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Autores: Profa. Daniela Martins da Silva Prof. Humberto Vieira Frias Profa. Ivana Barbosa Suffredini Prof. Wilson Roberto Malfará Colaboradores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Prof. Luiz Henrique Cruz de Mello Toxicologia e Análises Toxicológicas Professores conteudistas: Daniela Martins da Silva / Humberto Vieira Frias / Ivana Barbosa Suffredini / Wilson Roberto Malfará © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586t Silva, Daniela Martins da. Toxicologia e Análises Toxicológicas / Daniela Martins da Silva, Humberto Vieira Frias, Ivana Barbosa Suffredini, Wilson Roberto Malfará. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 520 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Toxicidade. 2. Diagnóstico. 3. Tratamento. I. Silva, Daniela Martins da. II. Frias, Humberto Vieira. III. Suffredini, Ivana Barbosa. IV. Malfará, Wilson Roberto. V. Título. CDU 615.9 U510.61 – 21 Daniela Martins da Silva É graduada em Farmácia e Bioquímica pela Unisantos, especialista em Acupuntura pelo Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos (IBEHE), mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade São Francisco (USF) e doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Professora titular na Universidade Paulista (UNIP) em Santos, atua nos cursos de Farmácia e Biomedicina. É supervisora de estágio e orientadora de trabalho de conclusão de curso e iniciação científica. Também é responsável pela elaboração de materiais didáticos. Humberto Vieira Frias É graduado em Farmácia pela Faculdade Oswaldo Cruz (FOC), de São Paulo, e habilitado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Paulista (UNIP), também de São Paulo. É mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas pelo Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) (Conceito Capes 5) e doutor em Patologia Ambiental e Experimental pela UNIP (Conceito Capes 5). Atuou na área de atenção e assistência farmacêutica como sócio-proprietário da Pro Pharmacy, em São Paulo. Atualmente, é professor orientador de estágio no curso de Farmácia semipresencial (Sepi) na Coordenadoria de Estágio Bacharelado (CEB) da UNIP, professor titular nos cursos de graduação de Farmácia e Biomedicina e coordenador do curso de Farmácia da mesma instituição, no campus Marquês de São Vicente. Ivana Barbosa Suffredini Possui mestrado e doutorado em Fármaco e Medicamento pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em Toxicologia pela Universidade Paulista (UNIP). Atualmente, é professora titular da UNIP, docente permanente nos programas de pós-graduação em Patologia Ambiental e Experimental (Conceito Capes 5) e em Odontologia (Conceito Capes 4) e responsável pelo Núcleo de Pesquisas Biodiversidade (NPBio) da UNIP. É membro da Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua-UNIP). Atua nas áreas de farmacognosia, farmacologia e toxicologia de plantas medicinais e microbiologia e aborda os seguintes temas: avaliação de atividade antitumoral, antimicrobiana e antioxidante, toxicidade geral e alterações comportamentais de extratos vegetais e óleos essenciais, com interesse voltado à aplicação em medicina veterinária e humana e em odontologia. É uma das pesquisadoras principais do Projeto Rio Negro, líder dos Grupos de Pesquisa Atividades Biológicas, Farmacológicas e Toxicológicas de Produtos Naturais, e Terapêutica Medicamentosa aplicada às Ciências da Saúde, assim como pesquisadora dos Grupos de Pesquisa de Neuropsicofarmacologia Experimental e Ambiental, Esquemas Terapêuticos e Curativos Propostos e Preconizados no Tratamento das Doenças Bucais, e Bioprospecção e Produção de Metabólitos Secundários Vegetais. Wilson Roberto Malfará Doutor pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (USP), mestre em Fármacos e Medicamentos pela mesma universidade, especialista em Toxicologia Analítica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e farmacêutico-bioquímico formado pela Fundação Hermínio Ometto (FHO/Uniararas). Tem inserção na área acadêmica desde o término do mestrado e atua como docente em disciplinas de diferentes cursos, como Medicina, Farmácia, Medicina Veterinária, Biomedicina, Educação Física e Fisioterapia. Além da atuação na docência, também tem inserções na pesquisa, voltada às mesmas linhas mencionadas. Participa da redação de vários materiais para o ensino a distância (EaD). Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruna Baldez Jaci de Paula Lucas Ricardi Vera Saad Sumário Toxicologia e Análises Toxicológicas APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 12 Unidade I 1 PRINCÍPIOS DA TOXICOLOGIA .................................................................................................................... 13 1.1 História da toxicologia ....................................................................................................................... 13 1.2 Introdução à toxicologia ................................................................................................................... 16 1.2.1 Classificação dos agentes tóxicos .................................................................................................... 20 1.2.2 Fases da intoxicação .............................................................................................................................. 20 1.2.3 Interações químicas ............................................................................................................................... 28 1.2.4 Tolerância ................................................................................................................................................... 33 1.2.5 Dose-resposta ........................................................................................................................................... 33 1.2.6 Índice terapêutico ................................................................................................................................... 35 1.2.7 Toxicocinética ........................................................................................................................................... 36 1.2.8 Toxicodinâmica ........................................................................................................................................ 69 2 AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE ....................................................................................................................... 75 2.1 Informações preliminares .................................................................................................................77 2.2 Teste de toxicidade aguda ................................................................................................................ 77 2.3 Teste de toxicidade de dose repetida ........................................................................................... 77 2.4 Teste de toxicidade crônica .............................................................................................................. 78 2.5 Teste de toxicidade na reprodução de uma geração e de duas gerações ..................... 78 2.6 Estudo toxicocinético ......................................................................................................................... 78 2.7 Estudos de neurotoxicidade em roedores .................................................................................. 79 2.8 Estudos de embriotoxicidade e toxicidade no desenvolvimento ..................................... 79 2.9 Teste de toxicidade genética ........................................................................................................... 79 2.10 Teste de mutagenicidade ................................................................................................................ 79 2.11 Teste de carcinogenicidade ............................................................................................................ 79 2.12 Mutagênese e genotoxicidade ..................................................................................................... 80 2.12.1 Ácidos nucleicos: uma breve história .......................................................................................... 81 2.12.2 Conceitos de mutagenicidade, genotoxicidade e carcinogenicidade ............................. 90 2.13 Avaliação do risco ............................................................................................................................112 2.13.1 Identificação do perigo ....................................................................................................................114 2.13.2 Avaliação dose-resposta..................................................................................................................114 2.13.3 Avaliação da exposição ....................................................................................................................115 2.13.4 Caracterização do risco .................................................................................................................... 115 3 TOXICOLOGIA AMBIENTAL .........................................................................................................................115 3.1 Introdução .............................................................................................................................................116 3.2 Poluição atmosférica ........................................................................................................................116 3.2.1 Classificação dos poluentes da atmosfera..................................................................................119 3.2.2 Padrões de qualidade do ar ............................................................................................................. 123 3.2.3 Material particulado suspenso ....................................................................................................... 124 3.2.4 Óxidos de enxofre ................................................................................................................................ 126 3.2.5 Óxidos de nitrogênio .......................................................................................................................... 126 3.2.6 Ozônio ...................................................................................................................................................... 132 3.2.7 Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos ................................................................................... 134 3.2.8 Monóxido de carbono ........................................................................................................................ 135 3.3 Poluição das águas ............................................................................................................................137 3.3.1 Introdução .............................................................................................................................................. 138 3.3.2 Cianobactérias ....................................................................................................................................... 138 3.3.3 Cianotoxinas ...........................................................................................................................................141 3.3.4 Toxinas irritantes ...................................................................................................................................151 3.3.5 Toxinas frequentemente presentes em águas marinhas ..................................................... 152 3.3.6 Outros compostos bioativos ............................................................................................................ 158 4 PLANTAS TÓXICAS, ANIMAIS PEÇONHENTOS E DOMISSANITÁRIOS ........................................159 4.1 Introdução .............................................................................................................................................159 4.1.1 Plantas tóxicas .......................................................................................................................................161 4.1.2 Plantas tóxicas significativas para o Brasil ................................................................................ 163 4.1.3 Algumas plantas tóxicas de relevância veterinária ................................................................ 176 4.1.4 Plantas tóxicas classificadas segundo seus efeitos tóxicos e medidas emergenciais a serem tomadas ................................................................................................................. 178 4.2 Animais peçonhentos e venenosos .............................................................................................181 4.2.1 Acidentes com animais peçonhentos e venenosos no Brasil ............................................ 182 4.2.2 Principais animais peçonhentos e venenosos do Brasil ....................................................... 186 4.3 Domissanitários ...................................................................................................................................202 4.3.1 Sabões e detergentes ..........................................................................................................................202 4.3.2 Produtos que contêm compostos alifáticos derivados de petróleo................................ 204 4.3.3 Produtos que contêm ou liberam cloro ...................................................................................... 204 4.3.4 Produtos que contêm substâncias com base em amônia ................................................... 205 4.3.5 Produtos que contêm óleos essenciais de origem vegetal ou sintética ........................ 206 4.3.6 Produtos que contêm compostos fenólicos ............................................................................. 206 4.3.7 Produtos que contêm formaldeído .............................................................................................. 206 4.3.8 Produtos que contêm ácidos .......................................................................................................... 206 4.3.9 Produtos que contêm álcalis ............................................................................................................207 4.3.10 Produtos que contêm piretroides ............................................................................................... 208 4.3.11 Produtos que contêm organofosforados .................................................................................208 4.3.12 Produtos que contêm carbamatos ............................................................................................. 208 4.3.13 Produtos raticidas ............................................................................................................................. 208 4.3.14 Outros produtos químicos encontrados em locais de uso/convivência comum ................209 Unidade II 5 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL E DE MEDICAMENTOS .....................................................................218 5.1 Toxicologia ocupacional ..................................................................................................................218 5.1.1 Introdução ...............................................................................................................................................218 5.1.2 Monitorização ambiental ................................................................................................................. 223 5.1.3 Monitorização biológica ................................................................................................................... 230 5.1.4 Programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO) ....................................... 239 5.1.5 Vantagens e desvantangens da monitorização biológica ................................................... 240 5.2 Toxicologia de medicamentos .......................................................................................................240 5.2.1 Intoxicações por medicamentos .................................................................................................... 240 5.2.2 Síndromes tóxicas ................................................................................................................................ 266 5.2.3 Toxicologia de emergência (intoxicações agudas) ................................................................. 268 5.2.4 Toxicologia clínica ............................................................................................................................... 275 6 TOXICOLOGIA SOCIAL ..................................................................................................................................283 6.1 Farmacodependência ........................................................................................................................285 6.1.1 Papel dos fármacos ou drogas como reforçadores ................................................................ 287 6.1.2 Sistema de recompensa cerebral ................................................................................................... 290 6.1.3 Avaliação do potencial de abuso ................................................................................................... 292 6.1.4 Drogas estimulantes do SNC ........................................................................................................... 293 6.1.5 Drogas depressoras ............................................................................................................................. 299 6.1.6 Drogas despersonalizantes e alucinógenas ................................................................................301 6.2 Toxicologia forense e analítica......................................................................................................308 6.2.1 Introdução à toxicologia forense e à toxicologia analítica ................................................ 308 6.2.2 Características das amostras ............................................................................................................ 311 6.2.3 Urgências no atendimento a paciente vivo com suspeita de intoxicação ....................313 6.2.4 Procedimento nas análises post-mortem ...................................................................................313 6.2.5 Clínica médica legal .............................................................................................................................315 6.2.6 Métodos de análise ..............................................................................................................................315 6.2.7 Análise de drogas no cabelo .............................................................................................................319 6.2.8 Testes rápidos para identificação de drogas de abuso ......................................................... 320 6.3 Dopagem no esporte ........................................................................................................................322 6.3.1 Histórico .................................................................................................................................................. 322 6.3.2 Substâncias proibidas nas competições e fora delas ............................................................ 324 6.3.3 Métodos de dopagem ........................................................................................................................ 326 6.3.4 Outras substâncias proibidas .......................................................................................................... 327 6.3.5 Controle antidopagem e métodos analíticos ........................................................................... 328 Unidade III 7 TOXICOLOGIA DOS ALIMENTOS E DOS METAIS .................................................................................336 7.1 Toxicologia dos alimentos ...............................................................................................................336 7.1.1 Classificação dos agentes tóxicos presentes nos alimentos .............................................. 336 7.1.2 Segurança dos alimentos ................................................................................................................. 337 7.1.3 Agentes tóxicos naturalmente presentes nos alimentos..................................................... 338 7.1.4 Contaminantes diretos de alimentos........................................................................................... 352 7.1.5 Contaminantes indiretos de alimentos ....................................................................................... 393 7.1.6 Alimentos transgênicos ..................................................................................................................... 394 7.2 Praguicidas ............................................................................................................................................394 7.2.1 Uma breve retrospectiva histórica dos praguicidas ............................................................... 394 7.2.2 Epidemiologia ........................................................................................................................................ 397 7.2.3 Classificação dos praguicidas.......................................................................................................... 399 7.2.4 Inseticidas organoclorados ...............................................................................................................402 7.2.5 Inseticidas organofosforados .......................................................................................................... 405 7.2.6 Piretrinas e piretroides ........................................................................................................................414 7.2.7 Carbamatos ............................................................................................................................................ 420 7.2.8 Paraquat .................................................................................................................................................. 425 8 TOXICOLOGIA DOS METAIS ........................................................................................................................426 8.1 Alumínio .................................................................................................................................................4268.1.1 Propriedades físico-químicas .......................................................................................................... 426 8.1.2 Usos e fontes de exposição .............................................................................................................. 426 8.1.3 Toxicocinética ........................................................................................................................................ 427 8.1.4 Efeitos tóxicos em humanos ........................................................................................................... 428 8.1.5 Carcinogenicidade ............................................................................................................................... 429 8.1.6 Manejo e tratamento da intoxicação .......................................................................................... 429 8.1.7 Fosfina ...................................................................................................................................................... 430 8.1.8 Manejo e tratamento ......................................................................................................................... 433 8.2 Arsênio ....................................................................................................................................................433 8.2.1 Introdução .............................................................................................................................................. 433 8.2.2 Propriedades físico-químicas .......................................................................................................... 434 8.2.3 Usos e fontes de exposição .............................................................................................................. 434 8.2.4 Toxicidade ............................................................................................................................................... 435 8.2.5 Toxicocinética ........................................................................................................................................ 436 8.2.6 Toxicodinâmica ..................................................................................................................................... 437 8.2.7 Intoxicação aguda ............................................................................................................................... 437 8.2.8 Intoxicação crônica ............................................................................................................................. 438 8.2.9 Diagnóstico ............................................................................................................................................ 439 8.2.10 Manejo e tratamento da intoxicação ........................................................................................ 440 8.2.11 Gás arsina ...............................................................................................................................................441 8.3 Cádmio ....................................................................................................................................................441 8.3.1 Usos e fontes ..........................................................................................................................................441 8.3.2 Toxicocinética ........................................................................................................................................ 442 8.3.3 Efeitos tóxicos ....................................................................................................................................... 442 8.3.4 Carcinogenicidade ............................................................................................................................... 444 8.3.5 Diagnóstico ............................................................................................................................................ 444 8.3.6 Tratamento ............................................................................................................................................. 444 8.4 Chumbo ..................................................................................................................................................445 8.4.1 Usos e fontes ......................................................................................................................................... 445 8.4.2 Toxicocinética ........................................................................................................................................ 446 8.4.3 Toxicodinâmica ..................................................................................................................................... 447 8.4.4 Toxicidade ............................................................................................................................................... 447 8.4.5 Sinais e sintomas da intoxicação .................................................................................................. 449 8.4.6 Diagnóstico .............................................................................................................................................451 8.4.7 Tratamento ............................................................................................................................................. 452 8.4.8 Prevenção da exposição .................................................................................................................... 452 8.4.9 Carcinogenicidade ............................................................................................................................... 453 8.5 Mercúrio .................................................................................................................................................453 8.5.1 Propriedades físico-químicas .......................................................................................................... 453 8.5.2 Usos e fontes de exposição .............................................................................................................. 453 8.5.3 Toxicocinética ........................................................................................................................................ 454 8.5.4 Minamata ................................................................................................................................................ 458 8.5.5 Mecanismo de ação ............................................................................................................................ 458 8.5.6 Toxicidade ............................................................................................................................................... 458 8.5.7 Carcinogenicidade ............................................................................................................................... 462 8.5.8 Diagnóstico ............................................................................................................................................ 462 8.5.9 Manejo da intoxicação ...................................................................................................................... 463 8.6 Níquel ......................................................................................................................................................465 8.6.1 Introdução .............................................................................................................................................. 465 8.6.2 Propriedades físico-químicas .......................................................................................................... 465 8.6.3 Usos e fontes de exposição .............................................................................................................. 465 8.6.4 Toxicocinética ........................................................................................................................................466 8.6.5 Biomarcadores de exposição ........................................................................................................... 467 8.6.6 Toxicodinâmica ..................................................................................................................................... 468 8.6.7 Toxicidade ............................................................................................................................................... 469 8.6.8 Efeitos carcinogênicos ........................................................................................................................471 8.6.9 Manejo e tratamento da intoxicação ...........................................................................................471 11 APRESENTAÇÃO Este livro-texto apresentará a você os princípios teóricos necessários para que se compreendam os mecanismos de intoxicação, que se iniciam com a exposição do organismo a uma ou mais substâncias potencialmente tóxicas, até as consequências dessa interação, que pode ser a intoxicação ou mesmo a morte do referencial biológico. O material lhe trará elementos para que você tenha a oportunidade de concluir como a toxicologia, além de ciência, é uma arte, e das mais antigas. Levaremos você a uma linha do tempo que demonstrará que, desde os primórdios, há casos de intoxicação a animais e humanos e que o conhecimento dessa ciência é fundamental para a sobrevivência humana. Além disso, esta obra contemplará os princípios teóricos que norteiam a compreensão dos mecanismos de prevenção, diagnóstico e tratamento das intoxicações. Ela irá trazer elementos que lhe darão sustentação teórica para compreender como e por que a mesma substância química pode levar benefícios ou trazer prejuízos (intoxicação) a organismos vivos. Em uma visão geral, o estudo da toxicologia e análises toxicológicas, como ciência, tem como pilares de sustentação trazer elementos para que compreendamos como prevenir, diagnosticar e tratar os casos de intoxicação acidentais ou intencionais. Entretanto, para lograr êxito nesses objetivos, faz-se necessário que estejamos sustentados em um diverso conjunto de informações associadas às condições de exposição e às fases da intoxicação, que nos serão paulatinamente expostas. Os seres humanos podem se expor a diversos agentes tóxicos e se intoxicar de várias maneiras. Por esse motivo, nosso material irá abordar plantas tóxicas, animais peçonhentos e domissanitários, assim como apresentar ecléticas áreas de estudo da toxicologia, como a toxicologia dos alimentos, dos medicamentos, clínica, social, ambiental, ocupacional, dos metais, dos praguicidas e forense. Em vários momentos serão apresentadas técnicas específicas e inespecíficas de diagnóstico da intoxicação, como também serão demonstradas técnicas de manejo da intoxicação, com antídotos específicos ou inespecíficos, utilizados no tratamento da intoxicação de humanos e animais. Nosso objetivo é elevar você a um plano superior de informação e de conhecimento na disciplina. Você não apenas será apresentado aos princípios da toxicologia de forma clara, atualizada e contextualizada como constatará que humanos e animais estão continuamente expostos a agentes tóxicos e que intoxicações acidentais ou intencionais são muito mais comuns do que se imagina. Também identificará que, a depender de algumas perspectivas, uma mesma substância química pode ser benéfica ou pode causar danos ao homem, e, acredite, talvez você não tenha a dimensão de como estamos expostos a substâncias químicas que podem causar danos ao organismo. 12 INTRODUÇÃO O estudo e a aplicação dos conceitos da toxicologia e análises toxicológicas são fundamentais para a sobrevivência do homem, bem como para sua qualidade de vida. O conhecimento dessa ciência pode ser utilizado em muitas e diferentes áreas, como na prevenção da intoxicação no ambiente de trabalho, no cálculo da quantidade dos praguicidas que podem ser utilizados na lavoura, no desenvolvimento de técnicas de manejo para que os trabalhadores não se intoxiquem e no desenvolvimento de fármacos e medicamentos, uma vez que o medicamento deve ser eficaz, mas também faz-se necessário garantir a sua segurança. A toxicologia estuda como as substâncias químicas liberadas ou presentes naturalmente presentes na atmosfera podem causar danos ao organismo, auxilia na compreensão de como e por que ocorre o uso abusivo de substâncias químicas e ainda demonstra como identificá-las em matrizes biológicas ou caracterizar os riscos envolvendo crianças e animais que se expõem a plantas ornamentais que causam importantes danos ao organismo. É por meio desse conhecimento específico que se realizam as análises toxicológicas nos institutos de criminalísticas, nos centros de controle de intoxicações em hospitais e laboratórios de análises clínicas e toxicológicas e nas indústrias farmacêutica, farmoquímica e de cosméticos. Elaboramos para você um histórico da toxicologia bastante robusto, para que desde o início você consiga contemplar como esta disciplina é abrangente e ancestral. 13 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Unidade I 1 PRINCÍPIOS DA TOXICOLOGIA A toxicologia é uma ciência pluridisciplinar que envolve medicina, farmácia, química, bioquímica, biologia, ecologia, epidemiologia, estatística, psicologia, enfermagem, medicina veterinária, entre outras especialidades. Ela estuda os tóxicos/venenos em todos seus aspectos e a relação com essas especialidades. Etimologicamente, a palavra toxicologia advém do latim toxicum (veneno) e do grego toxik (o), τoξikóν (veneno de flexas, veneno) + -logí (a), λoyíα (estudar). Essa origem se justifica pelo fato de que as pontas das flechas eram preparadas com material biologicamente contaminado, como pedaços de cadáveres ou venenos vegetais, com o intuito de acelerar a morte dos animais durante a caça. Serviam para isso as plantas que levavam à paralisia de músculos importantes como o coração e o diafragma. Logos, em grego, significava inicialmente a palavra escrita ou falada – o verbo. No entanto, a partir das ideias de filósofos gregos como Heráclito, passou a ter um significado mais amplo, sendo, então, um conceito filosófico traduzido como razão, tanto como a capacidade de racionalização individual quanto como um princípio cósmico da ordem e da beleza. Logos era definida por Sócrates como palavra, conversa, e, no sentido filosófico, passou a significar a razão que se dá a algo, ou, mais propriamente, conceito. O que se diz para definir algo é a logos dessa coisa, a razão dada a ela. Em consequência, definiu-se logos como o estudo de determinado assunto. Já a palavra inglesa poison vem do latim potionem, que chegou a nós através do francês poison e significava bebida, poção. Com o tempo, la poison tornou-se, ainda na França, sinônimo de veneno e, mais tarde, os dois significados se separaram, dando le poison, o veneno, e la boisson, a bebida. Serviu ao sentido de veneno o fato de muitos tipos de tóxico serem administrados na forma de bebidas e, assim, serem mais fáceis de manipular e dar às vítimas. A toxicologia é, pois, o estudo dos efeitos nocivos causados por matérias químicas sobre organismos vivos. A seguir, apresentaremos brevemente algumas situações envolvendo a toxicologia ao longo da história. 1.1 História da toxicologia A história da toxicologia é tão antiga quanto a humanidade. A sobrevivência exigiu que o ser humano se expusesse a alimentos que tivessem ao seu alcance, o que fez com que adquirisse experiência com os alimentos que saciaram sua fome e o nutriram, mas também experimentasse aqueles cujos efeitos eram mortais (SANTOS et al., 2004). 14 Unidade I Foram encontradas flechas e lanças do período paleolítico impregnadas com substâncias tóxicas de origem vegetal e animal utilizadas para a caça. Entre as substâncias químicas tóxicas encontradas nas flechas e lanças estavam a taxina (Taxus baccata) e o heléboro (Helleborusniger, H. foetidus e H. viridis), que apresentam propriedades relativas à tetania na musculatura estriada, concomitante a bradicardia e hipotensão cardíaca. Durante a Idade do Bronze, já se utilizava o fruto da papoula (Papaver somniferum). Antigos textos da medicina chinesa, de cerca de 3.000 anos a.C., descreveram que o imperador Shen Nung, conhecido como o pai da medicina chinesa, catalogou 365 ervas medicinais e substâncias tóxicas (FRANÇA et al., 2008). O imperador possuía um jardim botânico contendo plantas tóxicas e medicinais (SANTOS et al., 2004). Morreu, possivelmente, por conta de intoxicação por essas ervas, ainda que tenha elaborado um tratado sobre essas plantas. No Antigo Egito, quem possuía e conhecia os venenos era a casta sacerdotal. Papiros egípcios datados de 1700 a.C. faziam referências à intoxicação por chumbo e ao uso de Cannabis indicus e Papaver somniferum. Descoberto pelo egiptólogo alemão Georg Ebers, o papiro de Ebers (1500 a.C.) descreve o ópio, o acônito, a ioscina, o heléboro, o ópio, o cânhamo indiano, além do chumbo e do cobre. No papiro de Saqqara, há a descrição sobre os efeitos e doses letais da amêndoa amarga. Posteriormente foi descoberta a presença de glicosídeos cianogênicos nas amêndoas amargas. Na Grécia Antiga, o Estado utilizava veneno como arma de execução. A cicuta (Conium maculatum) era o veneno oficial, e beber de seu suco era uma das mais temidas consequências para o cidadão grego que transgredisse a lei. Sócrates (470–399 a.C.), filósofo grego, foi condenado a beber o suco de cicuta. Cleópatra (69–30 a.C.), última rainha do Egito, morreu pela picada de uma cobra (Naja haje). Andrómaco de Creta, médico do imperador Nero, incorporou 64 substâncias químicas à sua obra De antidotis. Estrabão (62–20 a.C.), historiador grego e geógrafo, observou que em alguns peixes, substâncias químicas eram bioquimicamente bioativadas e davam origem a substâncias tóxicas, capazes de realizar ligações covalentes em macromoléculas nucleofílicas (SCARLATO, 2006). Além de ter revolucionado o pensamento da época, a obra de Pedro de Abanos (Pietro D’Abano, 1250–1316), De remedius venenorum, dividiu os agentes tóxicos nas categorias animal, mineral e vegetal, assim como Dioscórides, com o seu livro De materia medica, havia feito 1.200 anos (BARLY et al., 2014). Seu discípulo Arnaldo de Villanova (1235–1313) revelou, em De venenis et de arte e cognoscendi, que quando se queima o carvão, ocorre a liberação de substâncias tóxicas (sem saber, havia descoberto o monóxido de carbono). No século XIII, Nicolás de Salerno publicou a obra Antidotarius magnus seu universalis, com 115 receitas antidotais (ESCOBAR, 2015). A história da toxicologia reúne o nome de famosas mulheres envenenadoras, como madame Toffana, Catarina de Medici e Lucrezia Borgia. Madame Toffana era uma viúva siciliana que fez fortuna ao elaborar uma receita de veneno. O produto elaborado por ela foi chamado de acqua Toffana ou água de Toffana, à base de hidreto de arsênio e cantáridas (Lytta vesicatoria), inseto coleóptero polífago que produz a 15 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS cantaridina, produto tóxico considerado afrodisíaco, diurético e vesicante (SANTOS et al., 2004). Além de intoxicar seu esposo, madame Toffana vendia a acqua Toffana para mulheres com dificuldade no casamento. O produto vinha, inclusive, com instruções de uso, era insípido, incolor e miscível com água e álcool, de forma que podia ser misturado com vinho ou água, sendo facilmente servido com refeições. Toffana confessou a morte de 600 pessoas após ser presa e foi executada em 1659, em Roma. Segundo Philippus Theophrastus Aureolus Bombastus von Hohenheim (1493–1541), mais conhecido como Paracelsus (veja a figura a seguir) e referido, inúmeras vezes, como o pai da toxicologia, todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno – é a dose que determina se algo é ou não veneno. Seu principal ditado, publicado em alemão, era: “O que há que não é veneno?” (GRANDJEAN, 2016). Figura 1 – Paracelsus O médico italiano Bernardo Rammazzini (1633–1714), considerado o pai da medicina do trabalho, realizou descrições, com admirável precisão, das manifestações clínicas das doenças dos trabalhadores, válidas ainda hoje. Nos últimos cem anos, a toxicologia como ciência se desenvolveu intensamente. Entretanto, seu crescimento exponencial data do pós-Segunda Guerra Mundial, a partir da produção de moléculas orgânicas utilizadas para uso industrial, princípios ativos para medicamentos e pesticidas para uso militar, período no qual vários laboratórios toxicológicos foram criados, como o da Universidade de Chicago e o de Kansas, Estados Unidos, para estudo dos efeitos dos gases sarin, soman e tabun, chamados gases dos nervos (STRAIF et al., 2017). Na América Latina, destaca-se o médico argentino Emílio Astolfi (1930–1995), considerado o pai da toxicologia no continente. De escola francesa, foi pioneiro na área de toxicologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires. Também foi importante Waldemar Ferreira de Almeida 16 Unidade I (1918–1996), médico brasileiro pioneiro na toxicologia no Brasil e coordenador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz. Ele desenvolveu pesquisas em toxicologia dos praguicidas e foi consultor sobre praguicidas em comitês de especialistas organizados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Food and Agriculture Organization – FAO) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (VASCONCELLOS et al., 1998). 1.2 Introdução à toxicologia Como você teve a oportunidade de observar, a toxicologia esteve presente em toda a história da humanidade. Mas nesse momento poderíamos nos perguntar: o que efetivamente significa o termo toxicologia? Um dos conceitos que nos parece mais adequado é que a toxicologia é a ciência que estuda os danos causados por um ou mais agentes químicos quando interagem com um referencial biológico, humano ou animal, sob certas condições de exposição (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Acompanhe conosco o raciocínio: no inverno, quando alguém se aquece pelo calor gerado pela queima do carvão, essa pessoa pode apresentar uma leve cefaleia, tontura, confusão mental ou até mesmo pode morrer por causa da exposição ao monóxido de carbono (CO), caso esteja em um ambiente confinado como um dormitório com as portas fechadas ou apenas entreabertas, dependendo do tempo que a pessoa fica exposta ao CO produzido pela queima desse carvão, da quantidade dessa substância presente no local e de outras circunstâncias, como a condição de saúde da pessoa, se é adulto ou criança, entre outros. Por outro lado, outras pessoas podem não apresentar qualquer sinal ou sintoma de intoxicação nas mesmas condições de exposição. Dessa forma, toda substância pode ser considerada um agente tóxico, dependendo das condições de exposição. A toxicologia é, portanto, uma ciência que tem por objetivo o estudo dos efeitos tóxicos causados por substâncias químicas, para sabermos como as intoxicações devam ser diagnosticadas e tratadas e, principalmente, para propor mecanismos de prevenção da intoxicação. Agora que você já teve o primeiro contato com a disciplina, daremos oportunidade para que se familiarize com alguns conceitos amplamente utilizados na matéria. Os danos causados pelo contato da substância química com o organismo, isto é, pela interação físico-química entre a substância química e membranas internas ou externas do organismo, também podem ser chamados de efeitos tóxicos. Esses efeitos tóxicos, efeitos nocivos ou danos ocorrem quando se rompe a homeostase do organismo, ou seja, quando as substâncias químicas às quais o referencial biológico se expõe ultrapassam a capacidade de resposta fisiológica, morfológica ou bioquímica do organismo. Nesse caso, rompe-se a homeostasia e ocorre o dano. Agente tóxico ou toxicante são termos que representam substâncias químicas capazes de romper ahomeostase de um organismo, alterar seriamente uma ou mais funções ou até mesmo levá-lo à morte, dependendo das condições de exposição. 17 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação Na verdade, não são apenas as substâncias químicas que podem causar danos ao organismo, pois agentes físicos também podem. A exposição excessiva à radiação ultravioleta (UV) pode levar ao câncer de pele. A radiação UV é eletromagnética, não ionizante e emitida na forma de energia pelo sol e pode variar de intensidade dependendo da proximidade em que a pessoa ou animal estiver da linha do equador, da altura do sol, do horário de maior exposição (que ocorre entre as dez horas da manhã e as quatro horas da tarde), da elevada altitude e da quantidade de ozônio na troposfera, capaz de filtrar a radiação solar. Entretanto, a radiação UV não é uma substância química, mas um agente físico, e campos magnéticos podem afetar processos biológicos. Há evidências de que quando um organismo se expõe de forma crônica à radiação não ionizante de baixa frequência, há aumento do risco de câncer em adultos e em crianças. A conclusão que obtivemos dessa contextualização é que, dependendo das condições de exposição, não apenas a agentes químicos, mas também a agentes físicos, como a radiação UV, pode ocorrer o rompimento da homeostase de um organismo, causando danos a ele. O conceito do termo xenobiótico é obtido a partir dos vocábulos gregos xenos (traduzido como “estranho”) e bios (vinculado à vida). A palavra xenobiótico, portanto, designa uma substância química encontrada no organismo, mas que não é naturalmente produzida por ele ou que não se espera que esteja presente no organismo. Vamos contextualizar essa informação? À medida que uma pessoa está doente e é medicada, o medicamento ao qual a pessoa se expôs não faz parte do organismo, mas está presente nele. Assim, esse medicamento é considerado um xenobiótico. Ficou clara a informação? Observação Xenobiótico, toxicante e agente tóxico são sinônimos amplamente utilizados na disciplina de toxicologia. O termo toxina está relacionado a uma substância química produzida por um sistema biológico, como um animal, planta, bactéria ou fungo. O Clostridium botulinum, por exemplo, é uma bactéria capaz de produzir a toxina botulínica, que pode causar intoxicação a humanos e a animais. Dessa forma, a toxina botulínica é uma toxina e não um xenobiótico (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Gostaríamos agora de fazer um questionamento para que você tenha a dimensão de como está sua compreensão da disciplina. Para isso, daremos mais uma informação e, em seguida, faremos uma pergunta para você. Está preparado para mais esse desafio? Dependendo da temperatura de queima dos átomos de cloro, pode haver a formação de um conjunto de substâncias químicas denominadas de dioxinas, que podem causar importantes danos a humanos 18 Unidade I ou a animais. Gostaríamos que você refletisse um pouco sobre essa colocação. Agora, nos permita questionar: as dioxinas podem ser consideradas toxinas? O que você acha? Para responder a essa pergunta, você precisa inicialmente verificar quem é o organismo produtor da substância. No caso das dioxinas, não são organismos vivos propriamente ditos que as produzem. Observação As dioxinas se originam da queima do cloro e podem aparecer espontaneamente na natureza ou por conta da ação humana. Dessa forma, por não serem produzidas por bactérias, fungos e algas, mas por serem formadas de forma natural ou antropogênica (pela ação humana), as dioxinas são consideradas xenobióticos e não toxinas. Ficou clara a diferença entre um agente tóxico e uma toxina? O termo veneno é reservado para ser utilizado quando a substância química advém de animais que o utilizam para fins de defesa ou predação, como no caso de veneno de escorpião, aranha, abelha ou cobra. Também é um termo popularmente consagrado para designar substâncias químicas ou misturas dessas que, com baixas doses, sejam capazes de provocar intoxicação ou morte (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Outro termo amplamente utilizado nessa disciplina é droga, que é toda substância capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico, utilizada com ou sem intenção de benefício do organismo receptor, ainda que o termo droga também seja utilizado popularmente para se referir a agentes tóxicos, matérias-primas de medicamentos, medicamentos, alucinógenos ou fármacos. O termo fármaco refere-se a toda substância de estrutura química definida, capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico ou estado patológico, em benefício do organismo receptor. Dentro desse contexto, o Δ9-tetra-hidrocanabinol (THC) é considerado um fármaco, e a planta que o contém, a maconha (Cannabis sativa), é uma droga. O termo ação tóxica é amplamente utilizado na toxicologia e se refere à forma pela qual um xenobiótico atua sobre um referencial biológico, sob a perspectiva bioquímica e molecular. Observação Você lerá em artigos, livros ou materiais acadêmicos o termo toxicodinâmica como sinônimo de “ação tóxica”. Trata-se de um termo amplamente utilizado. Voltemos ao exemplo da toxina botulínica. As vesículas sinápticas que armazenam acetilcolina (ACh) reguladas por Ca2+ liberam esse neurotransmissor quando há a fusão das membranas de vesículas de armazenamento com a membrana plasmática de neurônios pré-sinápticos. A toxina botulínica, por meio 19 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS de ligações específicas, impede a fusão dessas membranas e, consequentemente, a exocitose (liberação) da ACh nas junções nervosas localizadas no sistema nervoso periférico, levando ao relaxamento da musculatura. Pode ter ação terapêutica ou tóxica, dependendo das condições de exposição. É assim que age a toxina botulínica no organismo humano ou de animais, ou seja, essa é a ação tóxica ou toxicodinâmica dessa toxina. Você concorda conosco que, se uma pessoa está intoxicada, para tratar essa intoxicação, utiliza-se de um antídoto? É exatamente isso o que acontece. Os antídotos são substâncias químicas capazes de antagonizar ou reduzir os efeitos tóxicos de um xenobiótico, ou seja, se contrapõem aos efeitos nocivos causados ao referencial biológico por outra substância (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Observação Não há antídotos específicos ou até mesmo inespecíficos para todas as substâncias potencialmente tóxicas. Como já vimos, no inverno aumentam os casos de intoxicação pela exposição ao CO, uma vez que algumas pessoas se aquecem em ambientes internos pelo calor liberado pela queima do carvão e também pode haver a liberação desse gás por vazamento de aquecedores internos. Como o CO é um gás inodoro e incolor, quem se expõe a ele não consegue perceber que está havendo essa exposição. Após a exposição, o organismo pode sentir inicialmente uma ligeira cefaleia que tende a aumentar se a pessoa continuar se expondo ao gás. Também pode haver confusão mental, visão turva e fraqueza generalizada. Não é incomum haver exposições fatais dentro desse cenário. Assim, o antídoto utilizado para o tratamento da exposição aguda ao CO é o oxigênio. Ficou claro para você o que é um antídoto? Um outro termo da mais alta relevância utilizado na disciplina é o conceito de toxicidade, que é a capacidade potencial e inerente que uma substância química tem de romper a homeostase, causar dano e até mesmo levar o organismo à morte, dependendo das condições de exposição. Dessa forma, uma substância química de elevada toxicidade é aquela que, com baixas doses, é capaz de causar dano ao referencial biológico. Um dos parâmetros mais importantes na toxicologia, para comparar a toxicidade de substâncias químicas, é a DL50, que se refere à dose de uma substância química capaz de levar à morte metade dos animais que foram expostos a ela. É um parâmetro utilizado na avaliação da toxicidade aguda, ou seja, em exposições que caracterizem altas doses, a curto prazo, em exposição únicaou múltipla em 24 horas, cujo dano é a morte do animal (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). O risco de intoxicação é calculado comparando a DL50 com as condições de exposição. Podemos concordar então que uma substância química pode apresentar alto risco de intoxicação, ainda que tenha elevada DL50, ou seja, baixa toxicidade, se a exposição for acentuada. O termo risco está associado à probabilidade matemática, derivada de dados estatísticos, da ocorrência do dano, dependendo das condições de exposição. Matematicamente, o risco é obtido quando se relaciona a toxicidade de uma 20 Unidade I substância (DL50) com as condições de exposição (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Por essa equação, uma substância química de baixa toxicidade pode apresentar alto risco de intoxicação se sua exposição for intensa. Estudaremos adiante outras aplicações da DL50. Dependendo das condições de exposição em que o organismo se expõe a um toxicante, pode haver rompimento do equilíbrio desse organismo. Mesmo que ele tente se defender por meio de alterações bioquímicas, morfológicas e fisiológicas, quando a homeostase é rompida, ou seja, caso seja ultrapassada a capacidade do organismo de reagir a essa variação externa ou interna, instaura-se a intoxicação, que é a manifestação dos efeitos tóxicos, evidenciada pelo aparecimento de sinais e sintomas ou por meio da exames laboratoriais. 1.2.1 Classificação dos agentes tóxicos O agente tóxico pode ser classificado de diferentes formas, em função das demandas e dos interesses de quem os classifica. Pode ser classificado, assim, segundo seu órgão-alvo, usos, fontes de liberação ou exposição, estado físico, estabilidade/reatividade, toxicidade ou até mesmo pelo seu mecanismo de ação. 1.2.2 Fases da intoxicação Uma vez que a homeostasia é ultrapassada, ou seja, a capacidade que o organismo tem de reagir às variações externas ou internas por meio de alterações morfológicas, bioquímica ou moleculares é esgotada, as células reduzem suas respectivas ações específicas no organismo e passam a realizar funções basais, relacionadas à função ancestral de sobrevivência. Além da alteração da função celular, dependendo das condições de exposição, pode haver a instalação da lesão da célula. A ação do xenobiótico e consequentes efeitos no organismo são muito dinâmicos. Quando o organismo se expõe ao xenobiótico, dependendo das condições de exposição, essa substância pode ser absorvida rapidamente (em alguns segundos), atuar em diferentes órgãos e exercer seu efeito tóxico ou deletério. Em breve teremos a oportunidade de estudar, com bastante riqueza de detalhes, os eventos que ocorrem no organismo, para que a homeostasia seja rompida e se manifestem os sinais e sintomas de intoxicação. Nesse momento, é importante saber que os mecanismos gerais que levam à intoxicação são muito dinâmicos, ou seja, o organismo se expõe ao xenobiótico, que é absorvido e distribuído, age no organismo e leva à intoxicação. Entretanto, para estudarmos com mais clareza esses fenômenos e para que também possamos propor como prevenir, diagnosticar e tratar as intoxicações, subdividiremos a intoxicação em quatro fases: intoxicação, toxicocinética, toxicodinâmica e clínica (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014), conforme visto na figura a seguir: 21 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Fases da intoxicação Exposição Dose ou concentração Absorção Tempo ou frequência Biotransformação Via de administração Distribuição Suscetibilidade individual Armazenamento Propriedades físico-químicas Excreção Toxicocinética Toxicodinâmica Clínica Figura 2 – Fases da intoxicação 1.2.2.1 Fase da exposição Você se recorda do conceito do termo toxicante? Se sim, ótimo! Como vimos anteriormente, toxicante ou xenobiótico é toda e qualquer substância química que ao interagir com um referencial biológico é capaz de romper a homeostase, causar dano ao organismo e até mesmo levá-lo à morte, dependendo das condições de exposição. Você observou a última frase desse conceito? A última frase do conceito de toxicante termina em “dependendo das condições de exposição”. Por que essa frase é tão emblemática nesta disciplina? Porque dependendo das condições de exposição, pode ou não haver dano ao referencial biológico. A partir de agora, você será levado às situações que norteiam as condições de exposição, tão mencionadas anteriormente neste material. Para que compreendamos as condições de exposição, será necessário você entender melhor o conceito de exposição. Pare por um instante e tente responder à seguinte pergunta: o que significa exposição? Alguns respondem que exposição é o tempo em que o organismo fica exposto, enquanto outros têm dificuldade de responder a essa pergunta. Observe que faz sentido essa dúvida: não paramos para refletir sobre os significados de alguns conceitos rotineiros, e o conceito de exposição é um deles. Um dos conceitos que nos parece mais adequado a essa demanda é que a exposição é o contato da substância com o organismo. Simples, não é? Alguns autores expressam esse conceito de uma forma 22 Unidade I mais rebuscada: para eles, o termo exposição está associado às interações físico-químicas entre o xenobiótico e membranas internas ou externas do referencial biológico. Observe que é o mesmo conceito que concluímos, mas com outras palavras. Assim, quando você ler que o organismo se expôs ao agente tóxico, você deve imediatamente pensar que houve o contato dessa substância com o organismo. Observação Se não tem contato, não tem exposição. Sem exposição, não há intoxicação. Imagine o seguinte cenário: há uma ampola hermeticamente fechada contendo uma substância altamente tóxica. Se a ampola está fechada, existe o contato dessa substância com quem está manuseando a ampola? Não existe contato. Se não há contato, não há exposição. Você compreendeu esse princípio. Mais uma pergunta: se não há exposição, há risco de intoxicação? Se não há exposição, não há contato da substância química com pele, olhos, mucosa oral ou outra parte do organismo humano ou do animal. Assim, se não há contato, não há risco de intoxicação. Mas e se essa ampola for aberta, há risco de intoxicação? Se a ampola for aberta significa que pode haver contato do xenobiótico com membranas internas ou externas do organismo, e dentro desse contexto pode sim haver intoxicação. É esse o raciocínio toxicológico. Ficou mais claro para você? Dose ou concentração A dose à qual o organismo se expõe é uma das mais relevantes informações envolvendo a toxicologia e está associada à quantidade de uma substância à qual o organismo se expõe e que, na maior parte das vezes, é caracterizada por unidade de peso corpóreo. A concentração é um termo associado à quantidade da substância presente na água ou no ar em que o organismo está exposto. Dessa forma, não se fala que o organismo se expôs a elevadas doses de poluentes presentes no ar, mas, sim, que o organismo se expôs a uma elevada concentração do toxicante que se encontra na atmosfera (KLAASSEN; WATKINS, 2009). Mais um exemplo para que você compreenda e se aproprie inequivocamente desses conceitos: imagine que haja dez peixes Paulistinha, o Danio rerio, em um aquário e desejamos saber qual é a quantidade de uma determinada substância que leva à morte metade desses peixes. Nesse experimento, obtemos um parâmetro muito importante e extensivamente utilizado na toxicologia e em outras ciências, como na farmacologia, denominado de CL50: a concentração de uma substância química presente no ar ou na água capaz de levar à morte metade dos animais que foram expostos a ela, em condições laboratoriais definidas. Assim, na contextualização de uma substância que será transferida à água do aquário em que estão os peixes, como você se referiria a ela: dose à qual os peixes foram expostos ou concentração à qual os peixes foram expostos? Se você escolheu a segunda opção, parabéns! Você está indo muito bem! Essa 23 TOXICOLOGIA E ANÁLISESTOXICOLÓGICAS substância não está sendo administrada aos peixes, mas sendo colocada na água, e os peixes irão se expor à substância química presente na água. Assim, é concentração. Não é interessante? Observação Para que sejam realizados experimentos com animais, deve ser submetido um projeto sob supervisão de profissionais experientes, para aprovação da Comissão de Ética no Uso de Animais de Laboratório (Ceua). A disciplina de toxicologia leva em consideração a relação dose/efeito, ou seja, quanto maior a dose ou concentração a que o organismo se expõe, maior será o dano causado pela substância, no organismo. Esse raciocínio é facilmente extrapolado quando se pensa em termos de medicamentos: um comprimido é responsável pelo seu efeito terapêutico. Se o mesmo medicamento é administrado ao mesmo organismo, pela mesma via de exposição, mas em grande quantidade, ou seja, vários comprimidos ao mesmo tempo com a mesma dosagem, possivelmente o organismo apresentará intoxicação. É interessante observar que há uma recorrente frase em livros de toxicologia: “Toxicologia é, muitas vezes, considerada a ciência dos venenos ou envenenamento”. Dessa vez, vamos reportar à história para entender essa frase. Paracelsus foi o responsável por fazer a primeira distinção entre veneno e remédio. Segundo Paracelsus, todas as coisas são venenosas e nada é sem veneno. Compreendemos, assim, que é a dose que determina se algo é ou não veneno. Conforme já dissemos, seu mantra, publicado em alemão, era: “o que há que não é veneno?”. Ele realizou importantes estudos sobre dosagem. Foi o pioneiro no emprego do termo dose sob o aspecto quantitativo e a desenvolver trabalhos envolvendo o éter. Em seus escritos, divulgou que, dependendo da dose, alguns venenos poderiam agir como remédio. Foi Paracelsus que enunciou que deve haver experimentação animal para dimensionar a resposta do organismo ao se expor a substâncias tóxicas e que a dose de uma substância química é fundamental para manifestar efeitos tóxicos, sendo que a mesma substância química pode apresentar propriedades terapêuticas ou tóxicas, dependendo da dose à qual o organismo se expôs. Tempo ou frequência de exposição Quanto maior é o tempo a que um organismo se expõe ao toxicante, maior é o risco de intoxicação. A frequência de exposição segue o mesmo raciocínio: quanto maior a frequência de exposição, maior é o risco de intoxicação (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Para que a informação seja contextualizada, imaginemos que haja uma situação de incêndio e uma pessoa ou animal fique por alguns segundos exposto à fumaça tóxica. Dependendo da natureza e da concentração dos toxicantes dessa fumaça tóxica, a exposição por poucos segundos pode levar esse organismo a algum dano reversível ou irreversível. Entretanto, imagine que essa pessoa ou animal fique exposto por vários minutos, ininterruptamente, à essa fumaça tóxica. O risco de intoxicação aumenta, uma vez que quanto maior o tempo de exposição, maior é o risco de intoxicação. 24 Unidade I Atente-se à reportagem do jornal O Estado de São Paulo (AZEVEDO, 2016): “no dia em que o incêndio da Boate Kiss completa três anos, uma série de homenagens às vítimas ocorre em Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul, palco da tragédia que deixou 242 pessoas mortas e feriu mais de 600”. Em reportagem à Revista Veja, Donini (2013) expôs a informação afirmando que “espuma transformou a Boate Kiss em câmara de gás” e que “delegado apresenta pedaços do revestimento acústico da casa noturna e afirma que substâncias tóxicas foram responsáveis pelas mortes dos jovens”. Como você pode observar, a exposição a substâncias químicas, mesmo por períodos curtos, pode causar danos irreversíveis e levar, inclusive, à morte. Observação Espumas flexíveis são constituídas de substâncias químicas como cloreto de metileno, poliol e tolueno di-isocianato (TDI). Quando submetido a elevadas temperaturas (como ocorre em um incêndio, por exemplo), o TDI libera cianeto no ambiente. Voltemos ao contexto de tempo e frequência de exposição, pois foi o que aconteceu na Boate Kiss. A espuma utilizada como isolante acústico tinha em sua composição o TDI e liberou cianeto para o ambiente, e as pessoas que se encontravam na boate se expuseram à substância química. Mesmo os que se expuseram por pouco tempo aos gases liberados se intoxicaram. Via de administração O organismo pode se expor aos toxicantes por diferentes vias, como oral, endovenosa, pele, trato respiratório e olhos. Dependendo da via pela qual o organismo se expõe a um xenobiótico, os efeitos podem mudar significativamente, ainda que a quantidade da substância à qual o organismo se expôs seja a mesma. Para que contextualizemos essa informação, pensemos no ar. Um humano adulto respira centenas de litros de ar por dia. Entretanto, uma administração endovenosa do mesmo ar que respiramos, ainda que seja em pequeno volume, pode ser fatal para esse organismo. Você consegue compreender melhor que a exposição ao ar pode levar a diferentes efeitos no organismo, caso haja alteração da via de exposição ou de administração? Observação O ar não é uma substância química, mas uma mistura homogênea de gases que contêm oxigênio. Outro exemplo que trazemos à luz para a contextualização de como a via de administração pode influenciar diretamente os efeitos de uma substância no organismo é o curare, nome que se dá ao preparo que os índios fazem para caçar, constituído de uma mistura de plantas nativas da América do Sul, como Chondrodendron tomentosum e Strychnos toxifera. 25 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS O questionamento que se faz é: por que o animal morre quando leva uma flechada quando a ponta da flecha está contaminada com o curare e o índio que se expõe à carne do animal que morreu com aquela substância não morre, ainda que seja exposto à mesma substância que levou o animal à morte? Você conseguiu compreender a problemática? Vamos entender agora o que está acontecendo para que ocorram diferentes efeitos no organismo, dependendo da via pela qual o organismo se expôs à substância. Uma das justificativas está associada exatamente à via de exposição: quando o animal é interceptado, a flecha rompe tecidos, inclusive vasos sanguíneos, e libera o curare próximo aos vasos rompidos, facilitando sua absorção. Quando o índio ingere a carne do animal que foi morto pelo curare, está havendo uma alteração da via de exposição, ou seja, o índio está sendo exposto ao curare pelo trato digestório. Mas ainda falta uma informação relevante para a compreensão desse processo: o principal componente do curare é a d-tubocurarina. Esse fármaco possui nitrogênio com estrutura de amônio quaternário (veja a figura a seguir), que o torna bastante hidrossolúvel. O O OH OH OCH3 H3CO H3C H3C CH3 H N N + + H H Figura 3 – Fórmula estrutural da d-tubocurarina com nitrogênio no estado quaternário Consequentemente, quando a exposição ao curare acontece pelo trato digestório, sua absorção será lenta e não necessariamente plena por conta da elevada hidrossolubilidade da substância, diferentemente do animal, que se expõe à mesma substância pela flechada. Assim, quando um organismo se expõe à mesma quantidade da d-tubocurarina por via endovenosa e pelo trato digestório, seus efeitos são diferentes. Saiba mais Sugerimos que você se familiarize ainda mais com as propriedades do curare. Para isso, leia a matéria: CARVALHO, J. E. Como os indígenas colocaram o ovo em pé. Unicamp, 21 mar. 2019. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2019/ 03/21/como-os-indigenas-colocaram-o-ovo-em-pe. Acesso em: 13 nov. 2020. 26 Unidade I Suscetibilidade individual Você concorda conosco que nem sempre organismos diferentes apresentam a mesma reação quando se expõem às mesmas substâncias? Isso acontece porque cada pessoa ou animal reage de forma diferente, levando à nossa quarta condição de exposição, que está associada à suscetibilidadeindividual, ou seja, cada organismo pode reagir de uma forma diferente quando exposto à mesma substância, nas mesmas condições de exposição. Uma pessoa pode ser mais sensível em relação à outra e, consequentemente, apresentar uma reação mais intensa do que a outra quando se expõe à mesma quantidade de uma substância, nas mesmas condições de exposição. Uma das justificativas que levam à suscetibilidade individual parece estar relacionada à idiossincrasia, que é o fenômeno em que ocorre uma reação exacerbada quando o organismo se expõe a uma pequena quantidade de substância química. Essa reação é determinada geneticamente. Como exemplo, destaca-se classicamente a exposição à succinilcolina, um bloqueador neuromuscular despolarizante com início de ação ultracurto, que confere um bom relaxamento neuromuscular para a intubação. Quando o organismo se expõe à succinilcolina e produz constitutivamente baixos teores de butirilcolinesterase, enzima que a hidrolisa, pode haver um prolongamento excessivo dos efeitos do bloqueador neuromuscular no organismo (DA SILVA et al., 2016). Poderíamos questionar: por que isso ocorre? Concordamos que esse efeito prolongado no organismo ocorre porque o organismo produz baixa quantidade de enzimas que hidrolisam a succinilcolina, e essa baixa produção enzimática é determinada geneticamente. Dessa forma, dizemos que está havendo uma reação idiossincrática, ou seja, uma reação exacerbada (período extenso de relaxamento neuromuscular) causada por uma pequena dose da substância à qual o organismo se expôs, que ocorre pela característica genética de cada organismo. Saiba mais Convidamos você a ampliar seu conhecimento associado à idiossincrasia e à succinilcolina: DA SILVA, A. H. G. et al. Succinilcolina vs. rocurônio para indução em sequência rápida. Revista Médica de Minas Gerais, v. 26, supl. 1, p. S82-S87, 2016. Propriedades físico-químicas Sugerimos que toda vez que você estudar a toxicidade de um xenobiótico, inicie pelo conhecimento e compreensão das propriedades físico-químicas da substância, a partir de sua estrutura química. 27 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS A estrutura química de um xenobiótico traz elementos importantes que permitem estimar o comportamento da substância no organismo e no meio ambiente (KLAASSEN, WATKINS, 2012). Um exemplo é o chumbo: esse metal pode estar presente na natureza na forma elementar (Pb0), na forma inorgânica (PbS, sulfeto de chumbo) e na forma orgânica (C8H20Pb, chumbo tetraetila). Ao comparar a absorção cutânea do chumbo inorgânico com o orgânico, fica evidente como as propriedades físico-químicas interferem diretamente na toxicidade do toxicante: o chumbo tetraetila é facilmente absorvido não apenas pela pele, mas também pelos pulmões e trato digestório, diferentemente do chumbo elementar, que apresenta insignificante absorção pela pele e pelo trato digestório (SCHIFER; BOGUSZ JUNIOR; MONTANO, 2005). Observação No Brasil, o chumbo tetraetila já foi utilizado na gasolina como agente antidetonante. Atualmente, seu uso com essa função é proibido. 1.2.2.2 Fase da toxicocinética Vamos nos recordar de quais são as fases da intoxicação? São as fases de exposição, toxicocinética, toxicodinâmica e clínica. No tópico anterior, fizemos a contextualização das fases da exposição. Agora, veremos a próxima fase da intoxicação: a toxicocinética. Talvez, um dos conceitos que nos parece mais adequado para o termo toxicocinética é que ele representa o estudo da relação entre a disponibilidade química de um toxicante e sua biodisponibilidade, levando-se em consideração os parâmetros de absorção, biotransformação, distribuição, armazenamento e excreção, em função do tempo (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Que conceito extenso e complexo, você não acha? Talvez um pouco extenso, mas não é tão complexo assim. Posteriormente, teremos a oportunidade de pormenorizar esse conceito juntamente com os parâmetros toxicocinéticos apresentados a você, além de sua aplicação nessa ciência. 1.2.2.3 Fase da toxicodinâmica A próxima fase da intoxicação é a toxicodinâmica, que é a forma pela qual o toxicante age no organismo, do ponto de vista bioquímico e molecular, e exerce seu efeito deletério. Nessa fase, são estudados os mecanismos específicos ou inespecíficos de interação entre os sítios de ação e o toxicante, que pode levar ao rompimento do equilíbrio homeostático (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). 1.2.2.4 Fase clínica A fase clínica é aquela em que se evidenciam sinais e sintomas de intoxicação, ou seja, é o momento em que se identifica que houve o rompimento da homeostasia, o organismo não mais se encontra em 28 Unidade I estado de equilíbrio e, consequentemente, ocorre a intoxicação propriamente dita com a manifestação dos efeitos tóxicos (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Observação Os sinais e sintomas da intoxicação fazem parte da fase clínica e não da fase da toxicodinâmica. 1.2.3 Interações químicas As pessoas podem se expor a milhares de substâncias químicas ao longo do dia, uma vez que os toxicantes podem estar presentes no alimento, na água, no local de lazer, no ambiente de trabalho ou no ar que respiramos. Essas substâncias podem agir de formas completamente diferentes umas das outras, ou seja, por mecanismos diferentes como ligação proteica, biotransformação, excreção e alteração do perfil de absorção, e quando diferentes substâncias atuam no mesmo organismo ao mesmo tempo, podem gerar diferentes respostas. Neste ponto, teremos a oportunidade de conhecer os principais tipos de interações químicas. O estudo dessas interações é importante, uma vez que frequentemente nos leva a uma melhor compreensão dos mecanismos de resposta individual. 1.2.3.1 Efeito aditivo Um dos mais clássicos exemplos de resposta do organismo às interações químicas é o efeito aditivo. Esse efeito ocorre quando duas ou mais substâncias químicas atuam ao mesmo tempo no mesmo organismo e o somatório de seus efeitos é igual à soma dos efeitos das substâncias químicas, caso agissem independentemente uma das outras. Achou difícil o conceito? Tranquilize-se: permita-nos contextualizar a informação para que você compreenda melhor o conceito. Imaginemos que um organismo se exponha a dois diferentes praguicidas organofosforados ao mesmo tempo, no ambiente de trabalho. Observe que ainda que sejam substâncias diferentes, causam o mesmo efeito no organismo, ou seja, inibem a enzima acetilcolinesterase (AChE). Em um exemplo numérico hipotético, imaginemos que o inseticida organofosforado diazinon cause a inibição da acetilcolinesterase em uma intensidade que quantifiquemos como sendo igual a 1 (um fator fictício de inibição enzimática) e o outro inseticida organofosforado, o fention, cause o dobro da inibição da acetilcolinesterase, ou seja, cause uma inibição enzimática com um fator de intensidade igual a 2. À medida que o organismo se expõe a essas duas substâncias químicas ao mesmo tempo, qual será a intensidade total de inibição da acetilcolinesterase? Você arriscaria um número? Exatamente: 3! Você compreendeu o conceito de efeito aditivo. A maioria dos efeitos que ocorrem no organismo de humanos e de animais é o efeito aditivo (KLAASSEN; WATKINS, 2012). 29 TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS Observação A intensidade numérica de inibição enzimática que acabamos de expor é fictícia e serve apenas para a compreensão do conceito. Vamos ver outro tipo de interação química. 1.2.3.2 Efeito sinérgico Nesse tipo de interação química, a intensidade dos efeitos quando o organismo se expõe a duas ou mais substâncias químicas ao mesmo tempo é superior à soma dos efeitos que ocorreriam caso as duas ou mais substâncias químicas agissem independentemente. Algumas vezes, o conceito por si só parece não ser tão claro assim, você não acha? Então vamos contextualizar para que você compreenda inequivocamente a informação: imaginemos que um trabalhador se exponha ao mesmo tempo ao etanol