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ser gente criando o futuro Presidente do Conselho de Administração Janguiê Diniz Diretor-presidente Jânyo Diniz Diretoria Executiva de Ensino Adriano Azevedo Diretoria Executiva de Serviços Corporativos Joaldo Diniz Diretoria de Ensino a Distância Enzo Moreira Autoria Francisca Ed inete Nogueira de Sousa Maynara Priscila Pereira da SIiva Projeto Gráfico e Capa DP Content DADOS DO FORNECEDOR Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design lnstrucional, Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão. © Ser Educacional 2021 Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro Recife-PE - CEP 50100-160 *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Imagens de ícones/capa: © Shutterstock 1 ASSISTA Indicação de filmes, vídeos ou similares que trazem informações comple- mentares ou aprofundadas sobre o conteúdo estudado. 1 CITANDO Dados essenciais e pertinentes sobre a vida de uma determinada pessoa relevante para o estudo do conteúdo abordado. 1 CONTEXTUALIZANDO Dados que retratam onde e quando aconteceu determinado fato; demonstra-se a situação histórica do assunto. \ 1 tratado. , -...... - ' " 1 DICA Um detalhe específico da informação, um breve conselho, um alerta, uma informação privilegiada sobre o conteúdo trabalhado. 1 EXEMPLIFICANDO Informação que retrata de forma objetiva determinado assunto. 1 EXPLICANDO Explicação, elucidação sobre uma palavra ou expressão específica da área de conhecimento trabalhada. Unidade 1 - Introdução à psicologia fenomenológica existencial na clínica Objetivos da unidade ........................................................................................................... 13 Temas fundamentais da Fenomenologia e Existencialismo ........................................ 14 A existência humana dentro da perspectiva fenomenológica ................................ 16 O ser humano e o aspecto transcendental ................................................................. 18 O ser humano dentro de uma visão integradora ........................................................ 20 Aspectos conceituais sobre a Clínica Psicológica ....................................................... 21 A fenomenologia e a psicoterapia ................................................................................ 22 O conceito de saúde e doença e a questão do normal versus patológico ............ .... 24 A relação entre a saúde e a doença na fenomenologia ........................................... 25 O sofrimento psicológico ............................................................................................... 27 Sintetizando ........................................................................................................................... 30 Referências bibliográficas ............................................................................................. .... 31 Unidade 2 - Diagnóstico na perspectiva fenomenológica-existencial e intervenções clínicas Objetivos da unidade ........................................................................................................... 34 O diagnóstico na perspectiva fenomenológica-existencial ........................................ 35 O que é o diagnóstico psicológico? ............................................................................. 37 Etapas do diagnóstico psicológico ............................................................................... 42 O olhar do psicólogo existencialista na compreensão do diagnóstico ................. 43 Intervenções clínicas ................. .................................................... ..................................... 45 A psicoterapia e a prática fenomenológica ................................................................ 46 A relação entre psicoterapeuta e o cliente ................................................................ 48 Resultados da atuação fenomenológica-existencial ................................................ 50 Sintetizando ........................................................................................................................... 53 Referências bibliográficas ................................................................................................. 55 Unidade 3 - A psicologia fenomenológica-existencial na clínica Objetivos da unidade ........................................................................................................... 58 A clínica e o cuidar .............................................................................................................. 59 O que é o cuidar dentro da prática fenomenológica-existencial. ........................... 60 Quais as principais características da clínica fenomenológica-existencial ........ 62 A situação existencial ......................................................................................................... 64 O conflito existencial ...................................................................................................... 65 A visão dimensional do ser ............................................................................................ 65 O tempo e o espaço .............................................................................................................. 67 O contexto de desenvolvimento .................................................................................... 68 A existência humana e o seu tempo ............................................................................ 70 O outro e a fala ...................................................................................................................... 71 A escuta sem julgamento ............................................................................................... 72 O dilema em ser o outro ............... .................................................................................. 73 Sintetizando ........................................................................................................................... 74 Referências bibliográficas ................................................................................................. 75 Unidade 4- O plantão psicológico sob a perspectiva fenomenológica-existencial Objetivos da unidade ....................................................................................................... .... 78 Noções básicas sobre o aconselhamento psicológico em instituições ................... 79 Aconselhamento na saúde ............................................................................................ 83 Aconselhamento psicológico durante a pandemia de Covid-19 ............................. 87 Definição do plantão psicológico ................................................................................. .... 89 Objetivos e desenvolvimento da prática no plantão psicológico ............................ 91 f"\ aLuayau uu a1..ou11~c;;111auu1 IIU tJIOIILQU ..,~l\.oUIU~l\.oU ................................................. .J,J Plantão psicológico no ambiente hospitalar .............................................................. 96 Sintetizando ........................................................................................................................... 99 Referências bibliográficas ............................................................................................. .. 100 A Fenomenologia Existencial na clínica é uma das abordagens dentro do grande e amplo campo de atuação da psicologia, tratando-se de uma linha que,como o próprio nome "existencial" aponta, se refere a uma atitude em relação aos seres humanos que se apresentam como um conjunto de pressupostos que definem sua existência como "ser". Essa perspectiva começa a ser entendida dentro do âmbito da filosofia, in- fluenciando diversas correntes sobre a existência humana e a origem de seus comportamentos. Portanto, dentro de uma perspectiva teórica que aponta como o homem vive e estabelece as relações consigo próprio e com seus pares, é uma obrigação conhecer, analisar e ter uma visão ampla da disciplina, sem contar que as principais questões apontadas servem de base para a prática clínica dentro do contexto da Psicologia. Compreender como a Fenomenologia auxilia na compreensão do conceito de saúde e doença, além da atuação profissional dentro de uma visão huma- nista do sofrimento humano, traz um entendimento prático referente ao lugar de psicoterapeuta e cliente. Assim, a ideia de normal e patológico é tratada na perspectiva de quebra dos estigmas e estereótipos que cercam o papel do psi- cólogo na prática clínica. Tal abordagem contribui para a formulação de como é possível que um ser se relacione com outro, entendendo a comunicação a partir da concepção do aspecto consciente. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • A professora Francisca Edinete Nogueira de Sousa é mestre em Ciências Humanas pela UNISA - Uni- versidade de Santo Amaro (2020), especialista em Neuropsicologia pela UNIPAR - Universidade do Paraná, em Parceria com a UNIFESP - Univer- sidade Federal de São Paulo (2016), e graduada em Psicologia pela UNISA- Universidade de Santo Amaro (2004). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0014542991364943 Dedico este trabalho a Deus, em primeiro lugar, por ter me proporcionado esta possibilidade, aos meus professores, que sempre motivaram a passar meu conhecimento adiante, aos meus filhos, fonte de toda a minha inspiração para a vida pessoal e profissional e que me impulsionam a ser um bom ser humano. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • .. r·-------- ----.,----- - ------- - ---- ra da Silva é mestre em Psicologia pela Universidade São Francisco - USF (2021). Graduada em Psicologia pela Universi- dade Paulista - UNIP (2018). Trabalha na linha de pesquisa de construção, valida- ção e padronização de instrumentos de medida. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicologia do Esporte e do Exercício (NuEPPEE). Possui conhecimen- tos voltados para as seguintes áreas: ava- liação psicológica, psicometria e psicolo- gia do esporte. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2101004737875827 Dedico este trabalho a todos que valorizam o conhecimento e a aprendizagem, aos meus professores e aos meus alunos, que me incentivaram e ainda são motivos para eu permanecer no mundo acadêmico. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . UNIDADE ser educacional Objetivos da unidade Apresentar os pressupostos da abordagem fenomenológica existencial; Contextualizar o aspecto histórico dos conceitos de saúde e doença; Contribuir para a prática clínica da abordagem fenomenológica existencial. Tópicos de estudo Temas fundamentais da Feno- menologia e Existencialismo A existência humana dentro da perspectiva fenomenológica O ser humano e o aspecto transcendental O ser humano dentro de uma visão integradora Aspectos conceituais sobre a Clínica Psicológica A fenomenologia e a psicoterapia O conceito de saúde e doença e a questão do normal versus patológico A relação entre a saúde e a doença na fenomenologia O sofrimento psicológico FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA ClÍNICA • •• Temas fundamentais de Fenomenologia e Existencialismo A relação entre Psicologia e Fenomenologia é um tema relevante dentro dos estudos da Filosofia. O primeiro filósofo a se interessar por estaques- tão, o alemão Edmund Husserl (1859-1938), concebe a fenomenologia como uma nova disciplina, composta por um método rigoroso, passando a ser considerada uma nova ciência dentro do campo da Psicologia. Husserl tam- bém fundamenta, ainda na segunda metade do século XIX, a compreensão do homem por meio de uma nova abordagem. A palavra Fenomenologia tem origem grega, representada por duas partes: • FENÔMENO: Tudo aquilo que se apresenta e é percebido através dos sentidos; · LOGIA: Estudo de uma determinada situação por meio de uma teoria. Dessa forma, é possível pensar que o grande interesse é explicar que o ser humano possui uma capacidade intrínseca para refletir sobre determi- nado fenômeno, procurando uma explicação para sua existência, se tratan- do de uma nova corrente dentro da Psicologia. Essa é uma das questões que se pretende responder, já que a fenomenologia se fundamenta em rigor me- todológico, rejeitando todo o cient ificismo naturalista presente na filosofia e estudando a subjetividade de uma forma racionalista e não experimental. O método fenomenológico passa a fazer parte dos estudos da cons- ciência e, nessa perspectiva, todo conhecimento se dá a partir de como a consciência interpreta os fenômenos, traduzindo o seu sentido na ótica fenomenológica e relacionando-o com o conceito de "objeto". No tocante ao método fenomenológico, são levantados aspectos ligados a uma das linhas de aten- dimento dentro da psicologia, porém, é importante salientar que este método de investigação garante uma constru- ção sólida dentro do campo que estuda as transformações de um campo de atuação, o que requer técnica e domínio profissional, em especial a respeito do entendimento do fenômeno na expe- riência humana. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLINICA • O método fenomenológico é empregado de modo a fazer o profissional compreender o fenômeno da forma 1 como ele se apresenta para além do tr::\ entendimento do senso comum, que entende como fenômeno qualquer coisa que aparece. Com vistas a essa compreensão, a fenomenologia exis- tencial impõe a ideia da subjetividade e de contexto, ou seja, a subjetivida- de só é analisada num determinado contexto e necessita ser interpreta- da de forma muto particular. Figura 1. llustraçJo representando Edmund Husserl, 1lósofo alemão. Fonte: Shunerstock. Acesso em: 06/08/2021 Quando se pensa na questão do indivíduo num contexto, ele é respon- sável por atribuir significado a tudo que acontece a sua volta e, em razão disso, se fala da interpretação dos fatos. Toda a relação com o mundo co- meça pela percepção, ou seja, pelos sentidos. O ser humano interpreta os acontecimentos ao seu redor e procura dar sentido a cada um deles, numa dinâmica de dar sentido aos eventos do cotidiano que não é "pura", mas que produz interpretações a partir de um contexto específico, fazendo sentido a quem se insere nele. Para Husserl, o mundo só pode ser compreendido a partir da forma como se manifesta, isto é, como aparece para a consciência humana. Não há um mundo em si e nem uma consciência em si, embora a consciência seja responsável por dar sentido às coisas. Quando se pensa numa nova aborda- gem, denominada Fenomenologia Existencial, surge a necessidade de com- preender que tal abordagem traz a concepção de que os atos psíquicos têm início dentro das indagações filosóficas pois, uma vez que se mostra uma técnica eficiente dentro do campo da Filosofia, cresce a de- manda desse tipo de fundamento dentro da ciência psicológica, como lembrado por Goto, na página 13 de Introdução à Psicologia fenomenológica: a nova psicologia de Edmund Husserl, editado em 2008. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Nessa relação, o trabalho do psicólogo na perspectiva fenomenológica existencial deriva da relação entre a psicologia e fenomenologia transcen- dental, abordando o problema da distinção entre subjetividade psicológica e subjetividade transcendental. O método não alude apenas a um conjunto de ferramentas eprocedimentos de análise de uma situação trazida num campo terapêutico, mas faz com que o profissional tenha um cuidado para desvendar o que lhe é trazido, cabendo uma interpretação para além do que é mostrado e o significado que lhe é atribuído. A psicologia fenomenológica existencial surge no cenário brasileiro como uma perspectiva humanista na década de 1970, mesma época em que a própria psicologia em si, com outras linhas teóricas, busca espaço. Yolanda Cintrão Forghieri, uma das primeiras psicólogas a trazer a prática da pers- pectiva humanista rogeriana (de Carl Rogers), ao se deparar com os Estudos de Edmund Husserl, citando a Filosofia Existencial, passa de uma atuação rlinir;:, rnm;:, 1/Í<:.:Ín h, ,m;:,nic:t;:, n;:,r;:,, 1m;:, rlínir;:, f,:,nnm,:,nnlnoir;:, ,:,vic:ti:>nri;:,I Na visão de Forghieri, o elo com o mundo pode não ser um lugar ou o tempo, mas uma pessoa. A angústia mediante a perda dessa pessoa ou pela falta de compreensão aponta que a re lação de "Ser-no-mundo" só pode ser ressignificada na relação com outro ser. Nesse ponto, devido ao modo como se enxerga o mundo, a Psicologia Humanista e a Fenomenologia se aproxi- mam em suas práticas, pois elas analisam o indivíduo e sua relação com a própria existência. •• A existência humana dentro da perspectiva fenomenológica Evangelista, em Psicologia fenomenológica existencial: a prática psicológica à luz de Heidegger, de 2016, afirma que homem e mundo não se separam. Qual- quer tentativa de separação faz com que se perca a possibilidade de conhecer de fato o humano, uma vez que não é possível conhecer o outro sem conhecer o seu mundo. Com base nesse entendimento, a fenomenologia faz uso da projeção, um termo da psica- nálise. O que o indivíduo projeta no mundo está ligado ao significado que ele representa, externalizado a par- tir de uma concepção interna. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . O mesmo autor cita Van Den Berg, importante teórico do método fenome- nológico e que traz essa discussão sobre a projeção (mecanismo de defesa da psicanálise}, declarando que, se o paciente está doente, tudo que corresponde ao seu mundo também está doente e, por consequência, seus objetos. Além disso, a abordagem fenomenológica existencial prega que o ser humano é um ser com toda a responsabilidade por meio de suas ações. Assim, ao longo da vida, ele cria um sentido para sua própria existência. A partir desse pressuposto de autonomia moral e existencial, o indivíduo faz escolhas na vida, traçando caminhos e planos. Nesse sentido, toda escolha implica numa perda ou em várias, de acordo com as várias possibilidades im- postas ao indivíduo. Logo, essa é a interpretação realizada por psicoterapeutas numa visão fenomenológica existencialista, indicando que o ser humano é res- ponsável por suas escolhas, haja vista o livre arbítrio. A l Figura 2. O ser aprisionado por suas crenças. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021. A avaliação subjetiva que o indivíduo realiza sobre um determinado evento pode acontecer devido a crenças irracionais. A Figura 2 demonstra que as cren- ças e os valores interferem na forma como uma pessoa se comporta, assim, a subjetividade muda o conceito das pessoas conforme um acontecimento. Portanto, a perspectiva de acreditar ou não em um fato é gerada pela expe- riência, dando margem a um sentimento de angústia, o que revela uma fragili- dade humana. O ser humano é o único responsável sobre seus atos, mas vale ressaltar que há uma necessidade de orientar a sua existência para um projeto individual ou social de forma livre, o que permite fazer escolhas mais conscien- tes e de acordo com a essência. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Nesse sentido, está presente na discussão o livre arbítrio, referente à liber- dade do indivíduo fazer escolhas nem sempre positivas ou marcantes. Jean- -Paul Sartre, um dos grandes percursores dentro da Fenomenologia Existen- cial, se torna alvo de muitas críticas devido à ideia do livre arbítrio, que ignora os princípios de uma sociedade e faz uma análise de ocorrências consideradas fora dos padrões de moralidade, que se devem ao fato de haver um consenti- mento embutido no que o autor chama de escolha existencial. Uma das obras mais importantes dentro da perspectiva fenomenológica existencial, o livro Ser e tempo, escrito por Heidegger, faz uma análise da exis- tência humana, sendo essa a principal tarefa do "ser psicólogo", termo que também define o profissional atuante numa proposta que leva a uma análise mais apurada e realista do fenômeno. EXPLICANDO A escolha existencial, vista como um dos pressupostos básicos da Fenomenologia Existencial descrita por Jean-Paul Sartre, é aquela na qual o homem se vê diante de um dos seus maiores dilemas pois, mesmo com uma normatização imposta por crenças e valores, há a consciência intencional que impulsiona escolhas e traz responsabilida- de pelas consequências. •• O ser humano e o aspecto transcendental De acordo com o Dicionário de Filosofia de Abbagnano (1998), a transcen- dência é um termo que se vincula à concepção de divindade, indo para além do ser em sua existência e ultrapassando os limites da consciência. Essa com- preensão parte do pressuposto de que o corpo é uma substância física e que a transcendência está ligada à alma, à natureza inteligível, sendo um aspecto incapaz de ser explicado pela ciência psicológica, que só pode observar acon- tecimentos que não tem explicação e que fazem parte da existência humana. Portanto, esse termo traz a ideia de que Deus está além de todas as deter- minações concebíveis, até mesmo do ser, da possibilidade de existência, nunca se resolvendo no possível e com o qual a única relação que o homem pode ter consiste na impossibi lidade de alcançá-lo. Nesse sentido, o tema transcendên- cia do ego é entendido como a superação da identificação com uma defensiva FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . e socialmente imposta imagem de si, em seu sentido mais amplo, caracteri- zando antes uma temática transpessoal e motivando a necessidade de uma compreensão além da explicação humana, acrescentando uma característica humana para além de uma mera justificativa do existir. Para Nietzsche, a transcendência é a busca da perplexidade, denominada dentro de uma concepção comparada ao termo alienação, ou seja, a pessoa tem uma visão dualista do mundo (real e ideal), do erro, de engano e que deve ser deixado de lado em relação ao superior e completo mundo ideal, em que o humano está sempre a perseguir e se projeta nesse ideal. Nesse sentido, o ser humano é responsável pelas escolhas e consequências, algo explicitado no conceito de livre arbítrio. Os objetos do mundo são seres em si e transcendentes, ao passo que o ego (sujeito), por sua vez, é um ser transcendente e em si mesmo. Quan- do a consciência diz "eu penso", ela reconhece a existência e, de algum modo, deposita no ego a sua própria espontaneidade. Por isso, cabe recor- dar que o ego transcendental de Hus- serl coloca em risco toda a teoria da intencionalidade. Figura 3, Ilustração representando Fnednch Nietzsche, filósofo alemão. Fonte Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021 Sartre, como exposto no livro A Transcendência do Ego, editado em 2013, propõe que o Ego muda através do estímulo de habilidades existentes, ou de um conjunto dessas habilidades, sendo suscetível a captar e agregar para si tudo ao redor. Portanto, desde que essa escolha seja compatível com a sua realidade, o ser humano escolhe quem ele quer ser. Quando o autor se propõe a investigar a relação de consciência intencional, ele se refere ao fato do ser humano ser livre para fazer suas escolhas. Dentro dessa visão, há algum tempo, existe uma preocupação sobre a compreensão da existência humana e o aspecto transcendental, que se apesenta como uma das explicações, posto queestá além de uma explicação concreta, uma vez que se associa de maneira direta à subjetividade, o que explica a consciência inten- cional presente nas escolhas. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • •• O ser humano dentro de uma visão integradora A Fenomenologia Existencial tem como pressuposto básico apontar para uma visão integradora do ser humano, rejeitando ideias de que o ser huma- no nasce bom e que as relações estabelecidas o moldam e o desviam dessa bondade original. Dentro dessa visão fenomenológica existencial, não há como não destacar que o homem procura dar sentido às suas vivências, que nem sempre são vividas no presente, uma vez que é possível dirigir o pensamento para algo já vivenciado ou que se tem a expectativa de vivenciar. L.Jt:lllllllUU U llUlllt:111 Ut:llllU Ut: Ullld v1::,au llllt:~ldUUld, JUl~d-::,t: rtt:Lt:::,::,artu expor à condição humana, permeada por eventos internos e externos, a inter- pretação mediante os objetos que demonstram certa implicação no mundo. Ser livre, ter reponsabilidade e intencionalidade são características inerentes ao humano que podem e derivam de interpretações do comportamento, le- vando em consideração a subjetividade. Nesse mesmo sentido de compreensão, a psicologia fenomenológica salien- ta a ideia de Carl Rogers, um grande teórico que fundamenta a visão integrado- ra do ser humano a partir de um método centrado na pessoa, compreendendo o homem como detentor de potenciais que necessitam de desenvolvimento e de qualidades que as facilitem, como congruência, aceitação positiva e capaci- dade de empatia. A visão humanista é apontada como uma das perspectivas que mais se apro- ximam da fenomenologia, passando a entender o homem e a relação esta- belecida com o mundo, além do en- tendimento da forma como o homem se relaciona com seus semelhantes. Essa nova força surge numa época em que o método fenomenológico é visto como essencial e validado na tentativa de trazer uma outra concepção, dando significado e conceituando com feno- menologia existencial a compreensão do fenômeno e a existência humana. ,. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLiNICA . A partir de uma concepção sólida e de outras correntes, a Psicologia Huma- nista aparece como uma perspectiva que alcança seu lugar de respeito a nível mundial no campo da Psicologia referente à teoria, prática e pesquisa. O méto- do humanista se aproxima da perspectiva fenomenológica e dá grande ênfase a ela pelo fato de que seu precursor, Carl Rogers, ao responder seus pacientes, facilitava a compreensão do discurso, repetindo de forma que o indivíduo pu- desse se conectar ao terapeuta. Tal método, ao facilitar uma fluência livre de sentimentos e pensamentos, pode levar esse indivíduo a uma elaboração por meio de lembranças de forma empática, pois o paciente se sente seguro na relação com o psicoterapeuta. Dentro desse entendimento do livre fluir dos sentimentos, é possível pensar nos objetivos de olhar o homem como um todo dentro do aspecto da evolução, levando ao autodesenvolvimento e à autorrealização. Um outro teórico nessa linha de pensamento é Abraham Maslow, que explicita a ideia da influência do existen- cialismo na forma de compreender a personalidade e as escolhas de indivíduo para alcançar seus objetivos e desenvolver seu bem-estar. Aspectos conceituais sobre a Clínica Psicolónica •• May, em A Psicologia e o dilema humano (2009), afirma que a fenomenologia existencialista se desenvolve na Europa, dentro da Psicologia e da Psiquiatria. Sob diversas ênfases, o autor ressalta que, nesse movimento de desenvolvimento da perspectiva fenomenológica, três pontos de vista se sobressaem. O primeiro olha de outra maneira para realidade do paciente por meio do méto- do fenomenológico em si, algo abordado por Edmund Husserl. A segunda questão apontada é a de que a psicoterapia baseada na fenomenologia existencial se propõe a compreender, dentro de uma visão holística, o homem em sua totalidade. A terceira ênfase faz uma junção das duas primeiras e tem como definição como um termo referente à Ontologia, mas ainda pouco conhecido dentro da Psicologia. Segundo o aristotelismo, parte da filosofia tem por objeto o estudo das proprieda- des mais gerais do ser, a partir da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . A atuação do profissional do psicó- logo numa perspectiva fenomenológi- ca existencial traz a proposta de que o paciente é compreendido na relação particular e concreta, ou seja, na re- lação paciente e terapeuta, diante de uma relação estabelecida no encontro do terapeuta-paciente. Nesse sentido, o atendimento do paciente acontece a partir dele mesmo e da maneira como Figura 3. Ilustração representando Martin Heidegger. filósofo ele vive, num encontro existencial. alemào. Fonte Shutterstock. Acesso em: 06/09/2021 Heidegger é um dos teóricos que apontam que a Ontologia permite a elu- cidação da vivência do paciente na situação e na sua relação particular e con- creta que se estabelece a cada encontro. A atitude do terapeuta permite que o paciente compreenda sua situação dentro de uma posição de interrelação . •• A fenomenologia e a psicoterapia A fenomenologia é descrita como a forma de olhar o ser humano no mundo a partir de como ele próprio interpreta determinados fenômenos de sua exis- tência. Dessa forma, fazer uma relação da fenomenologia dentro da atuação psicoterápica é importante para criar um elo entre a prática e o indivíduo, possi- bilitando que ele se beneficie do trabalho psicológico. Conforme descrito por Holanda (2007), o campo fenomenológico está sem- pre em encontro com outro campo, estabelecendo uma relação dualista, em que há a partilha de experiências e sentimentos mútuos. Contudo, deve-se ficar claro que não há a troca de lugar, mas, sim, uma projeção em campos diferentes. Nesse sentido, entende-se que a psicopatologia necessita de uma análise em sua totalidade e, diante dessa realidade, a abordagem fenomenológica se mostra como uma revolução de paradigma. Isso porque, a partir da adoção des- sa metodologia, a doença passa a ser entendida dentro de pres- supostos inerentes à concepção humana, buscando-se a com- • preensao aa aoença mental ae maneira gerai, o que ressalta a importância do terapeuta e do setting terapêutico. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Assim, quando aplicada à psicoterapia, a fenomenologia subentende a postura do indivíduo, analisando sua atitude no encontro com o fenômeno e revelando, as- sim, a dificuldade pessoal em entender sua subjetividade quando esta entra em con- tato com a subjetividade do outro - uma relação intersubjetiva e de ser-no-mundo. Os psicólogos que atuam com a perspectiva fenomenologia devem expressar uma atitude que leve o paciente, de acordo com o que ele pensa e sente, a t rilhar um percurso para o alcance da autorrealização. Logo, o papel do terapeuta envolve aceitar o que é trazido pelo paciente, sem que haja qualquer tipo de julgamento, uma vez que o conteúdo expresso equivale ao que o indivíduo vivencia. De acordo com Heidegger: O campo por onde passamos lá fora, mostra-se como o campo que pertence a alguém, que é por ele mantido em ordem; o livro usado foi comprado em tal livreiro, [ .. .] o barco ancorado na praia refere-se a um conhecido que nele viaja ou então um barco desconhecido mostra ou- tros (HEIDEGGER, 1998, p. 169, adaptado). Com essa afirmação, enfatiza-se que os encontros entre os seres acontecem de forma diferente em um mesmo mundo, sendo importante compreender o contexto em que cada um está inserido e como o ambiente influencia suas decisões. Logo, busca-se um profissional do encontro que assuma uma postura de compartilha- mento da existência. Ele deve se considerar comoum ser limitado também, mas que busca desvendar os obstáculos que impedem aquele que o procura de encontrar seu verdadeiro sentido para a existência. O encontro terapêutico possibilita ao indivíduo analisar suas decisões e refletir sobre valores e crenças responsáveis por quaisquer escolhas que venha a ter. Assim, partindo da premissa de não julgar, tende-se a compreender as influências existen- tes, com base na subjetividade, a qual pode ser descrita como a percepção do eu. Portanto, nessa abordagem, o campo terapêutico tem um papel essencial devido à relação estabelecida, uma vez que o aspecto do vínculo é abordado de maneira particular. Com isso, objetiva-se levar o paciente a vi- ver de forma livre e plena, havendo resposta positiva frente ao processo terapêutico e permitindo a ele o au- toconhecimento em consequência do desenvolvimento de suas potencialidades. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • O conceito de saúde e doença e a questão do normal versus patológico •• O conceito de saúde se modifica conforme o contexto em que o indivíduo está inserido, sendo preciso analisar o tempo, a cultura e os valores aos quais ele está relacionado. Scliar (2007) reforça tal ideia, afirmando que a concei- tuação de saúde carrega a ligação diret a com alguns aspectos, como fatores econômicos e políticos. Logo, diversos fatores devem ser considerados para que haja uma definição adequada. No que concerne à época, por exemplo, saúde e doença foram vistas como situações de grande interferência de concepções divinas. Diante desse pa- norama histórico, apareciam como uma espécie de desobediência frente às regras impostas pela igreja. O entendimento sobre saúde foi descrito ainda como ausência de doença. Porém, com os avanços em estudos, houve uma reformulação conceituai, passando-se a entender a saúde como a capacidade de lidar de forma satisfatória com as adversidades do dia a dia das pessoas. Dessa forma, ela pode causar prejuízos de acordo com as possíveis reações a situações e até mesmo restabelecer bem-estar físico e mental. Na visão fenomenológica, doença e saúde, mais especificamente a primeira, são concebidas como tentativas de preservação do ser por parte do indivíduo. A exemplo dos acometidos por uma doença mental, há uma dificuldade de fa- lar sobre o assunto, uma vez que os quadros podem resultar em sofrimento e, muitas vezes, são frutos de preconceito na sociedade. Entretanto, sendo uma condição como qualquer outra doença que venha a atingir um indivíduo, ela possui tratamento e, por isso, necessita de uma cons- tante compreensão, fato este que se expande para o estudo do funcionamento cerebral (PAREKH, 2018). Permeada por valores e crenças responsáveis por decisões, ressalta-se que a relação entre saúde, doen- ça e concepção do dilema humano é influenciada e influencia a percepção do indivíduo. Por isso, dentro da abordagem fenomenológica, o termo responsabilidade se apresenta com um fator de- terminante a ser analisado. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • •• A relação entre a saúde e a doença na fenomenologia Os conceitos de saúde e doença devem ser analisados de acordo com a evo- lução histórica e a partir de um contexto cultural, social, político e econômico. Isso porque houve uma mudança das ideias, diretamente ligadas à experiência humana. A exemplo de tal evolução, tem-se a Lei Antimanicomial, que se tor- nou um marco para o campo da Psicologia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1978), a saúde não é ausência da doença, e, sim, um conjunto de habilidades específicas que determinam como uma pessoa lida com situações adversas a seu cotidiano. CONTEXTUALIZANDO A Lei Antimanicomial n. 10.216 (BRASIL, 2001) dispõe so- bre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, criando as bases legais para um cuidado 4ut:: 11:::,µt::llt:: u:, Ullt::llU::. IIUllldllU::. t:: uu:,4ut:: lldldl t::111 IIUt::l- dade, com prioridade para a rede ambulatorial de serviços. Com relação aos hospitais psiquiátricos antes permitidos, Antonin Artaud, escreveu em 1925 uma carta relatando o sofrimento dos pacientes. Para ler o conteúdo dela, acesse o site da Rede Humaniza SUS. De acordo com Frayze-Pereira (1984, p. 22), "se o normal se define mediante a execução de um projeto normativo, este, ao mesmo tempo que engendra o anormal (o anormal é condicionado pelo normal), é acionado por ele (o anor- mal é condição do normal)". Nesse sentido, a relação estabelecida entre os con- ceitos de normalidade e anormalidade é concebida diante de um cenário que depende da análise da conjuntura em que foi desenvolvida em uma determina- da sociedade. Assim, considera-se o que é valorizado e qual é o entendimento do conceito de doença que leva um ser a ser normal ou anormal. Dentro da fenomenologia, o conceito de doença está diretamente ligado ao fato de o ser humano ser visto pelos papéis que exerce na sociedade, a qual é criadora de padrões. Quem foge a esses padrões se apresenta como um ser anormal e, com isso, não é possível distinguir o normal do patológico, uma vez que a estrutura de saúde está relacionada aos dois conceitos. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . ASSISTA O filme Nise: o coração da loucura (2016), dirigido por Roberto Berliner, retrata a história de Nise da Silveira, na década de 1950, que revolucionou o tratamento psiquiátrico, contrariando seus colegas. Essa profissional inicia uma nova forma de lidar com os pacientes por meio da arte e ressig- nifica a doença de seus pacientes. Nesse sentido, a doença mental deve ser entendida como um produto da interação entre as condições de vida socia l, a trajetória específica do indiví- duo e sua estrutura psíquica. Ela pode ser justificada de duas formas: por meio de um processo orgânico; ou consequência de processo psicofuncional. Ao se questionarem sobre a origem das doenças mentais, os profissio- nais podem se deparar com uma questão difícil de ser respondida. Uma das possíveis respostas é a crise de identidade vivenciada pelos homens nos tempos atuais. Ela pode desencadear o fenômeno da ansiedade, que pode levar à destruição da capacidade de um ser interpretar de forma positiva suas experiências, havendo uma despersonalização e, por consequência, o adoe- cimento mental. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Por conseguinte, compreender o significado da doença mental é, em mui- tos casos, como montar um quebra-cabeça. Para tal, faz-se necessário for- mular pressupostos ontológicos, uma vez que o terapeuta não conhece muito sobre o paciente, além da busca por uma centralidade perdida, que pode ter acontecido devido à angústia ou à ansiedade, por exemplo. Atenta-se ainda à concepção sobre a corporeidade, especificamente hu- mana, que designa o corpo vívido ou existencial, sendo uma noção criada por alguns teóricos da Psicologia. Também descrita como conflito existencial, quando se compreende a ideia de corporeidade, pode-se perceber a enfer- midade como uma ruptura da unidade do corpo, que, para a fenomenologia, não pertence ao ser humano. Essa ruptura representa a perda de funcionalidade e controle que o indiví- duo tem sobre seu corpo, fazendo com que a doença ou enfermidade se reve- le como um desgaste na capacidade raciona l diante da existência. A perda da familiaridade com seu próprio corpo representa também a falta de liberdade, uma vez que, geralmente, há a submissão a tratamentos que levam a uma cisão com a realidade. A liberdade, dessa forma, é entendida como se fosse direcionada por outros. Nesse sentido, a fenomenologia pode ser de grande contribuição para a situação de adoecimento. Dentro da prática clínica, ela permite que o ser hu- mano na vivência de um dilema, caracterizado por um sentimento dúbio, enfrente o que ele é, o mundo e comoele se apresenta, ou seja, a relação com o objeto e consigo próprio. •• O sofrimento psicológico O sofrimento é uma questão que permeia a humanidade, sendo observado de diversas maneiras, com várias terminologias e formas de ser compreendido. Uma dessas formas baseia-se em explicar a existência humana diante da veri- ficação de que o humano possui um vazio existencial que causa solidão. Esse vazio pode ser caracterizado como uma marca de como as pessoas são e tem sido frequentemente uma das principais queixas presentes nos consultórios, aliada às crescentes dificuldades de estabelecer relacionamentos duradouros e amorosos verdadeiros. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . O sofrimento nasce de uma relação de causa e efeito e da interpretação que o indivíduo faz diante de uma determinada vivência. Nesse sentido, a atuação frente ao sofrimento precisa ser construída por meio de uma dialética que pos- sa ser investigada a partir da compreensão da subjetividade. Figura 5 Demonstração do sofrimento em diversos contextos. Fonte Shunerstock. Acesso em: 06/08/202'. A problemática do sofrimento psíquico está no fato de que ele pode se tor- nar patológico. Isso ocorre pois ele pode levar a uma adaptação do indivíduo com relação a uma determinada situação, impedindo o desenvolvimento de sua potencialidade de maneira positiva e o estabelecimento de relações inter- pessoais de forma assertiva. Perante o sofrimento de uma pessoa que procura ajuda, existe uma pers- pectiva de que isso ocorre devido a um desequilíbrio. Os sintomas apresenta- dos estão, assim, diretamente associados à maneira como o indivíduo mantém sua existência, aspecto que está em desequilíbrio e pode levar a um desajus- tamento. Nesse sentido, o ajustamento é necessário para que a centralidade seja mantida. Pode-se dizer que a noção de ser-no-mundo, levantada pela fenomenolo- gia, não se dá apenas nas relações que se estabelece consigo mesmo e com os outros; está na abertura do ente em sua totalidade. A perspectiva de totalidade está determinada pelo cuidado e também pelo fato de que o próprio ser é ex- perimentado como um ser no mundo. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Conforme descrito por May (2009), diante da realidade de pacientes que precisam de auxílio para o ajustamento, a psicoterapia necessita da fenomeno- logia para tecer uma análise diante da relação entre terapeuta e paciente, que tem origem na clássica transferência. A transferência, assim como outros con- ceitos trazidos por Freud (1976), designa uma ampliação da influência da per- sonalidade, ou seja, a compreensão de que vivemos nos outros e eles, em nós. o Autoconceito Autoimagem Autoestima Figura 6. Conceito de s, mesmo, como a pessoa se vê e na relação com o outro. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 06/08/2021. Dessa forma, a abordagem fenomenológica auxilia a responder algumas questões formuladas, a exemplo de como o ser humano pode se relacionar com outro sem que haja interferências. Essa resposta é possível, em muitos casos, porque se entende que a transferência acaba por contribuir para uma distorção na relação terapeuta e paciente. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Sintetizando • O objetivo dessa unidade foi apresentar um panorama geral da Psicologia Fenomenológica como uma abordagem que tem como principal fundamento a compreensão do ser humano a partir da relação que este estabelece consigo próprio e com o mundo. A fenomenologia tem suas raízes na Filosofia, bus- cando tornar racionais e científicas questões que permeiam a subjetividade humana. Para compreender a doença com auxílio dessa perspectiva, é preciso en- tender o conceito de normalidade, partindo do pressuposto de que o normal é uma construção social. Ademais, existe a necessidade de contextualizar cada uma das questões que levam o indivíduo a desenvolver um quadro de doença que o leve a sofrimento psíquico. Dessa forma, indica-se uma atuação mais humanizada para que sejam criadas estratégias de enfrentamento frente a de- terminados problemas. Assim, para auxiliar sua trajetória como psicoterapeuta, cabe ressaltar que a relação que se estabelece com o paciente, apesar de necessária, depende da capacidade de separar o que é seu e o que é do outro e de ser empático. Assim, ao considerar o uso da fenomenologia, busca-se não somente experimentar o sofrimento do outro, mas também compreender o que o fez ter essa percepção diante de um fenômeno, possibilitando a ele a mudança necessária. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA ClÍNICA . Referências bibliográficas • ABBAGNANO, N. Dicionár io de Filosofia . São Paulo: Martins Fontes, 1998. BRASIL. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 9 abr. 2001. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216 .htm>. Acesso em: 06 ago. 2021. EVANGELISTA, P. E. R. A. Psicologia fenomenológica existencial: a prática psicológica à luz de Heidegger. Curitiba: Editora Juruá, 2016. FREUD, S. 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FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLINICA • UNIDADE ~ ser educacional Objetivos da unidade Mostrar o diagnóstico psicológico sob a perspectiva fenomenológica existencial; Expor linhas de intervenções clínicas na perspectiva fenomenológica. Tópicos de estudo O diagnóstico na perspectiva fenomenológica-existencial O que é o diagnóstico psicológico? Etapas do diagnóstico psicológico O olhar do psicólogo exis- tencialista na compreensão do diagnóstico Intervenções clínicas A psicoterapia e a prática fenome- nológica A relação entre psicoterapeuta e o cliente Resultados da atuação fenome- nológica-existencial FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA ClÍNICA • •• O diagnóstico na perspectiva fenomenológica existencial Dentro da atuação psicológica, em especial de quem atua dentro da clíni- ca, o diagnóstico é um dos principais passos para estabelecer o plano tera- pêutico para uma pessoa submetida a processo de avaliação física ou mental. Entender o diagnóstico auxi lia na compreensão daenfermidade, da etiologia e de quais os fatores inseridos no contexto individual. Nesse sentido, muito mais do que apenas classificar uma doença, diagnosticar é um auxílio à pró- pria atuação profissional. Delimitar os pressupostos de um diagnóstico não é uma tarefa tão sim- ples, pois requer domínio de técnicas e habilidades específicas, de modo a garantir uma visão realista das condições de alteração física e mental. Numa abordagem fenomenológica que estuda a manifestação e a essência das coi- sas tais como elas aparecem, em se tratando do diagnóstico, é necessário ter atenção ao que o paciente manifesta, analisando e interpretando a forma como esse ser enxerga os diversos fenômenos que aparecem e influenciam sua existência. Visão Audição Olfato Paladar Tato Figura 1 As percepções. em geral, se dão pelos sentidos. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021. O método fenomenológico pressupõe que o indivíduo avalia de forma sen- sorial, logo, os sentidos revelam como cada pessoa avalia sua vivência. Esse método se contrapõe ao que as ciências positivistas até agora veem como aná- lise de comportamento, porque a ideia é chegar a uma perspectiva mais huma- nista, olhando as vivências, mas sem esquecer o rigor científico, aspecto que se faz presente em qualquer metodologia de estudo da mente humana. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • A avaliação de uma condição de fragilidade vai além da compreensão de algo objetivo, pois entender a subjetividade e a construção de uma ex- periência traz explicações sobre o comportamento das pessoas e como elas constroem suas realidades, que, às vezes, podem se apresentar distorcidas. Vários autores contribuem para a perspectiva de que a fenomenologia ex- plica a essência e a manifestação de determinados fenômenos, porém, tal manifestação nem sempre se relaciona à interpretação que a pessoa tem da realidade, uma vez que o significado da existência humana se dá pela inter- pretação pura e única da própria experiência. Como essas questões levantadas são muito complexas e merecem ser abordadas de uma maneira mais objetiva, para entender como a fenome- nologia chega ao diagnóstico, é importante traçar uma linha mais clara e objetiva do que é o diagnóstico psicológico de uma visão tradicional para, em seguida, chegar à perspectiva do método fenomenológico. O processo de diagnóstico pode estar ligado a eventos situacionais vivenciados pelas pes- soas em certas fases de sua vida. Por isso, avaliar significa olhar para o ciclo vital e compreender o que é esperado para cada momento. Um exemplo disso se dá quando um adolescente chega ao consultório e apresenta crises relativas ao momento de vida, que podem ser decorrentes da própria fase de desenvolvimento. Ou seja, a adolescência é por si só uma fase crítica, em que muitas questões estão em processo de definição e o psi- cólogo que se depara com esse caso tem pela frente um grande desafio, dife- renciando o que é patológico daquilo que é esperado para essa fase. Nesse sentido, o método de investigação fenomenológico identifica quais os pressupostos do contexto, na tentativa de estabelecer um parecer realista e útil para traçar uma intervenção. Todavia, dada a necessidade de olhar para as questões citadas, é importante uma análise numa pers- pectiva existencialista sobre qual o nível de sofrimento em que o adolescente se en- contra e até que ponto isso influencia, de maneira negativa, a forma como ele enxer- ga a realidade a sua volta, promovendo uma visão realista do evento. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • O método fenomenológico como forma de investigação traz uma dimen- são explicativa que vai além do que o senso comum apresenta, isto é, o fenô- meno pode ser uma construção social e, a partir disso, é possível pensar que a adolescência também é algo construído e, nesse construto, estão presentes questões muito peculiares e que merecem ser investigadas de uma maneira mais efetiva e realista da situação. Um dos pressupostos da existência humana consist e em se deparar com o dilema de ser sujeito e objeto ao mesmo tempo. Isso se nota pela observa- ção dos pacientes nas vivências, com alguns se transformando em pacien- tes psiquiátricos. Contudo, dentro dos termos de um diagnóstico, existe um organismo em situação de desajustamento e há uma busca desse orga- nismo para tentar se organizar em maior ou menor extensão. Por isso, se faz necessário exercer a empatia na re lação com o paciente, independente do diagnóstico. ' ,, DICA No livro O paciente psiquiátrico - esboço de uma psicopatologia feno- menológica, Jan Hendrik Van Den Berg, um importante teórico holandês, aponta uma perspectiva que trata uma questão importante na compre- ensão de um fenômeno como ele aparece, fazendo uma retomada da filosofia e da contribuição dela para o entendimento de que mente e corpo não se separam. Tal leitura possibilita uma compreensão do processo de adoecimento de uma pessoa e como a percepção é responsável por esse adoecimento. •• O que é o diagnóstico psicológico? O diagnóstico psicológico aborda uma questão presente no campo da psico- logia, procurando, por meio de uma série de ferramentas, direcionar o melhor caminho para uma questão, como uma doença que pode ter causa mental ou emocional. Esse conceito de diagnóstico não representa algo novo dentro do campo da psicologia, uma vez que ele provém de outras áreas de conhecimento, como a medicina. Men- surar questões que justificam determinados tipos de comportamento é um desafio, pois exige a compreen- são da etiologia em situações específicas. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Um primeiro ponto alude ao fato do diagnóstico psicológico se pautar por uma série de técnicas específicas, de modo a garantir uma avaliação fidedigna e válida, no tocante ao que é apresentado, para melhor interpretar as questões relacionadas ao diagnóstico de algo que se denota como patologia. Entender o conceito e sua função são passos importantes, pois eles se relacionam, ou seja, diagnosticar é identificar o estado em que um indivíduo se encont ra e descrever os principais sintomas apresentados. Outra questão que merece destaque é o delineamento do que é definido como quadro clín ico do sujeito para, de acordo com a percepção e observação do terapeuta, abordar de forma mais realista e útil dentro da intervenção. A grande diferença para os outros métodos, posto que o método fenomenológico propõe outros pontos de vista para a compreensão da questão exposta, está no principal objetivo da fenomenologia, que consiste em olhar para o processo de saúde para além de uma mera classificação que conceitua uma doença. Em algumas abordagens, há preferência por um processo de transparência entre o terapeuta e o cliente. Na abordagem fenomenológica não é diferente, já que a primeira forma de tratamento e de intervenção e tarefa primordial do pro- fissional, é garantir a informação ao paciente. Com todo esse direcionamento, é possível traçar os benefícios de estabelecer o diagnóstico, em especial se a pes- soa estiver ciente, e o melhor alinhamento da intervenção clínica. A fim de evitar confusões entre os significados, o Quadro 1 traz a diferenciação do diagnóstico e do quadro clínico. QUADRO 1. DIFERENÇA ENTRE DIAGNÓSTICO E QUADRO CLÍNICO ~ Quadro clinico Diagnóstico Situação em que o paciente se encontra Classificação dos sintomas Sintomas apresentados Definição da intervenção clínica Estado mental Definição do estado mental Estado físico Definição do processo físico FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Fixar uma diferença entre quadro clínico e diagnóstico é vital numa inter- venção clínica eficaz e útil para a realidade do paciente, pois o quadro clínico nem sempre reflete o diagnóstico, que abrange questões mais amplas. Ou seja, a queixa nem sempre reflete o que acontecede fato ou está relacionada à questão existencial, pois é nesse aspecto que a fenomenologia existencial se fundamen- ta. O diagnóstico psicológico também tem como premissa deliberar as diferen- ças entre sintomas físicos e psicológicos presentes num quadro de adoecimento. A Figura 2, por exemplo, ilustra um quadro de ansiedade, uma das doenças que se manifestam de forma que causa desequilíbrio, levando a pessoa a desenvol- ver sintomas físicos e psíquicos. Fatores de risco o Medo de falhar Más notícias • Dificuldades financeiras ~ Timidez Evtntos dramáticos Oq111f ·--· ...... ~ - Sintomas físicos Probl•mas de sono • S.m Aumtnto da conc,ntraçJo fr,qublda cardíaca ~ ~ Medo suor Tratamentos Comunica1Jo Psicoterapia Atividades ffslcas Figura 2. Quadro de ansiedade. Fonte· Shutterstock Acesso em: 10/09/2021 (Adaptado). Um quadro de ansiedade precisa ser avaliado de forma com- preensiva e ampliada, pois o que parece ser uma questão física pode trazer uma concepção muito maior do que é, uma vez que a doença pode ser impactante para quem a desenvolve, porém, em muitos casos, ela é inter- pretada somente como uma questão física, o que dificulta o diagnóstico real. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . EXPLICANDO A ansiedade é uma das enfermidades mais incapacitantes e que, nas últimas décadas, tem sido apontada como a maior causa de afastamentos de profissionais em diversas áreas. Várias pesquisas (GANDRA, 2020) apontam que a população brasileira é uma das mais ansiosas do mundo, o que se deve a fatores como o contexto social de intensa competição e as autoexigências desenvolvidas pelas pessoas. Nessa perspectiva, é possível identificar a forma como o indivíduo convive com essa doença e qual a relação estabelecida, isto é, a relação de ganho nessa situação. Quando um paciente chega ao consultório em busca de um olhar para a questão patológica que interfere na sua existência, causa um certo desajusta- mento diante de uma situação muito particular, que tem como conceito direto o modo de comportamento no mundo. O diagnóstico também é uma possibilidade de oportunizar o paciente a se conciliar com a sua existência, resolvendo conflitos que não se tinha ideia da existência. Um exemplo dessa questão é o entendimento de que o diagnóstico pode levar o indivíduo ao autoconhecimento e ao desenvolvimento de formas de lidar com sua situação de uma maneira mais positiva, trazendo uma melhoria no relacionamento consigo e com os outros. No concernente ao diagnóstico na perspectiva fenomenológica existencial, o método fenomenológico se baseia na descrição da realidade como ela se apre- senta. Antes de descrever como essa investigação acontece, no entanto, é preci- so compreender o que se define como "atitude fenomenológica". Logo, a etapa seguinte ao diagnóstico traça a melhor abordagem para uma intervenção clínica adequada a cada necessidade. Quando se investiga o fenômeno a partir da compreensão da atitude fenomenológica, se tem como prerrogativa trazer respostas a situações de inquietação. Nesse sentido, a atitude fenomenológica pode ser traduzida como aquilo que se acumula como experiência até o presente momento e que causa, por conta de algum evento, influências na maneira como um indivíduo avalia suas ações e seu futuro. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Figura 3. O indivíduo é responsável por aquilo que constrói. Fonte Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021. O que o indivíduo traz como pressuposto está ligado ao que é construído por ele até então, por isso, a fenomenologia tem como objetivo auxiliar na interpreta- ção da imagem dessa construção por meio das atitudes que baseiam a realidade vivenciada. Compreender um fenômeno e classificá-lo como uma psicopatologia é o primeiro passo, na perspectiva da Psicologia, quando se pensa num diagnóstico que revela questões da existência humana, que é recheada de momentos e escolhas que podem gerar dúvidas e levar o indivíduo a sofrer por conta de uma exigência interna e externa. Durante muitos anos, os estudos de psicologia compreendiam que as reações humanas eram instintivas e, com a presença de uma perspectiva de humanização, novos elementos se tornavam parte do cotidiano, trazendo novas formas de inter- pretação. Aqui não se pretende tirar a importância da percepção humana e de como ela reage às situações instintivas, mas, sim, contribuir para a compreensão de rea- ções que acontecem porque há uma ligação direta de como o ser interpreta o fato, algo ligado à sua experiência. Com isso, se chega à ideia de que o comportamento humano, numa situação aqui descrita como fenômeno, é maior que uma mera reação motivada por um as- pecto sensorial diante de determinados estímulos, o que aponta para a investigação de uma situação, que só ocorre quando há a compreensão de quem é esta pessoa que se apresenta e a forma como ela lida com situações ligadas à sua existência. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Outro ponto importante se refere ao fato de levantar o conhecimento de um evento em que sujeito e objeto se relacionam, obtendo uma hipótese do que pode acontecer nessa interrelação que se estabelece, uma vez que conhecer um objeto só é possível pelo reconhecimento das condições dessa questão, como os objetos envolvidos - se são conhecidos pelo indivíduo ou se referem a uma •• Etapas do diagnóstico psicológico O diagnóstico psicológico, na perspectiva fenomenológica, exige a com- preensão de que "ser doente" se está falando, além do sentido de sua existên- cia. Dentro da Psicologia tradicional, uma das primeiras etapas para chegar ao diagnóstico de uma enfermidade compreende até que ponto a enfer- midade interfere na capacidade do indivíduo de lidar com situações coti- dianas, identificando os sintomas e a evolução deles na vida do paciente. Quando há a presença de uma si- tuação que causa uma desorganização de personalidade, o indivíduo pode desenvolver um quadro de angústia perante aquela situação, causando uma tensão que, além de questões emo- cionais, leva a alterações físicas que submetem o restabelecimento do estado de saúde do indivíduo a uma avaliação, o que requer um método investigativo para garantir uma indicação segura e eficaz. Ao procurar a psicoterapia, o paciente possui uma necessidade existencial de compreensão, questão que aponta para uma conexão a ser esclarecida numa realidade referente ao próprio paciente, dada a situação de sofrimen- to observada. Na atualidade, o método fenomenológico é descrito como um recurso que se aprimora diante das limitações das demais visões dentro da Psicologia, no sentido de apresentar técnicas e procedimentos que aliviam as causas das aflições humanas. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Figura 4. Método de compreensão de forma ma,s empática. Fonte: Shutterstock Acesso em: 10/09/2021 Vale lembrar que o diagnóstico vai além de um método avaliativo com apli- cação de ferramentas e procedimentos, pois cada paciente é um ser único e, por isso, deve ser olhado dentro de suas particularidades e pecul iaridades. Ter conhecimento das etapas de um diagnóstico é importante para assegurar, por parte do profissional, uma efetividade na forma de levantamento de uma hipó- tese, o que envolve um processo pelo qual o indivíduo é colocado numa con- dição de avaliação que por si só causa uma fragilidade, posto que a avaliação mexe com estruturas intactas ou emergentes. •• O olhar do psicólogo existencialista na compreensão do diagnóstico A personalidade é o ponto central dos estudos da psicologia, seja qual a linha de abordagem. Assim, entender seu funcionamento ajuda a determinar os pontos interpretados e levados em consideração numa intervenção sobre o que leva o indivíduo a adoecer. Ao profissional que atua numa perspectiva fenomenológica, se faz necessário compreenderque tipo de funcionamento o paciente tem ao procurar um tratamento. O método fenomenológico é em- pregado na tentativa de fazer com que o profissional compreenda o fenômeno para além do entendimento do senso comum, que entende como fenômeno qualquer coisa que aparece. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . O método fenomenológico, após um processo de transposição, sai da filo- sofia e passa a fazer parte do escopo da Psicologia, tendo como fundamento investigar o objeto por meio de uma concepção de que, até então, só seria pos- sível chegar a uma composição de classificação do que o indivíduo tem como justificativa para aquilo que ele tem através de uma parte da ciência objetiva. A fenomenologia existencialista surge com a tarefa de prover uma com- preensão mais aprofundada e fundamentada para investigações mais lógicas e com base na observação de como os indivíduos interpretam os fenômenos presentes em sua existência, o que se denomina como diagnóstico dentro da psicologia. Conforme descrito por Goto (2008), o despertar da fenomenologia se inicia com a refutação do psicologismo e com a plena diferenciação entre a filosofia e a psicologia. O autor cita Husserl, precursor da fenomenologia, e a impossibilidade da Psicologia em fundamentar certas questões de forma que o método fenomenológico não perca o rigor das intervenções. A ideia central da Fenomenologia Existencial não é a de se distanciar da Psi- cologia tradicional, mas de desenvolver um olhar diferenciado para o mesmo aspecto que, no caso, é a consciência. O método investigativo na perspectiva fenomenológica é designado como uma maneira de investigar e denominar a subjetividade presente num fenômeno e suas estruturas presentes na existên- cia humana. Ainda de acordo com Goto (2008), para o cumprimento da Fenomenologia como método investigativo, Husserl teve que impor questões relacionadas "às coisas e a si mesmas", estabelecen- do uma explicação muito relacionada à origem das coisas. Compreender a re- lação entre terapeuta e cliente é uma das premissas do método fenomeno- I ",..·-.... 1... ............ _.,....,_.....,... .-..- _ .......................................... - _,_ ''-'b' .......... , ...., ._, • • ._....., •' '...., ....,_, ._.....,' • 't""...., • • ._ • ... .__, ........ história do terapeuta, aspectos pre- sentes na sua existência e que servem de exemplo do que o cliente produz com outras pessoas, embora esses aspectos sejam considerados na relação de modo a não gerar atitudes equivocadas. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA • •• Intervenções clínicas A intervenção clínica na Psicologia consiste em tratar o sofrimento e a dor presente nos quadros de adoecimento. O sofrimento decorrente de quadros de desordens psicológicas ou psiquiátricas necessita de uma intervenção psi- cológica e, dessa forma, um trabalho terapêutico tem como princípio básico diminuir o sofrimento de uma pessoa que busca mudança frente a uma si- tuação. A intervenção clínica requer a capacidade de exercer a empatia, de forma subjetiva, mesmo que a pessoa traga algo que foge de uma realidade concebida. Não cabe ao terapeuta julgar o sofrimento ou a realidade apre- sentada, pois seu papel é livre, uma vez que o diálogo com o outro acontece o tempo todo. No desenvolvimento do método fenomenológico existencial, seja no âm- bito da psicologia ou da psiquiatria, os profissionais fogem de padrões cons- truídos, apenas explicando as coisas pelas suas causas. Algo presente nesse campo é a busca das causas das coisas, estabelecendo causa e efeito nas situações. A afetividade é um componente da relação terapêutica que leva ao sucesso ou não. Na maioria dos casos, o processo terapêutico traz benefícios ao paciente que se motiva com esse processo, que oferece um espaço de es- cuta de modo a possibilitar ao indivíduo ressignificar sua existência. A escuta na abordagem fenomenológica existencial tem um papel pri- mordial ao auxiliar o terapeuta na compreensão da expressão do sofrimento humano, sendo a mais importante ferramenta do terapeuta, que precisa desenvolver uma habilida- de específica para facilitar essa questão, o que exige treino e tempo para aprimorar essa habi li- dade. Tal atitude garante o alcance de bons resulta- dos dentro de um processo terapêutico, tendo em vista que ouvir é o primeiro ponto de interven- ção e escutar vai além de avaliar somente o que é dito. Quem fala, elabora o seu conteú- do por meio de uma linguagem desorganiza- da, mas que traz conteúdos que se organizam de maneira muito singular. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Em muitos casos, a presença do sofrimento acarreta dor, por isso, é im- portante ter em mente que a aproximação de um indivíduo em ta l situação, ou que se encontra nessa condição, requer um aprimoramento da escuta, de forma a traçar uma estratégia muito mais efetiva no alívio desse sofrimento. Vale ressaltar que a ideia não é dar uma resposta, mas promover um mo- mento de acolhimento para um sofrimento que precisa ser ouvido dentro da realidade da pessoa, posto que a dor nem sempre é percebida da mesma forma por quem está a seu lado. Desenvolver um método cujo pressuposto é a capacidade de compreensão do homem e da forma como ele se relaciona com outras pessoas e ao mesmo tempo se relaciona com o objeto que está dentro de si é muito importante, além de seguir alguns passos nesse proces- so, elementos essenciais para a investigação. •• A psicoterapia e a prática fenomenológica Ao abordar a psicoterapia e a prática fenomenológica, se faz necessário pen- sar sobre pontos importantes, em especial no que diz respeito às eventuais di- ferenças entre a psicoterapia em outras perspectivas e linhas de abordagem da prática fenomenológica Tal questão é complexa, assim como a prática fenome- nológica, no sentido de abordar um dos principais aspectos levantados pela psi- cologia tradicional, visto que a neutralidade na relação com o outro deve existir como principal característica de efetividade num trabalho psicológico. Na práti- ca fenomenológica existencial não existe neutralidade, uma vez que o encontro existencial de terapeuta e paciente se trata de um momento de troca e de víncu- lo que se estabelece e, como na própria psicanálise, isso não consiste em atuar na contratransferência, pois esse aspecto se relaciona à empatia. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . O método fenomenológico compreende o ser humano dentro de sua pers- pectiva, fugindo de padrões estabelecidos de maneira objetiva. Isso se dá em razão da disputa entre as abordagens no que tange à construção da imagem humana. Com isso, antes de tudo, a fenomenologia traz essas compreensões dentro de uma visão humanista, dando sentido ao que o paciente expõe como realidade, olhando para essa pessoa e entendendo qual seu sofrimento diante de uma situação. Desse modo, a abordagem fenomenológica existencial afirma que se deve olhar para o ser humano e sua natureza de homem dentro de uma visão ontológica. do ser, numa perspectiva em que ele pode ter outras existências, não sen- do algo limitado e se opondo a uma questão física que limita a existência humana. Um dos precursores desse termo dentro da filosofia foi o filósofo alemão Martin Heidegger. Essa visão também é importante para compreender a responsabilidade do cliente no processo terapêutico, uma vez que o estabelecimento de uma relação terapêutica saudável se dá por meio de uma atitude primordial do indivíduo, dando margem à importância de identificar sua postura frente ao processo in- terventivo. A fenomenologia existencial não descarta questões relacionadas ao proces- so de resistência que é apresentado por um indivíduo. Em muitas abordagens, há uma ten- tativa de imposição do ponto de vista, po- rém, a fenomenologia existencial não traça seus objetivos a partir dessa postura.Assim, o indivíduo requer um olhar acolhedor frente à intervenção clínica proposta. A percepção do paciente com relação ao evento sobre o fenô- meno faz com que a esfera do inconsciente seja aumentada, logo, é importante olhar para o que emerge no primeiro encontro para terapia. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Figura 5. A ontolog,a surge da perspectiva de que nào há uma explicaçào ún,ca. Fonte. ISOTANI; BITTENCOURT, 2015 . •• A relação entre psicoterapeuta e o cliente Um ponto importante a se pensar é que tal relação acontece numa pers- pectiva interpessoal e que muitas intervenções só têm êxito de acordo com a qualidade da relação. A primeira questão levantada na intervenção está em compreender o que motiva a pessoa, descrita como paciente ou cliente, na busca por um profissional que possa direcioná-lo para um caminho de descobertas rumo à mudança esperada. A segunda questão diz respeito ao conhecimento do método que o profissional tem como premissa, já que as ex- pectativas da linha de abordagem são diferenciais, assim como o profissional, que deve ter domínio da linha de atuação, a fim de que o paciente se dê conta de que estar ali representa um encontro existencial entre terapeuta e cliente. Com base nesses aspectos, o que se pretende abordar é que a relação terapêutica tem um caráter fundamental para o resulta- do de todo o processo psicoterápico. Em muitos ca- sos, há uma negligência por parte do profissional em não compreender o que o paciente traz como sofrimento e tal atitude impacta na relação, que é essencial para desfechos positivos dentro do método fenomenológico. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . A relação entre terapeuta e paciente, descrita como encontro, se estabe- lece antes da ida ao consultório, logo, o encontro existe antes da sua concre- tização, dada a expectativa que permeia todo o processo. O estudo dessa relação na abordagem fenomenológica existencial compõe a busca por uma ajuda, descrita como um evento que causa, a princípio, uma certa curiosida- de em compreender a presença da pessoa, algo que pode te r um significado muito particular. Figura 6. O papel do terapeuta é interpretar e traduzir o que o paciente traz. Fonte. Shutterstock. Acesso em: 10/09/2021. Essa relação é o resultado de uma troca de saberes entre o profissional e quem traz uma história carregada de emoção e, em muitos casos, uma carga de sofrimento que interfere no modo de vida. Em muitos casos, a situação trazida na psicoterapia reflete um conflito existencial que leva o indivíduo a um desajustamento e desorganização diante da vida, que o impede de agir com naturalidade e equilíbrio. ASSISTA O filme Um homem sério, lançado em 2009 e dirigido por Joel e Ethan Coen, traz questões que apontam para os conflitos existenciais. O filme traz a história de um homem que enfrenta muitas angústias, vive em crise por diversos fatores que acompanham a sua vida - como o relacionamen- to com os filhos, a esposa e o trabalho - e, na busca da resolução de seu conflito existencial, procura várias explicações. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . O comportamento do terapeuta é um fator determinante na relação com o cliente, visto que a atitude frente ao outro é um aspecto que determina a atitude do outro. Conforme colocado, a atitude fenomenológica explicita que, numa postura filosófica, é compreender que a fenomenologia de Edmund Husserl é, em primeiro lugar, uma atitude ou postura filosófica e, em segundo lugar, um movimento de ideias com método próprio, visando ao rigor radica l do conhecimento. Assim sendo, Husserl acompanha o sonho de Descartes, de fundamentar a filosofia e as ciências numa verdade única, embasada sob diferentes perspectivas. •• Resultados da atuação fenomenológica-existencial Os resultados da atuação fenomenológica-existencial não são fáceis de se- rem mensurados, mas é preciso compreendê-los, uma vez que o profissional precisa se dar conta do seu papel na atuação com o outro. Além disso, a ques- tão é complexa em virtude da subjetividade presente no processo, pois o re- sultado é interpretado de formas diferentes, visto que a tarefa de avaliar não cabe somente ao terapeuta, uma vez que se faz necessária uma interpretação de ambas as partes dentro da perspectiva teórica. • • ,, 1 • • Figura 7. Acolhimento do sofrimento. Fonte: Shutterstock. Acesso em: 10/09/202' FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . A escuta é apontada como um dos grandes ganhos da humanidade, em es- pecial quando há a possibilidade de uma escuta acompanhada do acolhimento, pontos importantes do trabalho profissional. Essa atuação fenomenológica é descrita como um encontro existencial e se concebe dentro de uma relação intersubjetiva, de realidades diferentes, mas de vivências muito próximas, de forma que o encontro possibilita o exercício da empatia, algo que também não t: 1 dLII Ut: :::>t:I t:At:I LIUU. A fenomenologia existencial pressupõe entrar em contato com a realidade do outro, por meio da denominada consciência que, dentro do método feno- menológico, é substituída pela palavra percepção, uma vez que se entende que a interpretação de um determinado fenômeno parte do pressuposto de que é pela percepção que ela acontece. Quando se aborda a questão do incons- ciente, termo muito abordado dentro da psicologia, é possível imaginar que, na abordagem fenomenológica, o inconsciente passa por uma perspectiva na qual o sujeito busca uma compreensão profunda do que se é, além de uma explicação das suas escolhas. O método fenomenológico descrito por Martin Heidegger traça a questão Hermenêutica, que se refere à compreensão do ser no mundo, em que o ser se relaciona à existência do que se é e das escolhas que se faz, porém, é im- portante lembrar que a abertura para uma vivência só é possível mediante um sentido estabelecido em dado momento. Pensar em um método terapêutico é pensar no cuidado, e o cuidar, nesse sentido, representa uma atitude de olhar para o outro, o que envolve impressões e ideias acerca de um fenômeno. Ao falar sobre as impressões, está se referindo a algo direcionado pela ma- neira como cada pessoa enxerga a própria existência de sua forma, conheci- mento construído de forma imediata pela realidade ligada à experiência atual, mas que tem relação com o construído pelos sentidos. O método fenomenológico parte de um pressuposto em que o conhecimen- to é denominado como transcendental, através da fi- losofia transcendental e seus estudos sobre a sub- jetividade, que só é compreendida graças a uma escuta apurada que, conforme exposto, requer habilidade de manejo das situações demonstradas pela pessoa em processo de adoecimento mental. FENOMENOLOGIA E EXISTENCIALISMO NA CLÍNICA . Com base nessa informação, a subjetividade dentro de um processo de ava- liação é difícil de ser delimitada, todavia, se trata de um fator importante, pois ela garante a compreensão de uma real situação. Dentro da perspectiva fenomeno- lógica existencial, esse é o principal aspecto, visto que o profissional tem o gran- de desafio de trazer à tona elementos subjetivos que precisam ser investigados. Com essa concepção de transcendental, o método de atuação fenomenológico traz uma explicação de como o fenômeno aparece para uma pessoa. No entanto, antes de compreender o que é um problema mental e como o profissional auxilia uma pessoa que necessita de tratamento específico, se faz necessário conceituar que mente e corpo não se separam e, sendo assim, é im- portante saber como um evento afeta o corpo de tal maneira que, em alguns momentos, seja impossível para o profissional detectar sua origem. Para expli- car os resultados de um método fenomenológico, é preciso compreender que a abordagem trata sobre uma questão de existência e aponta para questões de mudança diante da visão e interpretação das diversas