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2015 O ServiçO SOcial nO capitaliSmO Profª. Silvana Braz Wegrzynovski Copyright © UNIASSELVI 2015 Elaboração: Profª. Silvana Braz Wegrzynovski Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 361.3 W474s Wengrzynovski, Silvana Braz O serviço social no capitalismo / Silvana Braz Wengrzynovski. Indaial : UNIASSELVI, 2015. 267 p. : il. ISBN 978-85-7830-871-1 1. Serviço Social. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Impresso por: III apreSentaçãO Caro acadêmico, a disciplina que se inicia agora aborda uma das questões mais controversas da profissão de Serviço Social: o capitalismo. Esse tema se torna assunto de profunda importância para o estudo da teoria e prática da formação do assistente social, e também na sua atuação como profissional, no contexto social, econômico, político e cultural em que está inserido. Iniciaremos nossos estudos abrangendo a questão da expansão e crise do capitalismo e na configuração da modernidade e pós-modernidade, através do resgate histórico sobre as crises do capitalismo e a sua influência para o Serviço Social, bem como dos desafios que o profissional encontra diante deste sistema econômico. Conforme o que mostra a história da nossa profissão, a mesma passou por momentos de reestruturação teórica, metodológica e prática. Diante disso, se faz necessário entender as transformações da sociedade no capitalismo contemporâneo, através da discussão sobre o que é o projeto societário do capital, de que forma tal projeto influencia nas políticas públicas e quais seriam as demandas dessas transformações na ordem mundial. Ainda no que se refere às transformações societárias, se faz necessário estudar o Serviço Social na divisão técnica do trabalho, sendo esse um tema relacionado às transformações do mundo do trabalho. E, por último, serão apresentadas nesta unidade as organizações das categorias acadêmicas e profissionais e como se fazem presentes no sistema capitalista. O presente caderno apresentará como o Serviço Social se organiza e atua no século XXI, buscando refletir sobre as transformações no mundo do trabalho, como de fato essas novas configurações do trabalho influenciaram no saber fazer da profissão. Além de entendermos as transformações no mundo do trabalho, e como o Serviço Social se apresenta nas novas formas de enfrentamento da questão social, através do Estado e sociedade civil, será possibilitada ao acadêmico uma reflexão sobre qual é o papel do Estado, nessa fase atual de desenvolvimento capitalista. E, por fim, serão estudados o Serviço Social e as políticas públicas contemporâneas, possibilitando o acesso a conhecimentos e críticas sobre a agenda das políticas sociais atuais no que diz respeito ao plano federal. IV Esperamos que, com os conteúdos abordados nessa disciplina, sejam proporcionados a você, caro acadêmico, elementos para melhor conhecer o seu espaço de atuação como futuro profissional de Serviço Social, podendo identificar os seus interlocutores e os desafios propostos. Comecemos, então, o nosso estudo. Profa. Silvana Braz Wegrzynovski UNI Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! V VI VII SumáriO UNIDADE 1 – A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE ....................................................................................... 1 TÓPICO 1 – AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA ............... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 ENTENDENDO AS CRISES DO CAPITALISMO ........................................................................ 3 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 19 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 20 TÓPICO 2 – OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO ............................................................................................................... 21 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 21 2 A ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DIANTE DOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS ........................................................................................... 22 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 31 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 34 TÓPICO 3 – A CIÊNCIA MODERNA, A CRISE DOS PARADIGMAS E SUA RELAÇÃO COM O SERVIÇO SOCIAL ........................................................................................... 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 35 2 AS EXPRESSÕES IDEOCULTURAIS DA CRISE DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEA E SUA INFLUÊNCIA TEÓRICA-PRÁTICA PARA O SERVIÇO SOCIAL .............................. 36 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 49 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 51 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 52 TÓPICO 4 – OS DESAFIOS DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE AO PROJETO DA MODERNIDADE, DA CRISE DO SISTEMA CAPITALISTA E DA IDEOLOGIA PÓS-MODERNISMO .................................... 53 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................53 2 OS REFLEXOS DA MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE PARA O SERVIÇO SOCIAL PERANTE O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO .................................................................. 54 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 73 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 76 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 78 UNIDADE 2 – O SERVIÇO SOCIAL E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO .................................................................... 79 TÓPICO 1 – A DIVISÃO SOCIOTÉCNICA DA PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL NA SOCIEDADE CAPITALISTA ........................................................................................ 81 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 81 VIII 2 O SIGNIFICADO SÓCIO-HISTÓRICO DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ................................................................ 82 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 100 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 102 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 104 TÓPICO 2 – OS ESPAÇOS SÓCIO-OCUPACIONAIS DE INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NA ESFERA ESTATAL E INSTÂNCIAS PÚBLICAS DE CONTROLE DEMOCRÁTICO ............................ 105 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 105 2 O SERVIÇO SOCIAL COMO TRABALHO ASSALARIADO E A SUA TRAJETÓRIA EM ESPAÇOS DE ATUAÇÃO NAS ESFERAS PÚBLICAS ............................. 106 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 117 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 119 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 121 TÓPICO 3 – O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NAS EMPRESAS PRIVADAS ................................................................................................. 123 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 123 2 O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO INSERIDA NAS EMPRESAS CAPITALISTAS .......................................................................................................................................... 124 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 136 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 139 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 141 TÓPICO 4 – A ATUAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NAS ORGANIZAÇÕES DA CLASSE TRABALHADORA E NAS ORGANIZAÇÕES PRIVADAS NÃO LUCRATIVAS ............................................... 143 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 143 2 DESAFIOS, LIMITES E TENDÊNCIAS DO TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NAS ORGANIZAÇÕES DA CLASSE TRABALHADORA ...................................... 144 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 151 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 154 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 155 UNIDADE 3 – O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO SÉCULO XXI ......................................................................................................... 157 TÓPICO 1 CONCEITUANDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS ......................................................... 159 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 159 2 POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITOS, CICLOS E ANÁLISES NO MODELO SISTÊMICO .......................................................................................................................................... 160 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 176 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 178 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 180 TÓPICO 2 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS SEUS CICLOS DE EFETIVAÇÃO .................. 181 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 181 2 ELABORAÇÃO E EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DO SISTEMA CAPITALISTA .................................................................................. 182 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 194 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 198 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 200 IX TÓPICO 3 – AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS E SUAS DIMENS ÕES HISTÓRICAS ......................................................................................................................... 201 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 201 2 O ESTADO E AS CORRELAÇÕES HISTÓRICAS ENTRE AS DEMANDAS SOCIAIS ...... 201 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 221 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 224 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 226 TÓPICO – 4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS DO ESTADO BRASILEIRO ................................................................................................. 227 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 227 2 POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS E CIDADANIA ...........................................................228 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 251 RESUMO DO TÓPICO 4 ....................................................................................................................... 254 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 257 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 259 ANOTAÇÕES .......................................................................................................................................... 267 X 1 UNIDADE 1 A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • compreender a atual crise do capitalismo; • analisar os desafios do serviço social frente à crise do capitalismo; • discutir sobre o surgimento da pós-modernidade para as categorias teóri- cas, políticas e culturais; • conhecer os reflexos da modernidade e pós-modernidade para o serviço social. A Unidade 1 está dividida em quatro tópicos, sendo que ao final de cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES DO MODELO CAPITALISTA TÓPICO 2 – OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO TÓPICO 3 – A CIÊNCIA MODERNA, A CRISE DOS PARADIGMAS E SUA RELAÇÃO COM O SERVIÇO SOCIAL TÓPICO 4 – OS DESAFIOS DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE AO PROJETO DA MODERNIDADE, DA CRISE DO SISTEMA CAPITALISTA E DA IDEOLOGIA PÓS-MODERNISMO 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 1 INTRODUÇÃO A economia política descobre no trabalho o fundamento da atividade econômica, sendo que por meio desta a riqueza social é determinada, ou seja, o trabalho é a atividade onde o homem produz e reproduz a sua essência através de sua história. Nesta unidade, o acadêmico poderá compreender determinados aspectos da crise do capitalismo na atualidade, conhecendo os fundamentos das questões sociais que envolvem a sociedade como um todo. Então vamos aos estudos... 2 ENTENDENDO AS CRISES DO CAPITALISMO Para realizar um estudo sobre a atual crise do sistema capitalista, se faz necessário compreender conceitos fundamentais sobre capitalismo e as transformações que ocorreram no modelo de produção, desde o final da década de 70 do século XX, com ênfase nas mudanças sofridas na acumulação capitalista, bem como na organização do trabalho e no modo de viver dos trabalhadores. Para muitos pensadores sociais, economistas e outros, a definição de capitalismo se dá, pela sua forma de organização global, como sendo o sistema econômico mundial, pois na sociedade contemporânea é o sistema econômico e social que prevalece, conforme será apresentado nesta unidade de estudo. Desde o nascimento do capitalismo na Europa, durante o período do mercantilismo, surgiram defensores de uma “empresa livre” ou da “livre iniciativa” e/ou ainda “mercado livre”, pois nesse período havia muitas ressalvas à liberdade do comércio, sendo que as empresas não poderiam escolher o que produzir, nem para quem, e também não tinham a escolha de como produzir e/ ou para quem vender, sendo dificultadas pelas associações de profissões e pelo Estado que tinha como princípio o mercantilismo. Nascimento (2012, p. 51) afirma: UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 4 “Muito se tem debatido o real sentido de livre empresa (ou como também pode ser chamada: livre iniciativa), no aspecto de se verificar se há total liberdade das forças do mercado (competição) ou mesmo se em proteção ao próprio consumidor final”. O livre mercado é uma das primeiras características do sistema capitalista, pois os donos das empresas, patrões, exigiam uma maior autonomia na produção e, com as suas propriedades, visavam a obtenção de lucros. As crises do sistema capitalista são cíclicas e periódicas, oriundas dos problemas de acumulação do capital, sendo sempre econômicas e não culturais, religiosas, entre outras dimensões, porém se relacionam entre si e afetam diretamente o modo de produção. Cada crise da economia é diferente uma da outra, devido aos momentos em que se desenvolvem. Atualmente estamos vivenciando uma crise globalizada, devido a vários fatores, como, por exemplo, a expansão do capital que atinge primeiramente os países centrais e depois os países periféricos. O homem é o responsável pela construção contínua da história, sendo esse um movimento determinado pela estrutura econômica da sociedade, ou seja, imposta pelas condições materiais da vida. FIGURA 1 – CRISE ATUAL FONTE: Disponível em: <http://gracietesantana.blogspot.com. br/2012/04/o-que-o-capitalismo-proporciona.html>. Acesso em: 17 nov. 2014. TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 5 Marx e Engels, nos livros Manuscritos Econômico-Filosóficos (2002) e em A Ideologia Alemã (1986), afirmam que o trabalho é a ferramenta para as atividades da economia política, sendo esse o responsável pela produção da riqueza social. Compreende-se então, caro acadêmico, que o trabalho é desenvolvido pelo homem como sendo um instrumento capaz de produzir a sua essência, transformando o meio em que se vive, individualmente e/ou coletivamente. O trabalho se torna um dos componentes condicionantes da história da sociedade na sua totalidade. “O processo de trabalho como o apresentou, em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas [...]” (MARX,1985, p. 153). A riqueza social, bens materiais, que são produzidos pela sociedade para a sua reprodução social, no modelo de produção capitalista, não possuem uma divisão igualitária, gerando as classes sociais antagônicas. O que ocorre é a apropriação desses bens, que são produzidos através do trabalho da classe operária, pelos donos dos meios de produção. Os bens materiais se concretizam através da força do trabalho do homem, e se valorizam através do que se chama de mercadoria. Segundo Marx, A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, objeto de consumo, ou se diretamente, como meio de produção. (MARX, 1988, p. 45). A mercadoria deve ser levada sempre em consideração por dois pontos de vista: o de quantidade ou qualidade. Todos os produtos, depois que se tornam mercadoria, passam a ter certos valores. Para Marx, a mercadoria é definida por dois fatores: Valor de Uso e Valor de Troca. [...] a existência [...] de cada elemento da riqueza material não existente na natureza, sempre teve de ser mediada por uma atividade especial produtiva, adequada ao seu fim, que assimila elementos específicos da natureza a necessidades humanas específicas. Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana (MARX, 1988, p. 50). Sendo assim, o valor de uso depende da necessidade de utilidade de um determinado “bem”, para cada pessoa. O valor de troca pode ser medido, poisestá baseado na propriedade de cada produto. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 6 FIGURA 2 – MERCADORIA FONTE: Disponível em: <http://www.sntpv.com.br/sindical/amercadoriaeseuvalor.php>. Acesso em: 20 nov. 2014. O capital se expande pelo modelo de produção, pelo que se chama de apropriação da mais-valia, que é o valor total de trabalho empregado na produção de mercadoria, ou seja, é o trabalho excedente que não é pago. “Todo o sistema de produção capitalista repousa no fato de que o trabalhador vende sua força de trabalho como mercadoria” (MARX, 1985, p. 48). O raciocínio lógico dos capitalistas seria sempre arrancar a mais-valia dos trabalhadores, assim acumulam capital para investir novamente na produção, consequentemente aumentando sua riqueza. Nesse sentido, a acumulação do capital estaria independente da vontade individual dos patrões, se tornaria inseparável à condição para sobreviver no mercado de produção. Para Marx (1985), sempre haverá injustiça social neste modelo de sociedade capitalista, devido ao trabalhador produzir para seu patrão muito mais que o próprio valor que custa para a sociedade. TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 7 A “crise da sobreprodução”, defendida por Marx (1988), é gerada através da relação produtiva contrária que se desponta por meio da questão social, significando um grande leque de problemas sociais, que são resultados das contradições geradas pelo capital e trabalho. Porém, essa crise é decorrente quando os chamados empregadores, patrões e/ou donos do capital não conseguem vender seus produtos, e não conseguem os lucros esperados, ou então a partir do momento em que a produção não desempenha sua função de ascender lucros, causando o desemprego dos trabalhadores e o aumento da economia. O autor Mészarós explica que as crises são próprias do modelo capitalista de produção. No decurso do desenvolvimento histórico real, as três dimensões fundamentais do sistema capitalista — produção, consumo e circulação/ realização — tendem, durante um longo período de tempo, a reforçar- se e a expandir-se reciprocamente, garantindo também a motivação interna necessária para a respectiva reprodução dinâmica a uma escala cada vez mais ampliada. Portanto, no início, os limites imediatos de cada uma são superados com êxito, graças precisamente à interação recíproca com as outras dimensões. (Por exemplo: o obstáculo imediato à produção é superado com êxito durante algum tempo através da expansão do consumo e vice-versa.) Deste modo, esses limites imediatos das dimensões fundamentais do capital, mencionados nas citações dos Grundrisse, aparecem na realidade como simples obstáculos a superar. Ao mesmo tempo, as contradições imediatas do conjunto são não apenas transferidas, mas diretamente utilizadas como alavancas para o crescimento exponencial nas aparências do ilimitado poder autopropulsivo do capital. (MÉSZARÓS, 2004). Antes do surgimento da indústria capitalista existiam crises econômicas, que eram originadas das calamidades naturais, como as cheias, secas, doenças, epidemias e, entre outros fatores, até mesmo as guerras. Nessas situações não era disponibilizada alimentação e outros produtos para garantir e atender às necessidades imediatas, ou seja, crise de subprodução. Na sociedade fundamentada na economia capitalista existe uma contradição que acontece, as crises econômicas que são geradas pela superprodução. Marx (1848) afirmava que: UNI Você já deve estar se perguntando por que estudarmos os conceitos de trabalho, mercadoria, valor, mais-valia, nas crises do capitalismo. Então vamos seguir. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 8 Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade - a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbárie momentânea; dir-se-ia que a fome ou uma guerra de extermínio cortaram-lhe todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. (MARX, 2007, p. 7). FIGURA 3 – SUPERPRODUÇÃO Fonte: Disponível <https://historiaaraposo.files.wordpress. com/2011/01/02.jpg>. Acessado em 18 nov. 2014. O que se percebe é que as crises de consumo estão inseridas nos princípios do modo de produção capitalista, sendo elas cíclicas, e ocorrem de tempo em tempo, através da forma em que acumula e expande seu capital. O início de uma crise capitalista se dá por uma diminuição das atividades econômicas, ou seja, pelo desaquecimento da economia. Em seguida vem a fase de depressão, que é caracterizada pela diminuição das atividades econômicas, resultando em queda dos lucros, aumentando o índice de subemprego e desemprego, além da diminuição dos salários. Após afetar toda classe de produção, o capital começa uma nova fase de crescimento, que significa sua recuperação, até iniciar um novo ciclo. Conforme Mota (2009, p. 53), “As crises expressam um desequilíbrio entre a produção e o consumo, comprometendo a realização do capital, ou seja, a transformação da mais-valia em lucro, processo que só se realiza mediante a venda das mercadorias capitalisticamente reduzidas”. O que ocorre é a produção de grande quantidade, mas que a população não tem como comprar. Vale lembrar que, na economia capitalista, interessa o valor de troca e não o valor de uso das mercadorias. A produção de mercadorias não necessita e não precisa atender às necessidades da classe trabalhadora, e sim as necessidades da classe burguesa, patrões, através do lucro, consequentemente, as crises econômicas. Pode-se afirmar que existem duas causas fundamentais que geram as crises econômicas, que se relacionam e findam entre si. Uma se baseia na contradição TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 9 entre capital x trabalho, e a outra se baseia na anarquia da produção, que significa uma economia planificada. Na relação capital x trabalho (patrão x trabalhador) existem interesses completamente diferentes, pois o que favorece economicamente uma classe desfavorece a outra. Os patrões precisam manter seu lucro e lutam por isso, já os trabalhadores lutam por melhores salários e ampliação dos direitos trabalhistas. A maioria dos consumidores das mercadorias são os próprios trabalhadores, que, com salários reduzidos, não conseguem acompanhar a oferta das mesmas em que são produzidas, e assim a produção fica além do consumo. Com a pouca aquisição de mercadorias, geram-se os estoques, diminuindo assim a produção. Diante disso, conclui-se que o capitalista, ou seja, o patrão, precisa manter os lucros mantendo os salários baixos, acabando com o poder de aquisição para obtenção dos lucros e com isso causando o desemprego, que por sua vez diminui os salários, aumentando a oferta de mão de obra. FIGURA 4 – CAPITAL X TRABALHO FONTE: Disponível em: <http://www.sntpv.com.br/sindical/oprocessodeproducao.php>. Acesso em: 19 nov. 2014. IMPORTANT E CAPITAL X TRABALHO: Interesses contrários entre capitalistas e trabalhadores. O patrão luta por mais lucros e o trabalhador por salários mais justos. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 10 Outra causa de uma crise econômica seria a anarquia da produção, onde a liberdade de interesse deveria causar uma harmonia no sistema capitalista e sua economia. Para Marx (1985), a anarquia de produção evidencia que o capitalismo não tem um sistema de organização centralizado, que mostre o caminho que a produção deveseguir, gerando assim uma produção sem planejamento e ocasionando as crises periódicas. As coisas acontecem completamente diferentes, veremos agora. Como vimos anteriormente, o interesse dos patrões será sempre acumular o lucro, acumulando assim seu capital, e para que isso aconteça procuram diminuir salários, ampliam a produção para aumentar as vendas. Sendo esse o interesse e planejamento individual de cada empresa durante o período de crescimento econômico. Esse planejamento individual leva a uma concorrência entre as empresas, pois nenhuma respeita o interesse da outra, ocasionando muitas vezes, em algumas dessas empresas, um descontrole da produção. Esse descontrole de produção é resultado da grande produção e colocação dessas mercadorias no mercado, muito mais do que se precisa; e com o abusivo aumento da produção, algumas matérias-primas começam a faltar, fazendo com que o preço dessas mercadorias aumente, diminuindo assim o consumo. As crises do sistema capitalista não ocorrem naturalmente, são incoerências do modelo capitalista de produção, devido à sua própria contradição, à fabricação socializada e do acúmulo privado da riqueza por parte da minoria. Netto e Braz (2006, p. 162) garantem que: “as crises são funcionais ao modelo de produção capitalista, constituindo num mecanismo que determina a restauração das condições de acumulação, sempre em níveis mais complexos e instáveis, assegurando assim a sua continuidade”. Os autores acima não acusam um esgotamento do sistema capitalista, e sim conduzem para uma discussão sobre as contradições que existem no modelo de produção capitalista, afetando fatores políticos e força nas relações entre as classes sociais. Com isso ocorre um processo de alterações no cerne da sociedade, conforme os objetivos das classes sociais e de suas forças políticas. UNI O que se conclui é que, tanto pela relação trabalho x capital quanto pela anarquia da produção, se tem grandes estoques e queda da produção, resultando no desemprego e subemprego e baixos salários pela excessiva força de trabalho. TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 11 Cada classe social, capitalistas (patrões) e trabalhadores, reage de maneira diferenciada às crises cíclicas da economia capitalista. Para a primeira classe significa que seu poder econômico está ameaçado, e para a outra classe, a dos trabalhadores, estes são afligidos, no que diz respeito à sua condição de trabalho, tanto materialmente como subjetivamente, através de reflexos como o desemprego, perdas salariais, crescimento do chamado exército de reserva de mão de obra, desarticulação das suas organizações e lutas de classes. Segundo Mota (2009, p. 55), Do ponto de vista objetivo, este movimento materializa-se na c r i a ç ã o de novas formas de produção de mercadorias, mediante a racionalização do trabalho vivo pelo uso da ciência e tecnologia, regido pela implantação de novos métodos de gestão do trabalho que permitem às firmas o aumento da produtividade e a redução dos custos de produção. As chamadas curvas cíclicas das crises econômicas incidem em dinâmicas das afinidades sociais, ou seja, na restauração das relações sociais, através da intervenção do Estado. FIGURA 5 – CRISES DO CAPITALIMO Fonte: A autora UNI Os reflexos das crises são diferentes para a classe social dos trabalhadores e a dos patrões. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 12 O Estado redefine sua estrutura de intervenção, através de novos mecanismos institucionais, como, por exemplo, a criação de novos sistemas de proteção social. Porém, o Estado intervém diretamente na política econômica, gerando uma relação contínua entre Estado, mercado e sociedade. Nos países centrais, após a Segunda Guerra Mundial, até a década de 70, houve uma fase de reconstrução, que foi marcada pelo desenvolvimento do capitalismo, com uma grande intervenção estatal. O modelo de produção fordista unificou as ações econômicas do modelo econômico keynesiano, resultando em um equilíbrio do modo de acumulação capitalista, compreendido como fordista- keynesiano, segundo Harvey (1992, p. 121): (...) O Estado teve que assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativas ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. “O equilíbrio de poder tenso mas mesmo assim firme, que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que formou a base do poder da expansão do pós-guerra. FIGURA 6 – TEMPOS MODERNOS FONTE: Disponível em: <http://chapeudosol.wordpress.com/2010/09/18/marx- em-tempos-modernos/>. Acesso em: 16 nov. 2014. DICAS Você, acadêmico(a), deve assistir ao filme: Tempos Modernos, de Charles Chaplin. TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 13 Atualmente estamos vivenciando um processo de globalização da economia, que deixou de ser uma crise cíclica do capitalismo para se tornar um modelo estruturado e permanente, devido à forma como as dimensões capitalistas, produção, consumo e realização, se organizam pela acumulação entre si. FIGURA 7 – CONSUMO FONTE: Disponível em: <http://www.debatesculturais.com.br/ reflexoes-sobre-o-capitalismo-putrefato/>. Acesso em: 25 nov. 2014. Para Mészarós (2004), a crise capitalista que está inserida no mundo, desde os anos 70, está fundamentada em algumas características, sendo elas: 1. Mais do que restringido a uma esfera particular (por exemplo, financeira, comercial ou de um ou outro ramo da produção, ou de um ou outro setor particular de trabalho, com a sua gama específica de capacidades e grau de produtividade etc.), o seu caráter é universal; 2. Mais do que limitado a uma série particular de países (como foram todas as mais importantes crises do passado, incluindo a “grande crise mundial” de 1929-1933), o seu alcance é realmente global (no sentido mais extremadamente literal do termo); 3. Mais do que restrita e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capitalismo, a sua escala temporal é alargada, contínua — permanente, se se quiser — e 4. No que respeita à sua modalidade de desenvolvimento, defini-la como sub-reptícia poderia ser uma descrição adequada — em contraste com as erupções e desmoronamentos mais espetaculares do passado —, com a advertência de que não se excluem para o futuro nem mesmo as mais veementes e violentas convulsões, uma vez quebrada aquela complexa máquina hoje ativamente empenhada na “gestão” da crise e na transferência mais ou menos provisória das crescentes contradições. Diante disso, percebe-se que as crises geradas pelo sistema capitalista não possuem reflexos somente no setor econômico de um sistema, mas também no que se refere ao campo social e político, devido ao papel impotente que o Estado assume diante dessa nova configuração do modelo de produção econômico. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 14 Para lanni (1992, p. 11), o significado de globalização é: “expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial”. No mundo todo, nas últimas décadas do século XX foram envolvidas pela globalização desde as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, formas de governo, classes sociais, pessoas, culturas, enfim, todos os segmentos sociais. Aconteceram várias modificações em todos os setores, no que diz respeito à economia, houve a criação de novas tecnologias, facilitando a comunicação e o acesso às informações, os aparelhos e capitais se expandiram. O processo de globalização está inserido não somente na internacionalização do capital, na relaçãode consumo e troca, como também nas expressões políticas e sociais. Nesse contexto, a questão social se globaliza e passa a ter novas dimensões e características, como, por exemplo, o aumento dos índices de desemprego e subemprego, criando uma flexibilidade globalizada do capitalismo no mundo do trabalho, com o mínimo de garantia e proteção social. Um exemplo são as empresas dos países asiáticos, que entram na concorrência do mercado mundial, com melhor desempenho de fabricação e com preços mais baixos, mas sempre com mão de obra informal, ou sem garantias trabalhistas. Marx, em 1845, dizia: No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio no qual se produzem forças de produção e meios de intercâmbio que, sob as relações de produção vigentes, só causam desgraça, que já não são forças de produção, mas forças de destruição [...] Sob a propriedade privada, estas forças produtivas recebem um desenvolvimento apenas unilateral, tornam-se forças destrutivas para a maioria [...] Chegou- se, portanto, a um ponto tal que os indivíduos têm de apropriar-se da totalidade existente das forças produtivas, não só para alcançarem a sua auto-ocupação, mas principalmente para assegurarem a sua existência. (MARX, 1845 apud MÉSZARÓS, 2004). IMPORTANT E Caro acadêmico, é de fundamental importância estudar, conhecer, compreender e avaliar o novo modelo de produção capitalista, para intervir profissionalmente. TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 15 A economia de mercado, com o modelo capitalista de globalização, assume o controle das relações sociais de produção entre as diversas nações, invadindo a particularidade de cada povo. Analisando a figura abaixo, percebe-se que o ciclo dessa crise é estável, e se estabeleceu na sociedade mundial através da abertura da economia do capital, gerando uma maior competitividade de mercado. FIGURA 8 – GLOBALIZAÇÃO FONTE: A autora. Para Ramalho (2012): É inquestionável que a globalização trouxe avanços em vários segmentos da sociedade. Contudo, tais avanços permitiram a criação de uma ideologia dominante consolidada nas crenças do progresso prometido da globalização. Esta acabou por cinzelar o mundo e ter causado uma espécie de cegueira sobre as suas consequências, minimizando a importância de resposta aos problemas dela emergentes que se traduziram em disparidades na riqueza e no bem-estar, no desemprego estrutural, na insegurança humana, na degradação da natureza e no enfraquecimento dos Estados-nação. A globalização mundial, não só na dimensão econômica, mas em todas as outras, como por exemplo a social, política e cultural, afeta diretamente todas as relações sociais. O profissional de Serviço Social necessita criar instrumentos técnico-operativos para atuar diante dessa conjuntura. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 16 CAPITALISMO: MAIS‑VALIA, MAIS CRISE E MAIS BARBÁRIE A crise capitalista atual não nos conduzirá à superação da ordem burguesa. O capitalismo, por si só, sempre dará em mais capitalismo. A natureza da crise do capital que se aprofundou a partir de 2008 não é diferente, em sua essência, das crises que abateram o sistema em tantas outras vezes, tipificadas pelos traços constitutivos do estágio imperialista que se estruturou justamente a partir de outra grande e grave crise, a de 1873. Ela é movida pela natureza contraditória do desenvolvimento capitalista que, ao potencializar seu processo de reprodução ampliada (sua própria acumulação de capital), reproduz os fatores que exponenciam suas contradições e acionam crises que, desde as últimas décadas do século XX, têm maior duração e se exprimem em períodos menos espaçados (e sem ondas longas expansivas), alternando períodos (espasmódicos) de crescimento, auge, crise, recessão/depressão, retomada... A contradição central (a produção social e a apropriação privada) e o caráter anárquico da produção potencializam e assentam o desdobramento das crises capitalistas, que podem se expressar na tendência de queda da taxa média de lucro e/ou na combinação superprodução de mercadorias/subconsumo das massas trabalhadoras. E é o aumento da população sobrante (do exército industrial de reserva) e a massa de capitais excedentes que encontra dificuldades para se valorizar (a superacumulação) que têm tornado o metabolismo social do capital ainda mais sedento e voraz na busca de novos espaços de acumulação e de valorização do valor. A análise de Mandel é formidável, porque é a que melhor aponta esses elementos como aqueles que comandam o capitalismo tardio, indicando as questões centrais para pensar o capitalismo contemporâneo, especialmente duas: o aumento da composição orgânica do capital e o problema da crescente prevalência do capital constante sobre a variável e, decorrente daí, a tendência de redução do trabalho vivo e o problema da relação criação/realização da mais‑valia. Além desses fatores macroestruturais, a especificidade da crise atual, analisada com rigor por Mészáros, está assentada em duas características intrínsecas e que também se expressam na dinâmica estrutural do MPC contemporâneo: ela acentua o caráter destrutivo da produção capitalista, de modo que o metabolismo social comandado pelas forças do capital faz predominar, de maneira incomparável, LEITURA COMPLEMENTAR DICAS Para compreender um pouco mais, leia: IAMAMOTO, Marilda Villela. Trabalho e Indivíduo Social, 3ª Edição. São Paulo: Cortez, 2008 TÓPICO 1 | AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO MODELO CAPITALISTA 17 tendências altamente destruidoras da exploração da natureza que concorrem até mesmo para criar sérios obstáculos à própria reprodução da vida social; por outro lado, e correlatamente, esgotaram‑se os mecanismos estruturais (posto que os paliativos sempre hão de existir) de autorregulação do sistema sociometabólico do capital, uma vez que o caráter permanente da crise sobressai em detrimento da sua forma cíclica de se expressar, prevalente até os anos 1970. Mészáros caracteriza muito bem a crise adjetivando‑a, corretamente a meu ver, como uma rastejante. Aqui, quero salientar duas observações: a primeira diz respeito à predominância de análises catastrofistas sobre a crise contemporânea. A sua forma a‑histórica de apreender a realidade só conduzirá a “saídas” igualmente a‑históricas que podem se expressar em promessas voluntaristas, como as que pululam nos países centrais tocadas pela “juventude indignada” dos setores pequeno‑burgueses das grandes cidades e pelos ecoambientalistas de todo tipo; ou em “soluções” fatalistas que podem dar tanto nas promessas que promovem a (improvável) ruptura abrupta com a ordem burguesa baseada em prognoses fantásticas sobre o futuro (e, evidentemente, numa equivocada análise do presente) ou, ao contrário, podem resultar no mais absoluto niilismo, inofensivo e inepto. Mesmo que não possamos debitar à teoria o rumo de algumas das expressões das lutas sociais, é certo que ela representa parte do esforço de autores que, ainda que não possam ser responsabilizados por seus rumos, mantêm notória influência nesse campo. São vários os exemplos que podemos colecionar, mesmo que partam de perspectivas teóricas diversas, que podem nos levar a caminhos diferentes: desde Kurz nos anos 1990, passando por Negri/Hardt na década de 2000 e pelos diversos estudos que colocam o acento na questão ambiental (que é de fato uma questão relevante, mas não a central), como o que se faz notar dos textos de Boaventura Sousa Santos. A segunda observação diz respeito às correntes que não entendem a natureza da crise contemporânea e que acabam compreendendo‑a como mais uma crise do capital, passível de solução, regulação ou medidas anticíclicas. Aqui aposta‑se na administração de uma dinâmica que é cada vez mais incontrolável e que já não mais comporta formas de autorregulação. Pior: aposta‑se no controle e na administração das consequênciassociais do inadministrável sistema do capital. Vê‑se tal equívoco nas correntes que apostam numa terceira via tardia, nas saídas ditas neokeynesianas (que no Brasil têm atendido pelo nome de neodesenvolvimentismo que se expressa, na verdade, como um arremedo do modelo desenvolvimentista) ou, até mesmo, no sonho de uma reedição saudosa de um novo Welfare State. O suposto neodesenvolvimentismo, quando comparado aos traços gerais das políticas desenvolvimentistas - que, de modo muito problemático e diferenciado, conhecemos ao longo do período 1930 e 1980 no Brasil através de algumas experiências implementadas -, está muito longe do modelo original. Segundo especialistas, quando comparada ao paradigma desenvolvimentista que se conheceu no século passado, a hipótese neodesenvolvimentista “se desmancha no ar”, e as razões são claríssimas, seja porque: “a) apresenta taxas de crescimento UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 18 bem mais modestas; b) confere importância menor ao mercado interno, isto é, ao consumo das massas trabalhadoras; c) dispõe de menor capacidade de distribuir renda; d) aceita a antiga divisão internacional do trabalho, promovendo uma reativação, em condições históricas novas, da função primário‑exportadora do capitalismo brasileiro; e) é dirigida politicamente por uma fração burguesa, a qual denominamos burguesia interna, que perdeu toda a veleidade de agir como força anti-imperialista”. Para além das muitas polêmicas que o tema suscita, uma definição empregada para explicar o que chamo de hipótese desenvolvimentista é esclarecedora: “[...] o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimento possível dentro do modelo capitalista neoliberal [...]”. Ora, sabemos que o neoliberalismo se caracteriza justamente por políticas e medidas que obstam o desenvolvimento e o crescimento econômico, tornando muito difícil sustentar tal afirmação. Ainda sobre a segunda observação: o entendimento do capitalismo contemporâneo parece ser levado para um beco sem saída, justamente porque mostram‑se inúteis as saídas de administrá‑la. Namora‑se o capital, imperando o possibilismo que procura agir nos espaços cada vez mais estreitos e restritos e que atua nas supostas brechas por dentro do Estado capitalista. O trabalho torna‑se parceiro do capital e seus representantes, os representantes do capitalismo nos governos. Busca‑se a hegemonia em comunhão com os interesses maiores do capital que faz do Estado e dos governos de plantão seus prepostos, consolidando aquilo que Francisco de Oliveira (2007) denominou de “hegemonia às avessas”, pela qual a esquerda exerce o poder para realizar o projeto do capital, por intermédio de meios políticos que rebaixam sobremaneira seus horizontes. Ela (a “hegemonia às avessas”) é recente entre nós e começou em 2003, mas é velha conhecida dos europeus cujos governos tocados por partidos socialistas desde os anos 1980 são os melhores exemplos. Recorde‑se dos casos francês (com Mitterrand), espanhol (com Gonzales) e português (com Soares). FONTE: BRAZ, Marcelo. Capitalismo, crise e lutas de classes contemporâneas: questões e polêmicas. Serv. Soc. Soc. [online], n. 111, p. 468-492, 2012. ISSN 0101-6628. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-46282012000300005&script=sci_arttext>. Acesso em: 20 nov. 2014. 19 Neste tópico pudemos compreender as crises econômicas do sistema capitalista. Foram abordados os seguintes itens: • Os conceitos fundamentais sobre o significado de capitalismo e as transformações que ocorreram no modelo de produção, desde o final da década de 70 do século XX. • As mudanças sofridas na acumulação capitalista, como na organização do trabalho e no modo de viver dos trabalhadores no decorrer do processo histórico. • As crises do sistema capitalista são cíclicas e periódicas, oriundas dos problemas de acumulação do capital, sendo sempre econômicas e não culturais, religiosas, entre outras dimensões, porém se relacionam entre si, devido ao fato de que a crise econômica vivenciada no mundo atual está relacionada com o modo de produção. • O capital se expande pelo modelo de produção, pelo que se chama da apropriação da mais-valia, que é o valor total de trabalho empregado na produção de mercadoria, ou seja, é o trabalho excedente que não é pago. • Os bens materiais se concretizam através da força do trabalho do homem, e se valorizam através do que se chama de mercadoria. • Cada classe social, capitalistas (patrões) e trabalhadores, reage de maneira diferenciada às crises cíclicas da economia capitalista. • Nos países centrais, após a Segunda Guerra Mundial, até a década de 70, houve uma fase de reconstrução, que foi marcada pelo desenvolvimento do capitalismo, com uma grande intervenção estatal. • O Estado redefine sua estrutura de intervenção através de novos mecanismos institucionais, como, por exemplo, a criação de novos sistemas de proteção social. Porém, o Estado intervém diretamente na política econômica, gerando uma relação contínua entre Estado, mercado e sociedade. • Atualmente estamos vivenciando um processo de globalização da economia, que deixou de ser uma crise cíclica do capitalismo para se tornar um modelo estruturado e permanente. • O processo de globalização do capitalismo está inserido não somente na internacionalização do capital, na relação de consumo e troca, como também nas expressões políticas e sociais. RESUMO DO TÓPICO 1 20 1 Partindo da leitura complementar, comente sobre a crise do capital na atualidade. 2 Indique três consequências da globalização da economia. AUTOATIVIDADE 21 TÓPICO 2 OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A história do Serviço Social está fundamentada em duas teses distintas uma da outra. Montaño (2002), na sua primeira afirmação sobre a origem da profissão, ressalta que a mesma foi oriunda do capitalismo na sociedade. Na segunda tese ele defende a origem da profissão, sendo endogenista, ou seja, “profissionalização, organização e sistematização da caridade e da filantropia’’. (MONTAÑO, 1998, p. 16). O objeto de atuação historicamente considerado pelo Serviço Social é a luta de classes, e que tem influências centradas no sistema capitalista. Diante disso, esse tópico abordará como o Serviço Social tem se reportado diante dos desafios e perspectivas da crise do sistema capitalista atual. FIGURA 9 – DESAFIO PROFISSIONAL FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0101-66282010000400003&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 nov.2014. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 22 2 A ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DIANTE DOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS O cenário da crise contemporânea do sistema capitalista e da revolução tecnológica e industrial que estamos vivendo acende mudanças na sociedade em sua totalidade, em todas as dimensões: econômica, social, cultural e política, que disparam a disputa entre as classes sociais, concentrando a riqueza produzida e aumentando o empobrecimento da população. Essa atual conjuntura afeta diretamente o mundo do trabalho, com o elevado número de desemprego e subempregos, emergindo diretamente em novas demandas para a atuação do Serviço Social. Nessa nova ordem conjuntural, com a materialização da crise contemporânea e as mudanças do modelo de produção capitalista, ambas fundamentadas distintamente umas das outras, mas interligam mediante alguns fatores que devem ser considerados. A crise contemporânea está se efetuando em uma crise dinâmica, onde existe a acumulação do capital, onde a produção é maior que o consumo, onde o capitalismo se instaura sob o escudo da especulação econômica e financeira, gerando uma crise mundial, em que principalmente países subdesenvolvidos são obrigados a apelarem a órgãos como o Fundo MonetárioInternacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) para enfrentar as crises econômicas, gerando ainda mais desemprego e a miserabilidade da classe trabalhadora. Já o segundo modelo de crise tem suas particularidades na expansão e reestruturação do capitalismo, que foi defendido como o modelo fordista/ keynesiano, visto no tópico anterior, mas que se configura na produção em grande escala, onde o trabalhador não sabe o valor total de sua força de trabalho. Mesmo diante das dificuldades dos trabalhadores a um salário digno, foi no modelo fordista que houve a negociação da jornada de oito horas diárias de trabalho, entre outros benefícios, mas em virtude da diminuição da carga horária houve também um aumento de trabalho, onde trabalhadores, para atingir as metas, precisaram acelerar o seu ritmo de produção. Os desafios e as perspectivas da profissão do Serviço Social na crise contemporânea requerem, acima de tudo, refletir qual o comprometimento e limites que se tem com a sociedade na sua individualidade e totalidade, quais os novos espaços de atuação e trajetos que norteiam a atuação profissional e também resgatam os princípios éticos da profissão. TÓPICO 2 | OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO 23 FIGURA 10 – DESAFIOS DO PROFISSIONAL FONTE: Disponível em: <http://www.agronline.com.br/artigos/modelo-tecnico- caminho-agonegocio->. Acesso em: 25 nov. 2014. O Serviço Social, como profissão, sempre teve sua trajetória fundamentada no momento histórico em que atua, moldando e adaptando suas necessidades dentro das suas especificidades na intervenção prática, teórica e metodológica. Foi nos anos 1980 que o Serviço Social começou a ter uma relação com a teoria marxista, resultando em novos referenciais teórico-metodológicos de atuação para os profissionais, através de amplas reflexões da categoria e de pesquisas com produções teóricas. A ruptura do Serviço Social com o modelo conservador teve visibilidade entre os anos de 1980 e 1990. Para as autoras Yazbeck, Martinelli e Raichelis (2008, p. 22), o Serviço Social tem sua evolução pautada, pois: [...] a herança conservadora e antimoderna, constitutiva da gênese da profissão, atualiza-se e permanece presente nos tempos de hoje. Maturação que se expressa pela democratização da convivência de diferentes posicionamentos teórico-metodológicos e ideopolíticos no final da década. Os avanços que a profissão teve são significativos no que conduz sua prática, foram oriundos da organização, pesquisas dos assistentes sociais, resultando em novos espaços ocupacionais para intervir junto à sociedade, porém, em muitos deles, como objetivos completamente contrários aos da profissão. Ainda Yazbek, Martinelli e Raichelis (2008, p. 15) afirmam: “[...] Maturação que ganhou visibilidade na sociedade brasileira pela intervenção dos assistentes sociais nos consideráveis avanços na proteção social, garantidos na Constituição Federal de 1988 e expressos, por exemplo, no ECA, LOAS, no SUS”. Ao iniciar uma reflexão acerca da importância da atuação do Serviço Social diante da realidade contemporânea, deve-se sempre levar em consideração fatores econômicos, sociais, culturais e políticos da realidade estudada. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 24 Conforme Iamamoto (2006, p. 67), O Serviço Social teve conquistas rompendo com o conservadorismo, e tem sua atuação pautada para o fim da opressão de classe sobre as questões que dizem respeito à sobrevivência social e material dos setores majoritários da população trabalhadora. Diante da história de atuação profissional do assistente social, pode-se conferir que este tem suas práticas voltadas para as relações sociais estabelecidas no contexto histórico. Iamamoto (2006, p. 55) descreve que: O Serviço Social não atua apenas sobre a realidade, mas atua na realidade [...] a conjuntura não é o pano de fundo que emoldura o exercício profissional; ao contrário, são partes constitutivas da configuração do trabalho do Serviço Social, devendo ser apreendidas como tais. Para o profissional de Serviço Social entender e intervir em todas essas dimensões na atual conjuntura econômica em que a sociedade se encontra, necessita ter uma visão complexa para que possa, de forma teórico-prática, realizar suas atribuições como profissional, tanto nas políticas públicas, como também na elaboração de novas teorias profissionais. Assim, para Iamamoto (2006, p. 55-56), [...] o esforço está, portanto, em romper qualquer relação de exterioridade entre a profissão e a realidade, atribuindo-lhe a centralidade que deve ter no exercício profissional [...] e o reconhecimento das atividades de pesquisa e espírito indagativo como condições essenciais ao exercício profissional. FIGURA 11 – O MUNDO CONTEMPORÂNEO FONTE: Disponível em: <http://nusocial.wordpress.com/category/as- formas-de-enfrentamento-da-questao-social-nas-decadas-de-30-e-40/>. Acesso em: 22 nov. 2014. TÓPICO 2 | OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO 25 Sobre mediação, Pontes (2000) coloca que é conjunto objetivo e ontológico que está efetivado na realidade, sendo estudada como um dos principais atores na dialética, devido ao fato de esta ser contabilizada como real, como princípios da racionalidade. Como a mediação atua diretamente na realidade, se torna um instrumento fundamental para o profissional de Serviço Social na sua prática teórico- metodológica no cotidiano. Torna-se essencial para o “desvendamento dos fenômenos reais e a intervenção do assistente social” (PONTES, 2000, p. 43). A profissão está regulamentada como sendo liberal, dispondo de certa autonomia no seu exercício profissional, mas o assistente social, como outro trabalhador, é um assalariado, pois vende sua força de trabalho especializada. Para Iamamoto (2007), essa situação faz com que o assistente social tenha seu trabalho apropriado por empregadores, fazendo com que o profissional técnico não tenha muita autonomia nas suas ações. Os assistentes sociais precisam desenvolver ações propositivas, com metas de intervenções que busquem atender a demanda da população de usuários do Serviço Social. O desenvolvimento do modelo de produção que está enraizado no sistema capitalista gera o desequilíbrio social, através da desigualdade de classes e das expressões geradas pelas questões sociais, que configuram a realidade contemporânea e precisam ser compreendidas e analisadas criticamente pelo assistente social. IMPORTANT E Diante dessa afirmação da autora acima citada, o Serviço Social utiliza-se da mediação como instrumental técnico e operativo da sua intervenção teórico-prática. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 26 O profissional de Serviço Social deve estar em constante aprendizado com a realidade cotidiana, necessitando conhecer novas possibilidades de demanda e de intervenção, podendo intervir transformando-as através das instrumentalidades nos espaços onde o Serviço Social está presente. DICAS Para aprofundar melhor seus estudos, não deixe de ler o livro indicado: IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 10ª. ed. São Paulo: Cortez, 2006. Esta obra se refere a uma nova agenda de atuação do assistente social diante das questões voltadas para o trabalho e para a formação profissional. IMPORTANT E A instrumentalidade é uma propriedade e/ou a capacidade que a profissão vai adquirindo na medida em que concretiza objetivos. Ela possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio da instrumentalidade que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social; o nível do cotidiano.(GUERRA, 2002, p. 53). TÓPICO 2 | OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO 27 O diferencial da profissão está na forma que a mesma busca para a efetivação dos direitos sociais da população em que está intervindo, podendo ser nos diversos espaços ocupados na atuação profissional. O assistente social precisa ser um profissional propositivo e não apenas executor de tarefas cotidianas. Atualmente o Serviço Social está inserido num contexto onde existem diversas expressões das questões sociais, pois elas vêm aumentando significativamente. Diante desse cenário, os assistentes sociais têm por foco principal, em seus desafios profissionais, a permanente capacitação, para então agir como ator protagonista na implementação de políticas sociais. Esse agir profissional diante das políticas sociais necessita ser através de mecanismos multidisciplinares e interdisciplinares, formando equipes de profissionais que consigam olhar a realidade contextualizada de forma crítica, fazendo com que a população atendida participe desse processo. Para Iamamoto (2006, p. 20), essa relação: [...] se caracteriza como um dos maiores desafios sociais vividos no presente, o de desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um propositivo e não executivo. É importante que o Serviço Social analise todas as mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas que estejam acontecendo em todo o mundo, com ênfase nos países vizinhos da América Latina. É preciso enfrentar os desafios impostos pela conjuntura atual, levando em consideração as dimensões que estão inclusas na sociedade, que são: as políticas, sociais, culturais e econômicas. Na Constituição Federal de 1988 foram garantidos vários direitos sociais. O profissional assistente social precisa estar articulado com todos os segmentos da sociedade para que esses direitos sejam garantidos, podendo ser nos segmentos ligados às questões de gênero, raça, etnias, nos movimentos sociais e sindicais, entre tantos outros. O desafio é redescobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual; traçar horizontes para formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidários com a vida daqueles que vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista de sua vida, da humanidade. (IAMAMOTO, 2006, p. 75). Se resgatarmos a história do Serviço Social, podemos perceber que o mesmo esteve sempre na busca de novos objetos de estudos, através da construção e reconstrução deles. Diante disso, podemos citar o Movimento de Ruptura do Serviço Social, pois este representou um marco da história da profissão, com avanços significativos na busca da efetivação e legitimação da atuação do assistente social na sociedade. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 28 Muitos dos profissionais, nas suas práxis sociais, ainda estão com uma visão retrógrada, com práticas baseadas no imediatismo, fragmentando assim o que foi conquistado coletivamente por outros assistentes sociais no decorrer da história teórico-metodológica da profissão. Guerra (2002), sobre esse assunto, afirma que: Ao atribuir às teorias uma autonomia ante a prática, os agentes sociais perdem de vista a sua particularidade enquanto ser social, a particularidade está localizada nas faculdades subjetivas de que dispõem para superação da facticidade fenomênica posta nas/pelas suas relações sociais. De outro modo, ao se descurar da causalidade, das determinações universais do movimento histórico, da autonomia relativa da teoria perante a prática, as ações profissionais adquirem um caráter volitivo. (GUERRA, 2002, p. 184). Ao relacionar o conceito de sujeito com o objeto, de teoria com a prática e até da natureza do pensamento, consequentemente percebe-se que todos são diferentes um do outro, o que ocorre é uma interlocução entre todos, promovendo assim a capacidade de mudanças nos fatos. O princípio centralizador da profissão está na emancipação dos usuários do Serviço Social, através da garantia de direitos sociais, tendo como mecanismos as políticas públicas sociais, através de uma atuação teórica, crítica e reflexiva que se concretiza através do Projeto Ético-Político do Serviço Social. O Projeto Ético-Político tem como objetivo nortear a prática da profissão, buscando efetivar a prática na busca da transformação e mudanças coletivas através da garantia dos direitos sociais. É importante defender esse projeto, pois a partir de então estará comprometido a atuar contra as mazelas da nova ordem social. Iamamoto (2007, p. 228) enfatiza: [...] o trabalho profissional cotidiano passa a ser conduzido segundo dilemas universais, relativos à re-função do Estado e sua progressiva absorção pela sociedade civil que se encontra na raiz da construção da esfera pública – da produção e distribuição mais equitativa da riqueza, da luta pela ultrapassagem das desigualdades, pela formação e concretização dos direitos e da democracia. Nesse sentido, os profissionais buscam se fortalecer enquanto categoria profissional, na busca de uma nova sociedade, através de estratégias de intervenção para concretizá-lo. Essa intervenção é um desafio para o Serviço Social na atual conjuntura econômica, que traz como consequência a precarização do mundo do trabalho, que resulta na flexibilidade, terceirização, subemprego, entre outros, que atingem diretamente a classe trabalhadora, afetando também as esferas estatais. TÓPICO 2 | OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO 29 Com isso, o assistente social, na sua intervenção na contemporaneidade, deve estar pronto a assumir tarefas para enfrentar os desafios propostos, ampliando a compreensão das mudanças que estão acontecendo em todo o mundo. FIGURA 12 – PRECARIZAÇÃO DO MUNDO DO TRABALHO FONTE: Disponível em: <http://www.galizacig.gal/actualidade/200106/olhohistoria_as_ dimensoes_da_crise.htm>. Acesso em 25 nov. 2012. Outro desafio que está imposto aos profissionais de Serviço Social é refletir sobre o norte que a profissão terá na atual crise da produção capitalista e os avanços das políticas de globalização. O assistente social deve sempre defender um novo modelo de sociedade, onde a distribuição da riqueza deve ser igualitária, estimulando o desenvolvimento de novas políticas públicas, através de projetos e programas que garantam aos usuários do Serviço Social os seus direitos sociais. Iamamoto (2006, p. 52) enfatiza o grande desafio para o assistente social na contemporaneidade: [...] “as estratégias, táticas e técnicas do trabalho profissional, em função das particularidades dos temas que são objetos de estudo e ação do assistente social”. UNI O assistente social deve ser um profissional flexível e disponível para as transformações que afetam o mundo do trabalho, mas sempre visando as mudanças sociais, sem deixar de lado o projeto ético-político da profissão. UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 30 Diante dos desafios acima descritos, pode-se concluir que o Serviço Social, frente a qualquer projeto e/ou programa de intervenção, precisa estar organizado enquanto categoria profissional. Conforme Sant´Ana (1999, p. 73), o Serviço Social necessita realizar esforços para a “superação do hiato hoje existente entre a vanguarda profissional e a base da categoria”. A profissão necessita resgatar a teoria social de Marx, pois a mesma prospera em uma análise crítica da realidade. Atualmente os profissionais não têm mais se reportado às teorias que fundamentam a prática e atuação profissional, como no caso da categoria relacionada ao trabalho. DICAS Acadêmico, complemente seus estudos lendo os livros: NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviçosocial. 8. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2011. ESTEVÃO, Ana Maria R. O que é serviço Social?. São Paulo: Brasiliense, 2011. TÓPICO 2 | OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE À CRISE DO CAPITALISMO 31 LEITURA COMPLEMENTAR O SERVIÇO SOCIAL NA CENA CONTEMPORÂNEA O Serviço Social brasileiro contemporâneo apresenta uma feição acadêmico- profissional e social renovada, voltada à defesa do trabalho e dos trabalhadores, do amplo acesso à terra para a produção de meios de vida, ao compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, da igualdade e da justiça social no terreno da história. Nessa direção social, a luta pela afirmação dos direitos de cidadania, que reconheça as efetivas necessidades e interesses dos sujeitos sociais, é hoje fundamental como parte do processo de acumulação de forças em direção a uma forma de desenvolvimento social inclusiva para todos os indivíduos sociais. Esse processo de renovação crítica do Serviço Social é fruto e expressão de um amplo movimento de lutas pela democratização da sociedade e do Estado no país, com forte presença das lutas operárias, que impulsionaram a crise da ditadura militar: a ditadura do grande capital (IANNI, 1981). Foi no contexto de ascensão dos movimentos políticos das classes sociais, das lutas em torno da elaboração e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e da defesa do Estado de Direito, que a categoria de assistentes sociais foi sendo socialmente questionada pela prática política de diferentes segmentos da sociedade civil. E não ficou a reboque desses acontecimentos, impulsionando um processo de ruptura com o tradicionalismo profissional e seu ideário conservador. Tal processo condiciona, fundamentalmente, o horizonte de preocupações emergentes no âmbito do Serviço Social, exigindo novas respostas profissionais, o que derivou em significativas alterações nos campos do ensino, da pesquisa, da regulamentação da profissão e da organização político-corporativa dos assistentes sociais. Nesse lapso de tempo, o Serviço Social brasileiro construiu um projeto profissional radicalmente inovador e crítico, com fundamentos históricos e teórico- metodológicos hauridos na tradição marxista, apoiado em valores e princípios éticos radicalmente humanistas e nas particularidades da formação histórica do país. Ele adquire materialidade no conjunto das regulamentações profissionais: o Código de Ética do Assistente Social (1993), a Lei da Regulamentação da Profissão (1993) e as Diretrizes Curriculares norteadoras da formação acadêmica (ABESS/ CEDEPSS, 1996, 1997a, 1997b; MECSESU/CONESS/Comissão de Especialistas de Ensino em Serviço Social, 1999 MEC-SESU, 2001). Os(as) assistentes sociais atuam nas manifestações mais contundentes da questão social, tal como se expressam na vida dos indivíduos sociais de distintos segmentos das classes subalternas em sua relação com o bloco do poder e nas iniciativas coletivas pela conquista, efetivação e ampliação dos direitos de cidadania e nas correspondentes políticas públicas. Os espaços ocupacionais do assistente social têm lugar no Estado – nas esferas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário –, em empresas privadas UNIDADE 1 | A EXPANSÃO E CRISE DO CAPITALISMO NA CONFIGURAÇÃO DA PÓS-MODERNIDADE 32 capitalistas, em organizações da sociedade civil sem fins lucrativos e na assessoria a organizações e movimentos sociais. Esses distintos espaços são dotados de racionalidades e funções distintas na divisão social e técnica do trabalho, porquanto implicam relações sociais de natureza particular, capitaneadas por diferentes sujeitos sociais, que figuram como empregadores (o empresariado, o Estado, associações da sociedade civil e, especificamente, os trabalhadores). Elas condicionam o caráter do trabalho realizado (voltado ou não à lucratividade do capital), suas possibilidades e limites, assim como o significado social e efeitos na sociedade. Ora, as incidências do trabalho profissional na sociedade não dependem apenas da atuação isolada do assistente social, mas do conjunto das relações e condições sociais por meio das quais ele se realiza. Nesses espaços profissionais os(as) assistentes sociais atuam na sua formulação, planejamento e execução de políticas públicas, nas áreas de educação, saúde, previdência, assistência social, habitação, meio ambiente, entre outras, movidos pela perspectiva de defesa e ampliação dos direitos da população. Sua atuação ocorre ainda na esfera privada, principalmente no âmbito do repasse de serviços, benefícios e na organização de atividades vinculadas à produção, circulação e consumo de bens e serviços. Mas eles(as) também marcam presença em processos de organização e formação política de segmentos diferenciados de trabalhadores (CFESS, 15/05/2008). Nesses espaços ocupacionais esses profissionais realizam assessorias, consultorias e supervisão técnica; contribuem na formulação, gestão e avaliação de políticas, programas e projetos sociais; atuam na instrução de processos sociais, sentenças e decisões, especialmente no campo sociojurídico; realizam estudos socioeconômicos e orientação social a indivíduos, grupos e famílias, predominantemente das classes subalternas; impulsionam a mobilização social desses segmentos e realizam práticas educativas; formulam e desenvolvem projetos de pesquisa e de atuação técnica, além de exercerem funções de magistério, direção e supervisão acadêmica. Os assistentes sociais realizam assim uma ação de cunho socioeducativo na prestação de serviços sociais, viabilizando o acesso aos direitos e aos meios de exercê-los, contribuindo para que necessidades e interesses dos sujeitos sociais adquiram visibilidade na cena pública e possam ser reconhecidos, estimulando a organização dos diferentes segmentos dos trabalhadores na defesa e ampliação dos seus direitos, especialmente os direitos sociais. Afirma o compromisso com os direitos e interesses dos usuários, na defesa da qualidade dos serviços sociais. FONTE: IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na cena contemporânea. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS; ABEPSS, 2009. p. 18-20. 33 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você viu que: • A fundamentação histórica do Serviço Social está fundamentada em duas teses distintas uma da outra. • O objeto de atuação historicamente considerado pelo Serviço Social é a luta de classes. • A crise contemporânea do sistema capitalista e a revolução tecnológica e industrial trazem mudanças na sociedade em sua totalidade, em todas as dimensões: econômica, social, cultural e política. • Na atual conjuntura, onde está materializada a crise contemporânea e nas mudanças no modelo de produção capitalista. • Os desafios e as perspectivas do Serviço Social, na contemporaneidade, requerem acima de tudo refletir qual o comprometimento e limites que se tem com a sociedade, resgatando os princípios éticos da profissão. • O Serviço Social utiliza-se da mediação como instrumental técnico e operativo da sua intervenção teórico-prática. • Os assistentes sociais precisam desenvolver ações propositivas, com metas de intervenções que busquem atender a demanda da população de usuários do Serviço Social. • O profissional de Serviço Social deve estar em constante aprendizado com a realidade cotidiana, necessitando conhecer novas possibilidades de demanda e de intervenção. • Os assistentes sociais precisam refletir sobre o norte que a profissão terá sobre a atual crise da produção capitalista e os avanços das políticas de globalização. • O Serviço Social, frente a qualquer projeto e/ou programa de intervenção, precisa estar organizado enquanto categoria profissional. 34 1 Elabore um pequeno texto sobre a atuação do Serviço Social no Brasil, diante da crise do capitalismo contemporânea. 2 Como deve ser a intervenção do Serviço Social nas políticas públicas perante as dimensões: econômica, social, cultural e política na atual conjuntura?