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09/05/2020 1 Direito Penal Parte Geral Prof. Paulo Igor Ilicitude (antijuridicidade) CONCEITO Ilicitude é o fato típico não justificado. A ilicitude espelha a contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. TEORIAS QUE RELACIONAM FATO TÍPICO E ILICITUDE A – TEORIA DA AUTONOMIA OU ABSOLUTA INDEPENDÊNCIA A tipicidade não tem qualquer relação com a ilicitude. Excluída a ilicitude o fato permanece típico. Exemplo: Fulano mata Beltrano. Comprovada a legítima defesa, exclui-se a ilicitude, mas o fato permanece típico. 09/05/2020 2 B – TEORIA DA INDICIARIEDADE / DA RELATIVA DEPENDÊNCIA OU RATIO COGNOSCENDI A existência do fato típico gera uma presunção (relativa) de ilicitude. Há uma relativa dependência entre os dois substratos. Excluída a ilicitude o fato permanece típico, porém a existência do fato típico gera indícios de ilicitude. Exemplo: Fulano mata Beltrano. Comprovada a tipicidade presume-se a ilicitude. Comprovada a legítima defesa, exclui-se a ilicitude, mas o fato permanece típico. ATENÇÃO: Na teoria da indiciariedade, inverte-se o ônus da prova. Ou seja, cabe ao réu comprovar a causa excludente da ilicitude. C – TEORIA DA ABSOLUTA DEPENDÊNCIA OU RATIO ESSENDI A ilicitude é essência da tipicidade, numa relação de absoluta dependência. Excluída a ilicitude, exclui-se o fato típico. Ex: Fulano mata Beltrano. Comprovada a legítima defesa o fato deixa de ser ilícito e também típico, pois a ilicitude é essência da tipicidade. 09/05/2020 3 Como consequência da teoria da ratio essendi, surge a teoria dos elementos negativos do tipo. De acordo com essa teoria, o tipo penal é composto de elementos positivos (explícitos) e elementos negativos (implícitos). O tipo penal passa a ser conhecido como tipo total do injusto, em que ou o fato é típico e ilícito, ou atípico e lícito. Os elementos negativos do tipo são exatamente as causas descriminantes (excludentes de ilicitude). ATENÇÃO! Segundo a teoria da absoluta dependência (ratio essendi), para que o fato seja típico são necessárias a presença dos elementos positivos e a ausência dos elementos negativos. Exemplo: Art. 121 (elementos positivos: matar alguém; elementos negativos: Estado de Necessidade, Legítima Defesa, Exercício Regular de um Direito ou Estrito Cumprimento de um Dever Legal). Essa teoria insere as causas excludentes da ilicitude como elementos implícitos de todos os tipos penais. 09/05/2020 4 CONCLUSÃO! O direito penal brasileiro adota a teoria da indiciariedade (ratio cognoscendi). Provada a tipicidade, presume-se (relativamente) a ilicitude, provocando a inversão do ônus da prova quanto à existência da descriminante. ATENÇÃO! Ao se adotar a teoria da ratio cognoscendi o ônus de provar que o agente atuou amparado por uma justificante recai sobre a defesa, gerando as seguintes consequências Comprovada a causa de exclusão da ilicitude Comprovado que o fato não ocorreu sob o manto de descriminante Dúvida quanto à existência da descriminante Fundada dúvida quanto à existência da descriminante O Juiz absolve O Juiz condena O Juiz condena, pois o ônus da prova é da defesa, e não se aplica o in dubio pro reo. O Juiz absolve, conforme o art. 386, VI, do CPP 09/05/2020 5 CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE (DESCRIMINANTES / JUSTIFICANTES) São aquelas situações que afastarão o caráter ilícito do fato típico praticado pelo indivíduo. CAUSAS GENÉRICAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE São as previstas na parte geral do Código Penal. Aplicam-se a qualquer delito e encontram-se no art. 23, do CP, in verbis: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. CAUSAS ESPECÍFICAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE São as previstas na parte especial do Código Penal e possuem aplicação restrita a determinados crimes, ou seja, somente se aplicam àqueles delitos a que expressamente se referem. 09/05/2020 6 Exemplos: art. 128 (causas permissivas do aborto); art. 142 (excludente de ilicitude nos crimes de injúria e difamação); art. 146, §3º, I (causa permissiva do constrangimento ilegal para evitar suicídio de terceiros ou para praticar intervenção cirúrgica para salvar a vida do paciente); art. 150, §3º, I e II (permissão para violação de domicílio em caso de flagrante delito a qualquer momento ou para executar prisão durante o dia); ATENÇÃO: Existem excludentes de ilicitude contidas em leis de cunho extrapenal, como por exemplo, o art. 1.210, § 1º, do Código Civil (legítima defesa do domínio): § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. 09/05/2020 7 REQUISITOS DAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE Todas as excludentes possuem requisitos objetivos e subjetivos. Os requisitos objetivos são próprios de cada uma delas e serão estudados separadamente em tópicos próprios. REQUISITO SUBJETIVO Todas as excludentes de ilicitude possuem um requisito subjetivo em comum, que é a) necessidade de que o agente conheça a situação de fato justificante. b) Necessidade de que o agente atue em razão da existência da situação de fato justificante por ele conhecida; Veja o exemplo a seguir: Ex: Tício, querendo matar Mévio, enfermeiro de um determinado hospital, encontra o desafeto dentro de uma sala com a porta entreaberta e, aproveitando a oportunidade, desfere três disparos fatais em Mévio, matando-o instantaneamente. O que Tício não sabia é que no momento em que efetuou os disparos, Mévio – seu desafeto – preparava-se para aplicar injeção letal em Caio. Ou seja, apesar de desconhecer tal informação, Tício acabou agindo em legítima defesa de Caio, salvando sua vida. . Nesse caso, Tício poderá alegar que atuou amparado pela legítima defesa de terceiro? Não, afinal Tício desconhecia a existência da situação de fato justificante que autorizava a sua reação em legítima defesa de terceiro, razão pela qual deverá responder pelo delito de homicídio. 09/05/2020 8 Vamos mudar um pouco o exemplo: Imagine agora que Tício soubesse que seu desafeto Mévio se preparava para matar o paciente com uma injeção letal, quando atirou contra Mévio. Todavia, salvar a vida do paciente que seria vítima de Mévio não foi a razão pela qual Tício matou seu desafeto, ou seja, mesmo que Mévio não estivesse prestes a matar o paciente naquele momento Tício o mataria de qualquer forma. . Nesse caso, Tício poderia alegar que atuou amparado pela legítima defesa de terceiro, já que tinha consciência da existência de uma causa de exclusão de ilicitude? Não, afinal Tício não agiu em razão da existência dessa causa de exclusão da ilicitude de que tinha conhecimento, razão pela qual deverá responder pelo delito de homicídio. ESTADO DE NECESSIDADE (art. 23, I e 24, ambos do CP) Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. 09/05/2020 9 REQUISITOS OBJETIVOS I) PERIGO ATUAL Observe que no tocante ao estado de necessidade a lei exige perigo atual. ATENÇÃO: O estado de necessidade, segundo a doutrina, também justifica conduta que visa salvar bens de perigo iminente! (CESPE / ANALISTA JUD./EXEC. DE MANDADOS – TJCE/ 2014) Para a doutrina majoritária, aquele que, para salvar-se de perigo iminente, sacrifica direito de outrem não atua em estado de necessidade. GABARITO OFICIAL DEFINITIVO: ERRADO (FCC/ ANALISTA JUDICIÁRIO - ÁREA JUDICIÁRIA- TJSE/ 2009) Constituem elementos do estado de necessidade perigo atual ou iminente, que o agente não tenha provocado, nem podia de outro modo ter evitado. GABARITO DEFINITIVO: CORRETO 09/05/2020 10 II) QUE O AGENTE NÃO TENHA CAUSADO A SITUAÇÃO DE RISCO VOLUNTARIAMENTE; Discute-se na doutrina, qual seria a abrangência do termo voluntariamente, entretanto é amplamente majoritário o entendimento de que a expressão comportamento voluntário abrange tão somente o dolo. Dessa forma, a conduta culposa anterior que criou a situação de risco não impede que o agente invoque a figura do estado de necessidade. Exemplo: Condutor de uma lancha que culposamente provoque o naufrágio da embarcação em que estão ele e um amigo poderá alegar estado de necessidade na briga pelo único colete salva-vidas. III) PROTEÇÃO DE DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO; O código penal foi claro ao possibilitar ao agente a atuação em estado de necessidade para a proteção de direitos de terceiros. # Quando o agente atua em defesa de direitos de terceiros, é necessária a autorização do titular do bem jurídico protegido? Depende! O agente, atuando em estado de necessidade, pode proteger bens jurídicos disponíveis ou indisponíveis. 09/05/2020 11 Quando tratamos de bens indisponíveis a doutrina é unânime ao reconhecer a possibilidade de o agente atuar em defesa dos direitos de terceiro sem a necessidade de autorização, expressa ou tácita, daquele. Entretanto, quando se trata de bens jurídicos disponíveis, há grande discussão na doutrina se haveria a necessidade de autorização do terceiro titular do bem jurídico protegido. A posição majoritária, entretanto, é no sentido de se exigir a autorização do titular do bem jurídico nos casos de bens jurídicos disponíveis, nesse sentido: Rogério Greco, Cezar Roberto Bitencourt, Paulo Queiroz, Francisco de Assis Toledo e Fábio Roque. IV) QUE O AGENTE NÃO TENHA A OBRIGAÇÃO LEGAL DE ENFRENTAR O PERIGO; Se o agente possui a obrigação legal de enfrentar o perigo não pode invocar o estado de necessidade, sendo obrigado a agir enquanto o perigo comportar enfrentamento. CUIDADO! Em provas de concursos públicos, devemos ter em mente que existe uma regra que pode ser excepcionada! Regra: Quem tem o dever de enfrentar o perigo não pode alegar estado de necessidade. Exceção: Em situações excepcionais, em que o perigo já não comporta mais enfrentamento humano eficiente, mesmo aqueles que possuem a obrigação legal de enfrentar o perigo podem alegar o estado de necessidade. 09/05/2020 12 (CESPE / OAB / 2009) Um bombeiro em serviço não pode alegar estado de necessidade para eximir-se de seu ofício, visto que tem o dever legal de enfrentar o perigo. GABARITO OFICIAL DEFINITIVO: CORRETO (CESPE / JUIZ / TRT 5ª REGIÃO / 2013) Age impelido por estado de necessidade o bombeiro que se recusa a ingressar em prédio onde há incêndio de grandes proporções, com iminente risco de desabamento, para salvar a vida de alguém que se encontre em andar alto e que tenha poucas chances de sobreviver, dada a possibilidade de intoxicação por fumaça, se houver risco para sua própria vida. GABARITO OFICIAL DEFINITIVO: CORRETO Alcance do termo “Dever LEGAL” § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 09/05/2020 13 V) INEVITABILIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO; Para que se configure o estado de necessidade a lesão ao bem jurídico sacrificado deve ser a última opção do agente. O conhecido commodus discessus é um requisito do estado de necessidade. Commodus discessus, do latim, significa “saída padrão”, devendo ser entendida no sentido de ser a saída menos lesiva no caso concreto. Ou seja, no estado de necessidade o agente sempre deverá optar por evitar o embate quando isso for possível, mesmo que não lhe seja a saída mais fácil no caso concreto. . Porque a fuga é o meio preferível nas situações em que o agente se encontra em estado de necessidade? Isso ocorre porque no estado de necessidade existe a contraposição entre dois bens jurídicos legítimos, de forma que o sacrifício de um deles deve ser a última alternativa ao agente que se encontra em situação de necessidade. 09/05/2020 14 VI) INEXIGIBILIDADE DE SACRIFÍCIO DO BEM JURÍDICO PROTEGIDO; Trata-se do requisito da proporcionalidade entre o direito protegido e o direito sacrificado. Existem duas teorias que buscam definir o estado de necessidade: unitária e diferenciadora. Teoria unitária: conceitua estado de necessidade exclusivamente como causa de exclusão da ilicitude, é a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro. Segundo a teoria unitária para que se possa falar em estado de necessidade, o bem sacrificado deve sempre ter um valor inferior (ou no máximo igual) ao bem jurídico protegido. Teoria diferenciadora: divide o estado de necessidade em duas espécies: estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante (supralegal). O estado de necessidade justificante funciona como causa de exclusão da ilicitude (nos mesmo moldes daquele definido pela teoria unitária) e exige que o bem jurídico sacrificado tenha um valor menor do que o protegido. O estado de necessidade exculpante (supralegal) funciona como causa de exclusão da culpabilidade, ocorrendo nos casos em que o bem jurídico sacrificado tem valor igual ou superior ao do bem jurídico protegido. 09/05/2020 15 TEORIA DIFERENCIADORA TEORIA UNITÁRIA (adotada pelo CP – art. 24, § 2º) ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE: - Exclui a ilicitude: Bem protegido: vale MAIS Bem sacrificado: vale MENOS ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE: - Exclui a ilicitude Bem protegido: MAIS OU IGUAL Bem sacrificado: MENOS OU IGUAL ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE: - Exclui a culpabilidade: Bem protegido: vale MENOS OU IGUAL Bem sacrificado: vale MAIS OU IGUAL . E no caso do bem protegido valer menos que o bem sacrificado? Pode servir como diminuição de pena (1/3 a 2/3). QUESTÕES COMPLEMENTARES I) ESTADO DE NECESSIDADE RECÍPROCO É perfeitamente possível que um agente invoque a figura do estado de necessidade contra alguém que também age amparado por essa causa excludente da ilicitude. É o que a doutrina convencionou chamar de estado de necessidade recíproco. Exemplo: Dois sujeitos que brigam pelo único paraquedas existente no avião durante a queda da aeronave. 09/05/2020 16 II) ESTADO DE NECESSIDADE: AGRESSIVO X DEFENSIVO ESTADO DE NECESSIDADE DEFENSIVO: Estado de necessidade defensivo trata-se da situação em que o agente sacrifica o bem jurídico do terceiro causador da situação de risco. Exemplo: Tício e Mévio passeiam de barco quando Mévio provoca a colisão da embarcação causando o início de seu naufrágio. Como nenhum dos dois passageiros sabem nadar e somente existe um colete salva-vidas, Tício é obrigado a agredir Mévio para resguardar a sua vida. ESTADO DE NECESSIDADE AGRESSIVO: O estado de necessidade agressivo ocorre quando o agente, protegendo bem jurídico próprio ou de terceiro, sacrifica um bem jurídico de terceiro inocente (que não causou a situação de risco). Exemplo: O agente percebe que seu carro perdeu o freio em uma ladeira e como única forma de evitar a colisão com um paredão de rocha ao fim da descida, joga seu veículo sobre outros carros que estavam estacionados ao lado da pista. 09/05/2020 17 III) Estado De Necessidade X Erro Na Execução Na situação em que o agente, agindo em estado de necessidade, venha a cometer um erro na execução e atinja pessoa inocente acidentalmente, não se pode a ele imputar o resultado delituoso ali atingido. Esse é o posicionamento que prevalece na doutrina. Exemplo: Fulano, reagindo ao ataque de um cão feroz, efetua disparos contra o animal, mas por errona execução acaba acertando também Beltrano que passava do outro lado da rua, causando-lhe lesões. Não poderá ser imputado a Fulano o resultado atingido em relação a Beltrano, tendo em vista ter agido em estado de necessidade. ATENÇÃO: O agente estará obrigado a reparar civilmente os danos provocados por erro na execução durante sua ação em estado de necessidade. LEGÍTIMA DEFESA (art. 23, II e 25, ambos do CP): Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 09/05/2020 18 REQUISITOS OBJETIVOS: I) AGRESSÃO INJUSTA: Conduta humana contrária ao direito e que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de alguém. OBSERVAÇÕES: 1 – A agressão injusta nem sempre configura um crime. Será injusta a conduta que o agredido não esteja obrigado a suportar, a qual sempre será ilícita (contrária ao direito), mas nem sempre configurando um crime. Exemplo: Tício, em razão de coação moral irresistível de que era vítima, tenta matar Mévio, que reage à agressão utilizando moderadamente os meios necessários fazendo-a cessar. Note que Tício, ao tentar matar Mévio, não pratica conduta criminosa, tendo em vista que a coação moral irresistível é causa de exclusão da culpabilidade (e, portanto, do crime), mas a agressão não deixa de ser injusta (ilícita, contrária ao direito), podendo ser repelida pela vítima, que estará amparada pela legítima defesa. 09/05/2020 19 2 - Uma vez constatada a injusta agressão, o agredido pode rebatê-la, não se lhe exigindo a fuga do local (commodus discessus). ATENÇÃO: A doutrina ressalva a necessidade de se evitar o combate nos casos em que a agressão seja proveniente de um inimputável. Não sendo possível, entretanto, evitar o confronto, a legítima defesa será perfeitamente aplicável. 3 – A agressão deve ser entendida como o ataque a qualquer bem protegido pelo ordenamento jurídico, não necessariamente agressão contra a integridade física. Por exemplo, age em legítima defesa aquele que usa moderadamente da força física para evitar ataque ao seu patrimônio ou de terceiro. 4) Agressão injusta não se confunde com provocação injusta. A simples provocação injusta não autoriza a legítima defesa. Exemplo: Infidelidade matrimonial flagrada pelo cônjuge. Trata-se de uma provocação injusta, mas não é uma agressão injusta, não autorizando reação em legítima defesa. ATENÇÃO: É por essa razão, inclusive, que o agente provocador pode agir em legítima defesa caso seja injustamente agredido pelo provocado. Na situação descrita acima, por exemplo, se o marido traído parte pra cima do traidor, este pode reagir em legítima defesa contra aquela agressão, que seria penalmente injusta. 09/05/2020 20 CUIDADO! Há, contudo, uma hipótese em que o provocador não pode invocar em seu favor a legítima defesa: quando a provocação constituiu um pretexto para alegação posterior da legítima defesa. Ou seja, se no nosso exemplo, fosse constatado que o traidor intencionalmente se fez flagrar em adultério, esperando a reação do marido traído para reagir em suposta legítima defesa e matá-lo, não poderia invocar a legítima defesa em seu favor. II) AGRESSÃO ATUAL OU IMINENTE: Se for uma agressão passada, a reação será vingança. Se for uma agressão futura, antecipar a reação é mera suposição. ATENÇÃO: A Agressão futura pode ser: Incerta: é mera suposição. Certa: antecipar a reação pode caracterizar inexigibilidade de conduta diversa. É o que a doutrina chama de “legítima defesa preventiva” ou antecipada. 09/05/2020 21 III) USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS: Meio necessário é o meio menos lesivo à disposição do agredido no momento da agressão, porém capaz de repelir o ataque com eficiência. Encontrado o meio necessário, deve ser utilizado de forma moderada. IV) SALVAR DIREITO PRÓPRIO OU ALHEIO: Direito próprio: legítima defesa própria ou “in persona”. Direito de terceiro: legítima defesa de terceiro ou “ex persona”. . É possível alegar legítima defesa contra quem está agindo amparado por outra causa de excludente de ilicitude? Dependendo a legítima defesa de uma agressão injusta (contrária ao direito), não é possível alegar legítima defesa contra quem esteja agindo amparado por causa excludente de ilicitude (estado de necessidade, por exemplo) tendo em vista que quem assim age não está praticando agressão injusta, mas sim fato permitido por lei. 09/05/2020 22 . É possível alegar legítima defesa contra quem está agindo amparado por causa excludente da culpabilidade? Sim, nesses casos será cabível a legítima defesa, pois a agressão praticada por quem está acobertado por causa de exclusão da culpabilidade é penalmente injusta (ilícita), embora não possa ser considerada uma conduta criminosa. ESTADO DE NECESSIDADE LEGÍTIMA DEFESA Conflito entre vários bens jurídicos diante da mesma situação de perigo. Ameaça ou ataque a um bem jurídico. Exige a existência de perigo atual (ou iminente, pela doutrina) que não possua destinatário certo. Exige agressão humana injusta, atual ou iminente, e com destinatário certo. Sendo os interesses em conflito legítimos, cabe estado de necessidade x estado de necessidade. Sendo os interesses do agressor ilegítimos, não cabe legítima defesa x legítima defesa. A reação pode atingir terceiros. A reação somente pode se dirigir ao agressor. Exige a fuga do local, caso seja possível. A fuga não é exigida nem mesmo quando possível 09/05/2020 23 QUESTÕES COMPLEMENTARES 1. LEGÍTIMA DEFESA X ERRO NA EXECUÇÃO Na situação em que o agente, agindo em legítima defesa, venha a cometer um erro na execução e atinja pessoa inocente acidentalmente, não se pode a ele imputar o resultado ali atingido. Esse é o posicionamento que prevalece na doutrina. Exemplo: João agride José, que ao repelir essa agressão acaba acertando, por erro na execução, Lucas, ferindo-o. José não pode responder penalmente pela lesão provocada em Lucas, pois estava agindo em legítima defesa. CUIDADO! José estará obrigado civilmente a reparar os danos causados. 2. ATAQUE DE ANIMAL: ESTADO DE NECESSIDADE OU LEGÍTIMA DEFESA? ATAQUE DE ANIMAL ATAQUE NÃO PROVOCADO ATAQUE PROVOCADO PELO DONO Configura perigo atual, permitindo estado de necessidade. Ou seja, em possibilidade de fuga, a pessoa atacada deve fazê-lo. Configura injusta agressão, permitindo legítima defesa. Ou seja, o agente pode rebater a agressão, não sendo obrigado a fugir. 09/05/2020 24 3. EXCESSOS EXTENSIVO E INTENSIVO: A doutrina divide o excesso na legítima defesa em duas espécies: extensivo ou intensivo. EXCESSO EXTENSIVO: Tem relação com o USO IMODERADO dos meios necessários. O agente continua a reagir mesmo quando cessada a agressão que justificava essa reação. Exemplo: José começa a agredir João, que reage moderadamente e utilizando dos meios necessários consegue fazer cessar a agressão. Entretanto, após cessar a agressão João continua a desferir golpes contra José, incorrendo em excesso extensivo. EXCESSO INTENSIVO: Tem relação com a ESCOLHA DE UM MEIO DESNECESSÁRIO. O agente não utiliza os meios necessários ou os utiliza de maneira não moderada, se excedendo no momento em que ainda sofre a agressão. Exemplo: João, senhor de 70 anos de idade, começa a agredir José, jovem com 20 anos de idade e lutador profissional. José, reagindo à agressão de João efetua disparo de arma de fogo contra o agressor. Veja que em nenhum momento, José reage em legítima defesa, pois jamais utilizou o meio necessário para repelir a injusta agressão, agindo assim em excesso intensivo. 09/05/2020 25 4. LEGÍTIMA DEFESA SUCESSIVA: É a legítima defesa contra o excessoda outra parte que antes agia em legítima defesa. Caracteriza causa de exclusão da ilicitude. Exemplo: Maria estava sendo vítima de estupro praticado por João. Reagindo à agressão praticada por João, Maria alcança uma faca dentro de sua bolsa e desfere uma facada na barriga de João, o que imobiliza o agressor, cessando o ataque. Entretanto, mesmo após a cessação do ataque, Maria, enfurecida, continua desferindo golpes de faca contra João. Nessa situação, João estará autorizado a reagir em legítima defesa sucessiva contra Maria em razão do excesso de sua vítima. 5. PRÉVIA COMBINAÇÃO DE DUELO: Caso ocorra prévia combinação de duelo, nenhum dos envolvidos na briga pode alegar a legítima defesa. 09/05/2020 26 6) Legítima Defesa Subjetiva Também conhecida como legítima defesa excessiva ou excesso acidental, é a hipótese em que ocorre excesso por erro de tipo escusável (inevitável) do agente, ou seja, o agente se equivoca quanto à situação de fato e acaba se excedendo em sua reação acidentalmente. Exemplo: mulher que reage a um estupro, fere e imobiliza o seu agressor, fazendo cessar o ataque; mas, acreditando ainda estar sob o influxo da agressão (erro sobre o contexto fático), continua agredindo o estuprador. 7) Legítima Defesa Real x Legítima Defesa Putativa É perfeitamente cabível a legítima defesa real contra quem age em legítima defesa putativa. 09/05/2020 27 ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL (art. 23, III, primeira parte, CP): Também conhecida como descriminante em branco, esta justificante não possui um artigo exclusivo no CP anunciando seus requisitos objetivos. CONCEITO: O agente público (e excepcionalmente o particular) no desempenho de suas atividades, às vezes, é obrigado, por lei (em sentido amplo), a violar um bem jurídico. Essa intervenção lesiva, dentro de limites aceitáveis, é justificada pelo estrito cumprimento de um dever legal. Exemplo: Policial que emprega a violência necessária, razoável e moderada para executar prisão em flagrante de perigoso bandido. Estrito cumprimento de um dever legal estabelecido no art. 301 do CPP. ATENÇÃO: O policial não pode matar alguém alegando estrito cumprimento de um dever legal, porque não existe lei determinando que se mate ninguém. Poderá, entretanto, a depender da situação, alegar legítima defesa. 09/05/2020 28 Estão excluídas dessa descriminante as obrigações meramente morais, sociais ou religiosas. Exemplo: O sacerdote que força a entrada em domicílio para conceder a extrema unção responderá por violação de domicílio, tendo em vista que a sua obrigação é apenas religiosa. . Particular pode alegar estrito cumprimento de um dever legal? 1ª corrente: Essa excludente é exclusiva de agentes públicos, abrangendo o particular somente quando no exercício de função pública – Júlio Fabbrini Mirabete. Ex: mesário da justiça eleitoral, jurado, perito e etc. 2ª corrente: Particular também pode invocar essa descriminante – Flávio Monteiro de Barros – PREVALECE NA DOUTRINA. Ex: Pai que prende o filho adolescente no quarta para impedi-lo de sair de casa em certa noite, aplicando-lhe um castigo (art. 1.634 do CC). 09/05/2020 29 EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO (art. 23, III, segunda parte, CP): Também conhecida como descriminante em branco, esta justificante também não possui um artigo exclusivo no CP anunciando seus requisitos objetivos. CONCEITO: Exercício regular de um direito compreende condutas de um cidadão comum autorizadas pela existência de um direito definido em lei e condicionadas à regularidade do exercício desse direito. Exemplo: Qualquer do povo prendendo assaltante em flagrante delito. Art. 301 do CPP, que nesse caso anuncia o exercício regular de um direito. ATENÇÃO: Temos nesse exemplo, caso típico de exercício regular de direito “pro magistratu”: O estado, não podendo estar presente para impedir a ofensa a um bem jurídico ou recompor a ordem pública, incentiva o cidadão a atuar no seu lugar. 09/05/2020 30 INTERVENÇÃO CIRÚRGICA E O EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO Nas intervenções cirúrgicas realizadas por médicos quando o paciente não corre risco de morte, temos que o profissional atua no exercício regular do direito, não sendo cabíveis nessa hipótese o estado de necessidade (ausente a situação de perigo atual) e nem o consentimento do ofendido (quando graves as lesões que são produzidas nos procedimentos cirúrgicos). CONSENTIMENTO DO OFENDIDO: É uma causa supralegal de exclusão da ilicitude baseada no princípio da ponderação de valores, segundo o qual, o direito concede prioridade ao valor da liberdade de vontade da vítima frente ao desvalor da conduta e do resultado causado pelo delito que atinge bem jurídico disponível. 09/05/2020 31 REQUISITOS: a) O consentimento deve ser anterior ou concomitante à conduta lesiva; b) O consentimento deve ser dado por agente capaz; c) O consentimento deve ser dado pelo titular do bem jurídico atacado; d) O consentimento deve ser válido; Por válido entende-se que o agente deve consentir livre e conscientemente, sem erro, coação ou fraude. e) O consentimento deve recair sobre bens jurídicos disponíveis: ATENÇÃO: A integridade física é relativamente disponível, sendo possível o consentimento do ofendido apenas no tocante às lesões leves. CUIDADO! Se o não consentimento aparece como elementar do tipo, o consentimento do ofendido excluirá o fato típico. Ex: Estupro (art. 213 do CP); Violação de domicílio (art. 150 do CP) 09/05/2020 32 REFLEXOS NA ESFERA CÍVEL Em regra, o reconhecimento de uma causa excludente de ilicitude na esfera penal produzirá coisa julgada nas esferas cível e administrativa. Excepcionalmente, entretanto, não produzirá nenhum efeito nas outras esferas, estando o agente obrigado a indenizar na esfera cível, por exemplo, os danos causados. a) Estado de necessidade agressivo: o agente, atuando em estado de necessidade agressivo, ofende bens jurídicos de terceiro inocente. Exemplo: João, com o intuito de apagar o fogo que consumia o seu veículo, quebra o vidro do veículo que se encontra próximo para pegar o extintor de incêndio. b) Excludente de ilicitude praticada com erro na execução Exemplo: João, reagindo a uma agressão injusta que sofria de José, efetua disparo de arma de fogo em sua direção. Ocorre que, por má pontaria, acabou acertando também Maria, que passava do outro lado da rua, matando-a. 09/05/2020 33 EXCESSO NAS DESCRIMINANTES O agente sempre responderá pelos excessos em qualquer uma das espécies de descriminantes. Esse excesso pode ser doloso ou culposo: DOLOSO O agente atua com vontade e consciência de exceder os limites de sua atuação. Exemplo: cidadão que sofre uma agressão injusta e, após reagir e fazer cessar a agressão, resolve continuar em sua reação para se vingar do agressor. CULPOSO O agente, por erro na interpretação do contexto fático que o cerca, acaba se excedendo na sua reação. É o excesso que decorre de um erro de tipo inescusável (evitável), que exclui o dolo do agente, mas permite a punição a título de culpa. Exemplo: João parte para cima de José para agredi-lo, momento no qual José desfere um forte soco no rosto de João e faz cessar a agressão. Acreditando, em razão de avaliação equivocada dos fatos, que João ainda o agredia, José permanece desferindo socos em seu rosto. 09/05/2020 34 OFENDÍCULO Ofendículo é o aparato preordenado para a defesa do patrimônio. Exemplo: cerca elétrica, cacos de vidros no muro, lanças dos portões etc. NATUREZA JURÍDICA 1ª corrente: legítima defesa do patrimônio (legítima defesa preordenada). 2ª corrente: exercício regular de um direito. 3ª corrente: enquanto não acionado: exercício regular de um direito. Quando acionado: legítima defesa preordenada. (prevalece). 4ª corrente: o ofendículo é visível e representa exercício regular de um direito e a defesa mecânica predisposta é oculta e representa legítima defesa. ATENÇÃO: Para que o ofendículo funcione como causa de excludente da ilicitude(independentemente de sua natureza jurídica), dois requisitos são necessários: deve estar visível e deve representar reação proporcional ao ataque sofrido. 09/05/2020 35 DESCRIMINANTES PUTATIVAS São causas imaginárias de exclusão da ilicitude. São situações em que o agente acredita estar agindo acobertado por uma descriminante, quando, na verdade, não está. Exemplo: João, andando em uma rua escura tarde da noite, avista seu desafeto José, o qual havia lhe jurado de morte. Ao se aproximarem um do outro, José leva a mão à cintura, fazendo com que João acreditasse que seria vítima de um ataque do rival. Nesse momento, imaginando estar agindo em legítima defesa contra o iminente ataque de seu desafeto, João saca a arma de fogo que trazia consigo e efetua dois disparos certeiros contra José, levando- o a óbito no local. Após os disparos, verificou- se que José estava desarmado e levou a mão à cintura apenas para pegar o maço de cigarros que ali trazia. É importante ressaltar que qualquer uma das excludentes de ilicitude podem ser putativas (imaginárias), não só a legítima defesa. É possível, por exemplo, que o sujeito imagine estar diante de uma situação de perigo que não existe e, supondo estar agindo em estado de necessidade, ataque bem jurídico de terceiro. 09/05/2020 36 ESPÉCIES DE DESCRIMINANTES PUTATIVAS A descriminante putativa é marcada por um erro de compreensão do agente, que o faz acreditar estar amparado pelo direito, quando, na verdade, não está. Esse erro pode se dar quanto: À situação de fato: é a situação em que o agente se equivoca porque interpretou mal a realidade que o cercava. Em razão desse equívoco quanto à situação de fato, o agente acredita estar amparado pelo direito. Exemplo: sujeito que imagina que será vítima de ataque de seu inimigo e reage, matando-o. Posteriormente, entretanto, descobre que o ataque jamais ocorreria. À existência da causa descriminante: é a situação em que o agente, apesar de representar perfeitamente a realidade dos fatos, acredita que aquela situação lhe autoriza a agir amparado pelo direito, quando, na verdade, não autoriza. Exemplo: sujeito que, ao chegar a casa, flagra a mulher em adultério e acredita que, em razão desse fato, pode matá-la para lavar a sua honra (legítima defesa da honra). 09/05/2020 37 Aos limites da descriminante: é a situação em que o agente entende perfeitamente a realidade dos fatos, encontra-se em uma situação que lhe permite agir conforme o direito, mas erra quanto aos limites dessa permissão legal. Exemplo: o sujeito, lutador de artes marciais e de grande compleição física, após ser agredido por terceiro mais frágil fisicamente, saca a arma de fogo e, pensando estar amparado pelo direito, dispara contra o agressor, matando-o. NATUREZA JURÍDICA DA DESCRIMINANTE PUTATIVA A natureza jurídica do erro varia de acordo com as espécies de descriminantes narradas acima. a) O erro sobre a situação de fato caracteriza erro de tipo permissivo. b) O erro sobre a existência da descriminante ou sobre seus limites caracteriza erro de proibição indireto (erro de permissão). 09/05/2020 38 ATENÇÃO: Independentemente de sua espécie, em nenhuma hipótese, as descriminantes putativas serão causas de exclusão de ilicitude. No erro de tipo permissivo, pode haver exclusão do fato típico por ausência de conduta (caso o erro seja inevitável) ou responsabilização do agente a título de culpa (caso o erro seja evitável). No erro de permissão (erro de proibição indireto), pode haver exclusão da culpabilidade por ausência da potencial consciência da ilicitude (caso o erro seja inevitável) ou responsabilização com pena reduzida de 1/6 a 1/3 (caso o erro seja evitável).