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Idéias Econômicas na Idade Média Paris: catedral de Notre Dame Economia Medieval • Influência do escolasticismo: a autoridade de Aristóteles no pensamento cristão • Discussão de idéias econômicas emergem do seguinte problema: como conduzir atividades comerciais sem pecar • Temas – Doutrina do Preço Justo: avaliação comum nos mercados – Condenação da Usura: pecado cobrar frutos do dinheiro estéril • Já na Idade Moderna, a Escola de Salamanca surge como primeira escola de pensamento econômico, tratando de valor, competição e monopólio e relação entre moeda e inflação • Uso de argumentos de autoridade – citações das escrituras: “Empreste livremente, esperando nada em troca” (Lucas, 6:35) Roteiro • Antecedentes: Aristóteles • São Tomás de Aquino • Olivi • São Bernardino • São Antonino • Buridan • Oresme Aristóteles (384-322 a.C.) Ética e Política • “natural” – Algo é natural se leva a realização de seu propósito • Discussão das trocas, no contexto da “gerência do lar” (economia): – Sociedade primitiva: produção autônoma e escambo – Sociedade mais complexa: troca indireta, uso de moeda. – Dois tipos de “arte de aquisição”: • Natural: sapatos, roupas, ... Obtenção de algo útil para o lar ou estado – elementos de real riqueza. • Artificial: arte de fazer dinheiro , que surge com o uso da moeda– comércio. Propósito é obtenção de lucro, não troca para o uso • Desprezo pelo comércio: comércio se ocupa de acúmulo de dinheiro pelo dinheiro. • Acúmulo de dinheiro permite atividade não natural de satisfazer desejos “em excesso”. – Condenação da cobrança de juros • O pior tipo de atividade não natural seria a usura, a geração de dinheiro a partir do dinheiro • Grande influência no pensamento medieval Aristóteles • Observações sobre o valor na troca isolada • Texto obscuro (Ética a Nicômaco, livro 5, capítulo 5) • Trocas isoladas: fora do contexto de trocas em mercados • Troca justa requer valor igual dos bens trocados - reciprocidade • Para tal, deve existir medida comum de valor: o dinheiro • Exemplo do autor: – A: construtor, B: sapateiro, C: casa, D:sapato – Reciprocidade das trocas: A:B = xD:C Aristóteles • Citação: Ora, a retribuição proporcional é garantida pela conjunção cruzada. Seja A um arquiteto, B um sapateiro, C uma casa e D um par de sapatos. O arquiteto, pois, deve receber do sapateiro o produto do trabalho deste último, e dar-lhe o seu em troca. Se, pois, há uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ação recíproca, o resultado que mencionamos será efetuado. Senão, a permuta não é igual, nem válida, pois nada impede que o trabalho de um seja superior ao do outro. Devem, portanto, ser igualados. ... Eis aí por que todas as coisas que são objetos de troca devem ser comparáveis de um modo ou de outro. Foi para esse fim que se introduziu o dinheiro, o qual se torna, em certo sentido, um meio termo, visto que mede todas as coisas e, por conseguinte, também o excesso e a falta — quantos pares de sapatos são iguais a uma casa ou a uma determinada quantidade de alimento. O número de sapatos trocados por uma casa (ou por uma determinada quantidade de alimento) deve, portanto, corresponder à razão entre o arquiteto e o sapateiro. Porque, se assim não for, não haverá troca nem intercâmbio. E essa proporção não se verificará, a menos que os bens sejam iguais de um modo. Todos os bens devem, portanto, ser medidos por uma só e a mesma coisa, como dissemos acima. Ora, essa unidade é na realidade a procura, que mantém unidas todas as coisas (porque, se os homens não necessitassem em absoluto dos bens uns dos outros, ou não necessitassem deles igualmente, ou não haveria troca, ou não a mesma troca); mas o dinheiro tornou-se, por convenção, uma espécie de representante da procura; e por isso se chama dinheiro, já que existe não por natureza, mas por lei, e está em nosso poder mudá-lo e torná-lo sem valor. Haverá, pois, reciprocidade quando os termos forem igualados de modo que, assim como o agricultor está para o sapateiro, a quantidade de produtos do sapateiro esteja para a de produtos de agricultor pela qual é trocada. – O que significa uma razão entre construtor e sapateiro? – Interpretações sem fundamentos: • Até ¾ do séc. XIX: razão entre valores dada pela quantidade de trabalho • A partir de final do séc. XIX: utilidade São Tomás de Aquino (1225 – 1274) • Biografia: origem na Sicília, dominicano, oposição familiar, estudo em Paris Summa Theologica e Comentário à Ética à Nicômaco • filosofia aristotélica, lei natural, teologia cristã • Economia: continua tradição da Universidade de Paris de análise do preço justo e usura • Propriedade privada não é contrária à lei natural, embora possa ser regulada pelo estado “todo homem é mais cuidadoso com o que é seu do que aquilo que é comum a muitos ou a todos, já que cada um reduziria o esforço e deixaria aos outros o que diz respeito a comunidade, como ocorre quando existe um grande número de servos.” – Origens de propriedade justa: trabalho e ocupação • Lucro é remuneração do mercador por trabalho e riscos de transporte • Valor: – Suma: necessidades dos consumidores – Comentário: além de utilidade, trabalho e despesas (custos) – Doutrina do Preço justo: o preço que prevalece nos mercados; apreciação comum – Embora não seja pecado cobrar preço alto em lugar com falta do produto, seria mais virtuoso anunciar que outros mercadores abaixarão o preço na semana seguinte. • Trocas: – influência de Aristóteles – valores iguais trocados – Benefício múto: “compras e vendas parecem ser instituídas para mútua vantagem de ambas as partes, pois um precisa de algo que pertence ao outro, e vice-versa” (Summa) São Tomás de Aquino: usura • Contra pagamento de juros em empréstimos de dinheiro • Além do argumento da esterilidade do dinheiro, acrescenta – valor nominal da moeda é fixo, cobrar juros seria violar natureza do juros, algo antinatural e pecaminoso – o ato de emprestar envolve transferência de propriedade. Não se pode vender a coisa e o serviço da coisa – o vinho e o consumo do vinho – sem cometer pecado de injustiça, pois vende-se a mesma coisa duas vezes ou vende algo inexistente. O dinheiro for um bem consumível: serve para ser gasto, consumido na troca. • Juros sobre empréstimos em espécie não se aplica o argumento • Usura é condenada, mas: – pode haver pagamento quando existir damnum emergens – reparação por perda de capital – Pode-se cobrar por atraso no pagamento do principal, a mora – Periculum sortis era um pagamento pelo risco do emprendimento fracassar – Lucrum cesans – o custo de oportunidade do capital, era condenado por São Tomás. • Parceria comercial fica portanto fora da condenação de usura e assume papel importante no investimento medieval – Investidor não transfere propriedade do recurso para sócio Pierre Jean Olivi (1248 -1298) • teólogo franciscano francês Tratado dos Contratos • Torna menos vaga a noção de necessidade • Três determinantes do valor – raritas: escassez – virtuositas: utilidade – comoplacibilitas: desejabilidade • Valor não é algo exato, mas é ilícito desvio significativo • Paradoxo do valor – Utilidade é relativa à oferta e não conceito absoluto – Água é barata por sua abundância Olivi: tratado dos contratos [3 determinantes citados anteriormente...] São Bernardino de Siena (1380 –1444) • Biografia: nascido na Toscana, foi pregador franciscano • Economia: repete as teses de Olivi Sobre Contratos e Usura (1431) • Estrutura: propriedade privada, ética do comércio, valor e preços, usura • Valor: – utilidade e escassez (como Olivi) – custo afeta escassez – aplica doutrina do preço justo aos salários • demanda e oferta de trabalho • diferenças salariais proporcionais a inteligência, habilidade, treinamento – usura: merece fogo do inferno • Função empresarial – pecado é tributável ao indivíduo particular, não à atividade mercante – funções úteis do comerciante: evolução em relação ao desdém grego pelo comércio • transportede áreas de abundância para áreas de escassez • preservar e estocar bens para épocas desejadas pelo consumidor • transformação de insumos em bens úteis – qualidades do empresário: eficiência, responsabilidade, trabalho e administração de risco Jean Buridan (1300 – c. 1358) • biografia – filósofo e físico – Professor da Universidade de Paris – Física: conceito de impetus, próximo à inércia Quaestiones super decem libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum • Valor: intensidade da utilidade subjetiva para o consumidor, regulado pela disponibilidade do bem • Trocas: mutuamente vantajosas para as duas partes, mesmo que se trate de coisas imorais • Moeda: teoria metalista – Moeda é “natural”: bem com valor determinado no mercado como outro qualquer – Qualidades do bem: portabilidade, alto valor por peso, divisibilidade e durabilidade – Causas aristotélicas da moeda • Material: substância rara, como metais • Eficiente: governo a produz • Formal: símbolo do valor inscrito na moeda • Final: facilitar as trocas dos bens Nicolas Oresme (1320 – 1382) • Aluno de Buridan em Paris Pequeno Tratado da Primeira Invenção das Moedas (1355) • Tratado sobre a origem, natureza, lei e alterações do dinheiro • Prefácio: “alguns mantém que qualquer rei ou príncipe pode, com sua autoridade, por direito ou prerrogativa, alterar livremente a moeda corrente em seu reino, regulando-o como quiser e tomando qualquer lucro ou ganho que possa daí surgir: mas outros homens são de opinião contrária.” • Principal tese: desvalorizar a moeda é imoral, pior do que usura. • Governo tem prerrogativa de cunhagem, mas moeda não pertence a ele. Uma pequena desvalorização é possível, a seignorage, para pagar os custos da cunhagem. • A desvalorização explora os cidadãos. É roubo. A menos em caso de guerra. • Lei de Gersham: “moeda ruim expulsa moeda boa”. Se o teor de ouro diminui, esse migra para o exterior, onde obtém melhor preço. Alguns Capítulos da Obra • Cap 1: moeda serve para permutar riquezas naturais – especialização e trocas • Cap 2: características: fácil manejo, leveza, nem abundante nem raro • Cap 5: príncipe deve fabricar moeda • Cap 6: mas moeda pertence à comunidade • Cap 7: comunidade arca pela seignorage • Cap 8: não se deve modificar. – Modificações: forma e figura, proporção do metal, denominação, peso, matéria • Cap 15: ganho do príncipe com alteração na moeda é injusto E se ele dissesse, como soem os tiranos mentir, que ele converte aquele ganho em utilidade pública, não se deve acreditar nele nem na sua palavra, porquanto, por essa mesma razão, ele poderia tirar minha roupa e dizer que teria mister ou necessidade dela, pelo bem comum. • Cap 16: ganho é não natural Coisa natural é que certas riquezas naturais se multipliquem e aumentem, tais como grãos, trigos e cereais, que, quando bem semeados e cultivados, o campo devolve em cêntuplo .. ; mas coisa monstruosa e contra a natureza é que algo que não pode procriar, algo absolutamente estéril e seco, frutifique ou se multiplique por si só, assim como ocorre com o dinheiro. • Cap 17: pior que usura, pois esta pelo menos é voluntária • Cap 24: príncipe não tem direito de usurpar a moeda • Cap 25: tirania não pode durar ... uma comunidade ou reino cujos governantes, com comparação com os súditos, em detrimento deles, conseguem juntar grande quantidade de riquezas e aumentar desmedidamente seu poder ou dignidade é como um monstro da natureza semelhante a um homem cuja cabeça fosse tão grande que o resto resultaria muito fraco e não poderia sustenta-la. E assim como tal homem não pode se sustentar nem, tampouco, pode viver muito, do mesmo modo a comunidade ou reino, do qual o príncipe tira para si riquezas em excesso, por meio de alterações de moedas, ..., não pode permanecer muito tempo na prosperidade. Bibliografia • BRUE, S. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Thomson, 2005. • BLAUG, M. Economic Theory in Retrospect. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. • CHAFUEN, A. A. Fé e Liberdade: o pensamento econômico da escolástica tardia. São Paulo: LVM, 2019. • EKELUND, R.B. A History of Economic Theory and Method. New York: MgGraw-Hill, 1997. • ROTHBARD, M. N. Economic Thought Before Adam Smith. Auburn: Ludwig von Mises Institute, 1995. • SCHUMPETER, J. A. (1954). History of Economic Analysis. Oxford: Oxford University Press. • SPIEGEL. H. W. The Growth of Economic Thought. Duke: Duke University Press, 1991. Slide 1: Idéias Econômicas na Idade Média Slide 2: Economia Medieval Slide 3: Roteiro Slide 4: Aristóteles (384-322 a.C.) Slide 5: Aristóteles Slide 6: Aristóteles Slide 7: São Tomás de Aquino (1225 – 1274) Slide 8: São Tomás de Aquino: usura Slide 9: Pierre Jean Olivi (1248 -1298) Slide 10: Olivi: tratado dos contratos Slide 11: São Bernardino de Siena (1380 –1444) Slide 12: Jean Buridan (1300 – c. 1358) Slide 13: Nicolas Oresme (1320 – 1382) Slide 14: Alguns Capítulos da Obra Slide 15: Bibliografia