mesmo ia preso pregar a ouvintes encarcerados, e levava em minha consciência aquele fogo do qual eu os persuadia a experimentar. À medida que o seu horizonte espiritual foi se aclarando, sua pregação passou a ter melhor tom. Agora trabalhava, “ainda pregando o que via e sentia, para pregar Cristo, “o 13 JORNADA PARA O INFERNO amigo do pecador, conquanto inimigo eterno do pecado”, e para persuadir os seus ouvintes a se apoiarem inteiramente na obra e nos ofícios de Cristo. Ele estabeleceu como o objetivo dominante dos seus sermões “remover os falsos suportes e escoras nos quais o mundo se apoia e devido aos quais cai e perece”. Um Escritor Dedicado Agora Bunyan tinha uma constante esfera de atividades e de abundante utilidade aberta para ele. Com sua energia característica, ele procurava preenchê-la, não somente com a pregação da Palavra, mas também com a publicação de breves tratados religiosos. Sua primeira publicação foi intitulada Some Gospel Truths Opened according to the Scriptures (Algumas Verdades do Evangelho Expostas de Acordo com as Escrituras). A esse tratado John Burton, sucessor do Sr. Gifford no ministério regular da igreja de Bedford, prefixou uma carta de recomendação. Burton escreveu: Tenho, com muitos outros santos, experiência da firmeza na fé demonstrada por este homem, da sua conversação piedosa, e da sua capacidade para pregar o evangelho, não por arte humana, mas pelo Espírito de Cristo, e isso com muito sucesso na conversão de pecadores. Sim, e digo mais: tendo experimentado isso e considerando que este livro pode ser proveitoso para muitos outros como tem sido para mim, penso que é meu dever, em face disso, dar testemunho, com o meu irmão, seu autor, das claras e simples, e contudo gloriosas, verdades do nosso Senhor Jesus Cristo. O que particularmente deu ocasião a esse tratado 14 A Vida de João Bunyan parece que foi a oposição que Bunyan experimentou à sua pregação por parte de alguns quacres que lhe disseram que ele “fazia uso de magia e bruxaria”, e que ele “pregava um ídolo, porque dizia que o Filho de Maria estava no céu com o mesmo corpo que fora crucificado na cruz”. Contra essas acusações e em defesa das suas idéias sobre o ensino das Escrituras concernente à morte, ressurreição, ascensão e mediação de Cristo, Bunyan argumentou com grande vigor, como também com clareza de raciocínio e com muito menos aspereza e falta de polidez do que se poderia antecipar pelo temperamento e pela educação do homem, e pelo caráter dos tempos nos quais ele escreveu. Sua linguagem é idiomática, mas pura em extraordinário grau, para o primeiro esforço de composição feito por um homem que não tivera a necessária escolaridade. Uma réplica ao panfleto de Bunyan foi publicada por um tal de Edward Burroughs com o título de The True Faith ofthe Gospel of Peace Contended For in the Spirit of Meekness (A Verdadeira Fé do Evangelho da Paz Defendida com Espírito de Mansidão). Foi uma produção declamatória e injuriosa, mas Bunyan deu-lhe resposta. Burroughs outra vez lhe replicou, e então a controvérsia acabou. Sentenciado à Prisão Em 1657, Bunyan foi indiciado por pregar em Eaton. Nada resultou disso, se bem que o Dr. Robert Southey, um biógrafo de Bunyan, labutou no sentido de provar a existência de um espírito extremamente perseguidor naquele tempo, na Commonwealth Britânica. Contudo, poucos meses depois da Restauração {da realeza}, foi emitido um mandado de prisão contra Bunyan, e ele foi preso em Samsell, Bedfordshire, e levado à presença do juiz Wingate. Quando Bunyan se recusou a abster-se de pregar, foi entregue à prisão de Bedford. Na 15 JORNADA PARA O INFERNO quarta sessão do tribunal, a acusação contra ele dizia: João Bunyan, da cidade de Bedford, trabalhador braçal, diabólica e perniciosamente deixara de vir à igreja para ouvir o culto divino e foi um comum mantenedor de diversas reuniões ilegais e de conventículos [reuniões religiosas secretas, não sancionadas por lei], causando grande perturbação e distração aos bons súditos deste reino, con trariamente às leis do nosso senhor soberano, o rei. Com base nessa acusação ridícula, ele foi devolvido à prisão por três meses, e foi informado de que, se no fim desse período não se sujeitasse a frequentar a igreja e a deixar de pregar, seria banido do reino. Uma Esposa Fiel Nessa época Bunyan era pai de quatro crianças geradas de sua esposa. Maria, sua filha mais velha, tinha nascido cega. Um ano após a morte da sua primeira esposa, ele se casou novamente. Estava próximo o nascimento do primeiro filho do segundo casamento. A notícia da prisão de Bunyan e da perspectiva do seu iminente banimento afetou-a tanto que ela teve parto prematuro de um natimorto. Apesar disso, no meio dessa complicação toda, essa nobre mulher lutou arduamente para conseguir a libertação do marido. Com singeleza de coração, ela viajou para Londres, para fazer uma petição à Casa dos Lordes pela libertação do marido, mas foi orientada a fazer um apelo aos juizes na audiência judicial. Voltou então para casa e, com modéstia e com “o coração trêmulo”, apresentou sua solicitação aos juizes, na presença de muitos magistrados e de muitas pessoas da nobreza do condado. Um desses 16 A Vida de João Bunyan nobres era Sir Matthew Hale, mas ele balançou a cabeça e se declarou incapaz de fazer alguma coisa pelo seu marido. “Seu marido vai parar de pregar?”, perguntou o juiz Twisden. “Se for parar, pode mandar buscá-lo.” “Meu senhor”, replicou a corajosa mulher, “ele não ousará parar de pregar enquanto puder falar.” Sir Matthew ouviu-a com tristeza, mas Twisden zombou dela brutalmente e lhe disse que a pobreza era o seu manto. “Sim”, observou ela, “e porque ele é um latoeiro, e pobre, por isso é desprezado e não lhe podem fazer justiça.” Elizabeth Bunyan concluiu sua narrativa dessa entrevista com estas palavras: Embora eu estivesse um tanto temerosa logo que entrei no recinto, todavia, antes de sair não pude conter as lágrimas - não tanto porque eles foram tão duros de coração contra mim e contra o meu marido, mas porque não pudedeixar de pensar no triste relato que aquelas pobres criaturas terão que apresentar na Vinda do Senhor. Um Confinamento Produtivo Bunyan ficou doze anos na prisão, mas, ocasionalmente, durante esse período, com a conivência do carcereiro, foi-lhe permitido sair furtivamente de noite. Uma vez ele até pôde fazer uma visita aos cristãos de Londres. Foi durante esse longo encarceramento, período no qual, num sentido, desperdiçou a flor da sua idade no confinamento, e teve como únicos livros a Bíblia e Foxe’s Book of Martyrs (Livro dos Mártires de Foxe), que Bunyan escreveu a sua obra imortal, The Pilgrirrís Progress (O Peregrino), além de muitos outros tratados que têm dado muita instrução ao povo de Deus.17 JORNADA PARA O INFERNO Livre da Prisão Durante o último ano que passou no cárcere (1671), Bunyan foi eleito pastor da Igreja Batista de Bedford. Ao que parece, foi-lhe permitido frequentar as reuniões da igreja nos últimos quatro anos do seu aprisionamento. Sem dúvida, sua palavra era considerada garantia suficiente de que todas as noites voltaria para a prisão. Finalmente, foi ordenada a sua soltura. Consta que Barlow, bispo de Lincoln, interferiu em favor de Bunyan. Logo depois que ele foi posto em liberdade, foi construída uma nova capela em Bedford, onde ele pregou a grandes auditórios durante o resto da sua vida. Uma vez por ano ele visitava Londres, onde pregava com grande aceitação, geralmente na casa de reuniões de Southwark. Também costumava fazer extenso trabalho itinerante nos condados circunvizinhos. Dizem que o Dr. Owen sempre estava entre os seus ouvintes metropolitanos. Quando o rei Charles II perguntou a Owen como um homem culto como ele podia sentar-se para ouvir um latoeiro iletrado, o grande erudito e teólogo respondeu: “Queira Vossa Majestade saber que, se eu pudesse ter as habilidades para pregar que esse latoeiro tem, eu com todo o prazer renunciaria a todo o meu saber”. O autor do primeiro esboço biográfico de Bunyan descreve o seu caráter e a sua aparência pessoal desta maneira: Sua fisionomia dava a impressão de um temperamento severo e rude, mas em sua conversação, branda e afável, ele não era dado à loquacidade ou a discursar muito, quando em grupo, a não ser que alguma ocasião urgente o exigia. Nunca foi visto jactar-se de si ou dos de sua parte, mas, antes, ele se deixava ver de 18 A Vida de João Bunyan baixa condição e submeter-se ao juízo de outros. Detestava mentir e jurar. Era justo em tudo sobre o que estava em seu poder pronunciar-se. Não se via Bunyan revidar ofensas. Gostava de conciliar divergências e de fazer com que todos fossem amigos uns dos outros. Tinha olhos penetrantes e ágeis, acompanhados de uma excelente capacidade de discernir pessoas, sendo dotado de bom critério de julgamento e de espírito arguto. Quanto à sua pessoa, era de alta estatura; tinha forte estrutura óssea, mas não era corpulento. O rosto era um tanto rude, e seus olhos rebrilhavam. Usava bigode à antiga moda britânica. Seu cabelo era um tanto ruivo, mas, nos últimos tempos da sua vida, eram salpicados de cinza. Seu nariz retilíneo indicava espírito resoluto. Sua boca era moderadamente grande, sua testa era larga. E seu hábito,2 sempre simples e modesto. Sua Obra Continua Viva Pouca coisa foi registrada sobre o resto da vida de Bunyan. Não se sabe se ele sofreu novamente por não violar sua consciência, quando o espírito de perseguição reviveu e se acalorou contra o povo do Senhor na última parte do reinado de Charles. João Bunyan morreu em Londres no dia doze de agosto de 1688, de febre que o acometeu por ter ficado exposto a chuva. Foi sepultado no cemetério da igreja de Bunhill Fields, Londres. Sua viúva viveu mais quatro anos. Os nomes de alguns dos seus descendentes aparecem nos livros da Igreja Batista de Bedford, mas o seu último descendente conhecido, uma mulher, Hannah Bunyan, sua bisneta, morreu em 1770, com setenta e seis anos de idade. 2 Sua roupa. Nota do tradutor. 19 JORNADA PARA O INFERNO Em 1692, ano da morte de Elizabeth Bunyan, as obras do seu marido, coligidas, foram publicadas em dois volumes in-fólio por Ebenezer Chandler, seu sucessor no ministério de Bedford, e John Wilson, um colega de ministério. Esses volumes contêm cerca de sessenta peças de vários graus quanto a seus méritos, todas ricamente impregnadas da unção de uma profunda e fervorosa piedade. (Escorço adaptado das notas introdutórias do Reverendo Thomas Scott do livro Bunyan’s Whole Allegorical Works [Obras Alegóricas Completas de Bunyan] Glasgow: Fullarton, 1840.) 20 Prefácio O Autor Fala ao Leitor Dileto Leitor, Quando eu estava considerando o que escrevi em The Pilgrim’s Progress (O Peregrino) acerca da viagem de alguém que vai deste mundo para a glória, e considerando que esse livro tem sido útil para muitos, ocorreu-me escrever acerca da vida e morte do ímpio, e das suas idas e vindas em sua viagem deste mundo para o inferno. Como você verá, fiz isso neste livro intitulado Jornada para o Inferno (Journey to Hell), título muito apropriado para tal assunto. Escrevi esta alegoria como um diálogo para que me seja mais fácil contar a história e alimentar a esperança de que você goste dela. Embora eu tenha criado a conversa entre os dois personagens, procurei manter-me fiel à realidade. E um fato que o que estes personagens fictícios relatam tem sido apresentado no palco deste mundo muitas vezes - até diante dos meus olhos. Apresento-lhe aqui, então, cortês leitor, a vida e a morte do Sr. Mau. Eu o sigo em sua vida, desde a sua meninice até sua morte, para que você observe com seus próprios olhos, como num espelho, os passos que levam ao inferno, e também para que você possa discernir, enquanto lê sobre a morte do Sr. Mau, se não se dá o caso de que você está seguindo o mesmo caminho. 21 JORNADA PARA O INFERNO Permita-me implorar a você que se refreie e não ria nem zombe porque o Sr. Mau morreu. Em vez disso, pergunte seriamente a si mesmo se você não pertence à linhagem do Sr. Mau, pois ele deixou atrás muitos parentes. De fato, o s mundo está infestado de membros da sua família. E verdade que alguns dos seus parentes já partiram para seu domicílio eterno, como ele próprio, mas milhares de milhares foram deixados atrás, e estes incluem irmãos, irmãs, primos, sobrinhos e numerosos amigos e associados. Posso dizer, e é a pura verdade, que dificilmente haverá uma confraria, uma comunidade, uma família ou um clã neste mundo em que o Sr. Mau não tenha deixado um irmão, um sobrinho ou um amigo. Portanto, o alvo que miro é amplo. Para este livro será tão impossível ir a várias famílias e não capturar alguns, como para oficiais do governo invadir um antro de traidores e só achar ali pessoas honestas. Só posso pensar que este livro atingirá muitos, visto que os nossos campos estão repletos deste tipo de caça. Quantos o tiro matará dos seguidores do Sr. Mau, e quantos despertará e sensibilizará para o progresso do peregrino, não posso determinar. Este segredo está unicamente com o Senhor nosso Deus, e somente Ele sabe a quem abençoará para que alcance um fim tão bom e tão favorável. Contudo, pus fogo na panela, e não tenho dúvida de que o estampido logo será ouvido. Eu já lhe disse que o Sr. Mau deixou atrás, neste mundo, muitos dos seus amigos e parentes. Se eu sobreviver a eles, o que ainda está para se ver, também poderei escrever sobre as vidas deles. Todavia, seja a minha vida longa ou breve, esta é a minha oração no presente: queira Deus levantar testemunhas contra aqueles para que os convertem ou os destruam, pois onde quer que vivam e chafurdem em sua iniquidade, são uma peste e uma praga. A Inglaterra já estremece e oscila sob o fardo que o Sr. Mau e os seus amigos impiamente lançaram sobre ela. 22 O Autor Fala ao Leitor Sim, a nossa terra vacila e cambaleia para lá e para cá como um bêbado (Ver o Salmo 107:27) devido ao peso das suas transgressões. Amável leitor, justo agora que paramos à porta desta casa, eu o aviso de que o Sr. Mau está morto lá dentro. Portanto, se você pode dispor de um tempo para isso, queira entrar e ver o estado em que ele está, entre o leito de morte e o túmulo. Ainda não foi enterrado, nem cheira mal, como certamente acontecerá antes de cair no esquecimento. Assim como outros tiveram os seus funerais celebrados de acordo com sua fama e grandeza no mundo, assim também o Sr. Mau vai ter os seus funerais de acordo com os seus feitos na terra. Nem ele merece ser enterrado em silêncio (Salmo 31:17). Quatro práticas convencionais são comuns nos funerais dos grandes homens. Espero aludir a esses costumes nosfunerais do Sr. Mau, sem causar ofensa. Primeiro, os mortos às vezes são apresentados aos seus amigos com suas imagens completamente adornadas, tão vivas como o podem fazer mãos hábeis. Esse ato é realizado para que a lembrança deles seja renovada para os seus sobreviventes - a lembrança deles e dos seus feitos. Esforcei-me para incluir uma descrição física em minhas memórias do Sr. Mau; por isso descrevi suas características e suas ações desde a sua infância até quando já era grisalho. Portanto, aqui você o tem retratado vividamente em estágios - infância, flor da juventude e maturidade, junto com aqueles feitos da sua vida que ele realizava costumeiramente em suas correntes circunstâncias de tempo, lugar, força e oportunidade. Segundo, também é costume, nos funerais de grandes homens, exibir seus escudos e insígnias de honra, que re ceberam dos seus ancestrais ou dos quais eles são considerados merecedores pelos feitos e proezas que realizaram em suas vidas. O Sr. Mau tem sua coleção, porém suas laureas diferem das recebidas por homens de valor, pois o seu brasão ostenta falta de méritos em suas ações. Suas honras decaíram, e ele 23 JORNADA PARA O INFERNO veio a ser “um renovo abominável” (Isaías 14:19) em sua árvore genealógica. Seus merecimentos são o prêmio do pecado. Então, o seu brasão rememora apenas que ele morreu sem honra, “e no seu fim (se fez) um insensato” (Jeremias 17:11). “Com eles (com os mortos honrados) não te reunirás na sepultura...: a descendência dos malignos não será nomeada para sempre” (Isaías 14:20). Consequentemente, a pompa dos funerais do Sr. Mau constará tão somente das insígnias de uma vida desonrosa e iníqua, visto que os “seus ossos estão cheios do pecado da sua juventude, que com ele se deitará no pó” (Jó 20:11, tradução direta). Tampouco fica bem que pessoas lhe deem assistência agora, em sua morte, exceto aquelas que conspiraram contra as suas próprias almas durante as suas vidas - pessoas cujas transgressões as tornaram infames aos olhos de todos os que sabem ou saberão o que elas fizeram. Indiquei para o leitor, aqui, neste pequeno discurso, os que foram os associados dele em sua vida, e seus assistentes em sua morte. Dei a entender algo da grande vilania cometida por eles, como também os juízos que os surpreenderam e que caíram sobre eles, da justa e vindicatória mão de Deus. Conheço todas estas, ou como testemunha ocular, ou porque recebi informação de fontes fidedignas, em cujos relatos tenho que acreditar. Terceiro, os funerais de pessoas de destaque foram solenizados com sermões apropriados nas ocasiões e nos locais do seu sepultamento, mas ainda não cheguei a esse assunto em relação ao Sr. Mau; mencionei apenas a sua morte. Visto que tem que ser sepultado, depois de feder diante dos seus espectadores, não tenho dúvida de que alguns daqueles a respeito dos quais lemos que são designados para estar no enterro de Gogue farão esse trabalho em meu lugar. (Ver Ezequiel, capítulo 39.). Não deixarão nem pele nem ossos acima do solo, mas levantarão junto dele “um sinal, até que os enterradores o enterrem no vale da multidão de Gogue” (Ezequiel 39:15). 24 O Autor Fala ao Leitor Quarto, geralmente ouvimos lamentos nos funerais, mas outra vez o funeral do Sr. Mau é diferente dos demais. Seus amigos não podem lamentar sua partida, pois não se apercebem do seu estado condenável. Em vez disso, eles celebram com música e canto sua ida para o inferno no sono da morte. Os homens bons não o consideram perda para o mundo. Seu local de trabalho fica melhor sem ele. s Sua perda é somente dele próprio. E tarde demais para que ele se recupere do dano sofrido, ainda que derramando um mar de lágrimas sangrentas, mesmo que ele fosse capaz de derramá-las. Quem, então, o pranteará, dizendo: “Oh, meu irmão!”? Ele nada mais foi do que uma pútrida erva daninha em sua vida, e nada melhor que isso em sua morte. Os seus semelhantes poderiam muito bem ser lançados muro abaixo sem tristeza (Ver 2 Samuel 20:21,22; 2 Reis 9:30-33), uma vez que Deus, em Sua ira, os arrancou pelas raízes (Judas, versículo 12). Leitor, se você é da raça, da linhagem, do tronco ou da irmandade do Sr. Mau, digo-lhe, antes de ler este livro, que você não vai tolerar nem o autor nem o que ele escreveu sobre o Sr. Mau. Porquanto aquele que condena os ímpios que morrem, também passa a sentença sobre os ímpios que vivem; por isso não espero seu crédito nem sua aprovação por esta narração da vida daquele com quem você tem tanta afinidade. Pois o seu velho amor por seu amigo, seus caminhos e seus atos despertarão em seu coração inimizade contra mim. Imagino que você vai ficar com raiva e vai rasgar, queimar ou atirar para longe este livro. Pode ser que você até queira que, por eu ter escrito uma verdade tão notória, eu tope com algum malefício em meu caminho. Só posso pensar que você acumule desdém, escárnio e desprezo contra mim; que você me faça mal e me calunie, dizendo que eu sou um difamador das vidas e mortes de homens honestos. Não espero outra coisa, porque o Sr. Mau, quando vivo, não tolerava ser chamado de vilão, apesar de seus atos dizerem a todo o mundo que ele o 25 JORNADA PARA O INFERNO era. Como, então, seus amigos que lhe sobrevivem e que seguem em seus passos poderiam aprovar a sentença que por este livro é pronunciada contra ele? Certamente eles vão me censurar por condená-lo, e vão imitar os amigos de Coré, Datã e Abirão que acusaram falsamente Moisés de cometer injustiça. (Ver Números 16:1-33 {notar o versículo 41». Sei que é perigoso “pôr a mão na cova do basilisco [víbora]” (Isaías 11:8) e que é arriscado caçar porco selvagem. Igualmente, o homem que escreve sobre a vida do Sr. Mau precisa ser protegido com um escudo e com uma lança pontiaguda, para que os seus amigos que continuam vivos sejam menos capazes de causar dano ao escritor, mas eu me aventurei a contar a história sobre ele e desempenhar o meu papel, desta vez, na cova dessas áspides. Se morderem, que mordam; se picarem, que piquem. Cristo envia Suas ovelhas “ao meio de lobos” (Mateus 10:16), não para agirem como lobos, mas para sofrerem por meio deles, para darem claro testemunho contra suas más ações. Todavia, será que não precisamos andar custodiados por uma guarda e ter um posto de sentinela à porta para proteção? Na verdade, a carne se alegraria em ter tal ajuda, como foi com Paulo quando os judeus conspiraram para matá-lo e o comandante frustrou o complô. (Ver Atos, capítulo 23.) Entretanto eu me vejo despojado de suporte, e, contudo, tenho ordem de ser fiel em meu serviço pela causa de Cristo. Bem está, pois. Falei o que falei, e agora “venha sobre mim/ o que vier” (Jó 13:13). E certo que as Escrituras dizem: “O que repreende o escamecedor, toma afronta para si; e o que censura o ímpio recebe a sua mancha. Não repreendas o escamecedor, para que te não aborreça” (Provérbios 9:7,8). Mas, e então? “Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto” (Provérbios 27:5), e aquele que a recebe verá que é isso mesmo. 26 O Autor Fala ao Leitor Assim, pois, se os amigos do Sr. Mau se enraivecerem ou rirem pelo que escrevi, eu sei que a vitória é minha. O meu esforço visa deter o curso infernal de alguma vida e “salvar da morte uma alma” (Tiago 5:20). E, se por agir assim eu me defrontar com maldade da parte daqueles dos quais seria razoável eu receber agradecimentos, devo lembrar-me do homem que, num sonho, abriu caminho em meio a seus inimigos armados, e assim entrou no belo palácio (referência a O Peregrino); devo, reitero, lembrar-me dele e fazer o que ele fez. Contudo, ofereço quatro coisas aos amigos do Sr. Mau para que as considerem, antes de me despedir deles. Suponhamos que existe realmente um inferno - não que eu ponha em dúvida sua existência; creio tanto em sua existência como creio no sol que nos ilumina. Mas digo isso como um modo de argumentar com os amigos do Sr. Mau.Digo, pois: suponhamos que existe um inferno, tal como as Escrituras falam dele, um inferno situado na mais remota distância de Deus e da vida eterna. Um inferno onde o verme de uma consciência culpada nunca morre e onde o fogo da ira de Deus nunca se apaga (Isaías 66:24). Suponhamos, digo, que o inferno é uma realidade - como de fato é - e que foi preparado por Deus para nele o corpo e a alma dos ímpios serem atormentados depois desta existência. Suponhamos que o inferno é real, e então me diga se ele foi preparado para você, se você é ímpio. Que sua consciência fale! Foi preparado para você? E você acha que, se estivesse lá agora, poderia brigar com o julgamento dado por Deus? Por que será, então, que os anjos caídos tremem lá? (Ver Isaías 24:21,22.) Suas mãos não terão forças, nem seu coração resistirá naquele dia em que Deus der a você o devido tratamento (Ezequiel 22:14). Suponhamos que a um pecador que agora é uma alma no inferno fosse permitido vir à terra para ter uma nova vida, e que ele tivesse a garantia de que, tendo corrigido o seu 27 JORNADA PARA O INFERNO modo de viver, na próxima vez que morresse poderia trocar seu terrível lugar pelo céu e pela glória. Que é que você diz, ó ímpio? Você acha que alguém seguiria o mesmo curso de vida que seguia anteriormente e se arriscaria a ser condenado de novo pelos mesmos pecados nos quais se havia envolvido antes? Acha que ele escolhería seguir o curso de vida que acendería novamente as chamas do inferno para ele, e que imporia sobre ele a pesada ira de Deus? Ele não faria isso. Não faria mesmo! As Escrituras dão a entender isso (Ver Lucas 16:19-31). A própria razão tremería e repudiaria tal pensamento. Suponhamos também que você, que vive e tem prazer em seu pecado, ainda não experimentou nada, senão os prazeres do pecado. Imagine que um anjo o levasse a um lugar de onde pudesse ver facilmente os gozos do céu e os tormentos do inferno. Suponhamos que dessa posição você tivesse uma visão que o convencesse plenamente da realidade do céu e do inferno, como a Palavra o declara. Você acha que, quando voltasse para casa, escolheria a vida anterior, isto é, escolhería voltar à sua loucura? Não! Se a crença que tal visão lhe deu permanecesse em seu coração, você preferiría comer fogo e enxofre a continuar vivendo nos enganosos prazeres do pecado. Faço mais uma sugestão. Suponhamos que houvesse uma lei e um oficial capaz de impor a seguinte punição por todas as iniquidades que você cometeu: que uma parte da sua carne fosse arrancada dos seus ossos com fortes pinças em brasa. Você continuaria em seu atrevido costume de mentir, praguejar, beber e se prostituir como gosta de fazer atualmente? Certamente de não! O medo da punição faria você refrear-se, faria você tremer, por mais poderosa que seja a sua concupiscência. Certamente você pensaria no castigo que teria que suportar tão logo terminasse o prazer. Mas, ó, a estupidez, a loucura, a desesperada insanidade que há nos corações dos amigos do Sr. Mau! Apesar das 28 O Autor Fala ao Leitor ameaças de um santo Deus, que se vinga do pecado, e dos clamores e advertências de todos os bons homens, a despeito dos gemidos e tormentos dos que agora estão no inferno por seus pecados (Ver Lucas 16:24), eles continuam seu pecaminoso curso de vida, muito embora seja fato que cada pecado é um passo na descida para aquele abismo infernal. Como é verdadeira esta declaração de Salomão: que “Este é o mal que há entre tudo quanto se faz debaixo do sol... que também o coração dos filhos dos homens está cheio de maldade; que há desvarios no seu coração, na sua vida; e que depois se vão aos mortos” (Eclesiastes 9:3). “Aos mortos” - isto é, aos mortos que estão no inferno, aos mortos condenados, ao lugar para o qual se foram aqueles que morreram como maus, e para o qual irão aqueles que atualmente vivem como maus, quando um pouco mais de pecado embeberá, como águas roubadas, suas almas pecadoras. (Provérbios 9:16-18.) Escrevi este livro porque a iniquidade, como uma enchente, está prestes a afogar o mundo. Já parece estar acima dos pináculos dos montes. Já tragou quase tudo; nossa juventude, os da idade mediana, os idosos, e parece que todos estão sendo s arrastados por esta enchente. O deboche, deboche, que foi que vocês fez? Você corrompeu os nossos jovens e fez dos nossos homens idosos verdadeiros animais. Você desflorou nossas virgens e fez de nossas matronas exploradoras da prostituição. Fez com a nossa terra tanto mal que se pode dizer dela o que o profeta diz da terra de Israel: “De todo vacilará a terra como o ébrio, e será movida e removida como a choça de noite; e a sua transgressão se agravará sobre ela, e cairá e nunca mais se levantará” (Isaías 24:20). Oh, se eu pudesse prantear por nosso país, e pelos pecados que aqui são cometidos, quando vejo que, sem arrependimento, os homens enviados pela ira de Deus, estão prestes a dar-nos o trato que merecemos, cada um deles “com as suas armas destruidoras na mãor (Ezequiel 9:1). Pela assistência de Deus, escrevi para advertir as pessoas contra o pecado, e oro pelo 29 JORNADA PARA O INFERNO abrandamento desta inundação do mal. Se eu ao menos pudesse ver os topos das montanhas aparecendo acima dela, eu pensaria que as águas estariam baixando./ E dever dos que podem gritar contra esta praga mortal elevar suas vozes como trombetas contra ela, para que as pessoas sejam despertadas e fujam dela como quem foge do maior de todos os males. O pecado arrastou anjos para fora do céu, arrasta homens para dentro do inferno e destrói reinos. Quem vê uma casa ardendo em chamas porventura não soa o alarme para os que estão lá dentro? Quem vê o território invadido não dá o alerta? Acaso quem vê o diabo rondando como leão rugente, continuamente devorando almas (1 Pedro 5:8), não bradaria avisando o povo? Mas, acima de tudo, ao vermos o pecado, o gravoso pecado, tragando uma nação, afundando-a, e levando os seus habitantes à ruína temporal, espiritual e eterna, quem não a alertaria aos brados? Não diriamos nós: “Bêbados estão, mas não de vinho, andam titubeando, mas não de bebida forte” (Isaías 29:9); estão intoxicados pelo veneno mortal do pecado? Não advertiremos que, se a sua malignidade não for subjugada por algum meio salutar e eficiente, esse veneno levará a alma, o corpo, o estado, o país e tudo à ruína e à destruição? Com este clamor eu mesmo me livrarei das ruínas daqueles que perecem, pois um homem não pode fazer nada mais nesta questão - quero dizer, um homem em minhas condições - do que detectar e condenar a iniquidade, advertir do juízo o malfeitor, e fugir, ele próprio, do juízo. Mas, ó, se eu pudesse libertar mais alguém, não só a mim mesmo! Oh, que muitos ouvissem o alerta e abandonassem o seu pecado! Então seriam protegidos da morte e do juízo que a acompanham. Mantive ocultos muitos dos nomes das pessoas sobre cujos pecados ou castigos escrevo neste livro. Sei muito bem os motivos pelos quais tratei deste assunto segundo este método. Mas em parte não revelei os nomes de muitos 30 O Autor Fala ao Leitor porque nem todos os seus pecados ou seus julgamentos são públicos; os pecados de alguns foram cometidos em privado, e os juízos executados sobre eles foram mantidos confidenciais. Muito embora eu saiba alguns dos seus nomes, não quis revelá-los por esta razão: não quero provocar seus parentes que ainda vivem. Também não desejo lançá- -los à desgraça e ao desprezo, o que, penso eu, aconteceria inevitavelmente se eu revelasse seus nomes. Quanto àqueles cujos nomes eu menciono, seus crimes, ou os juízos que sofreram, se tornaram públicos, como quase tudo o que dessa natureza acontece com os mortais. Eles próprios divulgaram o seu opróbrio por seus pecados, e Deus declarou Sua ira tomando vingança pública. Como disse Jó: Deus “bate-lhes como ímpios que são à vista de quem os contempla” (Jó 34:26). Por isso não posso imaginarque a minha advertência ao mundo seja em detrimento deles, pois os seus pecados e os seus juízos foram conspícuos. Pois a divulgação dessas coisas, quanto ao que se refere às minhas palavras sobre elas, tem a intenção de servir de acicate à memória, para que eles se lembrem da verdade, arrependam- -se e sejam convertidos a Deus - para não suceder que os julgamentos por seus pecados sejam ou venham a ser de comprovada hereditariedade. Porquanto o Deus do céu ameaçou visitar “a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que [O odeiam]” (Êxodo 20:5). O castigo imposto a Nabucodonosor por seu orgulho foi declarado publicamente, porque devido ao seu pecado ele perdeu sua dignidade real, ele foi expulso do meio dos homens para comer capim como os bois, e a ficar na companhia dos animais do campo (Daniel 4:30-33). Daniel não hesitou em falar francamente a Belsazar, filho de Nabucodonosor, sobre os seus pecados e sobre os pecados de seu pai (Daniel 5:18-30) e a publicar um relatório disso para que fosse lido e lembrado pelas gerações futuras. A mesma coisa se pode dizer de Judas (Atos 1:18,19), de Ananias (Atos 5:1-5) e de outros que, por 31 JORNADA PARA O INFERNO seus pecados e respectivos castigos, foram conhecidos por todos os que viviam em Jerusalém. É um sinal de desesperada impenitência e dureza de coração suceder que a prole ou os parentes dos que caíram em pecado público, grande e grave, fechem os olhos, esqueçam, passem de largo ou não deem a mínima ao alto preço imposto por Deus a eles e às suas famílias. Dessa forma Daniel aumentou o crime de Belsazar porque esse, em seu orgulho, endureceu o seu coração, apesar de saber que por esse mesmo pecado e transgressão seu pai tinha sido rebaixado de sua alta posição e forçado a ser companheiro de asnos. “E tu, seu filho, Belsazar, não humilhaste o teu coração, ainda que soubeste de tudo isto” (Daniel 5:22). Esta censura foi mais que justa e certa, mas serviu para levar Belsazar a continuar pecando aberta e persistentemente. Advirto, pois, vocês, descendentes ou parentes daqueles que, por seus próprios pecados e pelos julgamentos terríveis que Deus lhes impôs, tornaram-se um sinal (Números 16:38- 40) e foram varridos como esterco da face da terra - advirto, repito, que se cuidem, para não suceder que quando o juízo bater às suas portas por seus pecados, como batera às portas dos seus progenitores, caia sobre vocês um golpe tão pesado como o que caiu sobre os seus antecessores; e para que não suceda que naquele dia, em vez de vocês encontrarem misericórdia, encontrem, por causa dos seus pecados, “juízo sem misericórdia” (Tiago 2:13). Para concluir, aqueles que não querem ter a morte que o Sr. Mau teve, tratem de cuidar de não seguir os caminhos do Sr. Mau, pois os seus caminhos levam a seu fim. A impiedade não livrará os que se entregam a ela, mesmo que vistam o manto da profissão de uma religião. Antigamente era uma transgressão um homem usar roupa de mulher; certamente é uma transgressão agora um pecador usar uma profissão de fé cristã como seu manto. Lobos vestidos de ovelhas (Mateus 7:15) fervilham no dia de hoje, lobos tanto quanto à doutrina como quanto à prática. Alguns vestem o manto do cristianismo 32 O Autor Fala ao Leitor a fim de obterem acesso a uma carreira profissional. Depois eles procuram construir um patrimônio, mesmo que com a sua desonestidade arruinem os seus vizinhos. Cuidado, então, pois os que fazem tais coisas receberão terrível condenação. Cristão, faça a sua reputação brilhar com uma conduta que se conforme ao evangelho (Filipenses 1:27), se não você causará dano à religião, trará escândalo a seus irmãos e se tornará um “tropeço” (Romanos 14:13). Se você induzir outros a pecarem, “melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar (Mateus 18:6). Cristão, nestes dias uma reputação de vida piedosa é coisa rara; procure revestir-se dela, e trate de mantê-la “sem mácula” (1 Timóteo 6:14). Essa conduta realmente piedosa o tornará alvo e limpo, e você será, de verdade, um cristão incomum. A profecia do fim dos tempos, como a entendo em 2 Timóteo, capítulo 3, é que até mesmo crentes professos se tornarão vis, “tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela” (versículo 5). Eu o concito à firmeza perseverante com as palavras do apóstolo Paulo a Timóteo: “permanece naquilo que aprendeste” (versículo 14), não de homens depravados, nem de tempos licenciosos, mas da Palavra e da doutrina de Deus, isto é, segundo Cristo, com pureza. O Deus todo-poderoso deu a Seu povo graça, não para odiar ou lançar lama sobre os pecadores, nem para escolher nenhum dos seus caminhos, mas para manter o Seu povo limpo “do sangue de todos” (Atos 20:26). Os filhos de Deus devem falar e agir de acordo com Seu nome e com Suas normas, que eles declaram conhecer e amar pela causa de Cristo. - João Bunyan 33 1 As Consequências da Morte de um Homem Mau Sr. Prudente. Bom dia, meu bom vizinho, Sr. Atencioso. Por que está caminhando tão cedo esta manhã? Parece preocupado. Perdeu alguma cabeça do seu gado, ou alguma outra coisa? Sr. Atencioso. Bom dia, meu senhor. Não perdi nada, mas o senhor tem razão. Estou inquieto em meu coração, mas é por causa do mal dos tempos. O senhor e todos os nossos vizinhos sabem que sou muito observador. Portanto, diga- -me, por favor, o que acha destes tempos. Prudente. Ora, em primeiro lugar, penso que estes tempos são maus, e que continuarão maus enquanto os homens não melhorarem; pois homens maus tornam maus os tempos. Então, se as pessoas mudassem, os tempos mudariam. E tolice buscar bons dias enquanto o pecado avança desenfreado e os que os promovem são tantos.1 1 Fato terrível é que a corrupção generalizada é sempre recorrente na história da humanidade em geral e do povo de Deus em particular. Isaías começa seu livro clamando e exclamando sobre isso, Jesus falou da geração perversa, no mundo pagão Cícero exclamou: “O têmpora! o mores!” (O tempos! O 35 JORNADA PARA O INFERNO Rogo a Deus que derrube o pecado e ponha aqueles que o incentivam a arrepender-se. Então, meu bom vizinho, o senhor não ficará preocupado como está agora. O senhor se aflige agora porque os tempos são muito maus, mas então se alegrará porque os tempos serão muito bons. Agora se preocupa, e o motivo da sua preocupação o deixa perplexo, mas depois o seu interesse pelos tempos fará você levantar sua voz alto e bom som. Ouso dizer que, se o senhor pudesse ver tais dias, eles o fariam soltar exclamações de alegria! Atencioso. Sim, certamente o fariam. Tenho orado e esperado ansiosamente por tais tempos, mas receio que as coisas vão piorar antes de melhorar. Prudente. Não tire conclusões, amigo, pois Aquele que tem em Suas mãos os corações dos homens pode mudá-los do pior para o melhor, e, igualmente, pode tornar bons os maus tempos. Oro a Deus rogando que dê longa vida aos bons, principalmente aos que podem servi-lO no mundo. Depois do glorioso Deus e Suas maravilhas, a graça e a beleza do mundo são as que luzem e brilham na piedade cristã. Bem, ao dizer isso o Sr. Prudente deu um grande suspiro. Atencioso. Amém, amém. Mas, por que esse suspiro tão profundo, bom senhor? Seria pela mesma razão que causa a minha apreensão? Prudente. Estou inquieto como o senhor pela iniquidade dos tempos, mas não é essa a razão do meu suspiro, que você notou. Suspirei porque me lembrei da morte daquele costumes!); e nós, quais serão nossas exclamações? Nota do tradutor. 36 As Consequências da Morte de um Homem Mau homem pelo qual os sinos dobraram em nossa cidade ontem. Atencioso. Espero que não seja a morte do seu vizinho, o Sr. Bom. Soube que ele esta doente. Prudente. Não, não; não me refiro ao Sr. Bom. Se fosse ele, eu ficaria preocupado, mas não aflito como estou. Se ele tivesse morrido, eu só o prantearia porque o mundo teria perdidouma luz. Mas o homem que me causa perturbação agora nunca foi bom; portanto, ele não só morreu, mas também foi condenado. Sua morte natural o introduziu na morte eterna. (Ver 1 Coríntios 6:9.) Ele passou da vida para a morte, e depois, da morte para a morte. Quando o Sr. Prudente disse essas palavras, lágrimas inundaram seus olhos. s Atencioso. E verdade; ir do leito de morte para o inferno, até pensar nisso é terrível. Mas, bom vizinho Sr. Prudente, diga-me, por favor, quem era esse homem e por que julga sua morte tão miserável. Prudente. Bem, se dispõe de tempo, vou lhe dizer quem ele era e por que concluo que o seu fim foi miserável. Atencioso. Minha agenda me permite demorar-me, e estou desejoso de ouvi-lo sobre isso. Rogo a Deus que suas palavras cativem o meu coração para que com o que vou ouvir eu me torne melhor do que sou. Assim foi que ambos concordaram em sentar-se embaixo de uma árvore. Então o Sr. Prudente continuou. Prudente. O homem a quem me refiro é o Sr. Mau. Ele viveu 37 JORNADA PARA O INFERNO muito tempo em nossa cidade e agora, como eu disse, está morto. Mas a razão pela qual eu me preocupo com sua morte não é que ele fosse homem de minhas relações, pois não era, nem que algumas boas condições teriam morrido com ele, pois ele estava longe destas. Mas meu grande temor é que, como dei a entender antes, ele tenha sofrido duas mortes de uma vez. Atencioso. Vejo o que o senhor quer dizer com duas mortes de uma vez. Para falar com sinceridade, é horrível ter base para achar que alguém foi ou vai para o inferno. Morrer nesse estado é mais terrível e pavoroso do que se pode imaginar. De fato, se o homem não tivesse alma, se o seu estado não fosse realmente imortal, a questão não seria tão devastadora. Mas, visto que o homem foi feito por seu Criador para ser sensível para sempre, cair ele nas mãos de uma justiça reivindicadora que o pune na tenebrosa masmorra do inferno, com o castigo e sofrimento extremos que o seu pecado merece, sempre será um fim indescritivelmente triste e lamentável. Prudente. Penso eu que todo e qualquer homem capaz de perceber o valor da alma humana, ao saber da morte de alguém irregenerado só pode sentir-se abalado fortemente pela tristeza e dor. Como o senhor já expôs muito bem, o estado do homem é tal que ele é um ser sensível para sempre. Pois é sentir a punição que a torna dura e pesada. Mas, o sentir não é a única coisa que o condenado tem; ele tem razão, cérebro, também. Por isso, então, assim como pelos sentidos ele recebe a punição com tristeza, porque ele a sente e sangra sob a dor, assim também pela razão, e pelo exercício dela, no meio do seu tormento, toda a aflição ali presente é aumentada. Há três modos pelos quais isso acontece. 38 As Consequências da Morte de um Homem Mau Primeiro, a razão fará de si para si esta consideração: por que razão estou sendo atormentado? Facilmente será verificado que não é por nenhum outro motivo senão por esta realidade vil e torpe: o pecado. Agora a conturbação se mistura com a punição, aumentando grandemente a aflição. Depois a razão considerará a seguinte pergunta: quanto tempo deverá durar este meu estado? E logo lhe vem esta resposta: este meu estado vai durar para todo o sempre. Essa percepção vai aumentar enormemente o seu tormento. Finalmente, a razão vai considerar este último pensa mento: que mais eu perdi, além de descanso e sossego, por causa dos pecados que cometi? A resposta virá prontamente: perdi a comunhão com Deus, com Cristo, com os santos, e com os anjos, e perdi o gozo do céu e da vida eterna. Esse pensamento medonho aumentará a miséria das pobres almas condenadas. Essa é a situação do Sr. Mau. Atencioso. Só de pensar em vir a esse estado sinto tremer meu coração. Inferno - que pessoa que ainda vive sabe como e quais são os tormentos do inferno? A palavra “inferno” produz um som verdadeiramente terrível! Prudente. Sim, produz mesmo, nos ouvidos daquele que tem consciência sensível. Mas se, como o senhor diz acertadamente, o simples nome do inferno é tão terrível, que dizer do lugar propriamente dito, e dos castigos infligidos ali às almas dos condenados, sem nenhuma intermissão, para sempre e sempre? Atencioso. Antes de continuar esse assunto, e como disponho 39 JORNADA PARA O INFERNO de tempo para conversar, por favor, diga-me o que é que o faz pensar que o Sr. Mau foi para o inferno. Prudente. Vou dizer-lhe por que penso assim. Mas, primeiro, você sabe a qual homem mau eu me refiro? Atencioso. Por quê? Há mais de um? Prudente. Oh, há muitos, tanto irmãos como irmãs, e, todavia, todos eles eram filhos de pai piedoso, o que torna a verdade mais lamentável! Atencioso. Então, qual deles foi que morreu? Prudente. O mais velho deles; mais velho na idade e mais velho no pecado; mas mesmo o pecador que morra com cem anos de idade será condenado, continuará sob maldição. Atencioso. Mas o que o faz pensar que ele foi para o inferno? Prudente. Sua vida ímpia e sua morte horrível, principalmente vendo que o seu jeito de morrer correspondeu a seu jeito de viver. Atencioso. Descreva-me, por favor, como ele morreu, se é que conhece bem os detalhes. Prudente. Eu estava lá quando ele morreu. Enquanto eu viver, espero nunca mais ver outro morrer como ele. Atencioso. Por favor, fale-me sobre isso. Prudente. O senhor diz que tem tempo e pode demorar-se aqui; por isso, se for de seu gosto, examinemos a vida desse homem e depois passemos à sua morte, porque 40 As Consequências da Morte de um Homem Mau ouvir sobre sua morte pode afetar mais você depois de ter ouvido sobre a sua vida. Atencioso. O senhor o conheceu bem durante a sua vida? Prudente. Conheci-o quando ele era criança. Também quando ele era um rapaz e eu já era homem. E assim eu tive a oportunidade de observá-lo durante toda a sua vida. Atencioso. Então, por favor, faça-me um relato da vida dele, mas que seja tão breve quanto lhe for possível, pois estou interessado em ouvir sobre como ele morreu. 41 2 Um Menino Mau Prudente. Vou esforçar-me para responder suas perguntas sobre a vida e a morte do Sr. Mau. Mas primeiro vou- -lhe contar que, mesmo como criança, ele era muito mau. Seu começo foi ominoso e foi um prenúncio de que nada de bom viria dali. Diversos pecados para os quais ele tinha tendência mostravam que ele estava notoriamente infectado pela corrupção original. Posso dizer que ele não aprendeu nenhum desses pecados de seu pai ou de sua mãe, nem lhe era permitido brincar com outras crianças que eram moralmente corruptas e assim aprender do mau exemplo delas. Ao contrário, se alguma vez se misturou com outras crianças, ele foi o que proferia más palavras e o líder das outras na prática de más ações. Desde o tempo da sua meninice, ele era o cabecilha do grupo e o pecador chefe. Atencioso. De fato se vê que ele teve um mau começo e demonstrou que estava, como o senhor diz, contaminado, muito contaminado, pela corrupção original. Para expor francamente o que penso, confesso que a minha opinião é que as crianças entram no mundo contaminadas pelo 43 JORNADA PARA O INFERNO pecado e que muitas vezes os pecados da sua mocidade, especialmente quando elas são muito jovens, decorrem do pecado inerente, e não de exemplos postos diante delas por outras pessoas. Não é que não aprendem a pecar pelo exemplo alheio; também o aprendem por esse meio. Todavia, o exemplo não é a raiz, constituindo na verdade a tentação para pecar. A raiz é o pecado interior, pois, como as Escrituras dizem: “Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem” (Marcos 7:21-23). Prudente. Alegra-me ouvir que o senhor tem essa opinião, e eu confirmo suas palavras com algumas verdades da Palavrade Deus: o homem, em seu nascimento, é comparado com um asno, com um animal impuro (Jó 11:12), e com o maserável nascituro contaminado pelo seu próprio sangue (Ezequiel 16:4-6). Além disso, antiga mente todo primogênito que era oferecido ao Senhor deveria ser resgatado quando completasse um mês de idade, e isso acontecia antes de os bebês serem pecadores por imitação (Êxodo 13:13,15; 34.20; Números 18:15,16). As Escrituras afirmam também que, “como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte” (Romanos 5:12), e dá com isso, no mesmo versículo, a razão para o juízo condenatório: “A morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” (vers.12). A objeção segundo a qual Cristo, por Sua morte, eliminou o pecado original, é destituída de fundamento. Primeiro, não tem base porque não consta nas Escrituras. Segundo, 44 Um Menino Mau torna as crianças impossibilitadas de receberem a salvação realizada por Cristo, pois somente as pessoas que, em si, são pecadoras têm possibilidade de receber dEle a salvação. Poderiamos acrescentar outros argumentos, mas entre as pessoas que concordam entre si, como acontece entre nós dois, esses argumentos podem ser suficiente no momento. Mas quando algum antagonista vier tratar conosco deste assunto, temos outros fortes argumentos para lhe apresentar, se se tratar de oponente que mereça a nossa atenção. Atencioso. Mas, como o senhor sugeriu antes, o (jovem) Sr. Mau costumava ser o cabecilha de pecadores, ou o mestre do mal entre outras crianças. Contudo, essas descrições são gerais. Por favor, fale-me sobre os pecados específicos da infância dele. Prudente. Fá-lo-ei. Quando ele era tão-somente uma criança, estava tão habituado a mentir que os seus pais tinham dificuldade em saber quando acreditar que ele estava falando a verdade. Ele atrevidamente inventava e falava mentiras, e se punha atrás das mentiras que criava. Observando a sem-vergonhice e a desfaçatez em seu rosto quando dizia suas mentiras, podíamos reconhecer os sintomas de um coração empedernido e irremediável. Atencioso. Foi um começo imoral, sem dúvida, e bem se vê que ele começou a endurecer-se muito cedo em sua vida. Pois uma mentira não pode ser conscientemente dita e mantida por uma pessoa - e eu vejo que este foi seu modo de mentir - a não ser que, por assim dizer, ela force o seu coração a isso. Sim, só pode ser que o menino mau endureceu o seu coração e o forçou a atrever-se a mentir e mentir. Ele deve ter chegado a um excessivo grau de impiedade, para agir dessa forma, visto que fez tudo isso 45 JORNADA PARA O INFERNO contra a boa instrução que recebera do seu pai e da sua mãe. Prudente. Muitas vezes, a falta de boa educação é, como o senhor indicou, a razão pela qual as crianças se tornam más tão facilmente e tão depressa - principalmente quando não somente falta instrução moral, mas também há maus exemplos para elas seguirem. Lamentavelmente, é isso que acontece com muitas famílias. Em consequência, muitas pobres crianças são treinadas no pecado e são mantidas nele pelo diabo e pelo inferno. Mas foi diferente com o Sr. Mau, pois, quanto eu saiba, seu hábito de mentir era causa de grande pesar para seus pais, e eles se encheram de desânimo e de temor face à precoce tendência de seu filho para pecar. Não houve falta de bons conselhos e de correção da parte deles, em seus esforços para fazê-lo melhorar. Muitas vezes ouvi que lhe diziam, repetidamente, que “a todos os mentirosos, a sua parte está no lago que arde com fogo e enxofre” (Apocalipse 21:8), e que não entrará na Jerusalém celeste “coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” ((Apocalipse 21:27). O menino mau foi bem instruído sobre o fato de que “qualquer que ama e comete a mentira” nunca terá parte naquela grande cidade (Apocalipse 22:15). Mas todas essas lições de nada valeram para ele. Quando lhe era dada a oportunidade ou a ocasião de mentir, ele inventava e falava mentira, e lutava por ela tão resolutamente como se estivesse dizendo a maior de todas as verdades. A dureza do seu coração e a frieza do seu semblante espantavam os que estavam por perto. Ele mentia com atrevimento até quando estava sob “a 46 Um Menino Mau vara da correção” (Provérbios 22:15), que Deus determina que os pais usem para manter seus filhos longe do inferno (Provérbios 23:13,14). Atencioso. Verdadeiramente, foi um mau começo, como dissemos. Ele começou a servir ao diabo muito cedo; de fato, serviu como um dos seus fedelhos, pois o espírito de mentira vem do diabo. Como dizem as Escrituras, “(O diabo) é mentiroso, e pai da mentira” (João 8:44). Prudente. Certo. Ele é realmente o pai da mentira. A mentira é gerada pelo diabo, como seu pai, e dada à luz pelo coração iníquo, como sua mãe. Outra passagem da Escritura diz: “Por que encheu satanás o teu coração, para que mentisses?” (Atos 5:3). Sim, e Pedro chamou o coração cheio de mentira de coração que concebeu, isto é, concebeu por meio do diabo. Pedro disse a Ananias: “Por que concebeste isto em teu coração? Não mentiste para os homens, mas para Deus” (versículo 4, VA). E certo que essa mentira foi da mais grave natureza, mas toda mentira tem o mesmo pai, pois “[o diabo] é mentiroso, e pai da mentira” (João 8:44). A mentira é, então, filha do inferno, e não pode estar no coração senão depois de a pessoa ter cometido uma espécie de adultério espiritual com o diabo. Portanto, a alma que diz uma mentira conscientemente, colaborou com o diabo e a concebeu com ele, sendo ele o único pai da mentira. Pois a mentira tem só um pai e só uma mãe, o diabo e o coração humano. Não fique surpreso, pois, se os corações que chocam e produzem mentiras compartilham o mau caráter do diabo. Sim, não se espante por Deus e Cristo terem denunciado os mentirosos em Sua Palavra e terem pronunciado para eles a mesma pena dada aos assassinos. “Destruirás aqueles que falam a mentira; o Senhor aborrecerá 47 JORNADA PARA O INFERNO o homem sanguinário e fraudulento” (Salmo 5:6). O mentiroso está casado com o diabo. Atencioso. Isto parece espantoso aos meus olhos: o fato de que, visto que a mentira é filha do diabo e que a mentira leva a alma à própria cova dos demônios, a saber, à tenebrosa masmorra do inferno, os homens serem tão irremediavelmente iníquos que se acostumam com tão horrível coisa. Prudente. Isso também me parece estonteante, principalmente quando observamos como por tão pouca coisa alguns homens estudam, inventam e dizem mentiras. Alguns chegam a mentir repetidamente apenas pelo lucro de alguns centavos. Mentem e sustentam sua palavra, embora sabendo que estão mentindo. De fato, alguns não hesitam em dizer mentira após mentira, mesmo nada ganhando com isso. Contam mentiras em suas conversas comuns com seus vizinhos. Acham que suas novidades, suas brincadeiras e suas histórias precisam ser adornadas com mentiras, para que não pareçam sem graça e carentes de imaginação aos que as ouvem. Que lástima! Que é que vão fazer esses mentirosos quando, por suas mentiras, forem lançados nas profundezas do inferno, nos braços do diabo, que gerou essas mentiras em seus corações, e então serão atormentados por fogo e enxofre (Salmo 11:6; Apocalipse 20:10) junto com ele para sempre, por causa das suas mentiras? Atencioso. O senhor pode me dar um exemplo dos juízos de Deus sobre mentirosos, para que eu possa dizê-lo aos mentirosos quando eu os ouvir mentirem? Talvez, então, os mentirosos fiquem atemorizados e fiquem com vergonha de mentir. 48 Um Menino Mau Prudente. Exemplos há! E dá para pensar que Ananias e sua mulher seriam exemplos suficientes para fazerem o espírito dado à mentira parar de mentir, pois ambos foram mortos por dizerem uma mentira, e foram mortos diretamente por Deus na presença de um grupo de pessoas (Atos 5:1-10). Mas, se as ameaças de Deus com fogo e enxofre aosmentirosos não prevalecem sobre eles e não os fazem parar de mentir e de inventar mentiras, é duvidoso que os mentirosos parem de mentir por terem quebrado leis terrenas. Pois bem, como eu disse, mentir foi um dos primeiros pecados ao qual o Sr. Mau se habituou, e nada o impedia de inventar mentiras e dizê-las ousadamente. Atencioso. Isso que é dito dele me entristece, e ainda mais porque receio que esse não era o único pecado que o dominava. Geralmente, quem se acostuma a mentir, também se acostuma a praticar outros males. Se não acontecesse isso com o Sr. Mau, seria uma surpresa. Prudente. O que diz é certo, pois o mentiroso é cativo de outras coisas mais, além do espírito propenso a mentir; consequentemente, dado que o Sr. Mau foi um mentiroso desde a infância, foi também ladrão. Tudo aquilo em que ele podia pôr as mãos agilmente, como se diz, ele considerava seu; fossem coisas pertencentes aos seus companheiros de jogos ou aos seus vizinhos, ele pegava e levava embora. / E preciso entender que ele começou a roubar artigos pequenos. Quando ainda criança, no início ele não tentava roubar coisas importantes. Mas, conforme foi ficando mais forte e mais esperto, foi dando de surrupiar coisas de maior valor. Tinha grande prazer em roubar hortas e pomares, e, quando cresceu mais, passou a roubar aves domésticas da vizinhança. Até o que era de seu pai não escapava dos seus dedos; tudo era peixe para a sua rede, tão empedernido ele acabou ficando nesse vício. 49 JORNADA PARA O INFERNO Atencioso. O que o senhor me conta dele me deixa cada vez mais espantado. O quê?! Então ele bancava o ladrão? E tão cedo? Mesmo quando criança, ele tinha que saber que o que tomava dos outros não era dele. Além disso, se o seu pai era um bom homem, como o senhor me disse que era, seu filho deve ter ouvido dele que roubar era A transgredir a lei de Deus (Exodo 20:15) e que, fazendo isso, ele corria o risco de sofrer condenação eterna. Prudente. Seu pai não perdia a oportunidade de discipliná- -lo. Muitas vezes instou severamente com ele a que obedecesse à lei dada por Deus a Moisés: “Não furtarás”\ A (Exodo 20:15). O rapaz recebeu também este ensino: “Esta é a maldição que sairá pela face de toda a terra; porque qualquer que furtar, será desarraigado” (Zacarias 5:3). Também a luz interior, em sua natureza, apesar de ele ser pequeno, deve ter-lhe mostrado que o que ele tirava de outros não era dele, e que ele, contra a sua vontade, seria tratado do mesmo jeito. Mas nada disso adiantou. Dissessem o pai e a consciência o que dissessem, ele queria seguir seu caminho e estava resolvido a prosseguir em sua iniquidade. Atencioso. Mas, como o senhor opinou, às vezes o pai dele o repreendia por sua maldade. Como será que o rapaz reagia à repreensão? Prudente. Como? Ora, como um ladrão que é apanhado no ato. Por dentro zombando, e por fora pendendo a cabeça, com jeito casmurro e amuado. Como costumávamos dizer, podia-se ver o retrato do infortúnio em sua face, e quando seu pai exigia resposta às perguntas sobre a sua maldade, o rapaz murmurava e resmungava para ele, e isso era tudo o que ele dizia. 50 Um Menino Mau Atencioso. Mas o senhor mencionou que ele também roubava seu pai. Acho isso antinatural. Prudente. Natural ou antinatural, é a mesma coisa para um ladrão. Além disso, saiba que ele tinha companheiros, e a maldade que o menino mau via neles o relacionava com eles mais firmemente do que o que o ligava a seu pai e a sua mãe. Ele não se preocupava se seu pai e sua mãe morressem de pesar por causa dele. Para ele, a morte deles seria um alívio e uma libertação. A verdade é que, com os conselhos que lhe davam, seus pais eram sua escravidão. E, se me lembro corretamente, ouvi alguns dizerem que, às vezes, quando estava com seus amigos, mostrava grande alegria ao pensar em que seus pais estavam velhos e não viveriam muito tempo. Então, dizia ele, “Eu vou ser eu mesmo, e farei o que quiser, sem o controle deles”. Atencioso. Então, pelo que se vê, ele achava que roubar seus pais não era crime. Prudente. Crime nenhum! Por isso ele caiu sob esta sentença: “O que rouba a seu pai, ou a sua mãe, e diz: não há transgressão; companheiro é do destruidor” (Provérbios 28:24). Sua falta de respeito por seus pais e por seus conselhos era, naquele tempo, um sinal de que seu espírito era abominável, e que algum juízo condenatório esperava a ocasião de vir sobre ele. (Ver 1 Samuel 2:25). Atencioso. O que vou dizer agora não é sobre as sugestões de satanás, pelas quais, indubitavelmente, ele era concitado a fazer essas coisas. O que digo é: você pode imaginar o orgulho próprio, a vaidade, que levou esse rapaz a pensar que a sua prática de roubar não tinha nenhuma importância? 51 JORNADA PARA O INFERNO ✓ Prudente. E porque ele roubava coisas de pequeno valor - assaltava hortas e pomares, roubava galinhas, e coisas parecidas. Ele considerava que o que fazia era simples mente fruto das manhas e espertezas da mocidade, e nada do que as pessoas lhe diziam o dissuadia. Elas costumavam dizer-lhe que ele não devia desejar nem cobiçar (Exodo 20:17), mas que cobiçar é menos que roubar, e que, se ele roubasse alguma coisa do seu próximo, por menor que fosse, esse ato seria uma transgressão da A lei (Exodo 20:15). Mas acontece que cobiçar e roubar eram a mesma coisa para ele. Seguindo a conversa ímpia dos seus companheiros e o engano do seu coração corrupto, ele continuou praticando roubo. Onde ele se sentia seguro, falava e ria sobre o que tinha feito. Atencioso. Uma vez ouvi contar que um homem que estava no cadafalso, com a corda no pescoço, confessou que o que o tinha trazido àquele fim foi que quando era jovem se acostumara a roubar coisas pequenas. Quanto me lembro, ele disse que começou seu comércio de roubo furtando laços de sapato. Ele advertiu todos os jovens que estavam ali para assistir ao enforcamento que cuidassem de não começar a cometer pecados pequenos, porque a prática de pequenos furtos abre caminho para roubos maiores. Prudente. Como você me contou uma triste história real, também lhe vou contar uma. Embora eu não estivesse presente quando tudo aconteceu, acredito plenamente / na pessoa que me contou. E sobre um homem chamado velho Tod, que foi enforcado há vinte anos ou mais, em Hertford, condenado como ladrão. Num julgamento feito no verão, quando o juiz aguardava em sua cátedra, o velho Tod entrou. Vestia um terno verde, tinha na mão seu cinto de couro, a parte da frente da sua camisa estava aberta, e ele estava tão coberto de suor como se tivesse corrido para 52 Um Menino Mau escapar da morte. Assim que entrou na sala, disse em voz alta o seguinte: Meritíssimo, eu sou o pior velhaco que respira na face da terra. Sou ladrão desde menino. Quando eu era criança, vivia roubando pomares e fazendo outras traquinagens parecidas. E daí em diante continuei sendo ladrão. Meritíssimo, não houve um roubo praticado durante anos dentro de algumas milhas deste lugar no qual eu não estivesse envolvido ou do qual eu não tinha conhecimento. O juiz achou que ele estava louco, mas, depois de conferenciar com alguns magistrados, concordou em indiciá-lo por alguns dos atos criminosos dos quais ele espontaneamente se confessara culpado. Foi enforcado no mesmo dia. Atencioso. Caso de fato extraordinário! Mas você acha que esse relato é verdadeiro? Prudente. O caso não é só extraordinário; também é relevante para a nossa discussão. Como aconteceu com o Sr. Mau, esse ladrão começou cedo as suas práticas criminosas. Ele começou com o mesmo tipo de roubo com o qual o Sr. Mau começou em sua infância - roubando pomares e outras coisas semelhantes. E isso o foi levando de pecado em pecado, como o senhor pode perceber, até chegar à vergonha pública do pecado: a forca. Quanto à veracidade do relato, quem me contou estava no tribunal, a menos de dois metros do velho Tod, quando o ouviu dizer bem alto