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Fracasso do tratamento analítico com paciente suicida. Preparado como relato oficial para o congresso da associação psicanalítica internacional. O autor descreve uma fronteira especialmente perigosa do panorama psicanalítico, ou seja, o tratamento de pacientes suicidas com distúrbios graves de personalidade. Usando um exemplo clinico de clamorosa violação dos limites por um analista, ele descreve armadilhas contratransferênciais suicida do paciente. Essas incluem desidentificação com o agressor, fracasso da mentalização, colapso do espaço analítico do brincar, reações a perdas na vida pessoal do analista, onipotência, inveja do paciente, e capitulação masoquista. O autor ressalta a vulnerabilidade singular que acompanha o tratamento analítico desses pacientes. Quando o comitê de programação de IPA conferiu-me a honra de ser escolhido como o relator Norte- americano do tema do congresso, passei algum tempo estudando o significado do tema, “trabalhando nas fronteiras”. A palavra “fronteiras” inspirou-me visões de perigo, de selvageria, de regiões não civilizadas em que as regras da sociedade não se aplicam. Uma definição oficial era especialmente adequada: “A parte de um país que forma a fronteira ou o limite mais longínquo das regiões assentadas ou desabitas”(Brown 1993,p. 1034). Uma segunda definição era ainda mais nítida. “Uma barreira contraagressões” (Ibid.). Assim, uma questão que se coloca para os psicanalistas, em que somos vulneráveis a ataques, sitiados pela selvageria, e colocados em perigo pelo riscos inerentes do nosso trabalho. À medida que considerei as fronteiras perigosas da psicanálise, associei com os “desastres” psicanalíticos que vi quando pacientes suicidas foram tratados de forma muito inadequada por psicanalistas bem intencionados. Minha carreira tem sido singular em alguns aspectos devido ao meu longo interesse em duas regiões distintas da assim chamada “ampliação do alcance” a respeito dessa fronteira, às vezes , perigosa. Durante alguns anos empreendi o tratamento de muitos pacientes suicidas, resistentes ao tratamento, com patologia de caráter grave enviados à clinica Menninger como ultimo recurso. Também passei grande parte da minha vida profissional supervisionando, avaliando, ou tratando terapeutas e analistas (no mínimo 150 até agora) que cometeram violações graves dos limites com seus pacientes. Percebi, com preocupação cada vez maior, que as violações mais clamorosas dos limites eram infligidas aos pacientes suicidas mais graves. Ainda que seja fácil para nós difamarmos os analistas que perderam seu rumo na escura noite da alma que acompanha o tratamento de pacientes suicidas graves com distúrbios da personalidade sugiro nos abstermos de desprezar nossos colegas e em vez disso tentarmos aprender algo com eles. Nessas situações “limite”, freqüentemente descobrimos a humanidade essencial do analista, nua até os osso como o rei laer uivando de desespero. Esses colegas que chegaram perto demais do sol, em sua onipotência cega, e voltaram chamuscados e envergonhados são muito mais nossos semelhantes do que diferentes de nós. Por sua própria natureza, os pacientes suicidas atingem uma certa vulnerabilidade especifica que é o risco ocupacional dos analistas. A maioria de nós prefere pensar no trabalho analítico como algo distinto da questão de vida ou morte. Visualizamos nosso paciente ideal como uma pessoa inteligente, reflexiva, atraente (um pouco como nós), perseguido por conflitos intrapsíquicos, mas muito motivado a compreender. Este paciente muito desejado aceita a vida e que fazer mudanças de forma que a vida possa ser vivida mais plenamente. Em contrapartida, os paciente suicidas chegaram à conclusão de que a vida tem pouco a oferecer, e a analise é uma proposta dúbia. Que insight poderia transformar a vida numa jornada que valesse a pena? Esses pacientes aceleram o pulso do analista ao rejeitas a priori, a idéia que o insight analítico tem potencial para fazer a vida valer a pena. Enquanto falamos frequentemente desses pacientes “da ampliação do alcance” como habitantes da “fronteira”, minha experiência enquanto supervisor de candidatos e de colegas sugere que esses pacientes são cada vez mais comuns e mudaram da fronteira para o centro da civilização psicanalítica. Nesse contexto vou oferecer como prevenção do Dr. N, analista por volta dos 40 anos que consultou há muitos anos logo depois de uma terrível violação de limite. O Dr. N me deu permissão par publicar os detalhes do seu caso de forma que outros possam aprender com ele. A história do Dr. N Jenny era uma mulher muito perturbada, de 35 anos, quando veio consultar o Dr. N. Sua primeira reação, quando a viu na sala de espera, foi que ela era a mulher mais bonita que ele já tinha visto. À medida que ela lhe contou a saga da sua vida trágica, o Dr. N ficou comovido. Em certo ponto, no meio de sua historia, Jenny disse ao Dr. N que se sentia atraída por ele e perguntou se poderiam interromper a consulta para poderem sair juntos. Dr. N esclareceu que seria impossível saírem juntos porque a relação profissional já tinha começado, e não havia jeito de fazer o relógio voltar. Decepcionada, mas destemida, Jenny prosseguiu contando ao Dr. N a tortura que a mãe a fizera passar na infância trancando-a dentro de um armário. Também descreveu os detalhes de uma relação sexual incestuosa com o pai, dos cinco aos doze anos de idade. Esses relatos horríveis, mas pungentes, emocionaram intensamente o Dr. N. Apesar da adversidade do começo da sua vida, ela era uma mulher inteligente que fora aceita na faculdade de medicina, mas desistiu e se tornou modelo. À medida que o tratamento prosseguia, a transferência sexualizada de Jenny em relação ao Dr. N pareceu dissipar-se. No entorno, ela ficava ansiosa depois de algumas sessões, e desmaiou na sala de espera, em cinco ou seis ocasiões diferentes. O Dr. N estava surpreso. Ela parecia deprimida e referiu ter desejado morrer durante toda a vida. Frequentemente, dava a impressão de dissociar. Exprimia fantasias recorrentes de se matar logo após separar-se de qualquer pessoa mais chegada. Tinha plena convicção de que Ra má e suja e que não havia possibilidade de redenção. No entanto, ela contou ao Dr. N que se sentia calma junto a ele e que tinha sonhos tranqüilizadores em que ele aparecia. Passava muitas sessões em silencio, durante as quais dizia que o Dr. N precisava adivinhar o que ela estava pensando. Jenny veio se consulta com Dr. N numa ocasião particular da vida dele. O termino da sua analise pessoal tinha ocorrido um ano antes de ela começar o tratamento. Ele tinha sofrido uma serie de perdas recentes, nos meses precedentes à primeira consulta de Jenny. Sua irmã mais nova tinha morrido de câncer, o amigo mais chegado tinha morrido num acidente de carro, e a noiva rompido o noivado e saído da casa dele, dois meses antes do inicio do tratamento. O Dr. N se sentia sitiado e contou-me que, pensando retrospectivamente é provável que não tivesse tentado tratar uma paciente como Jenny, naquele momento particular da sua vida. Esclareceu que embora não estivesse apaixonado por ela, frequentemente se sentia como um que irmão mais velho protetor e com o compromisso de resgatá-la de si mesma. Achou que tinham feito progressos, quando ela lhe contou que ele a ajudara a parar de viver para os outros. Mas então as coisas pioraram. Depois de cerca de três anos de tratamento Jenny começou a ficar em silencio nas sessões. Finalmente, disse ao Dr. N que estava (...). Dr. N foi ficando cada vez mais receoso de que a condição mortífera dela fosse de tal monta que não pudesse mais ser manejada sem internação. Vários medicamentos antidepressivos foram tentados, sem efeito. Ele sugeriu a necessidade da hospitalização para salvá-la do suicídio. A paciente recusou um psiquiatra clinico. MasDr. N procurou consultar para si, com um analista mais velho, muito respeitado em sua cidade. Depois de ouvir a historia, o consultor do Dr. N concordou que a hospitalização não seria adequada, pois o desespero suicida da paciente não tinha uma depressão aguda de fundo que melhorasse com o tratamento hospitalar. Além do mais, ela era muito calma e poderia convencer qualquer pessoa e cair fora de um compromisso que não quisesse assumir. Ela conseguia parecer muito mais saudável, se fosse preciso, e convencer um juiz a deixá-la sair da internação. O consultor incentivou o Dr. N a continuar trabalhando analiticamente com o desejo de morte dela. A paciente continuou a insistir que não sofria de “depressão clinica”. Ao contrario, tentou fazer o Dr. N compreender que ela era uma pessoa horrível. Vacilante devido às perdas recentes em sua vida, o Dr. N ficou cada vez mais ansioso. Percebeu em seu pensamento uma “passividade desesperada” e um sentimento de “confusão”. Em certo momento, disse que faria qualquer coisa para impedi-lo de se matar. Jenny respondeu que a única coisa que ajudaria seria ele deixá-la passar uma noite na casa dele. Ela explicou que tinha terríveis pesadelos de abuso físico e sexual e que gostaria de ter a primeira boa noite de sono de sua vida. O Dr. Recusou e explicou que dormir com uma paciente era anti-ético. Em resposta a essa explicação direta, Jenny olhou-o friamente e perguntou: ”O que é mais importante? Minha vida ou suas estúpidas regras éticas?” O Dr. N ficou surpreso, e depois de varias semanas tentando fazer Jenny pensar junto com ele, concordou finalmente com o pedido dela de passar uma noite com ele. Ele racionalizou que essa medida radical poderia ser o único modo de manté-la viva. Também percebeu que de uma perspectiva pessoal, ele simplesmente não podia tolerar outra perda por morte. Na noite dessa transgressão dos limites profissionais, ele estabeleceu regras estritas de que eles dormiriam em camas separadas e não teriam contato sexual. A paciente concordou, mas, durante a noite, foi para a cama dele e perguntou de um jeito muito sofrido se ele poderia abraçá-la. Uma coisa levou a outra, e no fim das contas tiveram uma relação sexual. Nas palavras do Dr. N: “Ela me seduziu enquanto eu protestava de que devíamos ficar vestidos”. Ele sabia que poderia arruinar sua carreira, mas se ateve à fantasia de que poderia estar salvando a vida dela. Na manhã seguinte Jenny informou ao Dr. N que todo o tempo sabia que ele finalmente dormiria com ela. Tinha plena certeza de que os homens a achavam irresistível. Ele disse que o que tinham feito estava errado e que não poderiam mais se ver. Ela implorou para sair com ele, namorar, mas ele disse que era impossível. O Dr. N consultou-me varias semana depois desse incidente, e contou-me que estava atormentado pela que tinha acontecido. Jenny lhe disse que para ela o mais importante é que ele pudesse amá-la apesar do que sabia. Mas ele se sentiu torturado e começou a perceber que havia um veio sádico, maligno, em Jenny, que ele não tinha levado em consideração. Contou-me que havia percebido o sadismo quando ela descreveu a maneira pela qual se livrava dos homens que se apaixonavam perdidamente por ela. No entanto, pode pensar a respeito do fato de que ele tivera um ponto cego a respeito da agressão dela em relação a ele. Ele descreveu intensos sentimentos de culpa, pois estava começando a reconhecer que havia atualizado a fantasia transferêncial da paciente, ao dormir com ela, repetindo, portanto, o trauma do incesto com o pai. O Dr. N contou-me que foi só no momento em que estavam tendo relação que pode percebera re-encenação de algo agressivo. Ele perguntou-lhe a respeito de contracepção. Ele sabia que ela dormira com três homens diferentes e presumia que ela tomasse contraceptivos orais, Jenny contou ao Dr. N que não poderia ter filhos, insistindo que ele podia ejacular dentro dela. O Dr. N sentiu que ela estava sendo desonesta porque não havia maneira de ela poder saber que não podia ter filhos. De repente, ele percebeu que ela tentava acabar com ele. Ele se afastou e teve uma náusea forte. Sentiu que tinha cometido um erro grave de julgamento. No meio da sua angustia, no entanto, ele fez um comentário revelador: “Ao menos eu a salvei do suicídio”. DISCUSSÃO Este caso envolvendo um trágico fracasso do tratamento psicanalítico servirá como pedra de toque para a discussão de diversos tratamentos conduzidos de forma muito inadequada que supervisionei. Também me apoiarei em observações que fiz enquanto analista ou terapeuta de colegas que cometeram violações clamorosas dos limites com pacientes suicidas. Algumas questões se aplicam diretamente ao caso do Dr. N, enquanto outras se apóiam em casos diferentes que não posso discutir em detalhe por motivo de confidencialidade. Enquanto o exemplo de Jenny e Dr. N envolve a violação do limite sexual, examinei vários outros que pararam pouco antes do contato sexual, mas, mesmo assim, foram muito destrutivos para o paciente. Em alguns casos, os analistas preocupados levaram os pacientes suicidas para casa e os trataram com membro da família, convidaram-se para as férias familiares, foram fazer compras com eles e compartilharam jantares em restaurantes locais. Em outros casos, os analistas trataram os pacientes de graça, contaram problemas pessoais, e tiveram numerosos contatos extra-analiticos, em locais públicos ou na casa do paciente. São necessários três esclarecimentos antes de prosseguir a discussão. Primeiro, os leitores não deveriam deixar o caso do Dr. N de lado como uma aberração bizarra de ocorrência rara. O cenário que descrevi é muito comum nos casos de violação de limites que atendi. Segundo, violação sexual de limites ocorre por diversas razões e a má condução da possibilidade de suicídio é apenas um dos vários cenários(Gabbard e Lester, 1995; Gabbard e Peltz, 2001; Celenza e Gabbard, no prelo). Finalmente, com certeza, o suicídio pode ser mal conduzido mesmo que não envolva violação de limites, e ao enfatizar o cenário desta comunicação particular não pretendo deixar de considerar a importância dos outros casos. DESIDENTIFICAÇÃO COM O AGRESSOR As vicissitudes da raiva, ódio, vingança e fantasias assassinas foram bem examinada na literatura sobre suicidio (Asch. 1974; Chavrol e Sztulman, 1997; Hendin, 1991; Kernberg, 1975; Maltsberger e Buie, 1974, 1980; Menninger, 1933). Nem se discute que o ato suicida é muito destrutivo para as pessoas que ficam. Frequentemente, os familiares e amigos ficam com raiva pelo que lhes foi feito. Ameaças de suicídio no contexto do tratamento analítico podem ser experimentadas como um ataque direto a pessoa e a competência do analista. Na verdade, é a ferida narcísica suprema para uns analistas e terapeutas ficam desolados depois do suicídio de um paciente. Alguns colegas que consultaram depois do suicido de um paciente, contaram que pensaram seriamente em deixar a profissão. Outros revelaram que não pensavam em mais nada durante semanas a fio enquanto reviravam suas lembranças atrás de sinais que pudessem ter deixado escapar e que pudessem ter impedido o suicídio. Frequentemente, as transgressões de limites que ocorrem com pacietes suicidas estão diretamente relacionadas com o manejo inadequado da agressão e do ódio. Essa afirmação é ainda mais verdadeira quando o pacienyte suicida foi vitima de trauma na infacia, como no caso de Jenny. Pacientes como Jenny, que tiveram ralações sexuais incestuosas com o pai, foram trancados no armário pela mãe, ou submetidos a outras variedades de “assassinatos da alma”(Shengold 1979), intermalizam introjetos abusadores que os perseguem ao logo da vida. O Dr. N respondeu a essa história e a apresentação clinica de uma forma que muito analista fazem. Ele queria demonstrar que era exatamente ooposto dos pais abusadores percorrendo distancias extraordinárias para salvar o paciente do suicidio. Essa postura por parte do analista, que nomeei em outro lugar de “desidentificação com o agressor”(Gabbard, 1997), é uma tentativa desesperada de negar qualquer vinculo com a representação internalizada de um objeto mau que atormenta o paciente. O analista pode ser invadido insidiosamente pelo objeto abusador, inconscientemente, se identificar com ele devido a pressões interpessoais sutis ou não sutis vindas do paciente. Muitos pacientes que sofreram abuso grave ou falta de cuidados na infância vêm para a analise com a expectativa de serem compensados pelo passado trágico e de merecerem receber um tratamento especial por parte de analista (Davies e Frawley, 1992). Para esses pacientes, o enquadre nanalitico comum, dentro do qual criamos um espaõ analítico, pode ser experimentado como de privação e até sádico. Eles podem insistir na necessidade de maiores demonstrações de amor e de preocupação para prova que o analista não é tão monstruoso quanto os pais. Dr. N, como a maioria de nós, estava predisposto a evitar ser transformado no objeto mau que habita no mundo interno do paciente. Como ressaltou Money-Kyrle (1956) anos atrás, muitos entramos nesse campo inconscientemente tentado reparar nossos próprios objetos internos infantis danificados. Quando temos a intenção de reparar, e somos acusados de destrutividade, nossa formação reativa profissionalmente é desafiada de uma maneira que pode criar extrema ansiedade. Karl Manniger (1957) certa vez observou que as profissões de ajuda fornecem uma oportunidade ideal de esconder o sadismo. De certa maneira, estamos nos ressegurando sempre de que nossos motivos estão fora de questionamento, porque escolhemos passar nossa vida a compreender e a ajudar os outros a melhorarem suas vidas. Um programa inconsciente de purificar a díade do ódio e da agressão pode fazer o analista escotomizar o sadismo na transferência. Retrospectivamente, O Dr. N percebeu que só conseguia ver os aspectos malignos de Jenny dirigidos a outros homens – não a ele. Devido a esse ponto cego, o sadismo da paciente pode “voar abaixo do radar” do Dr. N e invadi- lo. Oobjeto abusivo passa a habitar o analista e a operar fora do seu conhecimento, perseguindo-o a partir de dentro. No seu esforço de resgatar a paciente do suicidio, o objeto abusivo tomou posse do Dr. N e pôs em movimento a re-traumatização de Jenny. Até hoje, a malevolência transmitida por Jenny e seu mundo de objetos internos continua a atormentar o Dr. N que todos os dias se preocupa com a ruína da sua carreira se Jenny decidir fazer queixa. Dessa forma, Jenny se inseriu dentro da analista, atualizando a fantasia de que nunca deveria se separar. Desse jeito, tornou-se inesquecível. Ela habita dentro dele, como um corpo estranho, maculando-o com a maldade que sentia invadi-la desde a infância. Agora o Dr. N se sente igualmente “sujo” e estragado. Talvez outro modo de compreender o que houve entre Jenny e o Dr. N vá além da projeção de um objeto abusivo para dentro da analista. Pode-se considerar que ela projetou sua auto-representação de criança suja e estragada para dentro do Dr. N. Nesse cenário de relação objetais, ela se identifica com o objeto interno abusivo, destruindo o Dr. N do mesmo jeito que foi destruída pelos pais. Pais que abusam dos filhos podem secretamente invejar a inocência da criança (Grotstein, 1992) procurando estragá-la com o incesto. De forma análoga, a paciente, inconsciente identificada com o genitor abusivo, pode querer estragar o que percebe como pureza imaculada do analista, encorajando a violação do limite. Com certeza, atribuir esses motivos inconscientes ao paciente não destitui o analista da responsabilidade de agir eticamente, não importando os desejos que o paciente traga para o tratamento. Frequentemente, as ansiedades inconscientes do analista estão no cerne dos com o senso agudo da própria vulnerabilidade, diante da intensa destrutividade do paciente. Muitos analistas sentem que sua reputação se arruinará se um paciente cometer suicidio. Outros podem ter ansiedades primitivas em relação a abandono. Rosenfeld (1987) obeservou que, em situações de impasse, os analistas podem lidar com suas ansiedades entrando em conluio com um aspecto da personalidade do paciente ao mesmo tempo que excindem ou compartimentam todas as outras dimensões do paciente. Desse modo, reações transferências-contratransferenciais psicóticas podem ficar enrijecidas e o analista paralisado. A única forma de sair parece ser uma serie mal orientada terrível de autuações (enactments) não ortodoxas. A contraparte do ódio transferencial é, com certeza, o ódio contratransferencial. Um ddos piores cenários que resulta do manejo inadequado da agressão do analista é o ódio contratansferencial em relação ao paciente permanecer não detectado. Essa negação pode levar a atuação (enactments) desastrosas (maltsberger & Buie 1974). Os analistas podem comunicar inconscientemente a seus pacientes que não querem mais atendê-los ou realmente esquecer as consultas. Uma analista ia sair de férias, por uma semana, e só informou a paciente da ausência na véspera da partida. De fato, alguns suicídios podem até ser precipitados quando os pacientes percebem que os analistas os rejeita (Hendin, 1991). Certa vez, fadern (1929) observou de forma estranha que “só se mata aquele que foi vitima do desejo de morte de outro” (citado em asch, 1980, p. 56). Este “outro” pode ser o analista. Parte da raiva e do desepero do analista pode ser uma resposta direta à não melhora do paciente, que assim se opõe aos esforços de cura do analista. Celenza (1991) descreveu um terapeuta que não conseguia tolerar contratransferenciais negativos quando o tratamento estava num impasse e, similarmente, não conseguia agüenta a transferência negativa do paciente. O terapeuta embarcou num relacionamento sexual com a paciente, na tentativa inconsciente de ultrapassar os sentimento negativos de ambos, esperando, ao contrario, propiciar uma transferência idealizada. Searles (1979) observou também que o envolvimento sexual com pacientes pode resultar do esforço terapêutico do analista. Em reação a frustração pela falta de melhora do paciente, o analista pode sucumbir a ilusão de que uma copula curativa mágica transformará o paciente. O Dr. N, por exemplo, agarrou-se a crença mágica de que submeter-se a relação sexual com Jenny tinha lhe salvado a vida. (...) Se da contratransferência e simplesmente atualizou o papel do pai. Nesse cenario, o objeto do Dr. N (Jenny) é concretamente identificada como uma parte projetada do sujeito (o analista). Assim, o analista se relaciona com o paciente como se este fosse parte do Self (Gabbard e Lester, 1995). A diferença entre o símbolo e o objeto se perde, e os dois membros da díade sucumbem a uma forma de simbolização concreta em que há uma equação direta entre o símbolo e o simbolizado (Segal, 1957). Nessas situações de impasse, há uma folie à deux, uam psicose na transferencia e contratansferencia. A psicose está circunscrita à díade e envolve uma falha especifica, mas limitada, do teste de realidade que não abrange outras situações. De fato, o Dr. N conseguiu levar adiante o tratamento adequado de outro pacientes durante o tempo em que patinhava no tratamento de Jenny. Essa folie à deux reflete o ataque ao pensamento do analista diretamente relacionado com os desejos destrutivos do paciente. Como Rosenfeld (1987) observa, em sua discussão de impasses:”Às vezes, os analistas tendem a ficar presos em certo tipo de pensamento que realmente implica não pensamento”(p.43). O Dr.N, ao perceber Jenny como uma parte do seu Self, demonstrava também uma falha de mantalizaçao comum em impasses com pacientes suicidas. Ele perdeu de vista o fato deque o ponto de vista de Jenny sobre suicidio e a possibilidade de se suicidar era totalmente diferente da dele, O Dr. N ficou ansioso com o estado suicida dela, viu-o como uma crise, e fez tudo que pode para tirá-la desta. Jenny, enquanto isso, considerava o suicidio um alivio para o sofrimento. Era uma forma de sair de um desespero indizível. Ela o desenvolveu desde criança como única forma de transcender o sentimento de ser prisioneira numa relação incestuosa. Consequentemente havia um aspecto adaptativo na sua condição de suicida que, na verdade, preservava um certo senso de domínio e de coerência e que lhe dava força para continuar vivendo. No romance The Moviegoer, de Walker Percy, vencedor do premio de 1961, a suicida crônica Kate dá uma lição ao protagonista Binx Bolling: Todos pensam que vou cometer suicídio. Que piada. A verdade, com certeza, é exatamente o contrario: o suicídio é a única coisa que me mantém vida. Sempre que tudo falha, a única coisa que tenho de fazer é pensar em suicídio e em dois segundos estou alegre como uma idiota. Mas se eu não pudesse me matar – ah então, eu o faria. Posso viver sem nembutal ou misterioso assassinatos, mas não sem suicido. A tarefa do analista significados da condição suicida para o paciente. A falha de mentalização do Dr. N levou a uma rota autodestrutiva baseada numa leitura equivocada da intenção suicida de Jenny. O Dr. N não conseguiu ajudar a paciente a construir uma dimensão simbólica em que fantasia e ação são distintas. A esse respeito é notável que, num contato de seguimento, sete anos depois do episodio sexual, o Dr. N constatou que Jenny ainda não tinha tentado suicídio. ONIPOTENCIA E PERDA. Numa época em que consideramos a psicologia do analista tão importante quanto a do paciente, precisamos levar em conta o estado mental do Dr. N na época da transgressão do limite. No ano anterior, ele tinha encerrado sua analise, perdido a irmã com câncer, perdido seu melhor amigo num acidente de carro, e tinha levado o fora da noiva. Seu luto era recente, e a perspectiva de outra perda, a da paciente, foi excessiva para ele. O Dr. N estava lutando com a inexperiência ou vulnerabilidade que o deixaram especialmente suscetível a tomar a responsabilidade pela paciente. Ele. Não conseguiu impedir a perda dos seres amados na vida pessoal, mas teria a oportunidade de reparar as falhas imaginarias em relação a eles ao salvar a paciente. Em resposta a suas ansiedades depressivas, as defesas maníacas se impuseram e ele decidiu salvar a paciente. A onipotência da sua postura passou desapercebida, na ocasião, mas ele teve casa vez mais consciência à medida que refletiu sobre o acontecido. O Dr. N escreve-me muitos anos depois de me consultar: “Permaneço com a tendência a acreditar que o amor pode curar, que posso endireitar os erros psicológicos por meio da força de vontade e carisma pessoal, mas varias vezes sou lembrado das limitações/erros invitais desse ponto de vista e da necessidade de brincar com a idéia de ajuda onipotente e do que isso significa sobre minha própria necessidade de ajuda e a necessidade do paciente de um onipotente”. Não conseguir insistir na hospitalização quando tinha quase certeza de que ela estava prestes a se matar é um exemplo da sua convicção de que só ele podia salvar a paciente. Os colegas de uma equipe hospitalar podiam tê-lo ajudado a pensar ao menos em estratégias alternativas e ater distancia suficiente do caso para refletir mais plenamente sobre o seu conluio contratransferencial. Como em muitos outros casos de violações graves de limites, parece ter havido um “encaixe” singular entre o Dr. N e Jenny. Ele teve uma necessidade inconsciente enorme de curar por meio do amor e assim encerna uma forma especifica de relação objetal – ou seja, um curador onipotente r um paciente grato (Gabbard, 2000a). O pais do Dr. N se divorciaram quando ele era bem pequeno, e ele passou boa parte da juventude tentando resgatar homens que fossem suficientemente bons para ela. O Dr. N observou que Jenny se parecia muito com a mão dele, e, retrospectivamente, pode perceber que estava reencenando a resgate de sua infância na tentativa com Jenny. A paciente, por outro lado, tinha uma necessidade intensa de impedir essa encenação e destruir o zelo terapêutico, bem como a reputação profissional dele. Quanto mais ela frustrava seus esforços de curar, mais ele aumentava suas tentativas heróicas de mudá-la. A singularidade desse “encaixe” refletia-se no fato de que o Dr. N nunca se envolveu e, qualquer outra forma de violação grave de limites em sua carreira. Depois do incidente com Jenny, ele decidiu voltar para a analise. Nunca mais relatou violações após o tratamento de Jenny. Analistas que entram nesse tipo de folie à deux com paciente suicidas freqüentemente esquecem o que é a analise. Ficam convencidos de que seu conhecimento e formação analíticos são inúteis; que a pessoa deles é que salvará o paciente. Esse paradigma de resgate pode tomar a forma de um modelo de deficit, em que o analista fica convencido que algum tipo de provisão suprirá o que faltou na infância (Gabbard e Lester, 1995). No caso do Dr. N, a idéia de preencher um déficit ficou concretizada no ato de inserir seu pênis dentro da vagina dela. Nessa regressão fantástica para o concreto, a inserção corporal demonstra como, nessas situações, os analistas podem entrar num estado mental psicótico. Esse estado alterado primitivo pode levá-los a tomar as fantasias e desejos do paciente quase literalmente. A sexualização nessas situações pode refletir uma defesa frenética contra a morte. Sentimentos de não ser são bem descritos na literatura sobre incestos (Bigras e Biggs, 1990; Gabbard, 1992). O senso de Self da vitima de incesto é gravemente danificado no curso do desenvolvimento, e podem resultar profundos sentimentos de morte. Os analistas podem experimentar sentimentos correspondentes, especialmente quando o paciente se desobriga e fica absorvido na tarefa de planejar o suicídio (Gabbard, 1992). A sexualização pode dar esperança de vida e de excitação para o paciente e também para o analista – um esforço fútil para reviver um tratamento que está estagnado (Coen, 1992; Gabbard, 1996). No entanto, a sexualização pode impor uma capitulação autodestrutiva ao paciente. O Dr. N estava plenamente consciente de que sacrificava para salvar a paciente. Outros analistas, também, render-se-ão de maneira masoquista a um paciente suicida como forma de demonstrar a extensão do seu cuidado (Gabbard e Lester, 1995). Alguns colegas torna-se muito conhecidos por tratar paciente “impossíveis”, que nenhum outro analista trataria. Embora muitos sejam analistas bem dotados, um subgrupo parece prosseguir sua vida profissional recriando uma situação que, freqüentemente, reflete interações problemáticas com seus próprios pais. Eles podem estar tentando provar seu valor para pais rejeitadores ou emocionalmente distantes ou tentando elaborar abandonos precoces. Ao subjugar-se ao paciente, podem abrigar uma grandiosidade secreta, até um identificação com Cristo, em quem se vêem como pessoas que sofrem pelos pecados dos outros, a serviço da transformação do outro. Essa postura masoquista pode refletir o terror de repetir uma perda objetal precoce em suas próprias vidas. Sua prontidão em arriscar suas carreiras pode ser considerada o menor dos males quando confrontada com mais uma perda. Numa ocasião em que houve perdas pessoais recentes, os analistas podem ter uma tendência especial de salvar o paciente a qualquer custo, para não ter de enfrentar outra variação de perda objetal que já os aterrorizou. O Dr. N, por exemplo, estava disposto a violar seu código de ética. Ele aumentou os horários, parou de cobrar as sessões adicionais, e gratificou o desejo da paciente de dormir com ele, num esforço heróico de demonstrarque se preocupava a ponto de tentar salvar a vida dela. Ele tinha plena consciência de que o resultado poderia ser a perda da sua profissão. O que foi uma clara recriação de incesto para um observador externo, foi explicado pelo analista como um sacrifício nobre. Sempre achei que existe uma ironia especial na maneira pela qual as violações de limites são racionalizadas com pacientes suicidas muito perturbados. A base lógica para as intervenções não analíticas que levam a pessoa a deslizar para a transgressão de limites é que só um afastamento radical do enquadre analítico pode atingir o paciente. A ironia é que esses pacientes traumatizados e muito perturbados são exatamente para evitar a retraumatização e a falta de limites das situações da sua infância. Com certeza, não estou argumentando a favor da rigidez na abordagem com pacientes perturbados com trauma precoce na infância. Tenho advogao, de forma consistente, em favor da flexibilidade no trato desses pacientes (Gabbard, 1997; Gabbard e Lester, 1995; Gabbard e Wilkinson, 1994). É essencial um ambiente empático firme de holding. Estou ressaltando que, em nome da flexibilidade, as transgressões clamorosas de limites são racionalizadas, sem levar em consideração que elas simplesmente encenam o trauma da infância, em vez de contê-lo e compreendê-lo por meio do procedimento analítico. CONCLUSÕES O que podemos aprender a partir desses fracassos trágicos do tratamento analítico? Devemos começar tendo clareza de que jamais podemos culpar o paciente pelas transgressões do analista. O paciente não tem um código de conduta profissional e tem o direito de testar os limites do setting analítico. Como Betty Joseph (2001) já observou, “O paciente tem todo o direito de tentar seduzir o analista. O analista não tem o direito de se permitir ser seduzido”. Mas a ameaça de suicídio se insinua dentro do psiquismo do analista de forma singular em nossa experiência. Esta nos traz diretamente face a face com os limites do que podemos fazer enquanto analista. Uma lição obvia a partir desses casos é que a analise pode não ser o tratamento adequado para certos paciente mortíferos, e que se deve levar em conta outras medidas. Outra fronteira da psicanálise é seu limite com a psiquiatria. Quando necessário, devemos dispor da experiência de colegas que têm conhecimento de psicofarmacologia, eletroconvulsivoterapia e tratamento psiquiátrico hospitalar inteligente. Nesses casos, todos nos beneficiamos de uma fronteira permeável entre psiquiatria e psicanálise. Às vezes podemos superestimar o poder do tratamento analítico. Ainda em outra situação, pensamos muito pouco em analise. Os analistas podem ser rápidos demais para abandonar o poder de continência e de compreensão para se lançar de cabeça em ações precipitadas. O Dr. N recordou que abandonou as interpretações sistemáticas da transferência hostil de Jenny. Ele percebeu timidamente que a maior parte do seu trabalho interpretativo se dirigia para as relações dela com outros homens. Quando, no segundo ano, ela ficou “entediada” com o tratamento, ele indagou sobre o rancor em relação a ele, mas Jenny negou qualquer hostilidade. Nas semanas finais do tratamento, ele lhe contou que se sentia torturado. Ela foi superficialmente doce na resposta, dizendo que não queria causar-lhe dano ou preocupação. Jenny disse ao Dr. N que ele deveria estar orgulhoso de tê-la mantido viva tanto tempo e que não era culpa dele ela ter ficado destruída tão cedo em sua vida. Retrospectivamente, ele reconheceu que isso foi um “artifício manipulativo”. Outra lição a ser aprendida a partir do exame cuidadoso desses casos é que nós, analistas, temos uma grande soma de ambivalência a respeito da pratica da psicanálise. Nosso amor pela analise é constantemente ameaçado pelo nosso adio inconsciente à analise (Steiner, 2000). Em nosso trabalho sofremos uma pressão que sempre cobra seu preço. Exigimos uma autodisciplina que poucas outras profissões podem igualar. Às vezes o papel analítico é experimentado como uma camisa de força da qual queremos escapar. O Dr. N não está sozinho em sua fantasia secreta de que o amo deva ser mais eficaz do que o tratamento. Em muitos casos, o ódio é alimentado tambpem por ressentimentos profundos em relação ao analista didata ou ao instituto ( Gabbaer e Lester, 1995). Esse ódio inconsciente ao papel e trabalho analítico frequentemente está ligado a certo sentimento de inveja em relação ao paciente. A assimetria do setting analítico é de tal ordem que a devoção as necessidades e as preocupações do paciente é uma necessidade ética. Certamente é um luxo ter a atenção total de outro ser humano por quatro ou cinco vezes por semana durante uma hora cada vez. Às vezes, nós, analistas, podemos querer uma atenção semelhante. Ferenczi, por exemplo, percebeu que estava tentando dar aos pacientes os que ele próprio não tinha recebido de sua mãe (Dupont, 1988). No entanto, a situação analítica piora esse problema, pois exacerba a ferida do analista. Em outras palavras, à medida que Ferenczi continuava dando para o paciente, sentia cada vez mais sua própria privação. Finalmente, tentou a analise mutua a fim de obter alguma coisa do paciente que suprisse sua necessidade. A favor de Ferenczi está o fato de ter abandonado esse experimento quando reconheceu que estava repleto de problemas.
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