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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
1.0000.23.163957-6/001Número do 0042786-Númeração
Des.(a) Rui de Almeida MagalhãesRelator:
Des.(a) Rui de Almeida MagalhãesRelator do Acordão:
27/09/2023Data do Julgamento:
06/10/2023Data da Publicação:
EMENTA: <APELAÇÃO C ÍVEL . EMBARGOS MONITÓRIOS.
INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. TEORIA DA IMPREVISÃO. ESTIAGEM
E PREJUÍZOS À SAFRA DE CANA-DE-AÇÚCAR DO DEVEDOR. RISCO
INERENTE À ATIVIDADE AGRÍCOLA. FATO EXTRAORDINÁRIO E
IMPREVISÍVEL NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO.
- Em que pese não afastado, pela atual codificação civil, o princípio da
obrigatoriedade dos contratos ("pacta sunt servanda"), é possível, em
conformidade com sua função social e com os predicados da boa-fé objetiva,
que determinada avença seja rescindida ou tenha sua execução modificada
equitativamente (arts. 478 e 479 do CC). Para tanto, é necessário que a
prestação de uma das partes tenha se tornado excessivamente onerosa,
com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis.
- Contudo, secas e outras intercorrências climáticas, enquanto riscos
inerentes à atividade do agrícola, não se amoldam aos conceitos de
imprevisibilidade e de extraordinariedade em questão. Portanto, no caso
concreto, não se furta o devedor ao cumprimento do contrato sob a
justificativa de crise econômica decorrente de estiagens e subsequentes
prejuízos ao seu cultivo de cana-de-açúcar.
- Recurso desprovido. Sentença mantida.>
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.23.163957-6/001 - COMARCA DE NANUQUE
- APELANTE(S): DASA- DESTILARIA DE ALCOOL SERRA DOS AIMORES
S/A - APELADO(A)(S): UNIMIL INDUSTRIA E COMERCIO DE PECAS DE
MAQUINAS AGRICOLAS LTDA
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A C Ó R D Ã O
 Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em <NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO>.
DES. RUI DE ALMEIDA MAGALHÃES
RELATOR
DES. RUI DE ALMEIDA MAGALHÃES (RELATOR)
V O T O
 <Trata-se de recurso de apelação interposto por DASA - DESTILARIA DE
ÁLCOOL DE SERRA DOS AIMORÉS S/A contra sentença proferida pelo
juízo da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de
Nanuque, que rejeitou embargos monitórios.
 	Na origem, UNIMIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PEÇAS DE
MÁQUINAS AGRÍCOLAS LTDA. moveu "AÇÃO MONITÓRIA" em face do
ora apelante, que tem por objeto duplicatas representativas de um débito
total, em valores históricos, de R$ 218.501,99 (duzentos e dezoito mil
quinhentos e um reais e noventa e nove centavos). Diante dessas provas, a
ora apelada pugnou, em sede de prestação jurisdicional, por condenação em
pagamento (doc. ordem nº 2 - fls. 2 a 6).
 Em contrapartida, o ora recorrente opôs, à guisa de defesa,
"EMBARGOS MONITÓRIOS", em cujas razões sustentou, em última
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análise, que o inadimplemento da obrigação reclamada se deve a
dificuldades econômicas, na medida em que secas prolongadas teriam
prejudicado sua atividade de cultivo de cana-de-açúcar. Assim, reclamou
pelo desprovimento do pedido condenatório, ou, ao menos pela modificação
equitativa da forma de pagamento da dívida (doc. ordem nº 3 - fls. 87 a 98).
 Em sentença, por sua vez, assim decidiu o juízo "a quo" (doc. ordem nº 4
- fls. 152 a 153):
(...)
Restou incontroversa a existência de relação jurídica entre as partes, da qual
decorre o débito da requerida, mormente diante da ausência de impugnação
especifica dos fatos. A ré não se insurgiu contra a dívida ou contra o seu
valor. Limitou-se a alegar que a mora inexiste visto que seu inadimplemento
decorreu da crise hídrica que atingiu as suas atividades. Em outras palavras,
afirmou não ter culpa pela situação enfrentada.
É por demais cediço nesta região que a demandada passou por séria crise
financeira, deixando um rastro de inadimplemento que ocasionou prejuízos a
quase todos os seus credores, em grande parte produtores de cana-de-
açúcar desta localidade. O fato é compreensível, dadas as más condições
climáticas que assolaram esta região nos últimos anos. Contudo, a parte
autora não pode ficar à mercê de um momento economicamente propício
para receber seu crédito, sob pena de amargar ainda mais os prejuízos até
então suportados.
Cabe salientar que a autora é pessoa jurídica e credora da ré de quantia
considerável, sendo que o não pagamento dos valores devidos pode
embaraçar o desenvolvimento de suas atividades.
Feitas essas considerações, destaco que a procedência da pretensão
deduzida da inicial é medida de justiça, a fim de evitar maiores prejuízos à
requerente. Vale dizer que ela se desincumbiu do ônus de
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provar os fatos constitutivos do direito alegado, ao passo que os argumentos
da ré não configuram fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito
da parte autora.
3. Dispositivo
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTES os embargos à monitória para
declarar que a requerida é devedora do valor de R$ 233.631,73, sobre o qual
deve incidir juros de mora de 1% ao mês, desde a data da citação e correção
monetária, de acordo com os índices da Corregedoria Geral de Justiça do
TJMG, a partir do vencimento do débito.
 Opostos embargos de declaração por ambas as partes (doc. ordem nº 4 -
fls. 155 a 157 e 158 a 162), tendo sido acolhidos, em parte, apenas aqueles
opostos pela ora apelada, conforme (doc. ordem nº 16):
Assim sendo, conheço parcialmente os embargos opostos pela Unimil
Indústria e Comércio de Peças de Máquinas Agrícolas Ltda., apenas para
integrar a sentença proferida nos autos e doravante constar a condenação da
parte ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários
advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, dada
a menor complexidade da demanda.
 Inconformado, reitera o apelante, em suas razões recursais, a tese de
incidência da teoria da imprevisão ao caso, ocasião em que pleiteia, por
conseguinte, pela reforma da sentença, com o subsequente acolhimento dos
pedidos aviados nos embargos monitórios de origem (doc. ordem nº 17)
 Contrarrazões pelo desprovimento do apelo, em suma (doc.
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ordem nº 32).
 Em síntese, é o relatório.
 De ingresso, verifico que o cartório não certificou ciência da decisão
relativa aos embargos de declaração. Contudo, na medida em que a referida
decisão foi preferida em 16/08/2022, ao passo o recurso foi interposto em
05/09/2022, tenho-o por tempestivo. Em acréscimo, devidamente recolhido o
preparo (doc. ordens nsº 18 e 19) e presentes, enfim, os demais
pressupostos de admissibilidade, CONHEÇO do apelo.
 Procedo ao exame do mérito recursal.
 Em que pese não afastado, pela atual codificação civil, o princípio da
obrigatoriedade dos contratos ("pacta sunt servanda"), é possível, em
conformidade com sua função social e com os predicados da boa-fé objetiva,
que determinada avença seja rescindida ou tenha sua execução modificada
equitativamente (arts. 478 e 479 do CC). Para tanto, é necessário que a
prestação de uma das partes tenha se tornado excessivamente onerosa,
com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis.
 Trata-se, em última análise, da teoria da imprevisão, como leciona Maria
Helena Diniz:
A onerosidade excessiva, oriunda de evento extraordinária e imprevisível,
que dificulta extremamente o adimplemento da obrigação de uma das partes,
é motivo de resolução contratual, por se considerar subentendida a cláusula
rebus sic stantibus, que corresponde à fórmula de que, nos contratos de trato
sucessivo ou a termo o vínculo obrigatório ficará subordinado, a todo tempo,
ao estado de fato vigente à época de sua estipulação. A parte lesada no
contrato por esses acontecimentos supervenientes, extraordinários e
imprevisíveis, que alteram profundamente a economia contratual,
desequilibrando as prestações recíprocas, poderá desligar-se de sua
obrigação, pedindoa rescisão do contrato ou o reajustamento das
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prestações recíprocas, por estar na iminência de se tornar inadimplente
tendo em vista a dificuldade de cumprir o seu dever, ingressando em juízo no
curso da produção dos efeitos do contrato, pois se este já foi executado não
haverá intervenção judicial. ("Curso de Direito Civil Brasileiro". 3º Volume.
p.146)
 Volvendo ao caso em apreço, como já dito, sustenta o apelante que a
quebra do base objetiva do negócio jurídico se deve à estiagem que assola a
região de Nanuque/MG, fato que, de toda sorte, é incontroverso. O
recorrente, por desdobramento, teria sofrido significativos reveses em suas
últimas safras de cana-de-açúcar, com contínuos prejuízos econômicos.
 Não obstante, também é cediço que secas e outras intercorrências
climáticas, enquanto riscos inerentes à atividade do agrícola, não se
amoldam aos conceitos de imprevisibilidade e de extraordinariedade a que
alude o Código Civil. Trata-se, a propósito, de entendimento pacífico do
Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA E
APREENSÃO E DEPÓSITO. CONTRATOS AGRÍCOLAS. TEORIA DA
IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 83/STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, nos contratos
agrícolas, o risco é inerente ao negócio, de forma que eventos como seca,
estiagem, pragas, ferrugem asiática, entre outros, não são considerados
fatores imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a adoção da Teoria da
Imprevisão. Precedentes. (...) (STJ. AgInt no AREsp nº 1.233.352/RS. 4ª
Turma. Rel. Min. Raul Araújo. DJe 01/07/2020)
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL -
DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
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IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendido que, nos contratos
agrícolas, o risco é inerente ao negócio, de forma que eventos como seca,
pragas, ou estiagem, dentre outros, não são considerados fatores
imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a adoção da teoria da
imprevisão. Precedentes. (...) (STJ. AgInt nos EDcl no AREsp nº
1.049.346/GO. 4ª Turma. Rel. Min. Marco Buzzi. DJe 27/06/2018)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
EMBARGOS À EXECUÇÃO. RESCISÃO DE CONTRATO. COMPRA
VENDA DE SAFRA DE SOJA. 1. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 2. CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR.
RISCOS POR CONTA DO VENDEDOR. REVISÃO. INCIDÊNCIA DAS
SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. 3. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PERÍODOS DE SECA OU ESTIAGEM NÃO SÃO
CONSIDERADOS FATOS EXTRAORDINÁRIOS. PRECEDENTES. 4.
AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
(...)
3. Quanto à aplicação da teoria da imprevisão, o entendimento a que chegou
o Tribunal local, encontra-se alinhado com a jurisprudência desta Corte, no
sentido de que, nos contratos agrícolas, o risco é inerente ao negócio, de
forma que eventos como seca, pragas, ou estiagem, dentre outros, não são
considerados fatores imprevisíveis ou extraordinários que autorizem a
adoção da teoria da imprevisão. Precedentes. (...) (STJ. AgRg no AREsp nº
834.637/DF. 3ª Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. DJe 17/05/2016)
 No mesmo sentido, em feitos análogos ao presente - e que, inclusive,
envolveram o mesmo apelante -, já decidiu este tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - PRODUTOS
AGRÍCOLAS
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- EMPRESA DE DESTILARIA DE ÁLCOOL - CASO FORTUITO OU FORÇA
MAIOR - NÃO CONFIGURAÇÃO - TEORIA DA IMPREVISÃO -
INAPLICABILIDADE.
- Fenômenos climáticos não caracterizam caso fortuito ou força maior,
levando em conta que a apelante é uma empresa de destilaria de álcool, cuja
matéria prima é a cana-de-açúcar e as variações climáticas (excesso de
chuva ou estiagem) fazem parte do próprio risco da atividade. Precedentes
do STJ.
- Ausente a demonstração de caso fortuito ou força maior, não há que se
falar em relativização da pacta sunt servanda, com redução da dívida,
prorrogação do prazo ou elisão da mora, não se enquadrando nas hipóteses
da Teoria da Imprevisão, razão pela qual não se aplicam os artigos 478 e
479 do CC. (TJMG. Apelação Cível nº 1.0443.17.001434-6/002. 18ª Câmara
Cível. Des. Rel. Sérgio André da Fonseca Xavier. DJe 09/02/2022)
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - VENDA DE PRODUTOS
AGRÍCOLAS - MORA - CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR -
COMPROVAÇÃO - AUSÊNCIA - TEORIA DA IMPREVISÃO - REQUISITOS
AUSENTES - MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS - APLICAÇÃO -
IMPOSSIBILIDADE.
Nos termos do art. 393 do Código Civil, o devedor não responde pelos
prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior, desde que não tenha
por eles se responsabilizado. As intempéries climáticas não correspondem a
caso fortuito ou força maior nos contratos agrícolas. Precedentes do STJ.
Incumbe ao autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos do seu direito
(art. 373, I, do CPC). Ausente prova do impacto direto da estiagem na
produção do requerido, não resta caracterizada a elisão da mora. A
relativização do pacta sunt servanda fundada na imprevisibilidade deve
encontrar lastro em medida de envergadura capaz de mitigar a sua
excepcionalidade. As repercussões contratuais estranhas à determinada
relação negocial, em regra, não têm o condão de, por si só, influírem no
equilíbrio desta, mostrando-se inarredável o dever de comprovação de
situação
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extraordinária, imprevisível e superveniente apta a influir, diretamente, no
vínculo que se pretende submeter à alteração pela Teoria da Imprevisão.
Ausente o evento imprevisível e extraordinário incidente sobre a contratação,
capaz de onerar excessivamente uma das partes, não se pode aplicar a
Teoria da Imprevisão. Ausente o caráter protelatório dos embargos, deve ser
afastada a multa prevista pelo art. 1.026, § 2º do CPC/2015. (TJMG.
Apelação Cível nº 1.0000.21.112632-1/001. 10ª Câmara Cível. Desª. Rel.
Jaqueline Calábria Albuquerque. DJe 28/07/2021)
 Tendo por inescusável, portanto, o inadimplemento, entendo que o ora
apelado, como bem apontado na sentença, não pode ficar à mercê de um
momento economicamente propicio para receber seu crédito. Diante disso, a
manutenção da rejeição aos embargos monitórios é medida que se impõe.
 Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.
 Majoro os honorários de sucumbência fixados na origem para 12% (doze
por cento), conforme o artigo 85, §§ 2º e 11 do CPC e o precedente
consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no âmbito do AgInt nos EREsp
nº 1.539.725/DF (2ª Seção. Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. DJe
19/10/2017).
 >
 <>
DES. MARCELO PEREIRA DA SILVA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCOS LINCOLN - De acordo com o(a) Relator(a).
 SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"
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