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MICROBIOLOGIA AULA 2 Profª Stephanie Von Stein Cubas Warnavin 2 CONVERSA INICIAL Metabolismo e reprodução dos microrganismos Partindo do ponto que toda energia e matéria flui pela biosfera por meio de processos bio-físico-químicos, nesta aula abordaremos como ocorre esse fluxo nos microrganismos através das vias metabólicas, o controle e a regulação dessas vias, a produção e uso de ATP e os tipos de nutrição microbiana. Além disso, discutiremos os mecanismos de reprodução e crescimento desses seres baseados em suas características específicas e aspectos evolutivos. Os temas abordados são: tema 1 – metabolismo microbiano; tema 2 – respiração microbiana e produção de ATP; tema 3 – fisiologia dos microrganismos; tema 4 – curva de crescimento microbiano; e tema 5 – cultura de microrganismos. TEMA 1 – METABOLISMO MICROBIANO O conjunto de todas as reações químicas que ocorrem dentro de um sistema orgânico ou organismo vivo é denominado como metabolismo. Ele surge das interações ordenadas entre as moléculas, onde é possível transformar e transferir energia (a capacidade de provocar mudança) e decompor ou fabricar moléculas a partir de rotas específicas, tendo como fundamento a 1 Lei da Termodinâmica (Princípio da conservação de energia) e 2 Lei da Termodinâmica (toda transferência ou transformação de energia aumenta a entropia do universo). Essas reações químicas são organizadas em forma de rotas metabólicas que se cruzam, semelhantes a rodovias, onde se iniciam por uma molécula específica que será modificada por meio de uma sequência definida resultando em um produto. Estas rotas são classificadas como catabólicas ou anabólicas. As rotas catabólicas são caracterizadas pela decomposição, degradação ou quebra de determinada molécula sendo geralmente hidrolíticas (utilizam água) e exergônica (liberam mais energia do que consomem). A quebra de carboidrato na respiração celular é um exemplo de rota catabólica. Já as rotas anabólicas se constituem como reações de síntese, construção ou fabricação de 3 moléculas complexas a partir de moléculas simples, sendo geralmente, reações de desidratação (liberam água) e endergônicas (consomem mais energia do que liberam) (Figura 1). Figura 1 – Esquema de rotas catabólicas e anabólicas Créditos: Dududimash/Shutterstock. A molécula que atua como fonte direta de energia e que impulsiona as reações metabólicas é chamada de adenosina trifosfato ou ATP (Figura 2), sendo essa sintetizada e regenerada por via catabólica e utilizada em grande parte dos processos químicos por meio de sua hidrólise. Ela fornecerá energia para o trabalho celular acoplando reações exergônicas com reações endergônicas (acoplamento de energia), ou seja, o uso de um processo que libera mais energia para impulsionar outro processo que consome mais energia. 4 Figura 2 – Fórmula estrutural da molécula de ATP Créditos:Designua/Shutterstock. 1.1 Enzimas Dada uma reação catabólica hipotética onde AB é uma molécula complexa e se degradará em duas moléculas simples A e B, uma quantidade especifica de energia será necessária para que ela aconteça em determinado tempo “x”. Essa energia será responsável pela inicialização da reação, ou seja, pela deformação da estrutura molecular do reagente de modo que as ligações possam ser rompidas e formar os produtos. Esse investimento energético inicial é chamado de energia livre de ativação ou energia de ativação. As enzimas, macromoléculas proteicas especializadas produzidas nas células, funcionarão como catalisadores biológicos, aumentando a velocidade da reação com uma menor energia de ativação sem serem consumidas pela mesma (Figura 3). Elas terão um papel essencial para os sistemas vivos, pois, além de diminuírem o pico de energia e o tempo de reação, irão regular o trafego químico pelas rotas metabólicas não permitindo que haja um terrível congestionamento, pois, na sua ausência, algumas reações demorariam muito tempo. 5 Figura 3 – Efeito das enzimas na energia de ativação Créditos: Art Of Science/Shutterstock. Como em sua maioria são proteínas, as enzimas possuem uma conformação tridimensional única e uma especificidade com seu(s) substrato(s) (o reagente na qual ela agirá). Quando o(s) substrato(s) entra em contato com uma região específica da enzima, o sítio ativo, formarão o complexo enzima- substrato que permanecerá até o fim da reação resultando na quebra da molécula ou na combinação com outra e a posterior liberação do(s) produto(s), deixando a enzima livre para outro(s) substrato(s) (Figura 4). A grande maioria das enzimas são formadas por dois componentes: a apoenzima (constituição proteica) e o cofator (ativador da apoenzima, podendo ser não proteico, como é o caso de íons metálicos, ou orgânicos, caso de algumas vitaminas, as coenzimas). Juntos, a apoenzima e o cofator formam a holoenzima, configurando a enzima completa ativa. 6 Figura 4 – Funcionamento básico de uma enzima e o complexo enzima-substrato Créditos: Vectormine/Shutterstock. A atividade enzimática e sua eficiência podem ser influenciadas por fatores e condições ambientais e químicas, como temperatura, pH, concentração de substratos e de inibidores (Figura 5). a) Temperatura e pH: cada macromolécula terá seu melhor desempenho em condições ótimas e específicas de temperatura e pH, favorecendo a forma mais ativa para a enzima. Porém, podem sofrer deformações bruscas em suas estruturas tridimensionais – desnaturações – em situações extremas, perdendo, assim, sua funcionalidade. b) Concentração de substrato: em situações onde a concentração de substrato é extremamente alta, os sítios avitos das enzimas sempre estarão ocupados. Nestas situações, diz-se que a enzima está saturada. 7 c) Inibidores enzimáticos: certos compostos químicos possuem a capacidade de inibir a atividade enzimática, seja se ligando ao sítio ativo – inibidores competitivos – ou nos sítios alostéricos – inibidores não competitivos. Ambos irão dificultar a ação da enzima, porém a com a diferença de que os competitivos irão disputar os sítios ativos com os substratos e os não competitivos irão se ligar em outra região da enzima, chamada de sítio alostérico, mudando a conformação da enzima e, consequentemente, do sítio ativo. A inibição da atividade enzimática pode se dar por retroalimentação ou retroinibição, situação na qual uma rota metabólica é interrompida pela ligação de seu produto final em sítios alostéricos de enzimas que atuam em etapas anteriores. Figura 5 – Fatores que influenciam a atividade enzimática Créditos: Bigbearcamera/Shutterstock. TEMA 2 – RESPIRAÇÃO MICROBIANA E PRODUÇÃO DE ATP Toda energia armazenada nas moléculas orgânicas é proveniente, em primeira estância, do Sol. Os organismos fotossintetizantes (plantas, algas e cianobactérias) possuem a capacidade de converter a energia solar – luz – em energia química e armazená-la em moléculas de glicose que entrarão nas 8 cadeias alimentares através da alimentação e, assim, se mantém a transferência de energia entre os seres vivos e o ambiente. De maneira geral, as células irão degradar a glicose e outras moléculas orgânicas para a produção de ATP por vias catabólicas específicas como a respiração celular, a respiração anaeróbia e a fermentação. As reações redox, ou reações oxidação-redução, serão basilares para esses processos químicos que produzirão energia oxidando moléculas orgânicas, onde a oxidação dirá respeito a perda de elétrons de uma substância e a redução a adição de elétrons a outra. A oxidação de glicose e redução do NAD+ (coenzima) para NADH (coenzima com mais energia) é um bom exemplo de reação redox e que fará parte da produção de ATP. Nesse processo, o NADH liberaráelétrons na cadeia transportadora, gerando energia para a fosforilação do ADP em ATP. 2.1 Respiração celular Sendo a via mais rentável de produção energética, a respiração celular caracteriza-se pela oxidação da glicose para a geração de ATP além do CO2 e H2O, onde o O2 é o aceptor final de elétrons livres. Ela é composta pela glicólise (esta etapa não é necessariamente da respiração celular, porém será adicionada aqui por motivos didáticos), ciclo de Krebs, ou ciclo do ácido cítrico, e pela fosforilação oxidativa (cadeia de transporte de elétrons). a) Glicólise: degradação de uma molécula de glicose no citoplasma, com rendimento final de 2 moléculas de piruvato, 2 de ATP (durante a degradação serão utilizadas 2 e formado 4 moléculas de ATP) e 2 de NADH (Figura 6). b) Ciclo de Krebs: antes de entrar no ciclo de Krebs, as duas moléculas de piruvato chegam nas mitocôndrias, no caso de eucariotos, e passam por um processo de oxidação formando Acetil-CoA, ou acetil coenzima A. Para os procariotos, essa fase ocorre no citosol. As moléculas de Acetil-CoA entram no ciclo do ácido cítrico e passam por sucessivas oxidações, onde a glicose é completamente degradada em 6 CO2 com rendimento energético de 6 NADH, 2 FADH2 e 2 ATP (Figura 6). c) Fosforilação oxidativa: já na membrana interna das mitocôndrias (em procariotos essa fase ocorrerá na membrana plasmática, especificamente nos mesossomos), as moléculas de NADH e FADH irão ser oxidadas liberando íons H+ e elétrons que entrarão na cadeia de transporte de elétrons e serão carreados por complexos proteicos e carreadores móveis (ubiquinona e citocromo C). Ao 9 longo da cadeia de transporte de elétrons, alguns H+ são lançados da matriz mitocondrial para o espaço intermembranas provocando um gradiente chamado de força motriz de prótons. Essa diferença de potencial aciona a volta do H+ para a matriz mitocondrial pelas ATP-sintases que se utilizam da energia do gradiente iônico para produzir ATP pela fosforilação de ADP, em um processo chamado de quimiosmose. As moléculas de O2 servirão como aceptor final dos elétrons formando moléculas de H2O. No final da fosforilação oxidativa, o rendimento será de 32 e 34 moléculas de ATP em eucariotos e procariotos, respectivamente, totalizando em toda a respiração celular 36 moléculas de ATP em eucariotos e 38 moléculas de ATP em procariotos (Figura 7). Figura 6 – Glicólise, Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa Créditos: Gstraub/Shutterstock. 10 Figura 7 – Fosforilação Oxidativa Créditos: Extender_01/Shutterstock. 2.2 – Respiração anaeróbia O processo na respiração anaeróbia se dará de forma semelhante a respiração celular, com a diferença principal de que não haverá a presença de O2, mas de outro aceptor de elétrons como o íon nitrato NO3 - (em Baciluus e Pseudomonas), o íon sulfato SO4 2- (em Desulfovibrio) ou o carbonato CO3 2-. É importante observar que a rentabilidade energética desse tipo de rota catabólica irá variar bastante entre os microrganismos e não será tão produtiva quanto a respiração celular, pois o ciclo de Krebs não será completo, além de não possuir todos os carreadores da cadeia de transporte de elétrons. 2.3 Fermentação A fermentação se configura como um processo que também produzirá energia, porém numa quantidade bem menor que a respiração celular. Não haverá a obrigatoriedade da presença de oxigênio, não possuirá ciclo de Krebs e nem a cadeia de transporte de elétrons, por isso da baixa produção de ATP. Ela também será precedida pela glicólise, porém, na fermentação o piruvato funcionará como aceptor de elétrons para a oxidação do NADH em NAD+ resultando em ácido lático (fermentação do ácido lático) ou etanol (fermentação alcoólica). Essa oxidação é importante, principalmente para células anaeróbias, para reciclagem das moléculas de NAD+ (Figura 8). 11 Figura 8 – Esquema simplificado de fermentação láctica e alcoólica Créditos: Vectormine/Shutterstock. 2.4 – Outras fontes de energia: proteínas e lipídeos Além dos carboidratos, as células vivas conseguem obter energia a partir de outras macromoléculas orgânicas como as proteínas e os lipídeos. As proteínas serão reduzidas até aminoácidos e esses passarão pela desaminação, retirada dos grupos aminos da estrutura, antes de entrar nas rotas da glicólise e do ciclo de Krebs. O catabolismo também pode coletar energia dos lipídeos por meio da degradação desses até o glicerol, que será convertido em gliceral- aldeído-3-fosfato (intermediário da glicólise), e dos ácidos graxos que serão digeridos pela beta oxidação em fragmentos de dois carbonos que entrarão no ciclo do ácido cítrico como acetilcoA. 12 2.5 Organismos fotossintetizantes: fotofosforilação Em células fotossintetizantes, a energia solar é convertida em energia química e utilizada para a síntese de açucares pela absorção de CO2 atmosférico. A equação que resume a fotossíntese é apresentada a seguir: 6 CO2 + 12 H2O + Energia luminosa → C6H12O6 + 6 H2O + 6 O2 (plantas, cianobactérias e algas 6 CO2 + 12 H2S + Energia luminosa → C6H12O6 + 6 H2O + 12 S (bactérias sulfurosas) Durante umas das etapas da fotossíntese, a fase luminosa, ocorre a fotofosforilação: consiste na produção de ATP a partir de um ADP e um fosfato com uso da energia solar, além da formação de NADPH+ pela redução do NADP+. TEMA 3 – FISIOLOGIA DOS MICRORGANISMOS 3.1 Nutrição Até agora discutimos as principais formas de produção de energia e o quanto isso pode ser rentável para os organismos. Em vias de análises nutricionais, podemos classificar os seres vivos de acordo com sua fonte de energia e de carbono (TORTORA et al., 2017). Inicialmente podem ser classificados em fototróficos (utilizam a luz como principal fonte de energia) e quimiotróficos (necessitam da degradação de moléculas orgânicas ou inorgânicas para a obtenção de energia). Também serão classificados em autotróficos, quando utilizam o CO2 para a produção de seu próprio alimento, e em heterotróficos quando utilizam carbono de moléculas orgânicas a partir da alimentação. A seguir vemos um resumo das classificações quando aos padrões nutricionais: Tabela 1 – Classificação nutricional dos seres vivos (elaborado com base em Tortora, et al., 2017) 13 Fonte de energia Química: quimiotrófico Fonte de Carbono: compostos orgânicos (quimio-heterotrófico) Aceptor final de elétrons Com O2 Animais, maioria dos fungos, protozoários e bactérias Sem O2 Compostos orgânicos: Fermentativos (Streptococus) Compostos inorgânicos: cadeia de elétrons (Clostridium) Fonte de Carbono: CO2 (quimiautotrófico) Bactérias oxidantes de H, N, S, Fe, CO2 Luz: Fototrófico Fonte de Carbono: compostos orgânicos (foto-heterotrófico) Bactérias verdes e purpuras não sulforosas Fonte de Carbono: CO2 (fotoautotrófico) Utiliza H2O para reduzir CO2 Sim, fotossíntese oxigênica (plantas, algas e cianobactérias) Não, bactérias fotossintéticas anoxigênicas (bactérias verdes e purpuras) 3.2 Reprodução A reprodução dos microrganismos será variada em função do grupo estudado e de suas características celulares, morfológicas e evolutivas. a) Procariotos: as bactérias se reproduzem assexuadamente por fissão binária gerando duas cópias a cada célula que se divide. Em condições favoráveis, a reprodução é rápida com tempos curtos de gerações resultando num aumento populacional num pequeno período. A combinação reprodução rápida, mutação e recombinação genética resultam na diversidade genética dos procariotos já que não trocam gametas. b) Fungos: a maioria dos fungos se propaga pela produção de esporos, de forma sexuada e assexuada, que são levadas facilmente pelo ar. O ciclo sexual envolve a união de citoplasmas de micélios – plasmogamia– e a união de núcleos 14 haplóides – cariogamia. Os indivíduos que possuem reprodução assexuada, fungos filamentosos e leveduras, a fazem por meio de simples mitoses. c) Protozoários: se reproduzem de forma assexuada por cissiparidade ou bipartição e de forma sexuada por conjugação (permuta de micronúcleos haplóides). d) Vírus: como parasitas obrigatórios, só podem se reproduzir dentro de células hospedeiras específicas (especificidade de hospedeiros), por meio do comando da atividade metabólica da célula parasitada. TEMA 4 – CURVA DE CRESCIMENTO MICROBIANO Toda população biológica está sujeita a influências ambientais que poderão definir seus padrões de crescimento populacional em um dado meio. No caso dos microrganismos, essas influencias serão de ordem física (pH, temperatura e pressão osmótica) e química (fonte e concentração de carbono, fósforo, enxofre, nitrogênio, oxigênio etc). a) Temperatura: os microrganismos conseguirão se desenvolver e manter seu tamanho populacional limitados pelas temperaturas mínima e máxima de crescimento, com seu potencial máximo de aumento numa temperatura ótima de crescimento, sendo essas temperaturas variadas entre as espécies. Em função da temperatura do ambiente são classificados em psicrófilos (vivem em baixas temperaturas), mesófilos (vivem em temperaturas moderadas) e termófilos (vivem em temperaturas elevadas). b) pH: de maneira geral, a acidez ou basicidade elevada dificultam o aumento do número de microrganismos. A maioria das bactérias mantêm seu potencial de crescimento dentro de uma faixa neutra de pH, entre 6,5 e 7,5, com exceção das acidófilas, bactérias que toleram condições de acidez elevada. Fungos e leveduras possuem um pH ótimo entre 5 e 6. c) Pressão osmótica: um grande número de microrganismos habita em meios aquosos ou deles retiram nutrientes por osmose, logo, estarão sujeitos a influência da pressão osmótica. Em ambientes hipertônicos, onde a pressão osmótica é elevada, a tendência é de perda d’agua para o meio externo podendo chegar à plasmólise, um encolhimento brusco do citoplasma por desidratação levando a morte numa situação extrema. As espécies halofílicas conseguem suportar condições de alta concentração de soluto. O contrário também pode ocorrer em alguns microrganismos caso estejam sujeitos a ambientes 15 hipotônicos, ou seja, ambientes com baixa pressão osmótica, podendo acarretar a lise da membrana plasmática e até mesmo da parede celular. d) Carbono: sendo o constituinte principal da matéria viva, a presença de carbono é essencial para o desenvolvimento dos microrganismos, seja como CO2, para os autótrofos, ou em alguma molécula orgânica, para os quimio- heterotróficos. e) Nitrogênio, fósforo e enxofre: elementos primordiais para a síntese de aminoácidos, proteínas, DNA, RNA e algumas vitaminas. f) Oxigênio: elemento essencial para organismos que realizam a respiração celular e muitas vezes tóxico para outros que não o utilizam na produção de ATP. Os seres que, obrigatoriamente, utilizam o oxigênio são chamados de aeróbios obrigatórios, alguns, como a Escherichia colli, conseguem metabolizar moléculas orgânicas na presença ou ausência (por meio da fermentação) de O2, sendo chamados de aeróbios facultativos e os anaeróbios obrigatórios, que são seres que não sobrevivem na presença de O2 e utilizam outros compostos inorgânicos para a produção de energia, como algumas bactérias do gênero Clostridium, como a Clostridium botulinum e Clorstridium tetani, conhecidas por provocar doenças como botulismo e tétano, respectivamente. Ainda há os anaeróbios aerotolerantes, que não conseguem utilizar o oxigênio, porém sobrevivem na presença do mesmo e as microaerófilas, aeróbias obrigatórias que só sobrevivem em ambientes com concentração de oxigênio bem abaixo do normal. g) Fatores de crescimento orgânico: alguns compostos orgânicos não são produzidos via biossíntese, por isso precisam estar disponíveis no ambiente como vitaminas, aminoácidos, purinas e pirimidinas. Dados esses aspectos ambientais que influenciam a taxa populacional, muitos deles se organizam em comunidades funcionais chamadas de biofilmes. Nesses sistemas biológicos, os micróbios aderem uma superfície em contato com a água, formando uma camada fina e viscosa, podendo ser encontradas em rochas, instrumentos médicos, nos dentes etc., possuindo um potencial patogênico, pois os indivíduos dessas comunidades são muito mais resistentes a microbicidas (Tortora et al., 2017). Quando cultivados em meios de cultura podemos descrever o crescimento desses micróbios e expressá-lo de forma matemática. Tomemos como exemplo as bactérias, procariotos que se reproduzem por divisão binária e que, normalmente, possuem um tempo de geração de 1 a 3 horas, ou seja, é 16 esse o intervalo de tempo necessário para que uma bactéria consiga se dividir em duas e sua população dobrar. A melhor maneira de se representar esse crescimento é através de uma curva logarítmica chamada de curva de crescimento bacteriana, onde podemos dividi-la em quatro fases: fase lag, fase log, fase estacionária e fase de morte (Figura 9). Figura 9 – Curva de crescimento bacteriana Créditos: Peter Hermes Furian/Shutterstock. Na fase lag, não há um aumento significativo no número de indivíduos sendo um período de “preparação”, na qual a atividade metabólica é intensa com a produção de enzimas e outras moléculas. Após essa etapa, as bactérias passam por um súbito aumento populacional de ordem logarítmica, caracterizando a fase log, depois entram na fase estacionária, onde o número de mortes equivale ao número de novas células e, finalmente, na fase de morte onde o número de bactérias decai de maneira logarítmica chegando a um número pequeno de indivíduos ou a morte de todos. São vários os métodos de contagem de bactérias, sendo alguns deles: a) Contagem em placas: considera que cada bactéria se divide para formar uma única colônia, sendo a unidade de medida a unidade formadora de colônia. 17 b) Filtração: as bactérias são filtradas e retidas em um filtro próprio e, posteriormente, transferidas para um meio de cultura onde passarão pela fase de crescimento, sucedido pela contagem. c) Método do número mais provável: método estatístico e probabilístico utilizado para bactérias que se desenvolvem apenas em meios líquidos. Parte do seguinte princípio: “quanto maior o número de bactérias em uma amostra maior o número de diluições necessárias para reduzir a densidade até um ponto no qual mais nenhuma bactéria esteja presente nos tubos de diluição seriada” (Tortora et al., 2017). d) Contagem microscópica direta: um volume específico de suspensão bacteriana é colocado sobre uma lâmina microscópica e realizada a contagem. e) Turbidez: com o auxílio de um espectrofotômetro é medida a turbidez de uma suspensão de células. A turbidez, também conhecida como turvação, é uma propriedade física dos fluidos, nada mais é que a redução da sua transparência devido à presença de materiais em suspensão que interferem com a passagem da luz através do fluido. f) Atividade metabólica: método que estima o número de bactérias baseado na quantidade de determinado produto metabólico. g) Pelo seco: usada para contagem de indivíduos filamentosos, onde são retirados do meio de cultura, secos e pesados. TEMA 5 – CULTURA DE MICRORGANISMOS Com o advento e progresso da ciência e tecnologia, a microbiologia já se faz presente no cotidiano da sociedade e tem importância econômica significativa nas indústrias da saúde, farmacêutica, alimentícia e de bebidas. O desenvolvimento de técnicas e ferramentas de cultivo de microrganismos em laboratórios foi primordial para chegarmos a esse ponto. Os meios de cultura representam uma dessas ferramentas, caracterizando-se como uma preparação,líquida ou sólida, estéril, composta de nutrientes, água e condições de pH suficientes para o desenvolvimento de determinado microrganismo. Importante ressaltar que as características físico-químicas variam e são dependentes de cada espécie que será inoculada, o inóculo, para formar futuramente a cultura. Geralmente, os meios de cultura sólidos são contidos em tubos de ensaio e placas de Petri e adicionados a sua composição o https://pt.wikipedia.org/wiki/Fluido https://pt.wikipedia.org/wiki/Transpar%C3%AAncia_(%C3%B3ptica) https://pt.wikipedia.org/wiki/Suspens%C3%A3o_(qu%C3%ADmica) 18 polissacarídeo ágar, um agente solidificante com propriedades físico-químicas que o torna imprescindível para o cultivo de bactérias e fungos. Os meios de cultura podem ser classificados em: a) Meio quimicamente definido: a composição e medidas exatas de cada nutriente, quantidade de água e pH desse meio já é conhecida. São mais utilizados em ensaios laboratoriais ou para bactérias autotróficas. b) Meio complexo: a composição de nutrientes varia um pouco a cada lote em relação ao meio quimicamente definido. Normalmente é feito do extrato de leveduras, de carnes ou de plantas. c) Meio redutor: são meios específicos para microrganismos anaeróbios. Neles é utilizado uma substância que irá reagir com o O2 atmosférico e eliminá-lo do meio de cultura. A vedação do meio é fundamental para o processo podendo ocorrer diretamente no tubo de ensaio ou na placa de Petri (OxyPlate), por meio de câmaras ou jarras anaeróbicas. d) Meios de cultivo seletivo e diferencial: no meio seletivo, as condições físico- químicas são específicas para determinada espécie, impedindo o desenvolvimento de outros microrganismos. Já no meio diferencial, a composição auxilia na distinção de determinada colônia em relação a outras presentes no mesmo ambiente. e) Meios de enriquecimento: esse meio tem por fim dar condições específicas para que uma espécie de interesse consiga se desenvolver, principalmente em casos em que estão em menor número, a partir de uma amostra com várias colônias. Muito comum para amostras de solo e de fezes. Uma das técnicas mais utilizadas para isolar determinada organismo em um meio de cultura é chamado de método de esgotamento em placa. Esse método consiste em aplicar uma alça estéril em uma cultura mista e depois inocular os microrganismos no meio de cultura com movimentos precisos e direcionados até o esgotamento do material pela placa. Na última área, haverá a formação de colônias, conjunto massivo e isolado de organismos originados teoricamente de apenas um indivíduo, que poderão ser coletadas para criação de culturas puras (Figura 10). 19 Figura 10 – Placa de Petri pós método de esgotamento de placa e com colônias já formadas (bolinhas vermelehas/rosas) Créditos: Jun Mt/Shutterstock. A refrigeração é um método eficaz de conservação de cultura de microrganismos para curtos períodos de tempo. Para períodos mais longos dois métodos básicos são utilizados: o ultracongelamento, a temperaturas entre - 50°C e -95°C, ou a liofilização, processo de desidratação sob temperaturas entre -54°C e -72°C em vácuo. APLICAÇÕES PRÁTICAS O estudo e pesquisa sobre a dinâmica metabólica e fisiológica dos microrganismos se mostra de suma importância em vários níveis e aspectos da sociedade passando pela saúde coletiva e as doenças negligenciadas, a indústria farmacêutica, a alimentícia e de bebidas até mesmo a bélica. Num contexto pandêmico como o que estamos vivendo toda informação a respeito das cepas virulentas próximas a Sars-CoV-2 e sua fisiologia foi fundamental para a início da produção de vacinas e até mesmo para organizar 20 medidas e políticas públicas que reduzissem a transmissão e disseminação do vírus pelo mundo. Leveduras quando estão em ambientes anaeróbios realizam fermentação e há séculos o ser humano vem se utilizando desse processo metabólico para a produção de pães e bebidas alcoólicas. Um dos primeiros antibióticos noticiado, a penicilina, foi descoberto através do cultivo de Staphylococcus sp. e um acidental crescimento de fungos da espécie Penicillium chrysogenum no mesmo meio que dificultavam o desenvolvimento e crescimento das bactérias. Vários microrganismos possuem relações mutualísticas com diversos seres vivos e seus sistemas digestórios. Os mamíferos ruminantes só conseguem completar a digestão com o auxílio de diversas bactérias e protistas que degradam a celulose por fermentação e liberam açúcares simples, facilitando a absorção pelo animal. A espécie humana possui diversidade imensa de espécies de bactérias no intestino que também auxiliam na digestão de determinadas moléculas. Podem também ser utilizados na pesquisa básica, como o Sacchararomyces cerevisiae usado para estudar a genética molecular dos eucariotos devido seu fácil cultivo e manipulação (Reece et al., 2015); com as técnicas da engenharia genética já é possível modificar bactérias para a produção de vitaminas, hormônios, etanol a partir de várias formas de biomassa. Muitas bactérias anaeróbias decompõem matéria orgânica do esgoto, limpam áreas que sofreram com derramamento de óleo e removem material radioativo precipitado de águas subterrâneas, processos esses chamado de biorremediação (Reece et al., 2015). FINALIZANDO Nesta aula, descrevemos e discutimos os principais pontos que dizem respeito a fisiologia e metabolismo dos microrganismos e a grande versatilidade que adquiriram durante suas histórias evolutivas para conseguirem sobreviver até hoje em diferentes meios. Muitos irão produzir energia através da respiração celular, com o uso da glicose e do O2 como aceptor final dos elétrons, outros por meio da ausência do oxigênio, alguns produzirão seu próprio alimento a partir da energia luminosa e outros buscarão as moléculas orgânicas pela alimentação. 21 Os meios de cultura se demonstram como ótimos ambientes para o cultivo de microrganismos cada qual com sua especificidade e caraterísticas baseadas no que a pesquisadora se propõe a estudar. Por fim, nunca esquecer que, como qualquer ser vivo, estão passando por processo evolutivo e todas as características metabólicas e fisiológicas dizem respeito a história natural desses seres e ao que foi selecionado pela seleção natural. 22 REFERÊNCIAS LEVINSON, W. Microbiologia Médica e Imunologia, 10. ed. LPorto Alegre: Artmed, 2010. REECE, J. B., et al. Biologia de Campbell. Porto Alegre: Artmed, ed. 10, 2015. ROCHA, A. Fundamentos da Microbiologia. São Paulo: Rideel, 2016. BVP TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.;CASE, C. L. Microbiologia. Porto Alegre: Artmed, ed. 12, 2017.