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GÊNEROS DISCURSIVOS E TEXTUAIS INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! Gêneros textuais/ discursivos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Interpretar o conceito de gênero textual/discursivo. Reconhecer os conceitos de esfera discursiva, suporte, papel social de produtores e destinatários relacionando-os aos gêneros textuais/ discursivos. Classificar texto, tipologia textual e gênero textual. Introdução Os gêneros textuais/discursivos são ações sociais e discursivas que agem e dizem o mundo. Esses eventos discursivos, tipificados socialmente, são caracterizados especialmente pelo propósito ou pela funcionalidade comunicativa. Essas formas verbais de ação social, as quais se materializam em textos, são numerosas uma vez que são também inúmeras as esferas da comunicação humana. Por outro lado, os tipos textuais se caracte- rizam como sequências tipológicas de base estrutural e são limitados em número: narração, descrição, injunção, exposição e argumentação. Tais sequências, contudo, se manifestam e se organizam nos textos em interação com outras sequências, do que se pode dizer que há uma heterogeneidade de tipos textuais em um mesmo texto. Neste capítulo, você vai estudar o que são gêneros textuais/discursivos e conhecer algumas de suas abordagens teóricas. Além disso, você vai reconhecer quais são os elementos que determinam os gêneros e, ainda, identificar o que são os tipos textuais. 1 Variedade dos gêneros textuais/discursivos O mundo atual, comumente chamado de pós-moderno, tem sido constante- mente defi nido a partir de um boom tecnológico — em especial, nos sistemas de informação e comunicação. Para Giddens (1991), esse mesmo mundo é marcadamente construído e erguido a partir de crises de tradições, modelos e paradigmas fi losófi cos de pensamento. Ora, o desenvolvimento social moderno tem se realizado por um caminho tortuoso, pleno de descontinuidades. Nesse amplo contexto, de efervescência tecnológica, novos suportes midiáticos aparecem num constante piscar de olhos. Nós, como sujeitos desse novo momento sócio-histórico, estamos nos deparando com uma intensa reestrutu- ração das práticas sociais, práticas essas que provocam mudanças na maneira do homem sentir a si mesmo, o mundo e o outro. É difícil, assim, pensar de forma “descolada” da tecnologia — quem diria que um dia pensaríamos na impossibilidade de não possuir um celular, não é mesmo? Em virtude da imersão em um universo de planos virtuais de relações, outras necessidades e atividades sociais têm se mostrado imperativas para o mundo do humano. Isso se torna mais evidente quando se observa a impossibilidade de se mensurar a quantidade de gêneros, isto é, de ações sociais discursivas, ações retóricas tipifi cadas, como chama Miller (2009), que o homem utiliza para realizar suas atividades e se comunicar. É importante afirmar, no entanto, que os novos gêneros não são uma inovação absoluta (MARCUSCHI, 2002). Sabe-se, porém, que da invenção da prensa impressora por Johannes Gutenberg, na Alemanha, a qual permitiu que a informação estivesse mais acessível à população (lembre-se de que, antes, os livros eram escritos principalmente em latim, e a informação se restringia a uma pequena parcela da população, tais como os escribas, padres, políticos e grupos de elite), ao surgimento dos novos veículos de comunicação de massa, tais como os jornais, os livros e as revistas, no final do século XIX e início do século XX, distintas formas de organização, comunicação e produção de cultura e conhecimento foram produzidas (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993), o que gerou inevitavelmente numa ampla variedade de gêneros textuais/ discursivos. Contudo, isso não significa dizer que são propriamente as novas tecnologias que dão origem aos gêneros, como afirma Marcuschi (2002), mas a intensidade dos seus usos — há uma onipresença dos grandes suportes tecnológicos da comunicação, tais como, o rádio, a TV, o jornal, a revista e a internet nas nossas atividades comunicativas —, e as interferências que esses usos produzem nas nossas atividades comunicativas cotidianas — tais inter- ferências, por sua vez, causam impacto nas maneiras com as quais sentimos Gêneros textuais/discursivos2 o mundo e interagimos com o outro. Em resumo: é a intensidade dos usos tecnológicos e a influência que eles provocam nas esferas da comunicação humana que levam ao surgimento de outras maneiras de se comunicar. Assim, existe uma infinidade de gêneros textuais/discursivos, isto é, uma ampla variedade de ações sociais e discursivas, que são tipificadas na sociedade (MILLER, 2009). São várias as “maneiras” de nos comunicarmos nas diversas situações sociais: por bate-papos virtuais, e-mails, mensagens instantâneas de celular, anúncios publicitários, notícias jornalísticas, reportagens televisivas, documentários cinematográficos, horóscopos, histórias em quadrinho, parece- res científicos, sinopses de filme, artigos científicos, debates políticos, editoriais de revista, videoconferências, hinos nacionais, programas de rádio, consultas médicas, pareceres de caráter jurídico, telenovelas, telejornais, cumprimentos da ordem do cotidiano no elevador, entre muitas outras maneiras. Ora, o longo tamanho dessa lista — que é, por sua vez, interminável — se dá em virtude da ampla variedade de gêneros discursivos que existem e circulam nos variados meios sociais. Além disso, é só pensarmos que, para cada título, profissão, idade, grau de intimidade, papel social, etc. há numerosas possibilidades de se comunicar e se relacionar com o outro. Desse modo, a reflexão sobre o que é um gênero textual/discursivo tem relevância não apenas no que diz respeito às atividades de leitura, oralidade e escrita, mas no tocante às nossas relações interpessoais. Isso significa dizer também que ao nos apropriarmos do estudo sobre os gêneros textuais/discur- sivos passamos a ter acesso ao maior número possível dos diferentes modos de falar, escrever, ler, ouvir, por exemplo, tendo em vista que tais modos se realizam como ações sociais que são tipificadas na sociedade, isto é, como gêneros discursivos. Ao longo deste capítulo, fazemos uso das expressões gêneros, gêneros textuais, gêneros discursivos e gêneros textuais/discursivos como intercambiáveis. Embora algumas teorizações façam uso de uma terminologia em detrimento de outra, é importante pensar que os gêneros são eventos enunciativos, com significado, da ordem social, relacionados às esferas de comunicação humanas, e não dizem respeito apenas aos gêneros da modalidade (textual) escrita. Ou seja, o gênero não se materializa, de forma necessária, em um texto escrito. Dito de outro modo, há os gêneros das artes plásticas, da modalidade oral, dentre muitos outros. 3Gêneros textuais/discursivos Abordagens teóricas sobre os gêneros textuais/ discursivos É preciso apontar, de antemão, que existem vários estudos que abordam e defi nem os gênerosa partir de certos elementos característicos. Dentre esses estudos, citamos aqui preferencialmente as teorizações fundamentadas por Marcuschi (2002), Miller (2009), Bazerman (2005), Askehave e Swales (2009), e Bakhtin (2003), uma vez que essas abordagens apresentam ecos umas nas outras, tocam em pontos em comum, e, em especial, apontam a relação do estudo do gênero com a sua funcionalidade social, tendo em vista o contexto sócio-histórico. Em Marcuschi (2002), os gêneros textuais são caracterizados como práticas sociais, históricas e discursivas que organizam as atividades comunicativas de uma sociedade. Produzidas por um esforço coletivo, tais ações discursivas nos fornecem pistas do processo comunicativo em determinado contexto social. Apesar de serem altamente “preditivos”, os gêneros são entidades criativas, dinâmicas, plásticas e mutáveis, que surgem e se modificam a partir das ne- cessidades sociais, culturais e discursivas emergentes de uma dada sociedade. Já em Miller (2009) destacam-se os gêneros como ações sociais tipifica- das, que se baseiam em situações retóricas recorrentes. Na sua perspectiva, tanto a produção como a recepção da ação comunicativa são importantes, ou seja, ambos os papeis têm relevância e não somente o daquele que produz e responde a ação comunicativa. Dotados de traços léxico-gramaticais recorren- tes, essas ações, tipificadas socialmente, são baseadas em práticas retóricas (MILLER, 2009), isto é, nas convenções discursivas que uma sociedade organiza como maneiras ou formas de agir conjuntamente. Importante dizer que essas ações estão vinculadas ao contexto e à situação (retórica). Desse modo, os gêneros, os quais também são caracterizados pela autora (idem) como “artefatos” culturais, mediam as intenções privadas e a exigência social ao mesmo tempo, relacionando o singular e o “individual” com o público e o recorrente. Para Bazerman (2005, p. 31), além de ações sociais tipificadas, os gêneros são também “[...] fenômenos de reconhecimento psicossocial”. Eles dão forma às nossas atividades comunicativas porque surgem nos processos sociais em que as pessoas interagem e tentam compreender umas às outras para compartilhar significados, intenções, motivações e propósitos comuns. Essas ações sociais tipificadas (padronizadas) organizam a vida das pessoas e as práticas das instituições. Além disso, também partindo de uma abordagem mais funcional que es- trutural, embora as convenções linguísticas (os elementos estruturais) também Gêneros textuais/discursivos4 tenham a sua importância, os gêneros são definidos por Askehave e Swales (2009) como uma classe de eventos sociais ou comunicativos que é modelada por uma estrutura a partir da realização do seu propósito comunicativo. Para esses teóricos, um gênero pode ter mais de um objetivo quando se inscreve em um grupo de propósitos, os quais são reconhecidos pelos membros das comunidades discursivas. Na opinião de Swales (1990, apud ASKEHAVE; SWALES, 2009), o critério do propósito comunicativo deveria ser privilegiado pelos analistas do discurso, uma vez que o propósito é o próprio fundamento do gênero — é por meio do propósito comunicativo (da função comunicativa) que se valida o gênero e imprime-lhe uma estrutura discursiva. Ao mesmo tempo, contudo, esse conceito traz dificuldades relativas ao seu reconhecimento, uma vez que pode ser difícil identificar o propósito comunicativo de alguns gêneros. Ora, se o propósito é a motivação da atividade social comunicativa, não poderíamos então dizer que esse não é o conceito que gera a própria noção de gênero? De acordo com Bakhtin (2003), os gêneros do discurso são tipos relativa- mente estáveis de enunciados, com um conteúdo temático, um estilo e uma construção composicional. Os gêneros refletem condições bem específicas das esferas da atividade humana e são formados por enunciados (este, por sua vez, é a unidade real da comunicação verbal, pois, para esse teórico, o discurso só pode existir na forma dessa unidade e a ela se molda). Dentre as características que Bakhtin (2003) aponta como definidoras do enunciado, podemos citar, de maneira geral, que o enunciado é limitado pela mudança de interlocutores, tem um acabamento interior específico, um propósito (objetivo) comunicativo, interage com outros enunciados (que fazem parte da cadeia de enunciados já-ditos, presentes no passado) e é sempre dirigido a alguém. Em virtude do pioneirismo dos estudos de Bakhtin (2003) sobre os gêneros, continuamos a sua abordagem de forma mais detalhada a seguir. 5Gêneros textuais/discursivos O ensaio intitulado “Os gêneros do discurso”, que faz parte da obra Estética da criação verbal, foi escrito entre 1952 e 1953. Esse trabalho teórico, aparentemente não concluído, foi publicado inicialmente em forma de fragmentos, em 1978, na revista Estudo literário. A temática dos gêneros do discurso, no entanto, já tinha sido apresentada, mesmo que brevemente, em obra anterior intitulada Marxismo e filosofia da linguagem, datada de 1929, de autoria de V. N. Volochínov, um dos integrantes do chamado “Círculo Bakhtiniano”. Esse ensaio é dividido em duas seções: de início, o teórico russo analisa a problemática da definição dos gêneros do discurso. Posteriormente, Bakhtin (2003) discute sobre o enunciado como uma unidade real da comunicação verbal e discursiva, diferenciando- -o de outras unidades da língua como as palavras e orações que são estudadas e analisadas como abstraídas do contexto e, portanto, do meio social. Esse segundo momento do ensaio constitui um ponto teórico importante para compreender que os discursos, constituídos por enunciados (verbais, visuais, verbo-visuais) se materializam em gêneros (BAKHTIN, 2003). 2 Gênero, enunciado e esfera discursiva Mikhail Bakhtin (2003) foi um dos teóricos que infl uenciou signifi cativamente o estudo dos gêneros textuais/discursivos. Para esse pensador russo, os gêneros do discurso se caracterizam como enunciados relativamente estáveis, os quais apresentam: conteúdo temático; estilo; construção composicional. Tais elementos, é importante dizer, refletem condições específicas de cada esfera humana. Como existem numerosas esferas discursivas entre os homens, a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas; logo, não há e nem pode haver um plano único para o seu estudo. E, mesmo diante dessa heterogeneidade funcional dos gêneros do discurso, como trazia Bakhtin (2003), o teórico notava que os estudos dessa temática, na sua época, tinham a tendência de abstrair os gêneros dessa mesma heterogeneidade que estava relacionada aos usos e aos contextos sociais: dito de outro modo, estudavam- Gêneros textuais/discursivos6 -se os gêneros literários, retóricos e os do cotidiano extraídos do meio social. Desse modo, tais estudos, muitos de perspectiva formalista, apresentavam limitações. Assim, os gêneros literários eram observados apenas na perspectiva artístico-literária; os retóricos, apesar de atribuírem importância ao ouvinte, não abordavam a natureza linguística do enunciado; e, ainda, as pesquisas sobre os gêneros do cotidiano se limitavam a evidenciar esse discurso no nível de enunciados demasiado primitivos. Um outro ponto importante na discussão sobre os gêneros do discurso se refere ao problema do estilo, pois, para Bakhtin (2003), o estilo é indissociável do tema e da composição. Há, por exemplo, gêneros que são mais propícios ao estilo individual, como os literários, já outros não oferecem tanto espaço para a variação “individual”, como a correspondência oficial e a ordem militar. Além disso, o teórico russo explica que a função de um enunciado e as suas condições de produção geram um tipo de enunciado que é relativamente estável quanto ao tema, à composição e ao estilo — é por esses elementos que vamos nos deparando com uma pluralidade de gêneros diferentes e específicos. Desse modo, ao estudarmos os gêneros nas sociedades, é precisoque se considere esses três elementos. Ademais, Bakhtin (2003) ainda traz que é preciso pensarmos na relação dos gêneros com as esferas da atividade humana. Ora, os gêneros se manifestam nas diversas esferas discursivas ou da comunicação humana e há numerosos gêneros quanto atividades humanas. É importante destacar que o domínio dos diversos gêneros, decorrentes das esferas discursivas das atividades humanas, não está necessariamente ligado ao domínio da língua. Veja bem, os gêneros do discurso são adquiridos, logo, não podem ser considerados uma combinação que é totalmente livre de estruturas ou formas que fazem parte da língua. Desse modo, alguém pode ter um bom domínio da sua língua e desenvolver bem determinado gênero, mas esse mesmo sujeito-falante pode ter dificuldades de produzir e/ou responder a um outro gênero em virtude desse gênero não fazer parte das suas práticas sociais cotidianas ou de ser inexperiente em outra esfera discursiva em que circulam outros gêneros. É importante mencionar ainda que, ao estudar os gêneros, do discurso o teórico russo faz uma crítica ao campo da Linguística, mais estritamente formalista, e o da Estilística, na sua época, uma vez que tais ciências coloca- vam em plano secundário o papel ativo do sujeito na produção e recepção do gênero. Ou seja, o sujeito era observado como um mero receptor, cujo papel não influenciava a cadeia enunciativa de produção do enunciado. No entanto, para Bakhtin (2003), os sujeitos têm um papel social ativo na produção e recepção dos enunciados, que não deve ser negligenciado. 7Gêneros textuais/discursivos Gênero: a cadeia ininterrupta de enunciados Para compreender o funcionamento dos gêneros, é necessário irmos, inevita- velmente, em busca da sua unidade básica que é o enunciado. Ora, os gêneros textuais/discursivos são constituídos por unidades enunciativas. Ao tratar da unidade enunciativa, Bakhtin (2003) aponta que o enunciado é uma unidade real da comunicação, unidade essa que oferece uma compreensão responsiva ativa por parte dos sujeitos envolvidos, por conseguinte, que faz parte da cadeia ininterrupta de muitos outros enunciados. Uma função de um enunciado e as condições envolvidas na sua produção geram um certo tipo de enunciado que é relativamente estável (quanto ao tema, à composição e ao estilo), ou seja, temos aí o gênero. E, dentre as características apontadas pelo pensador russo no que se refere ao enunciado, podemos citar: 1. a alternância dos sujeitos/participantes, ou seja, o enunciado é definido pela troca de turnos entre os seus participantes (o “sujeito-falante” termina o seu enunciado para passar “a vez” ou “a palavra ao outro”, dando lugar a sua compreensão ativamente responsiva); 2. o acabamento específico (temporário), isto é, o enunciado possui um acabamento, mesmo que temporário, o qual permite dar ao outro (ao “sujeito-destinatário”) a abertura da possibilidade de resposta (mesmo que essa resposta se realize apenas na nossa mente e não se materialize numa fala dirigida ao outro). Contudo, para suscitar uma réplica ou uma resposta — o que já é um outro enunciado — aquele enunciado anteriormente expresso (verbalmente, visualmente e/ou verbo-visualmente) pelo sujeito-falante deve tratar exausti- vamente o objeto que representa (e esse tratamento se dá conforme o gênero); ser definido pelo querer-dizer do autor sobre o objeto; escolher o gênero conforme a esfera humana e o objetivo do autor (é importante dizer que essa escolha, por sua vez, determinará a entonação expressiva do falante, isto é, o “tom” que um enunciado apresenta). Além disso, o enunciado, na criação do objeto do sentido, submete-se a dois momentos que lhe determinam a composição e o estilo: o primeiro, é a escolha do gênero e dos recursos linguísticos; o segundo, é a elaboração da expressividade do sujeito diante do objeto que trata (BAKHTIN, 2003). É importante destacar, assim, que não se pode falar de aspectos expressivos quando tratamos das unidades do sistema da língua: as unidades linguísticas, como unidades estruturais de uma língua, não têm juízo de valor por si só. A Gêneros textuais/discursivos8 entonação expressiva materializa a relação de valor do sujeito-falante com o objeto do seu discurso. Dito de outro modo, fora do enunciado, essa entonação expressiva não existe. Imagine dois sujeitos sentados em uma sala de jantar conversando sobre as atividades que cada um realizou naquele dia no trabalho. Durante o gênero diálogo entre colegas de trabalho em ambiente informal, o segundo jovem se levanta, aproxima-se da janela e olha para o céu. Nesse ato, tal jovem sorri para a lua e, após vislumbrar a imagem do astro no céu, vira para o seu colega e diz bem. Esse bem é falado com um sorriso leve no rosto do jovem, o que é percebido pelo primeiro jovem como a admiração que aquele colega tem pelo globo lunar, admiração essa que também expressa gratidão e serenidade naquele momento. Tais sentidos construídos pelo enunciado bem durante a comunicação entre os dois jovens não são dados pelo uso do advérbio bem como uma palavra ou unidade linguística, isto é, unidade que faz parte da língua portuguesa, mas pela relação estabelecida pelos sujeitos na troca de enunciados em determinado contexto social. Desse modo, bem como unidade meramente da estrutura de uma dada língua não tem um tom expressivo por si só, pois a entonação expressiva do enunciado é construída pelos participantes envolvidos no gênero textual/discursivo a partir do contexto em que eles se inserem, e do papel ativo e lugar que os participantes ocupam. Portanto, a unidade linguística bem, quando fora de contexto, não apresenta os aspectos que revelariam a entonação expressiva dirigida ao outro — no caso do exemplo, dirigida à lua e ao colega. Relação entre gêneros e mudanças sociais: uma breve reflexão Fala-se comumente que a sociedade pós-industrial, pós-moderna e/ou pós- -tecnológica tem se constituído a partir de crises de antigos paradigmas, como exposto anteriormente. Tal tema é, contudo, ainda alvo de debates contraditó- rios. No entanto nesse mesmo espaço de confl itante discussão, pode-se notar um consenso quase cristalizado: após o signifi cativo salto no desenvolvimento tecnológico da sociedade — salto este que tem gerado o aparecimento de novos suportes midiáticos —, o sujeito da atualidade tem passado a lidar com uma intensa modifi cação de suas práticas sociais e discursivas. Estas, inclusive, têm se tornado cada vez mais virtuais, fl uídas e com poucas demarcações de 9Gêneros textuais/discursivos fronteiras. Assim, nesse contexto, deparamo-nos com diferentes necessidades e atividades sociais que acabam por trazer impactos diversos nas nossas ações sociais tipifi cadas (MILLER, 2009), isto é, nas maneiras que realizamos nossas atividades comunicativas. Logo, na era atual — caracterizada também como multimidiática —, uma significativa mistura e influência entre os gêneros passou a ser mais visibilizada pelos nossos processos comunicativos. Ou seja, passou-se a destacar que os gêneros nunca foram, de fato, estáticos: eles estão cada vez mais misturados, em uma cadeia de influência mútua. Tal intercâmbio entre os gêneros, o qual gera uma outra infinidade de gêneros, nos mostra o quão difícil é traçar limites; pois os gêneros são gerados por processos de assimilação de outros anteriores e não param por aí. Isso é um movimento em constante desenvolvimento, uma vez que se liga às mudanças comunicativas e sociais que vão se dando ao longo da história. A esse respeito, é importante mencionar que o intercâmbio entre os gêneros não é um traço do mundo atual, pois elas já ocorriam no passado, mesmo que em menor escala. Dito de outro modo, o processo de hibridismo entre os gêneros já era comum nos tempos de outrora; só que, é a partir do desenvolvimento e do avanço das tecnologias de informação e comunicação que tais processos genéricos passaram a se tornarmais evidentes. Conforme Marcuschi (2002), a forte presença dos grandes suportes tec- nológicos da informação — tais como o rádio, o jornal, a revista, a televisão, a internet, etc. —, nas atividades sociocomunicativas, tem possibilitado a reestruturação e reconfiguração das ações discursivas, uma vez que a tecno- logia, definitivamente, não produz novos gêneros. De fato, por apresentarem uma relativa estabilidade — já que são maleáveis, plásticos e dinâmicos —, os gêneros transmutam-se em outros gêneros, isto é, adquirem novas particu- laridades comunicativas em função dos mais diversos contextos históricos e culturais (BAKHTIN, 2003). Desse modo, com o passar dos anos, os gêneros podem se voltar para outros propósitos, redefinindo as interações sociais. Assim, embora seja mais notável hoje que novos gêneros surgem a partir das modificações e adaptações de outros — é o clássico caso do e-mail que veio para cumprir com uma necessidade social de comunicação rápida, instantânea, a qual era coberta séculos atrás basicamente pela carta —, é preciso pensar que os gêneros, como fenômenos históricos, não são estanques, estáticos, invariáveis ou blocos homogêneos de comunicação. Há, no entanto, certos gêneros textuais/discursivos que parecem ser mais monitorados, porque estão enraizados na nossa forma de pensar, agir e se comunicar, como é o caso de alguns gêneros literários (como os contos de fadas, as fábulas, as novelas, etc.) e jornalísticos (como, as notícias, os fait divers, as reportagens televisivas, etc.). Gêneros textuais/discursivos10 Um outro aspecto que deve ser mencionado no estudo dos gêneros em relação ao intenso uso e à influência das tecnologias nas nossas formas de nos comunicarmos na atualidade diz respeito à disposição semiótica das várias linguagens. Ora, na era midiática virtual, marcada por uma intensa fluidez e ausência de marcações entre as modalidades oral, escrita e visual, os gêneros textuais/discursivos também acabaram por integrar ainda mais os diversos tipos de signos. Como afirma Marcuschi (2002, p. 21), “[…] a lin- guagem dos novos gêneros torna-se cada vez mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia”. Logo, os gêneros ditos emergentes constituem processos comunicativos integradores de diversos tipos de linguagens/signos, que vão desde o uso de sons e signos escritos a imagens em movimento. 3 Texto, tipos textuais e gêneros Dentro do universo de discussão sobre os gêneros textuais ou discursivos, um outro debate se faz presente: o da classifi cação dos tipos textuais. Se, como afi rma Marcuschi (2002), baseando-se em Bakhtin (2003) e Bronckart (1999, apud MARCUSCHI, 2002), a comunicação só é feita por algum gênero, essa mesma comunicação é realizada por um texto. Isso porque a língua é uma “atividade social, histórica e cognitiva” (MARCUSCHI, 2002, p. 3) e não um conjunto de estruturas linguísticas que refl etem as realidades sociais. É por isso que os gêneros são defi nidos especialmente pela funcionalidade comunica- tiva e/ou propósito social, ou seja, como eventos discursivos e ações sociais que agem e dizem o mundo (ou que nos permite agir e dizer sobre o mundo). Desse modo, ao se falar em gêneros textuais/discursivos, se está enfatizando as ações ou os eventos discursivos e sociais que estão materializados na nossa sociedade, os quais apresentam características sociocomunicativas, conteúdos, funções, estilos e composição específi ca. Os tipos textuais, em contrapartida, são definidos pelo seu critério textual e linguístico, isto é, por meio da sua natureza linguística (elementos lexicais, sintáticos, tempos verbais, etc.). Ao todo, se fala comumente em um número limitado de tipos textuais, que são: narração; argumentação; exposição; descrição; injunção. 11Gêneros textuais/discursivos É preciso, antes de darmos continuidade ao estudo dos tipos textuais, abrir um parêntese sobre a definição de texto: o texto é uma entidade concreta em que se materializam os gêneros textuais/discursivos. Em resumo: “[…] gêneros são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos [esferas discursivas] específicos” (MARCUSCHI, 2002, p. 25). Para facilitar o nosso entendimento sobre tais conceitos — os quais podem parecer, à primeira vista, equivalentes —, veja o pequeno resumo abaixo que tenta relacionar conceitualmente as principais características dessas noções da seguinte forma: a) os gêneros são definidos a partir das noções de ação social prática, circulação sócio-histórica, propósito ou funcionalidade comunicativa, conteúdo, estilo e composição; b) os tipos textuais são definidos a partir da noção estrutural de sequências linguísticas específicas; c) as esferas discursivas são definidas como domínios discursivos, ins- tâncias discursivas ou esferas da atividade comunicativa humana em que os gêneros se realizam em forma de textos. Tipologias textuais De antemão, é necessário lembrar sobre o cuidado no uso da expressão “tipo textual” ou “tipo de texto”. Os gêneros se realizam nos tipos textuais e não o contrário. Ou seja, quando alguém escreve uma notícia jornalística, esse sujeito está fazendo uso do gênero notícia jornalística. A notícia, contudo, pode se realizar — e, de fato, se constrói — a partir de mais de um tipo de texto, uma vez que, quando relata um crime, por exemplo, traz momentos descritivos, narrativos e/ou argumentativos. Isso signifi ca dizer que a notícia jornalística, dentre muitos outros gêneros, apresenta uma heterogeneidade tipológica. Mesmo quando alguém caracteriza um texto sob o nome de “nar- rativo” ou “argumentativo”, esse alguém está falando dos tipos textuais em que o gênero está se concretizando. Cabe aqui uma ressalva: como os tipos textuais são defi nidos pelas sequências linguísticas e boa parte dos textos apresentam mais de uma tipologia textual, não seria redutor apontar um texto como apenas narrativo, argumentativo, descritivo, expositivo ou injuntivo? Ao falar de tipos textuais, é preciso que se considere a sua heterogeneidade. Logo, pode-se dizer que em um texto encontramos uma variedade de sequências tipológicas, as quais erguem a base do texto como um todo. Observe o que Gêneros textuais/discursivos12 diz Marcuschi (2002, p. 29) ao apontar as principais características estruturais das sequencias tipológicas dos tipos textuais (narração, descrição, exposição, argumentação e injunção): Um elemento central na organização de textos narrativos é a sequência tempo- ral. Já no caso de textos descritivos predominam as sequências de localização. Os textos expositivos apresentam o predomínio de sequências analíticas ou então explicitamente explicativas. Os textos argumentativos se dão pelo pre- domínio de sequências contrastivas explícitas. Por fim, os textos injuntivos apresentam o predomínio de sequências imperativas. Portanto, os tipos textuais ou tipos de texto não são o mesmo que falar de gêneros textuais/discursivos. Enquanto os tipos textuais se limitam a um número específico de tipos de sequências tipológicas linguísticas, os gêneros textuais/discursivos são numerosos porque são múltiplas as formas de nos comunicarmos. Os tipos textuais, ainda, não são ações empíricas sociais e discursivas, mas entidades concretas em que se realizam tais sequências. Já os gêneros, longe de serem fenômenos estanques e estáticos, são eventos sociais, discursivos e históricos maleáveis, plásticos, que se modificam com o passar do tempo, podendo variar ao longo também das sociedades e dos meios culturais. Embora sejam tidos como ações relativamente estáveis, uma vez que apresentam possibilidade de interpretação quanto à produção e re- cepção das formas de comunicação pelos sujeitos envolvidos, essas atividades de comunicação, mesmo que ligadas a determinada coletividade, oferecem espaço para uma certa “singularidade” dos agentes envolvidos.Isso porque nós temos um papel ativo e responsivo no processo de comunicação, o que dá possibilidade para pequenas variações (nem que sejam leves e sutis). Logo, quando tratamos de gênero estamos falando de propósitos e objeti- vos discursivos em que a nossa comunicação linguisticamente se realiza em tal esfera discursiva; e, de tipo textual, de bases tipológicas ou sequências estruturais diversas que se organizam e se relacionam em um todo textual. 13Gêneros textuais/discursivos Os tipos de texto, comumente definidos a partir de cinco tipologias — descrição (marcada pela estrutura enunciativa de detalhar características e representar per- sonagens e espaços), narração (marcada pela estrutura enunciativa que situa a ação no desenvolvimento do tempo-espaço), exposição (marcada pela identificação ou apresentação de elementos na estrutura enunciativa), argumentação (marcada pela defesa de um ponto de vista) e injunção (marcada pelo predomínio de um comando, uma instrução uma ordem) — dificilmente aparecem de forma isolada ou singularizada no texto. Assim, embora se fale em textos narrativos de um lado e descritivos de outro, é importante ter em mente que as sequências tipológicas aparecem em relação com outras exercendo no todo do texto um processo de influência mútua. Logo, essa polarização de tipos textuais não parece estar de acordo com a nossa realidade de usos dos textos. ASKEHAVE, I.; SWALES, J. M. Identificação de gênero e propósito comunicativo: um problema e uma possível solução. In: BEZERRA, B. G.; BIASI-RODRIGUES, B.; CAVALCANTE, M. M. (org.). Gêneros e sequências textuais. Recife: EDUPE, 2009. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAZERMAN, C. Atos de fala, gêneros textuais e sistemas de atividades: como os textos organizam atividades e pessoas. In: BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e inte- ração. São Paulo: Cortez, 2005. BRONCKART, J.-P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio discursivo. 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Cambridge: Cambridge University Press, 1990. 15Gêneros textuais/discursivos Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar modos de abordagens de ensino relacionadas a gêneros textuais/discursivos. Relacionar gêneros e esferas discursivas a propósitos de ensino. Analisar o trabalho com os gêneros textuais em língua estrangeira. Introdução Os gêneros são eventos sociais e discursivos, nos quais as nossas ações comunicativas se realizam. Tais atividades são constituídas por enunciados relativamente estáveis, os quais são tipificados socialmente e influenciados pelas esferas discursivas das quais fazem parte. A cada esfera da atividade humana se associam numerosos gêneros, como é o caso da notícia jornalística impressa, da reportagem televisiva e do editorial jornalístico impresso, os quais dizem respeito à esfera midiática. Por volta dos anos 1990, os estudos teóricos sobre os gêneros pas- saram a ganhar mais destaque no campo do ensino. Esse destaque dado aos estudos dos gêneros se dá também através da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais realçam o uso do texto na sala de aula, e dos materiais didáticos, que também vão em direção ao trabalho com os gêneros no processo de ensino-aprendizagem. Neste capítulo, você identificará modos de abordagens de ensino relacionadas aos gêneros, e entenderá as relações entre gêneros, esferas discursivas e ensino. Além disso, você refletirá sobre como os estudos dos gêneros podem guiar o professor no trabalho com o ensino-apren- dizagem de línguas para fins específicos. 1 Ensino, história e gêneros Desde as últimas décadas, as práticas e metodologias de ensino adotadas pelas escolas, no tocante às mais variadas disciplinas — a Matemática, as Ciências (Física e Química), a História, a Língua Portuguesa — têm passado por um processo sistemático de revisão e reconstrução. Parte dessa ação se deu (e continua a se dar) em virtude do intenso uso das tecnologias multimídias pelas pessoas nas suas atividades diárias, o que levou consequentemente a mudanças nas relações que as pessoas estabelecem com as práticas de leitura, de oralidade, de escrita e as do campo do visual. Essas relações emergentes têm implicado, no campo do estudo das linguagens, em uma ampliação no trabalho que a escola desenvolve a partir dos textos, uma vez que ensinar e estudar as tipologias textuais com os alunos (tais como, a exposição, a descrição, a argu- mentação, a narração e a injunção) não abarca todas as possibilidades de usos das várias linguagens. Vale dizer, ainda, que a adoção de concepções de língua e linguagem como processos ativos e dinâmicos de produção e construção de sentido entre os sujeitos (perspectiva sócio interacionista da linguagem) têm tido sobremaneira importância na reestruturação do espaço escolar na sociedade, do papel do professor na cadeia de produção do conhecimento e nas relações estabelecidas entre o professor e o aluno na sala de aula. No contexto brasileiro, os Parâmetros Curriculares Nacionais tiveram (e têm) um papel também fundamental na construção de um novo perfil da educação no país. O currículo que passa a ser proposto segue uma abordagem reflexiva e aberta à renovação teórica e prática do conhecimento — movi- mento esse que é próprio da língua —, uma vez que o conhecimento vai sendo construído por meio de competências básicas e habilidades trabalhadas com o aluno. Assim, nessa perspectiva, o ensino, antes “[…] descontextualizado, compartimentalizado e baseado no acúmulo de informações” (BRASIL, 2000, p. 4), passa a ser significado pela geração do conhecimento dentro de contextos sócio-históricos e culturais. O ensino torna-se situado e valoriza- -se a interdisciplinaridade entre as ciências. Esses parâmetros, portanto, não apenas funcionam como guias de diretrizes de ensino, mas acabam por atribuir uma dimensão humana, da ordem da cidadania, do cotidiano e do trabalho, às práticas de ensino operadas nas escolas. Tal perspectiva inovadora, no entanto, tem certa atualidade no sentido de que outras abordagens de leitura e escrita tiveram a sua presença na história. Antes de abordar algumas delas, se faz necessário comentar que cada uma é respaldada por uma orientação teórico-pedagógica que orienta as escolhas sobre os conteúdos e as metodolo- gias de ensino dos textos nos espaços formais educativos. Isso porque, como Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento2 afirma Santos (2007, p. 12), “[…] toda ação educativa está fundamentada em uma concepção de homem, de sociedade, de escola e responde a interesses específicos em uma dada formação social”. Logo, para entender o que guia (ou guiava) as outras abordagens de ensino de leitura e escrita nas escolas, é preciso saber qual a perspectiva teórica de língua e linguagem que as guiava e embasava — ora, é a partir da filiação teórica de cada uma que conseguimos compreender a sua base educativa de ação. Em geral, podemos dizer que três perspectivas se destacam. Veja a seguir quais são. 1. O ensino pela gramática (século XIX):a valorização do ensino da língua pela gramática remete frequentemente aos textos de excelência da esfera literária, uma vez que se tomavam os padrões linguísticos (usados por uma pequena classe social privilegiada; e empregados geralmente em gêneros da esfera literária) a serem seguidos pela sociedade. A partir dessa concepção, o ensino da língua se dava por meio da memorização de regras, listas e modelos (SANTOS, 2007) tidos como “superiores”, os quais deveriam ser usados por todos os falantes da língua. 2. O ensino pelo desenvolvimento (por volta de 1970): essa perspectiva está em consonância com a ideologia assumida pelo Estado Brasileiro na época, a saber, de estruturar a educação a partir do ponto de vista do desenvolvimento econômico (SANTOS, 2007). Nesse mesmo período a teoria da comunicação (que via a língua por meio de um instrumento comunicativo, o qual era marcado pelo eixo da codificação/decodifica- ção de sinais comunicativos) e a linguística estrutural (marcada também pelos estudos da etnografia e antropologia) passaram a marcar o ensino da língua portuguesa. 3. O ensino a partir de novas bases: embora sejam realizadas tentativas de se introduzir outros elementos no processo de ensino aprendizagem, conforme discute Santos (2007), o ensino permanece baseado na visão de língua como estrutura e código. A escrita continua a ser ensinada a partir da visão do que é uma boa escrita, isto é, dos textos clássicos que foram consagrados como modelos a serem seguidos pelos alunos. 3Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento Ensino pela gramática, ensino pelo desenvolvimento e ensino a partir de novas bases são nomeações que constituem categorizações feitas a partir das reflexões e discussões trazidas por Santos (2007) sobre o ensino e as concepções de língua/ linguagem que o subjazem. Note que essas categorizações foram elaboradas para este capítulo com o objetivo didático de facilitar o nosso entendimento sobre como o ensino se insere em um projeto ideológico maior, o qual envolve os valores de uma época sobre o homem, a sociedade e a língua. Interessante apontar que, a partir da reflexão trazida por Santos (2007) sobre as abordagens dadas ao ensino na escola — as quais refletem as con- cepções sobre como a sociedade da época entende a língua/linguagem —, a escrita vai sendo “construída” com o aluno a partir do trabalho de textos que não são situados no cotidiano do aluno, porque estritos à prática da es- cola. Dito de outro modo, a escrita é trabalhada por meio de textos que não têm um uso e uma circulação no “real”, no sentido de social, um propósito comunicativo (a não ser o de ser avaliado pelo professor), um sujeito outro com a qual pode estabelecer diálogos “reais” (novamente, o texto é dirigido ao professor-avaliador), uma vez que a finalidade está na escrita pela própria escrita como código linguístico. Dentro dessa mesma perspectiva, a leitura não é vista de forma diferente: esta é vista como uma articulação de frases cujo sentido está dado no texto. Além de se “pregar” a leitura dita “correta”, a preocupação residia na codificação/decodificação do que estava ali posto. Posteriormente, entre o fim dos anos 1970 e início dos 1980, Santos (2007, p. 17-18) aponta que se passa a observar um movimento de questionamento das bases e dos princípios que norteiam o ensino, não apenas no tocante à língua portuguesa, mas levando em consideração as várias disciplinas ministradas na escola: […] é a gênese de um movimento que se propõe a reconceitualizar não só os objetivos do ensino, mas, sobretudo, os objetos de ensino, juntamente com os pressupostos e procedimentos didáticos. Este movimento ocorre não só no Brasil, mas em diferentes países como, por exemplo, Portugal, França e Austrália e vai desembocar em um trabalho de reforma curricular. Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento4 Nesse período, documentos com novas propostas de ensino foram elabo- radas. O que é, no entanto, bastante significativo neles é a perspectiva teórica em que se baseiam, uma vez que passam a se fundamentar em uma nova concepção de língua/linguagem (SANTOS, 2007). A língua passa a ser vista como uma atividade e ação social interativa (língua como noção de intera- ção), influenciada pelos estudos da linguística da enunciação/do discurso. A partir de então, leitura e escrita deixam de ser apresentadas como estanques e são apontadas como práticas e atividades sociais. É aí que entra a noção de gêneros e a ênfase no seu ensino, o qual passa a considerar os seus elementos, como o contexto de produção e recepção do texto, o propósito comunicativo, a construção composicional, os papéis assumidos pelos sujeitos nas situações comunicativas engendradas pelos gêneros, os diferentes suportes etc. Cabe, a esse respeito, uma importante ressalva: pelo menos essas são as considerações teóricas que passam a ser colocadas em “pauta” e em prioridade na discussão de uma nova proposta curricular, uma vez que muitas vezes tais teorizações demoram para serem colocadas em prática e esbarram nas antigas visões, bastante enraizadas, do ensino pelo via da gramática ou da expressão/do código da comunicação. Abordagens de ensino a partir dos estudos dos gêneros Atualmente, tornou-se lugar comum associar as práticas de ensino de língua com a noção dos gêneros textuais e/ou discursivos na sala de aula. Embora essa relação teórico-metodológica já faça parte do ponto de partida de boa parte dos professores de língua portuguesa no Brasil, os estudos dos gêneros se inserem em um campo epistemológico heterogêneo, constituído por mo- vimentos e abordagens diversas. Conforme discutem Cavalcanti et al. (2019), no fi nal dos anos 1970, o contexto acadêmico brasileiro estava voltado para saber como os estudos das Ciências da Linguagem poderiam auxiliar no ensino-aprendizagem da língua. Nesse contexto, a obra organizada por Geraldi (1997), intitulada O texto na sala de aula, tem importância fundamental uma vez que traz refl exões sobre o ensino a partir de questões diversas, que vão desde a gramática até a variação linguística. O texto, como aponta o título, é discutido como o “norte” das atividades de ensino-aprendizagem, pois por meio dele se estabelecem as práticas de ensino de leitura, produção de texto e análise linguística (CAVALCANTI et al., 2019). Ainda decorrência da discussão apresentada por Cavalcanti et al. (2019), a partir dos anos 1990, os estudos dos gêneros ganham mais destaque no campo 5Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento do ensino (os gêneros eram usados como conteúdos a serem ensinados ou como instrumentos das atividades didáticas). Esse destaque é ainda reforçado pela publicação dos Parâmetros Curriculares, entre 1997 e 1998, o que reforça o uso do texto na sala de aula, e de diversos materiais didáticos, que também vão em direção ao trabalho com os gêneros. Dentre as pesquisas desenvolvidas no Brasil, que se baseiam em diversas teorizações sobre os gêneros, Bunzen (2004), Motta-Roth (2008) e Cavalcanti et al. (2019) — esta última baseando-se nos dois anteriores —, identificam as seguintes teorizações (essas escolas são citadas de maneira geral, sem seguir uma ordem cronológica). A Escola de Sidney ou Escola Sistêmico-Funcional de Sydney, a qual tem Haliday e Hasan, e Martin dentre os seus autores de referência. Essa escola se volta principalmente para o estudo do léxico-gramática, além de focar as funções que o léxico-gramática desempenha nos contextos (MOTTA-ROTH, 2008). A Escola de Genebra ou Interacionismo Sócio-Discursivo, a qual tem Bronckart, Schneuwly e Dolz dentre os seus autores de referência. Essa escola se volta principalmente para o estudo da diversificação dos textos e das relações que os textos mantêm com o contexto de produção, tendo em vista os elementos sociais e históricos que dele fazem parte (BUNZEN, 2004). A Escola Americana da Nova Retórica ou da Sócio-Retórica, a qualtem Bazerman e Miller dentre os seus autores de referência. Essa es- cola se volta principalmente para as relações entre texto e contexto (CAVALCANTI et al., 2019), os contextos sociais e os atos de fala que os gêneros realizam a partir de uma determinada situação. A Escola Britânica de ESP (English for Specific Purposes), a qual tem Swalles e Bhatia dentre os seus autores de referência. Essa escola se volta principalmente para a organização retórica dos tipos de textos, os quais são definidos tomando como base as suas propriedades formais e os objetivos comunicativos considerando os contextos (HYON, 1996, apud MOTTA-ROTH, 2008). E, não podemos deixar de citar, os estudos dos gêneros do discurso trazidos por Bakhtin (2003), em um dos seus textos intitulado Os gêneros do discurso, datado de 1979. Essas diferentes abordagens teóricas trazem influências não apenas nas abordagens do conteúdo — em termos metodológicos de como o texto e os gêneros vão ser trabalhados em sala de aula —, mas também nas relações Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento6 estabelecidas entre o professor e o aluno. Dito de outro modo, essas perspec- tivas que se assumem constituem um campo heterogêneo sobre os estudos dos gêneros, e, assim, as práticas de leitura e escrita, além dos temas que essas práticas acabam por gerar, podem ser abordados de forma também diversa na sala de aula. Conforme discute Mendonça (2008), letramento não é um método ou um conteúdo, mas uma noção que está relacionada às práticas sociais de leitura e escrita que ocorrem situadas historicamente. Além disso, essas atividades implicam no uso de habilidades e envolvem relações de poder. Dentre algumas práticas de letramento, citamos leitura de manchetes, receitas, capas de revista, mensagens instantâneas, e a escrita de artigos de opinião, e-mail, lista de compras, comentário em redes sociais, entre muitas outras. O letramento não ocorre apenas nos espaços promovidos pela escola, mas também em espaços não escolares, como as práticas de leitura e escrita que se dão na esfera do cotidiano e do trabalho, as que são promovidas pelas redes sociais, de leitura de frases de caminhão, de ditos populares, etc. Um sujeito analfabeto — que assim o é por não ter tido oportunidade de acesso a condições sociais e econômicas satisfatórias que o levassem a ingressar em ambientes educativos escolarizados — que vive em um meio social marcado por práticas sociais de leitura e escrita é letrado, pois está envolvido nessas práticas. Ou seja, mesmo que ele não saiba ler ou escrever, já participa de atividades sociais e comunicativas da sua comunidade, isto é, ouve e participa da roda de leitura de livros, escuta histórias e notícias de jornal que são lidas para ele, dita a relação de alimentos a serem comprados numa feira para alguém anotar, faz uso mental de equações matemáticas simples, etc. Por fim, atente ainda nessa discussão para a noção de relações de poder: conhecer como ocorrem tais relações, tais como quais participantes se inter-relacionam em determinadas práticas e não em outras, é urgente para a compreensão crítica das práticas de letramento, uma vez que há atividades com uma maior valorização social do que outras (LETRAMENTOS..., 2020). 2 Gêneros, esferas discursivas e ensino Os gêneros, como práticas sociais, culturais e discursivas dinâmicas, porque em constante mudança, quando trabalhados em sala de aula — a partir das suas funcionalidades comunicativas, dos seus modos de produção, recepção e circulação, suas construções estruturais e linguísticas em textos, dos valores sociais que produzem e das relações interpessoais que promovem — oferecem 7Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento uma outra possibilidade de se pensar as habilidades ou os eixos de oralidade, leitura e escrita, por exemplo, uma vez que dão condições para o aluno se apropriar das diversas formas de pensar e comunicar com o mundo e, também, no mundo. Desse modo, é importante pensar o que coloca Mendonça (2008, p. 14): Assim, acreditamos que o trabalho didático centrado apenas nos tipos textuais (narração, argumentação, descrição, exposição) não contribui para que o aluno se familiarize com os diferentes gêneros que circulam na sociedade. Ou seja, pedir que eles escrevam uma dissertação (ou narração, ou descrição) e expor sobre características gerais desses tipos textuais não é suficiente para que os estudantes, fora da escola, saibam lidar com a diversidade textual com a qual se deparam. Portanto, é preciso que a gente passe a pensar os processos de ensino- -aprendizagem em um universo mais amplo, que englobe também as práticas discursivas do aluno. É por meio da discussão sobre como os gêneros se organizam e se relacionam nas diversas esferas da atividade humana que os sujeitos passam a ter mais “propriedade” sobre as suas relações comunicativas, e, também, passam a se engajar em relações mais críticas com as produções textuais escritas, orais, visuais e mistas que se dão no mundo. Contudo, trazer muitos e diferentes gêneros para a sala de aula não cumpre esse papel. Dito de outro modo, não basta levantar e expor os alunos à variedade atual de gêneros. A abordagem em sala de aula deve considerar, primeiramente, que os gêneros, quando trazidos para o ambiente escolar, são modificados, pois passam a ser abordados conforme os objetivos das escolas, conforme discute Mendonça (2008). Além disso, tal abordagem deve considerar: como se realizam e se constituem os gêneros para entender as razões de eles funcionarem de jeitos específicos e não de outros; os conhecimentos prévios sobre os gêneros, incluindo os partilhados pelos alunos; a produção textual como um processo contínuo de construção do texto que passa pelos eixos da oralidade, leitura e da análise linguística. É interessante que o professor possa contemplar em sua abordagem, a partir do que discute Mendonça (2008) sobre o planejamento didático dos gêneros e a elaboração de sequências didáticas: gêneros de esferas diversas relevantes para a formação dos alunos; Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento8 textos heterogêneos, seja no tocante à sua produção, seja quanto à sua circulação, seja no que diz respeito aos diversos sistemas simbólicos que o texto manifesta, tais como, a imagem, a escrita, o hyperlink (quanto ao campo da multimodalidade); nível de complexidade do gênero em relação à série e turma com a qual vai ser trabalhado. A notícia escrita para os jornais impressos/digitais de circulação diária é, como se sabe, um dos gêneros de ampla circulação da esfera midiática. A exemplo desse gênero, o seu trabalho dentro da esfera escolar deve ir para além da sua mera exposição ao aluno, mesmo que o gênero esteja sendo transposto a uma outra esfera discursiva. Dito de outro modo, é interessante pensar em um planejamento didático que envolva a leitura e a escrita crítica desse gênero tomando em consideração o seu contexto social-histórico, os objetivos que guiam a sua produção-recepção e circulação, as estruturas linguísticas usadas, entre outros fatores que devem ser vistos em interação com as relações de poder (e com os valores) que representa. A notícia jornalística, quando escrita para um jornal de circulação diária, faz comu- mente uso de um esquema chamado pirâmide invertida, cujo um dos objetivos é narrar e descrever os principais elementos relacionados ao acontecimento noticioso. Desse modo, nos dois primeiros parágrafos do texto noticioso, informações que respondem a perguntas como o quê?, quem?, quando?, como?, por quê?, são repre- sentadas com o objetivo de representar o “máximo” de informação possível sobre o acontecimento para o leitor — o qual está sempre apressado para chegar ao trabalho e dispõe de pouco tempo para ler todo o texto (CORDEIRO, 2011). Podemos notar, então, que tal esquema guia o modo de produção textual da notícia e o modo de recepção dela peloleitor, além da sua circulação (por um breve período). Observe, ainda, que a funcionalidade comunicativa do gênero está relacionada à sua produção estrutural linguística e aos valores sociais e ideológicos representados no texto (dado também pelo destaque feito a certos elementos do acontecimento e pelo ocultamento de outros) (CORDEIRO, 2011). Ensino de língua portuguesa a partir da noção de gêneros textuais/discursivos Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) apresentam o gênero textual/discursivo como a unidade básica que organiza o ensino da língua portuguesa, seja em termos de progressão curricular (partindo de gêneros 9Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento considerados “menos complexos” para aqueles tidos como de “maior com- plexidade”), seja em termos de diversidade, ao propor o trabalho com uma variedade de gêneros ao longo dos anos no ensino do português (do Ensino Fundamental ao Ensino Médio). Nesse sentido, como afi rma Silva (2006), esses parâmetros, guiados pela perspectiva bakhtiniana sobre os gêneros (BAKHTIN, 2003), assumem uma concepção de linguagem que é discursiva. Esses guias também valorizam a diversidade textual, conforme apontado, porque a ideia básica é propor um ensino-aprendizagem que inclua a produção textual de gêneros os mais diversos. Ora, quanto maior o acesso e quanto mais didaticamente planejado o estudo dessas práticas sociais — considerando os variados contextos educacionais, as experiências comunicativas dos alunos, os interesses das turmas etc. —, mais os alunos terão a possibilidade de ler criticamente o conhecimento e a informação, de compreender como as rela- ções ideológicas e comunicativas são produzidas, veiculadas e recebidas, e de produzir e dominar as produções textuais proporcionadas pelos diferentes gêneros que circulam no nosso cotidiano. Desse modo, compartilhamos o ponto de vista de que o ensino da língua portuguesa, a partir da perspectiva do estudo dos gêneros, e considerando a funcionalidade social, é um avanço na educação no nosso país. Com o deslocamento da ênfase do ensino da gramática pela gramática para a diversidade textual (mesmo que esse deslocamento ainda não tenha se efetivado completamente nas escolas no Brasil uma vez que ainda se nota abordagens normativas e prescritivas do ensino da língua pela via da gramática em alguns espaços), a produção textual escrita passou a ser tomada como uma habilidade que varia conforme o propósito comunicativo e o contexto social em que se insere. Ora, é só pensarmos que um e-mail que escrevemos para o nosso vizinho não vai apresentar a mesma composição textual do e-mail que escrevemos para o nosso chefe de trabalho. Não só a produção textual do gênero será diferente conforme os papéis que cada participante assume no contexto social (vizinho e chefe), mas também variará de acordo com o objetivo que leva a escrita de cada e-mail. Além disso, a noção de diversidade textual remete não só à diversificação de situações de práticas de leitura e escrita na escola, mas de trabalhar com os textos de uso “real”. Dentro desse contexto, é importante lembrar que o professor não deve se limitar ao trabalho de apresentar uma coletânea ou listagem de textos ao seu aluno como se esta fosse uma atividade que, por si só, abarcaria a noção de diversidade textual. A leitura e a escrita são distintas práticas sociais e dis- cursivas, embora articuladas, que necessitam de um trabalho teórico-didático a ser planejado com a turma, conforme o ano/ciclo em que ela se insere, e Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento10 os interesses que eles manifestam — lembre-se de que o planejamento é um trabalho contínuo, reflexivo e aberto a mudanças. Desse modo, essas práticas precisam ser trabalhadas tendo em vista as funções sociocomunicativas que os gêneros realizam fora do ambiente escolar (no mundo), e os propósitos que eles adquirem ao serem transpostos para o cotidiano da sala de aula (o propósito aqui será diferente daquele que o gênero tem nas situações comunicativas diárias). Conforme discute Santos (2007, p. 19): “[…] ao entrar no processo de ensino, as situações de produção textual, embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características peculiares à situação de ensino nas quais estão inseridas.” Logo, é importante que essa “transposição” também seja explicitada para o aluno para que o processo de ensino-aprendizagem não caia na formalização e abstração dos textos, como já ocorreu no passado. A noção de esfera discursiva ou esfera da atividade humana é trabalhada pelo pensador russo Mikhail Bakhtin (1895–1975) em relação à noção dos gêneros do discurso. Para esse teórico, os gêneros do discurso são “tipos relativamente estáveis de enunciados” que refletem as condições específicas de cada esfera da atividade humana. O enunciado se liga a uma determinada esfera não só pelo seu conteúdo (tema), mas pelo estilo e pela construção composicional (pela seleção dos recursos empegados na língua). Em outras palavras, a função de um dado enunciado e as suas condições de produção produzem um certo tipo de enunciado, o qual funciona de forma “relativamente estável” quanto ao tema, à composição e ao estilo, uma vez que se insere e faz parte de uma esfera (ou mais esferas) da atividade humana. Bakhtin (2003) aponta, ainda, que existem numerosas esferas de comunicação entre os homens; sendo assim, a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas — o que deve ser considerado nos estudos dos gêneros. Para mais informações sobre a noção de esfera da atividade humana e a sua relação com os gêneros levantada por Bakhtin, confira o ensaio intitulado “Os gêneros do discurso”, o qual faz parte da obra Estética da criação verbal (BAKHTIN, 2003). 11Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento 3 Gêneros textuais/discursivos no campo das línguas Conforme Bakhtin discute (2003), as relações que se estabelecem entre lingua- gem e sociedade se materializam em enunciados ou discursos ou, ainda, se realizam em gêneros do discurso. Desse modo, não seria desnecessário dizer que a abordagem teórica e metodológica do ensino a partir dessas práticas sociais, situadas em seus devidos contextos e funcionalidades, seja nos espaços formais ou informais de educação, se confi gura como fundamental no ensino de uma língua em uma dada comunidade discursiva? A partir da abertura das fronteiras, desde a época da globalização, e do uso crescente das tecnologias ligadas à internet, as relações internacionais têm se tornado mais fluidas e presentes em nossas vidas. Nesse contexto, podemos encontrar em Cristovão e Beato-Canato (2016) posições interessantes sobre o ensino de línguas para finalidades diversas considerando um trabalho educa- cional que envolve a noção dos gêneros. Baseando-se na noção interacionista sociodiscursiva, esses autores defendem que os processos de ensino de línguas para fins específicos precisam considerar o contexto de ampliação de uso das línguas, seja para o campo dos negócios, seja para o campo acadêmico, seja para o campo das relações interpessoais, etc. Desse modo, os professores que se voltam para o ensino-aprendizagem de línguas para fins específicos, deveriam basear a sua formação docente dentro desse panorama contextual. Celani et al. (1988, apud CRISTOVÃO; BEATO-CANATO, 2016), afirmam que no nosso país o início do projeto de línguas para fins específicos se deu a partir da demanda de cursos instrumentais de línguas nas universidades; aliado a isso, surgiu a necessidade de formar esses professores e elaborar materiais de ensino que os auxiliassem nesse processo. Esse projeto, que ocorreu entre os anos de 1977 e 1980 e se estendeu até 1986, priorizou as estratégias de leitura (em especial na língua inglesa) tendo em vista que a demanda se dava majo- ritariamente em torno desse eixo (e dessalíngua). Posteriormente, pesquisas, projetos e trabalhos foram sendo realizados e publicados com o objetivo de compreender quais os gêneros estavam entre os mais lidos pelos estudantes e quais eram avaliados como importantes para serem estudados considerando a área de estudo em que o aluno se filiava. Dentre os resultados, notou-se que os currículos das disciplinas de línguas para fins específicos deveriam ser reformulados e incluírem gêneros com relevância para a área, e não textos gerais. No Brasil, é importante apontar que o uso dos gêneros não se inseriu no trabalho com línguas para fins específicos, como apontam os autores. Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento12 Ramos (2004, apud CRISTOVÃO; BEATO-CANATO, 2016) não só defende como propõe o uso de gêneros no contexto do ensino das línguas, cujos benefí- cios são inúmeros para o professor — tais como, a observação sobre a situação de produção do gênero, sobre o funcionamento da linguagem empregada nele, as suas características linguísticas, sociais e culturais, dentre outros — e para o aluno — tais como, a compreensão sobre o propósito comunicativo do gênero, as suas características sociais e contextuais, as suas estruturações textuais e linguísticas, dentre outros. De forma mais específica, no tocante ao ensino-aprendizagem de inglês para fins específicos, Vian Junior (2004, apud CRISTOVÃO; BEATO-CANATO, 2016) também faz uso da proposta de gêneros tendo em vista os diferentes espaços de atuação da língua inglesa, espaços esses que também fazem uso de práticas linguísticas diversas. Em resumo, podemos dizer que Cristovão e Beato-Canato (2016) defendem uma formação docente no tocante ao ensino da língua para fins específicos, pois para se promover uma mudança no cenário de ensino das línguas é pre- ciso que os professores considerem os diferentes espaços em que os sujeitos constituem e usam determinada língua (espaços profissionais, técnicos etc.), espaços que, por sua vez, também apresentam diversas funções sociais, e se inserem em contextos culturais diversos também. É também necessário que os professores tomem a língua como um espaço de interação social e o texto como prática social e discursiva, para que não reduzam o gênero à sua forma e não fiquem apenas na leitura de textos gerais. Além disso, esse mesmo professor deve estar aberto ao diálogo contínuo com a turma com a qual trabalha, um diálogo que considere os seus conhecimentos prévios, interesses e necessidades. As ideias levantadas neste tópico, referidas em Cristovão e Beato-Canato (2016), têm um alcance ainda maior, sendo muito significativas quando refletimos sobre o cenário do ensino de maneira geral: por exemplo, para um estudante de química, o gênero relatório científico pode ter maior relevância e importância do que o gênero reportagem jornalística, tendo em vista que aquele será mais utilizado pelo profissional no seu dia a dia de trabalho. O mesmo pode se dar para um estudante de engenharia cujo mercado de trabalho exige que ele apresente um domínio maior sobre as condições de uso, produção e circulação de gêneros como projetos, atas e ofícios, os quais são presentes nesse meio e cumprem com funções específicas para as engenharias. 13Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento Ensino das línguas para fins específicos a partir dos estudos dos gêneros Os estudos que tomam os gêneros como ações, eventos e práticas sociais e discursivas constituídas por enunciados que se ligam a determinadas esferas da atividade humana, contribuem sobremaneira para um ensino-aprendizagem das línguas, tendo em vista que as atividades comunicativas se realizam, a partir das várias situações, em gêneros orais, escritos, multimodais. Desse modo, o professor que bebe dessas abordagens tem uma compreensão de ensino e “apreensão” da língua como uma atividade em processo, de maneira corrente, a qual passa inevitavelmente pelo preparo didático contextual de uso dos gêneros em sala de aula. Esse preparo pode ser feito por meio de sequências didáticas, caracterizadas por Cristovão e Beato-Canato (2016, p. 62) como “[…] conjunto de atividades em torno de gêneros textuais”. Nessa perspectiva, as práticas de leitura e produção textual são atividades sociais (ativas e responsivas), cujos sentidos são construídos na interação social entre o sujeito, o texto e o contexto. Na abordagem teórica do Interacionismo socio-discursivo, a qual se baseiam Cristovão e Beato-Canato (2016, p. 64), os gêneros são tomados como “[…] instrumentos de ensino-aprendizagem a fim de desenvolver as capacidades de linguagem dos alunos”, ou seja, que os permitam adaptar sua produção linguageira aos elementos contextuais de sua produção (ambiente representado, papel social dos sujeitos envolvidos na atividade comunicativa, o espaço da interação), organizar e significar o seu discurso (seja ele oral, escrito, mul- timodal), agir socialmente. Para a produção textual escrita, recomenda-se uma sequência didática que inclua uma produção textual inicial que tenha por objetivo saber os conhecimentos que o aluno já dispõe sobre a língua e a situação comunicativa em que o gênero se manifesta. Lembre-se de que essa mesma produção pode ser retomada ao longo do tempo, uma vez que ela não é um produto fechado, final ou acabado; ela se insere em uma cadeia produtiva de sentidos produzidos previamente, cujos significados podem ser reelaborados e novamente representados por meio de novos trabalhos de escrita. Além disso, para o trabalho de compreensão dos textos trabalhados, esses podem ser abordados a partir das próprias dificuldades dos alunos quanto ao gênero em questão, ou seja, pode-se desenvolver essa reflexão a partir dos conhecimentos prévios dos alunos, das suas expectativas e dificuldades. E, em termos de trabalho com a leitura, é importante considerar sequências didáticas que levem os estudantes a entender os contextos de produção, uso e circulação dos gêneros, e as relações entre as situações comunicativas geradas Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento14 e a produção de valores e sentidos, sem esquecer-se de abordar as relações entre as estruturações linguísticas e organizações discursivas tecidas no texto e que são influencias pelo contexto e pelas suas funções sociais. Por fim, um realce se faz necessário após essa apresentação: embora te- nhamos comentado sobre a produção, a compreensão e a leitura de forma “separada”, essas três práticas devem ser trabalhadas de forma associada, pois são atividades de interação social que são produtoras de sentidos, as quais se realizam de forma complementar. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BRASIL. Ministério da Educação. 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Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Funcionalidade dos gêneros nos processos de letramento16 Didatização e autenticidade dos gêneros Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Discutir o conceito de autenticidade e suas diversas concepções. Identificar os propósitos, a funcionalidade e a diversidade dos pro- cessos de didatização de textos autênticos. Caracterizar o processo de didatização dos gêneros textuais. Introdução Os processos de ensino-aprendizagem de língua portuguesa adotados atualmente em sala de aula têm passado por mudanças e adaptações ao longo do tempo e espaço. Tais processos já foram outrora baseados na predominância do ensino da gramática e do dito “bom português”, e no uso dos textos como materiais empíricos para as práticas de leitura e escrita. Apesar de atualmente tais processos colocarem a noção de gêneros textuais/discursivos como objeto nuclear de ensino — mudança que se deu a partir da concepção de língua/linguagem como ação social —, reflexões têm sido feitas em torno de como trabalhar a diversidade textual na esfera escolar sem fazer com que os gêneros ensinados se tornem textos autênticos da esfera escolar. Neste capítulo, você refletirá sobre a autenticidade de textos e a sua relação com a diversidade textual proposta para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa em sala de aula. Além disso, identificará os proces- sos de didatização no tocante aos gêneros como objeto ou instrumento de ensino e estudará sobre o processo de sistematização didática do trabalho com os gêneros na esfera escolar. 1 Texto, gênero e autenticidade Nas últimas décadas, a discussão sobre os gêneros textuais na esfera da edu- cação, seja no tocante ao ensino da língua materna e língua estrangeira, seja quanto à formação continuada de professores, tornou-se um lugar comum, principalmente a partir do fi nal do século XX. A ideia que subjaz a defesa do processo de ensino-aprendizagem a partir dos gêneros textuais/discursivos re- side principalmente na noção de funcionalidade comunicativa, a qual leva-nos, por sua vez, a pensar num trabalho articulado e situado com práticas sociais e culturais de comunicação — práticas essas em que se manifestam as nossas atividades linguageiras e nas quais se realizam as nossas “intencionalidades” comunicativas. Desse modo, um trabalho com os gêneros possibilita o aluno a usar e compreender as ações, as relações e as situações comunicativas nos seus mais variados contextos sociais e nas suas diversas esferas discursivas. Contudo, é necessário apontar que nem sempre os processos de ensino- -aprendizagem se deram a partir de discussões que colocam o gênero textual/ discursivo no núcleo comum dos procedimentos metodológicos de didatização e/ou transposição de materiais para os propósitos da esfera escolar. O texto foi tomado por muito tempo como “[…] um material ou objeto empírico”, segundo Rojo e Cordeiro (2004, p. 8), objeto esse que era trazido para a sala de aula como “[…] um propiciador de ‘hábitos de leitura’ e um estímulo para escrever” (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 8). Nessa perspectiva, o texto produzido era visto como o resultado de um ato criativo. Dito de outro modo, o texto não era usado como um objeto de ensino. Só mais tarde que o texto passa a ser visto como um suporte em que se pode ensinar e aprender estratégias de leitura e de escrita. Ainda aqui o texto não se configura como um objeto de estudo. Posteriormente, o texto é referenciado no ensino a partir das suas estruturas ou formas, perspectiva essa que sofreu influência da linguística textual. Aqui o texto passa a ser tomado como objeto de ensino, no entanto isso se dá a partir das suas propriedades estruturais (a gramática normativa passa, assim, a ga- nhar destaque nos procedimentos de ensino do texto). A esse respeito, merece menção que boa parte das críticas questionam as generalizações promovidas pelas classificações tipológicas (ROJO; CORDEIRO, 2004), uma vez que as propriedades textuais de um tipo não necessariamente se materializam nos textos (ou seja, a estrutura de uma descrição pode variar de um gênero a outro). Ainda tais procedimentos metodológicos de abordagem textual desconsideram os usos, os contextos de produção, de recepção e de circulação, uma vez que se baseiam principalmente na leitura tendo em vista a localização de infor- mação, mais do que, como apontam Rojo e Cordeiro (2007, p. 10), “[…] uma Didatização e autenticidade dos gêneros2 leitura interpretativa, reflexiva e crítica”. É nesse sentido que as abordagens de ensino a partir dos gêneros passaram a ganhar força e destaque, porque contribuem para os processos de ensino-aprendizagem dos eixos de leitura, produção escrita e análise linguística a partir das suas situações reais, retóricas e sociocomunicativas. Dos textos, passando pelos tipos textuais, aos gêneros do discurso Conforme discute Santos (2007), a partir dos anos 1970, a educação no Brasil passa a ser organizada pelo Estado em torno da noção de desenvolvimento político e econômico. Sob a infl uência das teorias da linguística estrutural e da comunicação, o processo de ensino-aprendizagem da língua materna é tomado pelo uso da língua como um instrumento de comunicação, guiado pelos conceitos