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1 Khilver Doanne Sousa Soares IESC VI O SOAP foi desenvolvido para poder visualizar o cuidado longitudinal, o “filme”. Embora pareça ser simplista, é uma forma estruturada de se registrar a complexidade do cuidado na APS. O SOAP é um dos vários métodos utilizados para a documentação do cuidado com o paciente. O SOAP corresponde às informações e aos dados colocados na ficha de acompanhamento e registro dos atendimentos do ReSOAP, caracterizando e garantindo a continuidade do cuidado. Tempo e acesso rápido às informações são muito importantes. Por isso, para ter melhor aproveitamento e encontrar os dados rapidamente, preconizam-se as anotações de uma forma estruturada baseada em quatro itens, que geram o acrônimo denominado SOAP: Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano. Alguns médicos acham não poder mais trabalhar com hipóteses através do SOAP. Pelo contrário, justamente por trabalhar com problemas, representados por sinais e sintomas, deve-se sempre gerar hipóteses ou confrontar o que se está vendo com padrões de situações anteriores vivenciadas, até mesmo para fazer uma investigação e perguntas adequadas ao caso. O que devem ter em mente é que, sendo o SOAP orientado por problemas, significa que se deve usá-lo para orientar a atuar de forma aberta, não se fechando para diagnósticos (embora sempre pensando neles) até que se tenham elementos suficientes para fazê-lo. Ao contrário da anamnese hospitalar, o diagnóstico tende a se fechar ao longo do tempo, e não ao longo de uma única consulta ou encontro. Por outro lado, na maioria das vezes, o diagnóstico não se fecha e continua como sintoma, ou seja, um paciente que procura o serviço com fraqueza no S pode sair com diagnóstico de fraqueza no A, e esta condição ter melhora sem intervenção medicamentosa ou exame complementar de maneira que não foi realizado um “diagnóstico fechado”. Estrutura do SOAP 2 Khilver Doanne Sousa Soares É importante que o registro reflita o que realmente se conhece sobre um determinado problema no momento de anotá-lo, ou seja, reflita a maior especificidade do momento: em uma primeira consulta, um problema pode ser registrado como “dor abdominal”, após as primeiras investigações, definir-se como “aumento de volume do pâncreas”, e finalmente chegar-se à definição de “neoplasia de pâncreas”. Ao finalizar o SOAP, ele deve perguntar-se: Minhas anotações sobre o caso estão exatas e verdadeiras? Existe um modo de tornar minhas anotações mais concisas? Estou comunicando o caso da pessoa corretamente? Existem poucas regras rígidas na elaboração do SOAP. Eis uma lista de algumas das que são básicas: 1. O tipo de informação a ser colocada em cada seção do SOAP é bem estabelecido. A cada letra se relaciona um tipo de informação; 2. No A do SOAP, deve ser realizada uma LP atualizada a cada consulta, independentemente da colocação ou não desses problemas na LP principal. Também no A se podem colocar dados, fatos ou situações que sejam de relevância para o entendimento ou manejo do caso. O A deve servir como instrumento de trabalho do médico, e este pode colocar nele todas as informações que considera significativas para sua tomada de decisão; 3. A sequência SOAP apresentada é a clássica, mas há situações em que ela pode ser alterada. Por exemplo, no caso de pessoa que retorna para avaliação sem necessidade de fazer um novo exame, 3 Khilver Doanne Sousa Soares podem-se utilizar apenas os itens S, A e P; 4. Em geral, na revisão do prontuário, os profissionais acessam a LP principal, o P e o A das últimas consultas, e, se têm alguma dúvida, verificam no S e no O; 5. O SOAP pode ser usado como um hub de informações para sobreposição de templates; por exemplo, no template, ou ficha-padrão, em O, nem sempre há o campo para “batimento cardíaco fetal”, mas no template, ou ficha do pré-natal, este dado está sempre aparente no O; isso permite uma flexibilidade e, se por acaso, se registra um dado em um template ou ficha padrão que não estava previsto, ele é incorporado no mesmo local do template, ou ficha específica. Dessa forma, é possível fazer o registro longitudinal centrado na pessoa, e não por meio de “programas verticais” desagregados, já que, no exemplo do pré- natal, a mesma mulher ora está gestante ora não está. A qualidade do A e P é o que separa médicos medianos de excelentes. Jeremiah Fleenor S = Subjetivo Coloca-se nesse item a história relatada (= fala espontânea) ou referida (=resposta às perguntas) pela pessoa. É a parte em que se registram o que a pessoa diz assim como informações qualitativas referentes a queixas ou sintomas. É importante registrar tendências de melhora ou piora (p. ex., intensidade da dor, frequência e nível de temperatura corporal), as alterações na funcionalidade, os indicativos de complicações, o grau de adesão, a percepção de resultados na terapia instituída, entre outras informações. Enfim, deve-se incluir avaliação, entendimento e interpretação da pessoa e inclusive de familiares sobre o que está acontecendo. Não se deve deixar nenhuma informação subentendida. Sobre as queixas, é necessário incluir data de início, fatores que causaram ou contribuíram para o surgimento do problema, história prévia de problema semelhante, como a pessoa está manejando o problema, o que faz o problema melhorar ou piorar, objetivos da pessoa com a consulta, outro(s) profissional(is) que a pessoa está consultando ou consultou, bem como modelo explicativo para o que está sentindo. Na revisão de sistemas, deve-se perguntar sobre mudanças no estado geral de saúde nos últimos 12 meses. Também se deve investigar sobre doenças e cirurgias passadas, levantar a lista de medicações em uso e as utilizadas recentemente, sempre com as doses, e perguntar sobre exames realizados e hábitos como uso de álcool, tabagismo, atividade física. Deve-se questionar sobre a história familiar para doenças que tenham relevância familiar ao caso ou para fins de prevenção. As informações que devem constar do S são aquelas positivas ou negativas relacionadas às queixas. Sempre que possível, é mais apropriado descrever com as palavras da pessoa. As informações do S podem ser obtidas da pessoa, do seu acompanhante, de familiares ou mesmo de terceiros (quando a pessoa não está presente). O = Objetivo Nesta seção, são escritas todas as informações objetivas. A parte do O do SOAP trata do exame da pessoa, em que é relacionada a descrição da pessoa que está à sua frente, suas emoções percebidas, os procedimentos do exame clínico realizado (sempre de acordo com as queixas) e os resultados de exames ou procedimentos. Os componentes gerais e a ordem aceita do O são: 4 Khilver Doanne Sousa Soares 1. Impressões do médico sobre aparência ou estado geral da pessoa, procurando evitar siglas; 2. Sinais vitais – constituídos por temperatura, pressão arterial (PA), batimento cardíaco, frequência respiratória, de acordo com a situação e o cenário; 3. Exame físico – estado mental, cardiológico, respiratório e abdominal. Em geral, preconiza-se realizar sempre aferição da PA e ausculta cardíaca, e o restante do exame deve ser focado no problema que motivou a consulta; 4. Resultados do laboratório e testes diagnósticos complementares apresentados. Nesse item, são registradas as informações mensuráveis e observáveis. O Objetivo é a única parte do SOAP que pode deixar de ser preenchida em uma consulta. Isso ocorre quando o motivo do encontro com a pessoa não envolve a necessidade explícita de realizar exame clínico. A = Avaliação Após realizar o O, que representa o exame, o próximo passo é o processo de tomada de decisão clínica. Esse processo inclui determinar o diagnóstico e o prognóstico. Isso acontece desenvolvendo a LP da pessoa atendida. A Avaliação é o lugar para colocar, no registro do encontro, a LP do dia,sejam problemas novos ou episódios já iniciados. Deve incorporar a percepção do cumprimento do plano pela pessoa e pela equipe de saúde. A Avaliação é o lugar em que começa a utilização do que foi aprendido durante a graduação em medicina, pensando e refletindo livremente sobre todos os tipos de problemas de saúde e de estados patológicos relacionados à queixa da pessoa que está consultando. A chave é lembrar-se de responder a esta questão: “O que eu penso sobre isso?” Para cada item listado em A. O ideal é usar o mais alto grau de especificidade do momento e colocar no P a investigação que se deseja relembrar. Por exemplo: A – Dispepsia P – Endoscopia digestiva alta, para investigar refluxo gastresofágico P = Plano No P, são explicitadas as decisões tomadas: alterações de manejo terapêutico, exames solicitados, referenciamentos realizados, orientações e recomendações à pessoa, aspectos a serem vistos ou revistos na próxima consulta. Para cada problema identificado na consulta, torna-se necessário elaborar em conjunto com a pessoa um plano de manejo. Os aspectos a serem registrados nesse item podem ser organizados por problemas (p. ex., S1-S2 / O / A1-A2 / P1-P2). Para isso, pode-se empregar uma estrutura que ajuda a evitar omissões e a transparecer a lógica das ações do prestador de cuidado. Seus componentes são os planos diagnóstico (incluindo exames complementares e referenciamento), terapêutico, de acompanhamento e de educação. Plano Terapêutico Registra as indicações terapêuticas realizadas para buscar resolver o problema. Inclui tanto indicações farmacológicas como dietéticas, de estilo de vida, de terapias complementares, entre outras orientações relevantes ao caso. Plano de Acompanhamento Seleciona indicadores que devem ser coletados regularmente ou solicitados de maneira seriada, para controlar a evolução de cada 5 Khilver Doanne Sousa Soares problema. Incorpora desde aspectos próprios do cuidado (peso, exames auxiliares) até aspectos do automanejo e do autocuidado da pessoa (medida da glicemia capilar, diário de sintomas). Nos casos agudos, utiliza-se intensidade da dor, distribuição da dor, frequência da febre, intensidade da febre, número de evacuações, disposição, etc. O importante é que esses parâmetros sejam válidos para mostrar a evolução e a análise do problema. Plano Educativo Contempla breve descrição que a pessoa deve receber sobre sua enfermidade, seu manejo e seu prognóstico. Plano de Estudo Pode-se, ainda, desenvolver o hábito de anotar quais temas ou aspectos precisam ser estudados na busca de melhorar o desempenho no caso específico atendido. Cabe ressaltar que existe uma mudança de foco ao se comparar S e O com A e P. É importante perceber essa mudança, pois isso ajuda a pensar cada uma delas diferentemente. Isso, no entanto, não significa que estejam desconectadas, mas que o foco de S e O é a coleta de dados, e o foco de A e P é a interpretação e ação. A conexão existe, pois, ao entrevistar (S), à medida que se coletam informações, pensa-se em possíveis causas (A) e realizam-se perguntas específicas para ajudar no diagnóstico diferencial. S e O podem ser realizados por qualquer profissional treinado, embora sejam importantes e exijam habilidade e técnica. Mas não significam a pedra fundamental da habilidade médica. Pode- se dizer que S e O são os caminhos para uma finalização representada por A e P. Portanto, A e P são a finalização do trabalho e qualificam o médico como um prestador de cuidado habilidoso ou não. Ao desenvolver o “A e P”, deve-se perguntar: “O que pensamos que está acontecendo (A) e o que desejamos fazer com isso (P)?”. Ou seja: é interpretar os dados coletados e decidir o rumo da ação a ser tomada para resolver a situação. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ GUSSO, Gustavo; LOPES, José Mauro Ceratti; DIAS, Lêda Chaves. Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.