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Neuroplasticidade e competência fonológica

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Neurociências da percepção da fala – Avaliação de 4º Bimestre
Enunciado da avaliação 
Neuroplasticidade e competência fonológica
Explicitem a relação causal entre os processos de neuroplasticidade e a aquisição da competência fonológica. Em primeiro lugar, esclareçam como a neuroplasticidade constitui um processo de modulação neuronal, através de excitação ou inibição da atividade de neurônios relés, dos núcleos subcorticais (tálamo, colículo inferior etc.). Depois, expliquem o papel das fibras córtico-fugais (feedback cortical) em excitar neurônios sintonizados com dicas acústicas relevantes de fala e, simultaneamente, em desativar os neurônios (interneurônios locais) que inibem a atividade desses primeiros. Uma vez esclarecidos esses pontos, usem finalmente o conceito de neuroplasticidade para descrever como o cérebro dos infantes em estágios de aquisição de proficiência fonêmica se reorganiza para se comprometer com a discriminação de contrastes fonêmicos, como a oposição funcional entre /p/ e /b/ em português. Evidenciem o fato de que dicas que são funcionais são retidas e se transformam em traços distintivos (lembrem-se da fonologia); enquanto dicas que não o são permanecem na percepção como variações alofônicas. Destaquem também que, no caso da dislexia desenvolvimental, em que as crianças não adquirem proficiência fonêmica (hipótese do déficit fonológico), a cognição de categorias fonêmicas está prejudicada; fato esse que explica por que esses sujeitos parecem estar presos ao estágio de processamento alofônico: Eles discriminam acima da média contrastes alofônicos, mas, comparados com controles, falham em tarefas de discriminação de contrastes fonêmicos. Concluam dizendo que essa disfunção linguística é supostamente resultante de problemas de modulação das fibras córtico-fugais. É possível, nesse sentido, que os neurônios corticais tenham dificuldade de excitar adequadamente os neurônios sintonizados com as dicas acústicas funcionais dos sons da fala. No caso da oposição /p/ e /b/, por exemplo, as dicas de “plosão” e “tempo de início de voz (VOT)”. 
A neuroplasticidade, ou plasticidade neural, refere-se à capacidade de o sistema nervoso alterar algumas das propriedades morfológicas e funcionais em resposta a alterações do ambiente, através da adaptação e reorganização da dinâmica do sistema nervoso em relação às mudanças. Ela pode ser concebida e avaliada através de uma perspectiva estrutural (configuração sináptica) ou funcional (modificação do comportamento). Deste modo, a plasticidade neural não ocorre somente em processos patológicos - através de alterações morfológicas, moleculares e/ou funcionais causadas por acidentes, agressões, ferimentos, etc -, mas, também, assume funções importantíssimas para o funcionamento normal do cérebro do ser humano. É por conta dessas capacidades que crianças, que sofrem acidentes, muitas vezes com perda de massa encefálica, déficit motor, visual, de fala e audição, se recuperam gradativamente e podem tornar-se adultas sem qualquer sequela. Assim, pode-se dizer que o cérebro humano é um órgão dinâmico e maleável, que possui a capacidade de se reestruturar a fim de cumprir as novas exigências ambientais ou limitações funcionais causadas por lesões cerebrais. 
Acredita-se que ps mecanismos celulares são, possivelmente, os responsáveis pela plasticidade. Estudos indicam que alguns mecanismos podem exercer mudanças no equilíbrio entre excitação e inibição - alterações que podem ocorrer rapidamente. Para que isso ocorra, é necessário que a região de conexões anatômicas de neurônios e vias neurais no território seja influenciada pelo treino das funções. Entretanto, algumas zonas podem tornar-se obstáculos para a inibição tônica. Caso a inibição seja removida, a região da influência tende a se expandir de modo acelerado, ou, então, pode ser desmascarada - esse processo se chama desmascaramento. Ainda, no segundo processo, há a intensificação ou diminuição das sinapses existentes, em um processo semelhante à potencialização a longo prazo (LTP) ou depressão a longo prazo (LTD). O terceiro processo trata-se da alteração na excitabilidade da membrana do neurônio. E, por último, o quatro passo é o das alterações anatômicas que incluem o surgimento de novos terminais axônicos e a formação de novas sinapses (também chamada de sinaptogênese). Esses processos nem sempre ocorrem mutuamente, mas sempre em diferentes períodos de tempo. Ainda, para se compreender como se dá a reorganização ou reformulação dos neurônios em função da experiência para que ocorra uma regeneração do que foi alterado no cérebro, deve-se também considerar que a neuroplasticidade ocorre em níveis subcorticais, como o tálamo e tronco cerebral. 
Para a percepção da fala, a neuroplasticidade se dá também no corpo geniculado medial do tálamo (CGM) e no colículo inferior (CI), relés fundamentais das aferências auditivas. Pesquisadores da neuroplasticidade propuseram que deve-se discrimiar as formas da modulação: a modulação local e a modulação top-down. A modulação local refere-se às mudanças nas propriedades de resposta dos neurônios locais. Para que tal função ocorra, a modulação é dirigida através de dados acústicos - que podem ser através de estímulos únicos ou estatística de estímulos. Por se tratar de uma modulação local, esta é específica de nível: ocorre interação entre neurônios que pertencem ao mesmo nível (o tálamo, colículo inferior, etc.). Inicialmente, esses dados parecem não-relevantes ao ouvinte. Enquanto isso, na modulação top-down, há a organização da atividade dos neurônios, que é definida através de experiências prévias com sons. Assim, ela supõe “uma arquitetura hierárquica dos níveis de processamento” em que, por sua vez, neurônios de um nível controlam a atividade dos neurônios de nível inferior (como o córtex auditivo primário acima do CGM do tálamo) e que são também modulados por neurônios de um nível acima (como os córtices de associação motor e somatossensorial). Esse processo ocorre através das fibras sensoriais eferentes córticofugais. Deste modo, esse tipo de modulação abrange as funções executivas, tais como a atenção focal e a memória de trabalho. Portanto, ela trata-se de uma forma de modulação de grande valia funcional para o ouvinte. 
Quanto à fala, a dupla modulação pode ser compreendida através do fenômeno de “adaptação seletiva a estímulo” (ASE), que é um processo perceptual em que os neurônios responsivos a uma estatística acústica inédita (nova distribuição de segmentos sonoros) adaptam-se à ela. Isso significa que o acendimento dos neurônios decai, enqaunto ocorre o aumento da frequência de exposição aos estímulos. Por exemplo, ao se treinar a audição, os neurônios responsáveis pelo processo tornam-se respondentes à novas distribuições de segmentos sonoros. Entretanto, logo que passam a responder ao novo padrão acústico, se se houver exposição repetitiva ao padrão, ocorre a redução da sensibilidade desses neurônios, que passam por uma “habituação” auditiva. 
A neuroplasticidade está envolvida na ASE e isso se deve à diminuição da sensibilidade dos neurônios respondentes, mais, até, que o aumento da atividade de interneurônios inibitórios sobre eles. Deste modo, os interneurônios inibitórios controlam a excitação dos neurônios que passam a responder aos estímulos repetidos. Por isso, os neurônios excitátorios não necessitam usar tantos recursos até ocorrer um padrão de estímulo novo que será integrado. Do contrário, quando isso ocorre, os neurônios excitatórios tornam a aumentar sua intensidade e iniciam um padrão de estimulação novo. A aprendizagem desses novos efeitos são da neuroplasticidade do tronco cerebral e também está associada ao padrão de estimulação para o ouvinte. Os efeitos da modulação top-down nos neurônios subcorticais (CGM e CI) também estão envolvidos nessa função. 
Ainda, para que ocorra o reconhecimento dos padrões sonoros da fala, a modulação top-down redireciona o aprimoramento da percepção dos segmentos sonoros considerados funcionaispelos falantes. Esses segmentos são os que constituem os fonemas das línguas. Fonemas, por sua vez, são classes de perceptos sonoros da fala, ou alofones. Alofones provém da integração de dicas acústicas presentes na comunicação verbal. Por exemplo, em português, podemos notar a existência de dois contrastes o [p] e o [b], perceptos oclusivos e bilabiais, mas que se constratam porque um é vozeado (o [b]), enquanto o outro não é (o [p]). Isso ocorre por conta da integração entre duas dicas acústica, o efeito de “plosão” (soltura do ar) e o VOT (voice onset time)/tempo de início de voz. 
O segmento fonético [b] pode ser notado por conta da vibração laríngea e faz com que integra o sistema auditiva ao mesmo tempo que as duas dicas acústicas (agrupamento simultâneo). Como resultado, tem-se o percepto da oclusão sonora (plosão+sonoridade). Enquanto em [p], ocorre a vibração laríngea além de 20ms (ao contrário da primeira, que tem esse valor como valor máximo), e em cuja plosão é perceptível como seguida de um desvozeamento. Assim, [b] instancia o fonema /b/, enquanto [p] instancia o fonema /p/, como em “pata” e “bata”, “paca” e “baca”, etc., assim, mesmo existindo alofones na língua, os ouvintes poderão ser capazes de perceber as intâncias de /b/ e /p/. Todo esse processo de percepção dos sons é processado e os neurônios são responsivos à essas dicas. A atividade neuronal reflete as propriedades gerais do sistema auditivo, como a sintonização (phase-locked) dos neurônios com as fases da onda acústica. 
Assim, na organização da codificação dos sons da fala, em primeiro lugar, temos o estágio de processamento fonológico. Nesse estágio, ocorrem operações responsáveis por agrupar os alofones em suas respectivas categorias fonológicas, ou fonemas, o que é o que permite que os alofonones [b] e [p] sejam reconhecidos e diferenciados, por exemplo. Assim, se a organização dos neurônios responsáveis por processar os sons estivesse comprometia, isso prejudicaria o reconhecimento do valor distintivos de /p/ e /b/, por exemplo. A dificuldade na diferenciação desses sons ocorre, principalmente, no cérebro infante - e costumam perdurar no cérebro do disléxico. 
Em relação à dislexia, quando a criança manifesta um fracasso inesperado na aprendizagem da leitura e da escrita na idade prevista, temos a dislexia desenvolvimental (a dislexia adquirida ocorre quando um adulto tem dificuldades de leitura depois de um acidente vascular cerebral ou traumatismo cerebral, por exemplo). A dislexia desenvolvimental, ou dislexia de desenvolvimento, ocorrem somente na educação infantil. A criança, em geral, tem dificuldade em aprender a ler e escrever - principlamente sem cometer erros ortográficos. Junto à dislexia, a criança também tem dificuldade com estrutura das palavras, são incapazes de ler ou pronunciar uma letra de cada vez, daí a dificuldade de diferenciar alguns sons. Assim, por essas crianças não adiquirirem proficiência fonêmica (déficit fonológico), a cognição dessas categoriais fonêmicas podem ficar prejudicadas. Esses indivíduos, por sua vez, ficarão presos ao estágio de processamento alofônico, em que discriminarão boa parte dos contrastes alofônicos, porém falharão na discriminação dos constrastes fonêmicos. 
	Essa disfunção linguística, supostamente, resulta de problemas de modulação das fibras córtico-fugais, que desativam os neurônios e inibem a ação dos neurônios responsivos as dicas funcionais e, ao mesmo tempo, os excitam afim de torná-los sensíveis às dicas. Deste modo, pode-se ocorrer uma inversão de habituação, já que a desativação de sinapses inibidoras aumenta a sensibilidade dos neurônios excitatórios, que voltam a responder aos padrões sonoros habituados. Daí vem a dificuldade em excitar adequadamente os neurônios sintonizados com as dicas acústicas dos sons da fala, como o contraste /p/ e /b/, por exemplo. 
	Portanto, o estudo da neuroplasticidade pode proporcionar um maior entendimento dos processos internos que envolvem a aquisição da competência fonológica e pode corroborar com o auxílio do tratamento de crianças com dislexia desenvolvimental. 
Referências
CAPELLINI, Simone Aparecida; GERMANO, Giseli Donadon; CARDOSO, Ana Cláudia Vieira. Relação entre habilidades auditivas e fonológicas em crianças com dislexia do desenvolvimento. Psicologia Escolar e Educacional, p. 235-251, 2008.
DE PINHO BORELLA, Marcella; SACCHELLI, Tatiana. Os efeitos da prática de atividades motoras sobre a neuroplasticidade. Rev Neurocienc, v. 17, n. 2, p. 161-9, 2009.
NADEAU, Stephen E. Neuroplastic mechanisms of language recovery after stroke. Cognitive plasticity in neurologic disorders, p. 61-84, 2014.
STEVENS, Courtney; NEVILLE, Helen. Neuroplasticity as a double-edged sword: Deaf enhancements and dyslexic deficits in motion processing. Journal of cognitive neuroscience, v. 18, n. 5, p. 701-714, 2006.
Neurociências da percepção da fala: Neuroplasticidade e competência fonológica 
Prof. Wagner Ferreira Lima
Aluna: Ana Paula Luiz dos Santos Aires

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