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VOLUME 2 – ANO 6 – 2007 www.cebri.org.br A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS 1 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA ADRIANA SADER TESCARI1 EVERTON VIEIRA VARGAS2 1 Adriana Sader Tescari é diplomata e foi negociadora do Brasil nas discussões sobre Biodiversidade (2003– 2006). Atualmente é Cônsul Geral Adjunta no Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires. 2 Everton Vieira Vargas é diplomata. Atuou como negociador do Brasil na Conferência do Rio em 1992 e foi Diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty (2001–2005). Atualmente é Sub- secretário Geral Político I do Ministério das Relações Exteriores. 2 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA 3 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS Introdução Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi- mento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a consciência dos efeitos danosos da exploração predatória da natureza tem aumentado e provocado intensos debates sobre o papel da sociedade, não apenas na conservação do meio ambiente, mas igualmente no uso sustentável de recursos ambientais, como a biodiversidade. Recentes fenômenos, como o derretimento das calotas polares, o avanço da desertifi cação e as alterações nos regimes de chuvas – apenas para citar alguns – parecem mostrar que a humanidade ainda tem um longo caminho a percorrer para superar práticas que desequilibram o delicado arranjo em que se baseia a convivência entre o homem e a natureza. A partir de pesquisas científi cas, constataram-se os efeitos globais das ações humanas e as necessidades da natureza. Há hoje maior conscientização de que o ser humano é parte da natureza. A sustentabilidade, como aquilo que coordena as ações do homem e as necessidades da natureza, surge como o valor que garante a possibilidade da construção de um sentido sólido para as ações humanas. O despertar da consciência universal sobre os efeitos amplos das ações hu- manas consubstanciou-se na defi nição de princípios e regras coletivas, nos planos local e global, com o fi m de regular a proteção do meio ambiente, o uso dos recur- sos naturais e os rumos do desenvolvimento econômico e social. Esse objetivo de assegurar a sustentabilidade por meio de um exercício negociado de disciplinar a conduta da sociedade, tem sido um ponto de infl exão importante na compreen- são da relação entre o homem e a natureza. Em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum, publicado pela Comissão Mun- dial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Comissão Brundtland), cunhou a expressão “desenvolvimento sustentável” – o desenvolvimento que atende às ne- cessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras, de atender às suas próprias necessidades. O argumento central do Relatório preco- nizava internalizar a dimensão ambiental nas decisões sobre o desenvolvimento, várias de suas propostas foram incorporadas e ampliadas na histórica negociação que levou à adoção da Agenda 21, pela Conferência do Rio, em 1992, cujo para o êxito a diplomacia brasileira teve papel central. A noção de sustentabilidade tem uma conotação claramente ecológica. Ela foi tomada pelo movimento ambientalista, nos anos 60, por empréstimo às ciên- cias biológicas, com vistas a defi nir condições para a preservação de recursos na- turais renováveis, como fl orestas ou recursos vivos marinhos. O conceito de sus- tentabilidade realça os constrangimentos e as oportunidades ecológicas e sociais que a natureza oferece às atividades humanas.1 Embora o desenvolvimento sustentável seja um objetivo a ser alcançado por 1 LÉLÉ, 1991, p. 607-621. Priscila Highlight Priscila Highlight Priscila Highlight Priscila Highlight 4 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA todas as sociedades, há que se considerar as dimensões históricas, econômicas e culturais que estão na raiz dos esforços para sua implementação. No plano polí- tico, as discussões na Comissão Brundtland e as negociações da Conferência do Rio evidenciaram ser essencial considerar que a implementação de práticas mais sustentáveis não pode converter-se em instrumento para consagrar distorções ou congelar assimetrias. A utilização política do fato de vivermos em conjunto num mesmo planeta pode ser enganosa, essas diferenças e assimetrias requerem ações em graus distintos. Nesse contexto, o princípio das responsabilidades comuns, porém diferen- ciadas, dos Estados, consagrado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, procura conciliar a dimensão de eqüidade com o desafi o de considerar a sustentabilidade como um valor compartilhado entre sociedades, em diferentes estágios de avanço econômico, tecnológico e social. No Brasil, as fl orestas, os rios, o mar, os recursos pesqueiros, o clima com- binam-se de forma única para proporcionar ao País riqueza capaz de defi nir o seu futuro em matéria de bem-estar e de avanço econômico. A biodiversidade, em especial, encerra um potencial que precisa ser convertido em investimen- tos, em desenvolvimento tecnológico, em produtos ambientalmente mais saudá- veis e em melhor qualidade de vida para a população. Essa realidade determina aspectos importantes no que tange à inserção internacional do País. Os recursos biológicos e genéticos são centrais para a defi nição da nova “geo-economia”, a qual, com o aprofundamento da Globalização, passou a ser um fator estruturante da ordem internacional. Estima-se que o Brasil abrigue entre 20 e 25% do total mundial daqueles recursos, distribuídos em seis biomas (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa), o que lhes empresta um caráter estratégico, seja para o desenvolvimento nacional, seja para nossa atuação nas discussões internacionais sobre meio ambiente. A atuação brasileira nas negociações sobre essas questões tem como dire- triz a percepção de que a sustentabilidade, mais do que um conceito político ou ecológico, é um valor a ser incorporado universalmente e que deve estar na base da cooperação entre os Estados. A sustentabilidade representa um afastamento da percepção de que o desenvolvimento deve ser buscado a qualquer preço, ou que ele possa ser condicionado para algumas sociedades e não para outras. Ao contrá- rio, aquelas nações que desfrutam de maior satisfação são as que devem tomar a liderança na busca de padrões de produção e consumo, mais consentâneos com a manutenção do equilíbrio ecológico. Os recursos naturais sempre foram vistos como elementos de base para a promoção do desenvolvimento econômico, tecno- lógico e social do Brasil. A consciência do valor desses recursos e a importância de sua conservação e uso sustentável fundamentam a abordagem das questões relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento pela Política externa brasileira. Priscila Highlight 5 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS Importância do Tema Ambiental para a Política Externa A negociação internacional não se esgota na relação entre as nações: afeta e é afetada também pelos custos e benefícios que podem gerar no âmbito doméstico, bem como pela sensibilidade demonstrada pela opinião pública à dimensão inter- nacional das questões objeto de negociação. Se os ajustes internacionais podem in- duzir alterações nos comportamentos internos, da mesma forma as alterações nas percepções internas podem abrir novas possibilidades para o aprofundamento da inserção internacional, a geração de novas fontes de cooperação e o estímulo à pro- cura de novos mercados, para bensproduzidos no país. Com efeito, o papel dos fatores internos e externos na atuação diplomática não são excludentes nem com- plementares, mas guardam relação de simultaneidade e de mútua alimentação.2 A abordagem dos temas de Política externa tende a centrar-se, tradicional- mente, nas infl uências exógenas que condicionam o comportamento dos Estados na cena internacional. Isso não signifi ca, entretanto, um desprezo pelas variáveis internas. Os manuais de relações internacionais são claros, ao discutirem a ques- tão dos seus níveis de análise e em reconhecerem as dimensões interna e externa para a ação diplomática e internacional. Problemas, pressões e desafi os externos repercutem no processo decisório interno com refl exos importantes na atitude dos Estados em suas tratativas internacionais; por outro lado, as questões internas estão na origem de possíveis alternativas para o comportamento externo: os efeitos dos fatores domésticos extrapolam o processo de formação dos interesses para afetar a estratégia e os resultados da ação externa. A Política interna tem impacto na mobilização pelo Governo de todos os re- cursos necessários à defesa de seus interesses no plano externo. De acordo com o que é manifestado internamente, será calibrada a ação ou a resposta do Estado no plano internacional. A complexidade e a amplitude do tema do meio ambiente resultam em parti- cipação de variada gama de atores nacionais, uma vez que a questão não é apenas ambiental. O resultado das importantes negociações nesse domínio tem impacto no desenvolvimento econômico do País, na indústria nacional, na agricultura, na saú- de e até na defesa, pois essas discussões podem repercutir na autonomia decisória e no exercício da soberania nacional. Essa característica resulta em participação de diversos setores governamentais e não-governamentais que, a partir da defesa dos interesses que representam, buscam encontrar posição comum, sob a coordenação do Ministério das Relações Exteriores. É mediante essa ampliação do debate com as forças políticas e sociais, da verifi cação das concordâncias e das divergências, que a diplomacia pode melhor expressar o interesse nacional nas mesas de negociação. No tema ambiental, a so- ciedade civil tem se manifestado de forma crescente, seja por meio de organizações 2 EVANS, Peter B. Building an Integrative Approach to International and Domestic Politics: refl ections and projections. In EVANS, Peter et alii (editors), 1993, p. 397. 6 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA não-governamentais de defesa do meio ambiente, seja por meio de entidades de representação do setor privado, seja ainda por organizações representativas das co- munidades indígenas e locais. A participação do setor privado e das comunidades indígenas e locais demonstra o potencial e a importância econômica e estratégica dos recursos ambientais. A presença em grande escala e com imensa diversidade, de recursos biológi- cos no Brasil constitui referência para a Política externa brasileira. Pensar o desen- volvimento do País pressupõe considerar os recursos biodiversos como fonte para a geração de empregos e de renda, assim como de avanço tecnológico. O fato de aqueles recursos estarem localizados numa área geográfi ca extensa, com situações hidrológicas e climáticas diversifi cadas e ímpares, faz com que o engajamento em discussões internacionais que a afetem demande considerar os interesses existentes na formulação da posição externa do País. No caso da Amazônia, acresce o fato de que a incidência dos recursos biológicos e genéticos é atravessada por longa faixa de fronteira com outros sete países sul-americanos, e está relacionada à presença de co- munidades indígenas e locais, com diferentes graus de isolamento e diversas formas de organização social e política, detentoras de importante conhecimento tradicional associado. A velocidade da integração das atividades econômicas na esfera global e a natureza transfronteiriça dos desafi os colocados pela degradação do meio ambiente têm sido utilizadas como justifi cativa para questionar a atualidade da noção de so- berania dos Estados ou da adequação de Princípios de Direito Internacional, como o da não-ingerência e o da responsabilidade dos Estados, normas estas que estão na base de sustentação do sistema internacional. Essa atitude deixa de considerar que a propensão para uma maior interdependência entre as nações ocorre ao mesmo tempo em que persistem ou se aprofundam, as assimetrias entre as nações ricas e pobres, e se afi rma o papel dos Estados por meio de ações coletivas no plano inter- nacional. A Rio-92 procurou defi nir meios e modos para matizar essas assimetrias mediante a afi rmação da importância da provisão pelos países ricos de recursos fi - nanceiros novos e adicionais e da implementação de modalidades inovadoras para a transferência de tecnologia, inclusive em bases não comerciais. No contexto internacional, a biodiversidade e as fl orestas estão há alguns anos na linha de frente do debate. Tal saliência decorre da compreensão, por parte de to- dos os países, da importância desses recursos como matéria prima para a agricultu- ra, a alimentação, a medicina, o vestuário, a habitação, entre outros. Paralelamente, o descompasso entre a disponibilidade de recursos naturais e a intensidade de sua exploração e utilização para fi ns econômicos, associadas ao emprego da tecnologia, realçou a necessidade de que os padrões de desenvolvimento fossem sustentáveis. Subjacente a essa ênfase está “a compreensão de que em adição às condições ecológi- cas, ou em conjunção com elas, há conjunturas sociais que infl uenciam a sustentabi- lidade ecológica ou a insustentabilidade da interação entre o homem e a natureza”.3 3 LÉLÉ, 1991, p.609. 7 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS A Discussão Internacional sobre Florestas No debate internacional, o Brasil confere especial signifi cado ao tema fl o- restas, pois esse reúne questões de extrema relevância, como a conservação da biodiversidade, a proteção dos recursos hídricos, o equilíbrio do sistema climá- tico, a promoção do desenvolvimento sustentável e a defesa da repartição justa e eqüitativa dos benefícios resultantes da utilização de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associados a estes. A partir do fi nal dos anos 80, com a maior preocupação com as taxas de desmatamento no mundo e a perspectiva do aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, em especial de Dióxido de Carbono, a situação das fl orestas passou a receber especial atenção por parte dos Governos, da socieda- de civil e das organizações internacionais. Essa atenção foi despertada por duas conseqüências associadas à possibilidade de perda das fl orestas: a elevação da temperatura no planeta, com importantes repercussões não só para o regime cli- mático, mas também para atividades econômicas e para a manutenção do nível dos mares; e o desaparecimento de espécies vegetais e animais Por ocasião da preparação da Conferência do Rio, os países em desenvol- vimento, em especial Brasil, Índia, Malásia e Gabão, lograram evitar a pressão, sobretudo da parte dos países desenvolvidos, no sentido de se negociar uma convenção de fl orestas de cunho marcadamente conservacionista e baseada em uma perspectiva que enxergava as fl orestas não como um território sobre o qual os Estados exercem jurisdição, mas como recurso comum de todos. Essa visão foi neutralizada pela atuação concertada dos países em desenvolvimento no Co- mitê Preparatório da Rio-92. A Conferência do Rio adotou, então, as ações para combate ao desmatamento incluídas na Agenda 21 e a Declaração de Princípios sobre Florestas. Ambas conferiram um tratamento integrado à temática fl orestal incluindo, além do aspecto da conservação, aqueles referentesao manejo e ao seu desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 e a Declaração de Princípios são documentos políticos cujos compromissos não implicam a obrigatoriedade de al- teração da Legislação Nacional, mas exprimem a vontade política dos Estados de trabalharem para o cumprimento de seus objetivos. O estabelecimento, a partir de 1995, por proposta do Brasil, de um diálogo internacional estruturado sobre fl orestas representou uma saída para evitar que as pressões internacionais nessa matéria se fragmentassem e, mediante decisões que não envolvessem a comunidade internacional como um todo, resultassem em fechamento de mercados internacionais ou em aumento de condicionalidades para o acesso a recursos fi nanceiros e tecnologia, ingredientes essenciais para a adequada implementação das decisões tomadas na Rio-92. Esse diálogo ocorreu, inicialmente, no âmbito do Painel Intergovernamental de Florestas (IPF), cujo re- latório foi apresentado em 1997. Tendo em vista que várias matérias abordadas pelo Painel careciam de consenso ou de exame mais detido pelos Governos, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável estabeleceu, naquele ano, o Foro In- Priscila Highlight Priscila Highlight Priscila Highlight Priscila Highlight 8 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA tergovernamental de Florestas (IFF), cujas Propostas para Ação, aprovadas no ano de 2000, levaram ao estabelecimento do Foro de Florestas das Nações Unidas (UNFF) pela Resolução 2000/35, do seu Conselho Econômico e Social (Ecosoc). Ao ser conferido ao Painel de Florestas um mandato sufi cientemente am- plo, procurou-se equilibrar aspectos relativos à proteção ambiental (redução do desmatamento, ampliação da cobertura fl orestal) com questões econômicas (por exemplo, valoração, uso de instrumentos econômicos), comerciais (acesso a mer- cados), sociais e culturais (proteção dos conhecimentos tradicionais). Essa visão continua a balizar a atuação brasileira no âmbito do Foro das Nações Unidas so- bre Florestas. O resultado mais evidente do acerto na criação do Painel e, posteriormente, do Foro foi a constatação da difi culdade de se obter consenso em torno do conteúdo dos elementos que deveriam compor uma possível convenção de fl orestas. É preciso ter presente que a praxe nos foros multilaterais é que, em temas com repercussões econômicas, busque-se o consenso como elemento vital para qualquer negociação que almeje criar um regime jurídico específi co. Todavia, a ausência dessa unani- midade no que se refere à negociação de um acordo sobre fl orestas fez com que os trabalhos do Foro se centrassem em quatro pontos: a) “promover e facilitar a implementação das propostas de ação acordadas pelo Painel; b) rever, acompanhar e informar sobre o progresso na gestão, conservação e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de fl orestas; c) considerar questões pendentes em relação aos elementos examinados pelo Painel, em especial no que tange ao comércio de produtos e serviços fl orestais, transferência de tecnologia e necessidade de recursos fi nanceiros; d) identifi car elementos e trabalhar por um consenso em torno de arranjos e me- canismos, por exemplo, um instrumento internacional juridicamente vincu- lante”4. Para o Brasil, o diálogo internacional sobre fl orestas no âmbito do Foro é importante para estreitar a cooperação internacional sobre o tema. Além da re- novação do mandato do UNFF, foi adotado, em 2007, instrumento juridicamente não-vinculante sobre todos os tipos de fl orestas, que deverá apoiar os trabalhos do Foro, bem como incentivar os países a adotarem políticas e medidas que pro- movam a conservação e o manejo fl orestal sustentável. O Brasil não está conven- cido de que a criação de uma nova estrutura burocrática e institucional, que natu- ralmente decorrerá da adoção de uma convenção, possa ter o condão de gerar, nos Estados que venham a esta aderir, a vontade política e as condições necessárias para um tratamento mais integrado e adequado da complexa gama de dimensões presentes na equação fl orestal. A questão do desmatamento, em especial, freqüentemente ganha realce na 4 Vide documento A/S-19/29, anexo, parágrafo 40. Priscila Highlight 9 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS imprensa e nas discussões sobre meio ambiente. Trata-se de uma questão com- plexa, cuja solução não comporta uma resposta única. Conforme avaliou o Painel Intergovernamental de Florestas, “é importante considerar dimensões históricas e aprender com a experiência. Muitos dos fatores causadores do desmatamento têm caráter econômico e social”. O Painel também apontou entre as causas poten- ciais de desmatamento os padrões vigentes de produção e consumo; questões re- lacionadas com a posse da terra; corte e comércio ilegal de madeira; práticas agrí- colas insustentáveis; demanda por madeira como fonte de energia; mineração; exploração petrolífera; alterações climáticas e incêndios; discriminação comercial e práticas comerciais distorcidas; falta de políticas adequadas para investimentos; preços não remuneratórios para produtos e serviços fl orestais e para produtos agrícolas; pobreza e pressões demográfi cas.5 Nas discussões desse tema, no plano internacional, há que distinguir dois aspectos importantes: de um lado, o combate ao desmatamento requer uma ação nacional coordenada, envolvendo governo, sociedade civil e setor privado, para a implementação de medidas que revertam um quadro de perda do patrimônio fl orestal; de outro, há aspectos de natureza eminentemente global em que a ação nacional, embora necessária, não é sufi ciente para corrigir as causas do desmata- mento. No primeiro caso, incluem-se medidas que estão no âmbito da jurisdição interna do Estado, cujos efeitos apenas nela se fazem sentir, mas que, às vezes, em decorrência da escassez de meios, podem ser apoiadas pela cooperação interna- cional; no segundo caso, incluem-se ações que, executadas na jurisdição interna de cada Estado, têm efeitos cumulativos que podem alterar padrões de compor- tamento, de uso ou de exploração dos recursos fl orestais e dos bens ou serviços associados a eles. O Brasil, nos últimos anos, tem conhecido resultados concretos e promis- sores no combate ao desmatamento6. Esse esforço combinou a concentração de políticas em diferentes setores com a cooperação internacional. Internamente, houve alocação de recursos orçamentários signifi cativos para ações de comando e de controle e para medidas de regularização fundiária e de criação de áreas de preservação e de exploração sustentável. Destaque-se também o investimento em bens e serviços de alta tecnologia. Esse investimento traduziu-se em um sofi sti- cado monitoramento da fl oresta por meio do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e do Projeto de Monitoramento do Desfl orestamento na Amazônia (Pro- des) e no programa Deter, que utilizam imagens geradas pelo satélite sino-brasi- leiro de recursos terrestres (CBERS). A parceria Brasil-China no desenvolvimento dessa família de satélites é um dos testemunhos mais eloqüentes dos resultados que podem ser derivados da cooperação Sul-Sul em setores estratégicos, como o da tecnologia espacial. Outro termo importante da equação fl orestal são os recursos biológicos. A 5 Vide documento E/CN.17/IFF/1998/10. 6 Em 2004, a taxa de desmatamento na Amazônia foi de 27.429 km2. Em 2005, essa taxa recuou para 18.793 km2 e em 2006 para 14.039 km2. Para 2007, a estimativa era de que a taxa fi casse entre 9.500 km2 e 10.500 km2. (Fonte: Inpe) 10 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA conservação desses recursos estratégicos para toda uma gama de indústrias com alto efeito multiplicador em termos de produção e emprego de alta tecnologia, bem como para assegurar a sobrevivênciados ecossistemas está intimamente re- lacionada com o combate ao desmatamento e às práticas predatórias de explora- ção dos recursos fl orestais. A extensão e as condições biofísicas da fl oresta tropical brasileira, ao mesmo tempo em que a torna habitat de uma riqueza singular em termos de espécies biológicas, com elevado índice de endemismo, colocam para o País responsabilidades e desafi os, sem par em outras regiões do mundo, quanto as políticas para sua conservação e utilização, bem como sobre os rumos que deve tomar a cooperação internacional. O resultado desse cenário é a necessidade de se dar ao tema das fl orestas uma abordagem integrada, tanto no plano interno quanto no internacional, que reconheça as interrelações entre capacitação, uso de tecnologias apropriadas, redução de custos e de desperdício, acesso a mercados e usos de instrumentos econômicos e fi nanceiros, de maneira a prover o manejo sustentável de fl orestas com a competitividade de que necessita. A Biodiversidade Como anteriormente destacado, os recursos biológicos, aí compreendidos como os genéticos, são um patrimônio estratégico do País. Como assinala o Pri- meiro Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica7, citando estudos de organizações estrangeiras, o Brasil é “o país de maior megabiodiversi- dade do Planeta, entre os dezessete que reúnem 70% das espécies vegetais e ani- mais”. Tal se deve não só ao número de espécies aqui encontradas, mas também ao seu grau de endemismo. E nesse particular, a Amazônia ocupa um lugar de destaque, ao concentrar um volume considerável dessas espécies. Setores como o fl orestal, o pesqueiro e o farmacêutico, apenas para lembrar os mais evidente- mente associados aos recursos biológicos, também traduzem em emprego, renda e investimento os benefícios auferidos com a exploração e com a utilização da biodiversidade.8 Todavia, a relação entre recursos biológicos e setores industriais não é unívoca: ela passa pela intermediação do conhecimento acumulado pelos povos que tradicionalmente fi zeram uso dos recursos biológicos, seja para fi ns terapêuticos, alimentares ou agrícolas. O aspecto estratégico dos recursos biológicos é inerente a eles, em função de duas propriedades que possuem: a de se reproduzirem e se multiplicarem con- servando suas características; e a de, mediante um processo de seleção, se trans- formarem e evoluírem. Essas duas propriedades paradoxais entre si adquirem grande signifi cado econômico, em especial com o que lhes é agregado ou deles 7 Os Estados-Parte da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) apresentam, com base no artigo 26 da Convenção, relatórios nacionais sobre medidas para implementação e a efetividade dessas medidas. Os três relatórios brasileiros (elaborados em 1998, 2002 e 2005) estão disponíveis na página da Convenção www.biodiv.org. 8 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL, 1998, pp. 12 e 21-22. Priscila Highlight 11 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS derivado como conseqüência da aplicação do conhecimento científi co. Exemplo disso é a extraordinária revolução por que passou a Biologia nos últimos 50 anos, cujo ápice foi a decifração do Código Genético e suas aplicações práticas a partir dos anos 70. A investigação em torno da biodiversidade se traduz em conheci- mento fundamental, que se transforma com poderosa capacidade de imantação para outros ramos da ciência. O crescente conhecimento da biodiversidade propi- cia mapear com sofi sticação a estrutura dos ecossistemas onde ocorrem, a ponto de possibilitar a estimativa das populações de espécies individuais e das condi- ções sob as quais crescem e se reproduzem.9 A exploração desses recursos, entretanto, especialmente nas áreas de fl oresta nativa, como é o caso da Amazônia, ainda enfrenta obstáculos importantes. A su- peração desses obstáculos depende de uma combinação entre políticas públicas e investimentos privados voltados para sua exploração sustentável. Cumpre deixar de ver o recurso natural como um estoque e encará-lo como um capital a ser valo- rizado. Isso implica considerar os aspectos relacionados com a valoração de bens e serviços não incluídos no mercado em seus mecanismos de operação. Muitos desses bens e serviços são considerados como externalidades, o que faz com que seu custo ou benefício não seja considerado na avaliação geral das ações daqueles engajados na exploração. Assim, embora o valor da madeira seja determinado pelo mercado segundo regras econômicas de conhecimento geral, o mesmo não é possível dizer em relação, por exemplo, à biodiversidade, ou a valores de lazer que podem estar embutidos na existência das fl orestas, a menos que incentivos adequados sejam estabelecidos no sentido de internalizar valores externos asso- ciados à exploração, difi cilmente as comunidades diretamente dependentes dos recursos naturais para sua sobrevivência serão estimuladas a promover o manejo sustentável. As políticas públicas para o manejo sustentável pressupõem “uma nova es- tratégia de desenvolvimento, centrada no respeito à diversidade interna, na arti- culação das dimensões econômica, social e ambiental e na redução dos confl itos e desigualdades regionais”.10 A implementação dessas políticas demanda provi- dências com repercussões institucionais, econômicas, tecnológicas, educacionais e de ordenação do território, para as quais se fazem necessários investimentos públicos, nem sempre disponíveis nos montantes adequados. As limitações derivadas da necessidade de se cortar os gastos públicos, que hoje atingem praticamente todos os países em desenvolvimento, apontam para a necessidade de criação de mecanismos internacionais – em especial nos campos tecnológico e fi nanceiro – adequados a apoiar a implantação daquelas políticas. Alcançar um acordo em torno desses mecanismos é uma negociação delicada: os países desenvolvidos, tradicionais provedores de fundos e geradores das tecnolo- gias avançadas necessitadas pelos países em desenvolvimento, têm diminuído a 9 WILSON, 1992, pp. 314-315. 10 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL, 1998, p. 171. 12 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA alocação de recursos para a assistência ofi cial para o desenvolvimento (ODA)11 e têm pouco interesse em estimular a transferência ou o desenvolvimento de tecno- logias que possam redundar em redução da fatia de mercado que detêm para os produtos de base fl orestal gerados por sua indústria. A Convenção sobre Diversidade Biológica A consciência da importância econômica e ambiental adquirida pelos re- cursos biológicos e genéticos, bem como pelos ecossistemas, levou, no início dos anos 90, à negociação e adoção da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), aberta à assinatura dos Estados na Conferência do Rio, em 1992, e que entrou em vigor em dezembro de 1993. O Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção, ratifi cando em 1994, e tem sido um dos países mais atuantes nas negociações nos órgãos estabelecidos pela Convenção12, em razão da importân- cia estratégica dos recursos da diversidade biológica para o desenvolvimento econômico e social do país. A importância conferida pelo Brasil à Convenção levou ao oferecimento para sediar a oitava Conferência das Partes (COP-8), ocorrida em Curitiba, em março de 2006. A COP é uma conferência diplomática, periódica, e a mais alta instância decisória dos Estados-Parte da CDB. As decisões adotadas são políticas, não obs- tante os aspectos técnicos que permeiam vários temas. Ante o fato de o Brasil ser o país mais biodiverso do planeta, a plena imple- mentação da CDB é de interesse para o País, e as deliberações de seus diversos órgãos inserem-se no contexto mais amplo das preocupações da política externa brasileira. Oprogresso na implementação dos compromissos assumidos por to- das as Partes da Convenção contribuirá para reforçar e aprofundar as políticas públicas implementadas pelo Brasil em matéria de biodiversidade. Entre os re- sultados mais signifi cativos dessas políticas, estão a redução do desmatamento13, especialmente na Amazônia, o aumento da extensão das áreas protegidas e as operações de combate aos crimes, que causam dano ao meio ambiente, em es- pecial à biodiversidade. Outro aspecto importante é o investimento realizado na pesquisa científi ca e no desenvolvimento tecnológico ligados ao uso sustentável dos recursos biológicos e genéticos, inclusive na área agrícola. Os temas em pauta são diversifi cados, abarcando diversos aspectos da di- versidade biológica (diversidade biológica marinha e costeira; biodiversidade 11 De acordo com dados divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os 22 países membros do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento, que representam os maiores doadores mundiais, proveram 103.9 bilhões de dólares em assistência em 2006, o que representa uma queda de 5,1% em relação a 2005. 12 Além da Conferência das Partes, que se reúne a cada dois anos, a CDB possui um órgão de assessoramento técnico, científi co e tecnológico (SBSTTA, na sigla em inglês) e grupos de trabalho (GTs) sobre temas espe- cífi cos. No momento, existem GTs sobre acesso e repartição de benefícios, sobre o artigo 8(j) da Convenção, sobre áreas protegidas e sobre revisão da implementação. Existem, ainda, grupos ad hoc de peritos. 13 Vide nota 6. Priscila Highlight Priscila Highlight Priscila Highlight Priscila Highlight 13 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS agrícola; diversidade biológica fl orestal; áreas protegidas; transferência de tecno- logia; espécies exóticas invasoras, entre outros); e temas que se relacionam com negociações em outros foros. Observe-se, por exemplo, as recentes discussões so- bre recursos genéticos de fundos marinhos presentes igualmente no âmbito do Foro Consultivo Informal das Nações Unidas sobre Oceanos e o Direito do Mar (Unicpolos) e da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (Isba); as nego- ciações sobre biodiversidade agrícola no âmbito do Tratado sobre Recursos Fi- togenéticos para Alimentação e Agricultura da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); e o tema das medidas de incentivo à conservação da biodiversidade que se relaciona com os esforços do Brasil e do G-2014 na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) para eli- minar as medidas de apoio doméstico que distorcem o comércio internacional de produtos agrícolas. O tema dos recursos genéticos presentes além das jurisdições nacionais, ain- da recente e controverso, encerra difi culdades jurídicas e políticas, entre as quais a própria competência jurisdicional da CDB para tratar de recursos naturais locali- zados fora da jurisdição nacional de suas partes15. Considerações econômicas têm fi gurado entre as causas da polarização das discussões, uma vez que os países desenvolvidos, alguns do quais vêm realizando pesquisas em ritmo intenso, es- tão interessados em acelerar os trabalhos da CDB sobre o tema. Por outro lado, os países em desenvolvimento apresentam-se receosos em avançar na consideração sobre o tema, pois pesquisas em fundos marinhos exigem investimentos fi nancei- ros de alta monta, não disponíveis a esses países. O Brasil preocupa-se com a falta de instrumentos jurídicos internacionais que regulamentem a repartição de bene- fícios resultantes da utilização desses recursos genéticos específi cos, que deveria basear-se nos princípios e objetivos estabelecidos pela CDB. O Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura16, negociado no âmbito da FAO, tem como objetivos a conservação e o uso sustentável de recursos fi togenéticos utilizados para a alimentação e a agricultura, bem como a repartição justa e eqüitativa dos benefícios resultantes de sua utilização, com vistas à segurança alimentar e à agricultura sustentável. Alinha-se, assim, com a prioridade atribuída pelo Brasil ao combate à fome e à po- breza. O Tratado, que afi rma sua harmonia com a CDB, não só oferece bases para melhorar a situação da segurança alimentar mundial como também contém ver- tente econômico-comercial importante para o Brasil, ao prever o acesso facilitado multilateral a recursos fi togenéticos relevantes para a alimentação e a agricultura. O Tratado institui, como contrapartida a esse acesso, um esquema de repartição de benefícios simplifi cado. 14 O G-20 é uma coalizão de países em desenvolvimento com interesse especial em agricultura nas negocia- ções da Rodada Doha. 15 De acordo com seu artigo 4o, a competência jurisdicional da CDB limita-se aos componentes da diversidade biológica localizados em áreas dentro dos limites das jurisdições nacionais das Partes e a processos e ativi- dades realizados sob a jurisdição ou controle das Partes, independentemente de onde ocorram seus efeitos, dentro da arca de sua jurisdição nacional ou além dos limites desta jurisdição. 16 O Brasil assinou o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, ado- tado em novembro de 2001, em junho de 2002, e depositou o instrumento de ratifi cação em maio de 2006. Priscila Highlight 14 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA Nessa negociação, o Brasil preocupou-se em não permitir que o texto ado- tado fl exibilizasse os direitos dos países de origem consagrados no artigo 15 da CDB. Ainda que o regime de acesso facilitado para recursos genéticos de com- modities agrícolas seja de interesse de muitos países em desenvolvimento, que dependem das exportações desses produtos, buscou-se adequar o regime da FAO aos direitos reconhecidos na CDB. Dessa forma, o sistema estabelecido no Tratado envolve apenas a utilização dos recursos para fi ns determinados, ou seja, alimen- tação e agricultura. Qualquer outra fi nalidade recai nos termos da CDB. Observa-se, portanto, que o processo negociador deve ser sempre encarado de maneira ampla, ou seja, as questões discutidas no âmbito da CDB não se res- tringem à biodiversidade strictu sensu, mas abrangem também objetivos políticos, econômicos e comerciais. Exemplo disso tem sido a tentativa de alguns países in- dustrializados de lograr a sanção de conceitos como o de multifuncionalidade da agricultura. Tal intento visa a justifi car, balizar e garantir o apoio da comunidade internacional ao continuado pagamento de subsídios à agricultura, sob o manto aparentemente inofensivo de conceitos como: “atividades para a conservação da biodiversidade”; “integração de políticas setoriais a nível nacional e regional”; promoção do “enfoque ecossistêmico”; necessidade de garantir “formas de vida sustentáveis”; valorização de áreas com “alto valor em biodiversidade”; alusões ao “valor intrínseco da biodiversidade” e a “mecanismos de apoio econômico” para implementar a Convenção e, fi nalmente, a promoção de “redes ecológicas internacionais”. As negociações na CDB relacionam-se, ainda, diretamente com os debates sobre propriedade intelectual no âmbito do Comitê Intergovernamental sobre Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Fol- clore (IGC) da Organização Mundial sobre Propriedade Intelectual (Ompi), bem como no quadro do Conselho de Trips (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, na sigla em inglês) da Organi- zação Mundial do Comércio (OMC). O Brasil, em conjunto com países como Índia, Bolívia, Colômbia, Cuba, Equa- dor, Paquistão, Peru, República Dominicana, Tailândia e Venezuela, tem propug- nado pela emenda ao Acordo Trips, para acomodar os preceitosda CDB relativos ao consentimento prévio informado e à repartição de benefícios, por meio da ado- ção de dispositivo prevendo nos pedidos de patentes, de forma mandatória: - a identifi cação (disclosure) da origem de recursos genéticos e de conheci- mentos tradicionais associados presentes em uma invenção; - prova do consentimento prévio informado por parte do detentor do direito sobre o recurso ou conhecimento; - prova do estabelecimento de acordo sobre repartição de benefícios com o detentor do recurso ou conhecimento. Os países que defendem a necessidade de se compatibilizar os dois instru- mentos internacionais acreditam que o Acordo Trips, na sua forma atual, não é 15 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS efi caz para impedir ou mesmo para desestimular, em determinadas situações, atos de biopirataria – muitas vezes cometidos por meio da concessão de patentes a invenções que contêm recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais. Uma das principias preocupações é que o Acordo Trips permite a concessão de paten- tes para invenções que utilizam recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados a estes recursos mesmo sem o cumprimento das disposições da CDB sobre o tema. Um dos fundamentos para a necessidade de se buscar compatibilizar os dois acordos é o preceito do artigo 16(5) da CDB, pelo qual “as Partes Contratantes, reconhecendo que patentes e outros direitos de propriedade intelectual podem infl uir na implementação desta Convenção, devem cooperar a esse respeito em conformidade com a legislação nacional e o direito internacional para garantir que esses direitos apóiem e não se oponham aos objetivos desta Convenção” (gri- fo nosso). Esse artigo, juntamente com outras disposições da Convenção, tal como o artigo 8(j), que trata de conhecimentos tradicionais associados, relaciona-se com o Acordo Trips e com o processo de revisão de seu artigo 27.3(b). Como dois acor- dos multilaterais que são, a CDB e o Acordo Trips deveriam apoiar-se mutuamen- te na promoção do uso sustentável dos recursos da biodiversidade. No momento de sua implementação, entretanto, apresenta-se o confl ito já que, por exemplo, o Acordo Trips permite a concessão de patentes sobre recursos genéticos presentes na natureza que a CDB, por sua vez, protege, garantindo a soberania dos países sobre os recursos presentes em seu território e a autoridade dessas nações sobera- nas para determinar as possibilidades e formas desse acesso17. Casos de apropria- ção indevida são conhecidos, tais como os casos de patentes solicitadas sobre a ayahuasca (planta nativa da região amazônica utilizada por comunidades indíge- nas para rituais religiosos e cerimônias de cura). Patentes dessa natureza (que re- caem sobre microorganismos, plantas e animais) concedidas fora do território do país de origem confrontam-se com o princípio da soberania desses Estados sobre seus recursos, e podem resultar em restrição de sua exploração por esses mesmos países. O que se observa é que tais patentes são obtidas sem que haja consenti- mento prévio, informado tanto do país de origem quanto da comunidade tradi- cional que detém o conhecimento tradicional associado, e sem a justa e eqüitativa repartição de benefícios determinada pela CDB, conforme veremos a seguir. A Convenção sobre Diversidade Biológica tem três objetivos básicos, enume- rados em seu artigo 1o: a conservação da diversidade biológica; o uso sustentável de seus componentes; e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da sua utilização. A Convenção reconhece, ademais, nos artigos 3o e 15, a sobe- rania dos Estados sobre seus recursos biológicos e genéticos, bem como o direito de cada Estado determinar, por lei nacional, o regime de acesso aos recursos de sua biodiversidade. O artigo 3o reconhece a soberania dos Estados na exploração 17 O artigo 15.1 da CDB determina que “Recognizing the sovereign rights of States over their natural resources, the authority to determine access to genetic resources rests with the national governments and is subject to national legislation”. Priscila Highlight 16 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA de seus recursos de acordo com suas próprias políticas ambientais, linguagem também refl etida no Princípio 2 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e De- senvolvimento (adotada durante a Conferência do Rio de 1992). O artigo 15 afi r- ma de forma categórica que a autoridade para determinar o acesso aos recursos genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional. A Convenção constituiu verdadeiro ponto de infl exão no regime interna- cional de acesso aos recursos biológicos. Anteriormente, a opinião corrente sobre esses bens concedia algum reconhecimento aos direitos dos Estados sobre eles, mas matizava-os com a alegação de que “eticamente” seriam parte do patrimônio comum da humanidade. A justifi cativa para essa asserção seria a de que “a perda de espécies em qualquer lugar diminui a riqueza em todos os lugares”18. Essa vi- são, sublinhe-se, ainda não foi superada, como pode-se freqüentemente constatar em declarações ou publicações oriundas sobretudo dos países industrializados. A Convenção reveste-se, assim, de grande importância ao reconhecer, de forma clara e insofi smável, a soberania dos Estados sobre seus recursos naturais, bem como a necessidade de que a cooperação internacional seja orientada a pos- sibilitar a adequada utilização desses recursos pelos países que os detêm. A consideração dos recursos da biodiversidade como “patrimônio comum da humanidade” legitima a coleta irrestrita e sem controle e sua livre-circulação, forma pela qual foram historicamente constituídas e alimentadas coleções públi- cas e privadas19, que propiciaram avanços signifi cativos na utilização industrial de princípios ativos na fabricação de remédios, de cosméticos e no desenvolvi- mento de sementes mais resistentes para agricultura. Esse emprego dos recursos biológicos e genéticos garante-se por meio do patenteamento, sem que o país de origem possa pleitear qualquer benefício ou participação nos retornos econômi- cos por eles proporcionados. Ao consagrar o reconhecimento da soberania nacional sobre os recursos da biodiversidade e ao reconhecer o direito de os países determinarem, por legislação nacional, o regime de acesso a esses recursos com a contrapartida da repartição de benefícios, a Convenção instaurou um novo modelo internacional de grande interesse para o Brasil. Instrumento resultante de uma delicada negociação diplomática, com dispo- sitivos inovadores para informar políticas e medidas no âmbito nacional e ações no plano internacional, a Convenção enfrenta, porém, desafi os para sua tradução na prática. Esses desafi os têm a ver, de um lado, com a vontade política das Partes contratantes em efetivamente incorporarem – e, em alguns casos, regulamenta- rem – em suas políticas e legislações internas, os dispositivos da Convenção; de outro, está a insufi ciência de recursos humanos, fi nanceiros, tecnológicos e ins- titucionais, enfrentada especialmente pelos países em desenvolvimento, onde os 18 WILSON, 1992, p.326. 19 Há relatos que remontam à época do Império no Brasil: “Nesses passeios, [a Imperatriz, D. Leopoldina] colhia plantas, minerais e animais. Guardava-os em seu gabinete de história natural e no pequeno zoológico que montara na ilha do Governador, ou os remetia ao pai, à irmã, ou a algum museu europeu.” CARVALHO, 2007, pág.15. 17 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS recursos biológicos e genéticos majoritariamente se localizam. Tais limitações ini- bem fortemente o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção, assim como a implementação das decisões adotadas por sua Conferência das Partes. É altamente preocupante, também,que os países desenvolvidos não tenham até agora cumprido, como esperado, suas obrigações no tocante à transferência de tecnologia e à provisão adequada de recursos fi nanceiros novos e adicionais, que possam dar impulso às políticas de conservação e de uso sustentável da diversi- dade biológica nos países em desenvolvimento. Recorde-se que a própria Con- venção reconhece que o grau efetivo de cumprimento dos compromissos assumi- dos pelos países em desenvolvimento depende do fl uxo de recursos fi nanceiros novos e adicionais e de transferência de tecnologia que lhes sejam canalizados pelos países desenvolvidos20. A implementação das obrigações contraídas pelos países em desenvolvimento concorre com pressões internas para erradicação da pobreza e para promoção do desenvolvimento econômico e social, que fi guram como prioridades absolutas da plataforma política dos governos desses países. Ainda que o cumprimento da Convenção, em última instância, refl ita-se naquelas prioridades, as medidas concretas que devem ser adotadas nem sempre gozam de compreensão dos níveis decisórios, em razão de uma visão dos recursos bioló- gicos como alavanca para o progresso. Os desafi os associados à implementação da CDB ganham saliência à luz do seu dispositivo que reconhece a conservação da biodiversidade como “preocupa- ção comum da humanidade”21. Essa noção tem como sua face reversa o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, dos Estados, mencionados anteriormente, pelo qual os países desenvolvidos devem tomar a liderança nos esforços internacionais para a proteção do meio ambiente e para a promoção do desenvolvimento sustentável. Em conjunto, esses conceitos servem como suporte para defi nir as bases da cooperação entre Estados com interesses confl itantes. A ênfase na conservação – que recai prioritariamente nos países em desen- volvimento, onde a maior parte da biodiversidade localiza-se – não encontra paridade na defi nição de regras sobre o uso sustentável e sobre a repartição de benefícios por aqueles que têm acesso aos recursos biológicos e genéticos, em geral empresas, instituições e indivíduos nacionais de países industrializados. Tal situação parece ignorar que a conservação e o uso sustentável são ações que se apóiam mutuamente. Conservação sem uso sustentável é falácia. É o uso susten- tável que permitirá aos países em desenvolvimento criarem condições para me- lhorar o bem-estar de suas populações e transformá-las em genuíno stakeholder na implementação de políticas públicas necessárias para a consecução dos objetivos da Convenção. Instrumento efi caz para o engajamento dessas populações é a repartição dos benefícios auferidos pelo acesso à biodiversidade. As regras dessa repartição ain- da pendem de um consenso internacional, e a discussão dessa matéria deve ter por base os dispositivos da Convenção. O debate sobre a repartição de benefícios 20 Convenção sobre Diversidade Biológica, artigo 20.4. 21 Convenção sobre Diversidade Biológica, preâmbulo e artigos 3o e 15. 18 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA terá que necessariamente abordar as questões relativas ao acesso, envolvendo o acesso aos recursos genéticos; o acesso à tecnologia, especialmente à biotecnolo- gia; e o acesso aos benefícios auferidos do uso de material genético no desenvol- vimento da biotecnologia. Acesso a Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios No entendimento de que há um desequilíbrio na implementação dos três objetivos da CDB, com menor ênfase na repartição de benefícios, o Brasil tem buscado negociar, no âmbito da Convenção, um Regime Internacional sobre o tema. Na VI Reunião da Conferência das Partes da CDB (COP 6 – Haia, 2002), foram aprovadas as Diretrizes de Bonn,22 instrumento de caráter voluntário que serviria de subsídio para o desenvolvimento de legislação nacional sobre acesso e repartição de benefícios. O problema enfrentado pelos países de origem dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade é, entretanto, que as le- gislações nacionais – e as Diretrizes de Bonn, por seu caráter voluntário – não garantem os direitos dos países de origem dos recursos genéticos e das comu- nidades detentoras dos conhecimentos tradicionais, por não poderem alcançar eventuais infratores fora do território nacional. Esse fato torna imprescindível a negociação do regime internacional, que teria como objetivo garantir a repartição justa e eqüitativa dos benefícios resultantes do acesso a recursos genéticos, em consonância com o estipulado pelas legislações nacionais sobre o tema. Mecanismos internacionais efetivos de repartição de benefícios têm sido defendidos pelos países megadiversos no combate ao acesso não-autorizado de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais. O Brasil, junto a outros mem- bros do Grupo dos Países Megadiversos Afi ns23, defendeu, desde a adoção do Pla- no de Implementação da Cúpula de Joanesburgo, o rápido início das discussões sobre o regime internacional na CDB. O regime internacional sobre acesso e repartição de benefícios tem como origem a decisão adotada pelos Estados durante a Cúpula Mundial sobre Desen- volvimento Sustentável (Joanesburgo, 2002), que marcou os dez anos da Confe- 22 As Diretrizes de Bonn foram adotadas pela Decisão VI/24, da Conferência das Partes, para auxiliar as Partes da Convenção, outros governos e interessados a estabelecerem medidas legislativas e administrativas sobre acesso e repartição de benefícios e/ou no momento de negociar acordos contratuais. As Diretrizes não têm como escopo substituir a legislação nacional sobre o tema. 23 Criado em 2002, o Grupo dos Países Megadiversos Afi ns é um mecanismo de coordenação política e de cooperação entre dezessete países em desenvolvimento que abrigam, juntos, mais de 70% da biodiversidade do planeta. Além do Brasil, são seus membros: África do Sul, Bolívia, China, Congo, Costa Rica, Colômbia, Equador, Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar, Malásia, México, Peru, Quênia e Venezuela. A principal atividade do Grupo vem sendo a articulação política em torno de posições comuns na negociação de impor- tantes temas referentes à biodiversidade no âmbito da CDB, em especial a defesa de um regime internacional que garanta a repartição de benefícios resultantes do acesso a recursos genéticos e aos conhecimentos tradi- cionais associados. 19 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS rência do Rio. O parágrafo 44 (o) do Plano de Implementação da Cúpula conferiu mandato à CDB para negociar um “Regime Internacional para Promover e Sal- vaguardar a Repartição Justa e Eqüitativa de Benefícios Resultantes da Utilização dos Recursos Genéticos”24. O mandato de Joanesburgo foi internalizado pela Convenção durante a VII Reunião da Conferência das Partes (COP 7, Kuala Lumpur, 2004). A partir da pressão exercida pelos Países Megadiversos, aliados ao Grupo Africano, pela in- corporação do tema do regime internacional à agenda da Convenção, a Confe- rência das Partes adotou a Decisão VII/19, em que se defi niu que o Grupo de Trabalho sobre Acesso e Repartição de Benefícios (GT/ABS) deveria encarregar-se da negociação do regime. As discussões no Grupo de Trabalho, que se reuniu duas vezes desde então, têm sido centradas na defi nição da natureza (vinculante ou não-vinculante), do escopo, dos objetivos e dos elementos do regime internacional. Nesse âmbito, as divergências são imensas e incluem desde a determinação do recorte a ser feito para determinar quais recursos estariam incluídos no regime – debatendo-se o tema dos derivativos e lembrando-se a existência do Tratado do FAO sobre re- cursos fi togenéticos para alimentação e agricultura — até as regras para movi- mentação transfronteiriça e as formas de repartição de benefícios. O resultadoda negociação poderá ter implicações em outros foros, especialmente no que tange à propriedade intelectual, já que existem propostas relativas à rejeição e à revoga- ção de patentes concedidas em desrespeito às determinações do regime. O Brasil tem defendido na CDB os mesmos princípios que baseiam as propostas apresen- tadas pelo País no Conselho de Trips. Os países em desenvolvimento consideram que o futuro regime deve con- tribuir para a promoção da pesquisa, da capacitação e dos esforços de redução da pobreza. O Brasil tem sublinhado a necessidade de que o regime assegure o consentimento prévio informado do país de origem dos recursos genéticos, bem como o consentimento das comunidades locais e indígenas, no que se refere a seus conhecimentos tradicionais associados a recursos genéticos, como pré-con- dição para sua utilização. A identifi cação da origem dos recursos genéticos deve igualmente ser assegurada, e, para tanto, debate-se o estabelecimento de um certi- fi cado de origem/fonte/procedência legal. As características do certifi cado foram discutidas por um grupo de peritos e as conclusões deste grupo serão objeto de análise pelas Partes da Convenção. As reuniões do GT/ABS resultaram em documento que, transmitido à VIII Conferência das Partes (COP8, Curitiba, 2006), tornou-se anexo à Decisão VIII/4. Esse texto representa um primeiro passo para a negociação, ao agrupar as diferen- tes posições apresentadas, e deverá ser objeto de novas negociações no período intersesional, já que o GT/ABS foi instruído pela COP a completar seu trabalho 24 O mandato, reafi rmado pela Assembléia-Geral da ONU (Resolução 57/260), foi objeto de discussões na reunião sobre o programa de trabalho plurianual da CDB (março de 2003). Logrou-se inserir o tema na agenda do Grupo de Trabalho sobre Acesso e Repartição de Benefícios, que foi criado pela V Reunião da Conferência das Partes (COP 5, Nairobi, 2000). 20 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA antes da realização da COP-10, prevista para 2010. Ao lado da decisão que conferiu mandato à CDB para negociar o regime, a Conferência de Joanesburgo concordou com o estabelecimento de uma meta de redução signifi cativa da perda da biodiversidade até 2010, conforme os países haviam se comprometido, em abril daquele ano, durante a COP-6, por meio do Plano Estratégico da Convenção (Decisão VI/26). Decidiu-se alcançar, até 2010, uma redução signifi cativa da taxa de perda da biodiversidade a nível global, re- gional e nacional como uma contribuição para a diminuição da pobreza e para o benefício da vida na Terra. Esses dois objetivos – a elaboração do regime internacional e a redução da perda da biodiversidade – estão intimamente relacionados. O regime internacio- nal, ao garantir a repartição de benefícios, estará auxiliando na consecução dos outros dois objetivos da Convenção, ou seja, a conservação e o uso sustentável da biodiversidade. A valoração dos recursos da biodiversidade e de seus produtos, que poderá advir da implementação de um sistema de repartição de benefícios justo e efi caz, poderá tornar a conservação e o uso sustentável uma solução eco- nomicamente viável no combate à utilização predatória destes mesmos recursos, ao estimular sua manutenção. As expectativas, entretanto, devem ser realistas. O regime internacional, como qualquer instrumento internacional negociado a partir da busca de consen- sos, demandará esforço de longo prazo, dirigido para a obtenção de uma estrutu- ra jurídica que atenda às necessidades do Brasil, País que não apenas detém imen- sa riqueza genética, mas que igualmente possui legislação nacional em constante aperfeiçoamento, conforme veremos a seguir. No âmbito internacional, são muitas as difi culdades a serem enfrentadas. Primeiramente, os países que defendem o estabelecimento do regime internacio- nal como medida que se impõe para a consecução dos objetivos da CDB – e que são os países de origem dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados – contrapõem-se frontalmente aos países usuários destes recursos, os quais, historicamente, apropriaram-se e utilizaram-se deles de forma indiscrimi- nada. A indústria farmacêutica e de cosméticos, para apenas citar o exemplo mais comum, têm na biodiversidade matéria com imenso – e pode-se dizer, desconhe- cido – potencial de exploração. Esses países preocupam-se com as barreiras que as legislações nacionais, respaldadas pelo regime internacional, poderiam acarretar e por isso defendem que não há necessidade de um novo instrumento jurídico, ou que este instrumen- to tenha caráter não-vinculante. Baseiam-se no argumento de que a estrutura jurí- dica existente, formada por acordos fora do escopo da CDB, seria sufi ciente para o tratamento do tema. A falácia dessa afi rmação é comprovada pelo simples fato de que tal estrutura não garantiu, até o momento, a repartição de benefícios, nem impediu a ocorrência de casos de apropriação indevida dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais e de desrespeito a legislações nacionais. Os países megadiversos precisarão, assim, impedir que o mandato de nego- ciação seja desvirtuado, transformando-se em instrumento de garantia de acesso 21 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS aos recursos genéticos, em contraposição à necessária implementação da justa e eqüitativa repartição de benefícios. O mandato conferido pela Cúpula de Joanes- burgo teve como foco o terceiro objetivo da Convenção, a partir do reconhecimen- to da necessidade de implementá-lo de forma efetiva. A inclusão do acesso na pauta de discussão do escopo do regime somente foi permitida no entendimento de que o acesso somente poderá ocorrer com o consentimento e com a autoriza- ção do país de origem dos recursos, e com o respeito às legislações nacionais de acesso. É preciso sempre sublinhar que os benefícios devem ser repartidos de forma justa e eqüitativa, de forma a não permitir a perpetuação de sistemas meramen- te compensatórios que, negociados com base em relações de hiposufi ciência da parte provedora, não permitem que os recursos explorados transformem-se em desenvolvimento sócio-econômico. Esse desenvolvimento somente poderá ser alcançado se o resultado fi nal das negociações refl etir preocupações atinentes à linguagem utilizada, que poderá ter conseqüências jurídicas distintas do que se busca obter. O Brasil tem defendido que a repartição dos benefícios deve ser feita com os países de origem dos re- cursos genéticos, e não com os países provedores. De acordo com o artigo 2º da Convenção, “país de origem” signifi ca aquele que possui o recurso em condições in situ, enquanto “país provedor” é aquele que fornece o recurso genético retirado de fontes in situ ou ex-situ, o qual pode ou não ser originário deste país. Conside- rando-se o histórico de apropriação indevida de recursos provenientes dos países megadiversos, que se encontram atualmente em coleções ex-situ localizadas nos países usuários daqueles recursos, a preocupação busca impedir que se legitime um sistema que resulte em alienação dos países em desenvolvimento, por meio da transferência de recursos genéticos de um país desenvolvido para outro. O progresso nas negociações esbarra, ainda, em tentativas de desviar os es- forços que devem centrar-se na negociação do regime, por meio da proposição de pautas eivadas de discussões protelatórias. Não há sentido em realizar reuniões para apresentar as iniciativas para implementação das Diretrizes de Bonn, se já está consagrado o entendimento de que essas Diretrizes não são sufi cientes para garantir a repartição de benefícios. Documentos produzidos no âmbito da própria CDB reconhecem que poucas medidas foram adotadas pelos países usuários para esse fi m25. Há que se enfrentar, igualmente, a faltade conhecimento sobre o tema. Mui- tos países em desenvolvimento, diretamente interessados em garantir a reparti- ção de benefícios, carecem de estrutura que permita participação ativa e qualifi ca- da. Ainda são poucos os que possuem legislação sobre o tema ou que realizaram discussão interna sobre formas e meios de regulamentar o acesso e a repartição de benefícios ou o consentimento prévio informado. Tanto o acesso aos recursos genéticos quanto a proteção dos conhecimentos tradicionais são matérias novas da legislação da maioria dos países, em particular aqueles que os detêm em maior 25 Ver documento UNEP/CBD/WG-ABS/5/3. 22 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA grau em seu território. Exemplos de legislações já existentes são as Decisões 391 e 486 da Comunidade Andina, a Lei de Acesso do Equador e a Executive Order no 247 das Filipinas. No Brasil, a partir de 1990, vários dispositivos legais foram adotados para disciplinar a coleta, o acesso e a remessa de recursos da diversidade biológica brasileira, bem como para normatizar questões conexas com a biodiversidade, como a biossegurança, a propriedade industrial e a proteção dos cultivares.26 A consciência da importância político-estratégica desses recursos levou o Executivo a propor um projeto de emenda à Constituição, que lista o patrimônio genético, exceto o humano, entre os bens da União arrolados no artigo 20. Vários Projetos de Lei foram apresentados, entre eles o Projeto de Lei no 306/95, de autoria da então Senadora Marina Silva (PT-AC), que estabelecia regras e instrumentos de controle para acesso a recursos genéticos no país. O Projeto de Lei nº 306 foi fun- dido com o projeto substitutivo de autoria do Senador Osmar Dias (PMDB-PR), em novembro de 1997. Em agosto de 1998, o Poder Executivo também enviou seu projeto de lei, que resultou de estudos aprofundados de um Grupo Interministe- rial coordenado pela Casa Civil. No momento, encontra-se sob exame na Casa Ci- vil anteprojeto de lei elaborado no âmbito do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN). O CGEN, órgão colegiado composto por representantes do governo e da sociedade civil, é a autoridade nacional com função normativa e deliberativa so- bre as autorizações de acesso a recursos genéticos e a conhecimentos tradicionais associados. Coordena, ainda, a implementação de políticas para a gestão do pa- trimônio genético e estabelece normas e diretrizes, entre outras atribuições. Na ausência de lei que regule o tema de acesso e repartição de benefícios, a estrutura jurídica centra-se principalmente na Medida Provisória 2.186-16/01, que regula- menta os artigos 8(j) e 15 da CDB; no Decreto 3.945/01; e nas Resoluções adotadas pelo CGEN. Não procedem, portanto, alegações de que no Brasil haveria lacuna jurídica nesta questão. A estrutura jurídica é o instrumento básico para normatizar as ações re- lativas ao intercâmbio de material genético, seus produtos derivados e o conhe- cimento a eles associado. Pode criar mecanismos para estimular o acesso aos re- cursos genéticos e incentivar sua conservação e utilização sustentável, além de garantir ao país justa e eqüitativa participação nos benefícios. Os dispositivos legais revestem-se, ainda, de grande importância para a atuação diplomática do país. Mediante a vigência de regras modernas e em sintonia com os interesses da sociedade brasileira, a diplomacia passa a ter a seu dispor um arsenal de conceitos e de regras que lhe permitem atuar de modo muito mais claro nas discussões in- ternacionais sobre assuntos em que o Brasil tem um peso específi co importante. A Medida Provisória (MP) 2.186-16 estabelece normas para acesso e reparti- ção de benefícios referentes aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicio- 26 Decreto no 98.830, de 15 /01/90; Lei 8.974, de 05/01/95; Lei 9.279, de 14/05/96; Lei 9.465, de 25/04/97. 23 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS nais a eles associados. A MP reconhece, entre outros, o direito das comunidades de decidir sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais. Exige, como condição para o acesso aos conhecimentos, o consentimento prévio informado das comu- nidades que os detenham, além da necessidade de identifi cação da origem do conhecimento tradicional em pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial sobre processos ou produtos obtidos a partir daquele conhecimento. As discussões acerca da estrutura legal vigente – seja em debates com a so- ciedade civil, seja no momento de sua aplicação no âmbito do CGEN –, assim como as questões que se refl etem na elaboração da lei de acesso, têm um impor- tante papel a desempenhar no processo de defi nição do interesse brasileiro na ne- gociação do regime internacional. Internamente, o caminho a ser trilhado é talvez ainda mais complexo. Sacramentados no regime internacional os princípios da repartição justa e eqüitativa de benefícios e do consentimento prévio informado e consubstancia- dos estes na legislação nacional, resta defi nir nesta mesma legislação as formas para aquela repartição e para aquele consentimento. Além de política e economi- camente sensível, essa regulamentação esbarra em temas na fronteira do conhe- cimento jurídico e científi co, como a titularidade do patrimônio genético (bem da União ou bem de uso comum do povo)27; a defi nição de valores mínimos para repartição de benefícios; as reais possibilidades de identifi cação da origem de um recurso genético; a detecção segura da utilização de um recurso na fabricação de um produto ou de seus derivativos. Mesmo na presença de consenso sobre os princípios a serem salvaguarda- dos, a eleição dos instrumentos adequados para sua implementação enfrenta con- trovérsias. Para citar apenas mais um exemplo dentre os inúmeros temas confl i- tuosos, discute-se a criação de fundos para a gestão da repartição de benefícios resultantes do acesso a recursos genéticos ou a conhecimentos tradicionais asso- ciados, mas há divergência sobre a fi nalidade desses fundos e a parcela dos bene- fícios que seriam destinados a eles. A enumeração das difi culdades existentes no debate interno demonstra ape- nas a amplitude do exercício que deve ser feito internamente para que se logre a repartição dos benefícios. O regime internacional não as solucionará, pois cabe a cada país, no exercício soberano reconhecido pela Convenção, encontrar o for- mato de legislação que atenda a seus interesses específi cos. O tema do acesso aos conhecimentos tradicionais associados demonstra com clareza as peculiaridades que impedem obter um instrumento jurídico internacional que atenda às necessi- dades específi cas de nações tão díspares. 27 Tramita no Congresso Nacional brasileiro a já citada Emenda Constitucional, enviada pelo Poder Executivo em 1998, que pretende incluir entre os bens da União o patrimônio genético, à semelhança do que já acontece com os recursos minerais e naturais da Plataforma Continental e da Zona Econômica Exclusiva. Há quem defenda, entretanto, que o patrimônio genético seja considerado “bem de uso comum do povo”. 24 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA Conhecimentos Tradicionais Associados A Convenção sobre Diversidade Biológica também inovou ao estabelecer, em seu artigo 8(j),28 que cada Parte deve respeitar e preservar o conhecimento ancestral e coletivo das comunidades indígenas e locais tradicionais, bem como promover sua aplicação mais ampla e encorajar a repartição eqüitativa dos bene- fícios derivados da utilização desse conhecimento. A proteção aos conhecimentos tradicionais é um dos temas mais complexos e de negociação mais delicada no momento. A Conferência das Partes da Conven- ção sobre Diversidade Biológica, em sua quarta reunião (COP-4, Bratislava, maio de 1998), acordoua criação de um grupo específi co para tratar dos conhecimentos tradicionais e verifi car meios e modos de assegurar proteção a eles, mediante o reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas e tradicionais.29 O grupo realizou, desde então, quatro reuniões. O Brasil defende que tão importante quanto examinar a proteção dos conhe- cimentos tradicionais é assegurar a proteção dos direitos das comunidades sobre aqueles conhecimentos. Para o Grupo de Países Megadiversos Afi ns, que vem atuando como demandante no tema, é necessário que se elaborem instrumentos internacionais que assegurem o respeito às legislações nacionais sobre acesso aos conhecimentos tradicionais e que se promova e se garanta efetivamente a repar- tição de benefícios. A elaboração de um regime jurídico de proteção, a esses conhecimentos é um dos temas que ainda desafi a a comunidade acadêmica, o setor privado e os governos. O direito de propriedade intelectual não é sufi ciente para assegurar essa proteção, uma vez que se inscreve no âmbito dos direitos individuais, ao passo que os conhecimentos tradicionais estão relacionados aos direitos coletivos e possuem caráter intergeracional, com sistema de transmissão comumente oral. Cumpre, portanto, encontrar fórmulas jurídicas e políticas que possibilitem o es- tabelecimento de um regime sui generis para a proteção e a adequada repartição de benefícios com as comunidades que detêm os conhecimentos tradicionais. Estima-se que o acesso ao conhecimento tradicional, proveniente de comu- nidades tradicionais que utilizam a biodiversidade não apenas para alimentação, mas igualmente com fi ns medicinais, em rituais, no combate a pragas e na agri- cultura, pode proporcionar uma redução de até 50% nos custos de pesquisa e de desenvolvimento de um novo produto bioquímico. 28 Artigo 8(j): “Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comuni- dades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas”. 29 O Grupo de Trabalho ad hoc Intersessional sobre o artigo 8(j) e Disposições Correlatas da CDB foi criado pela Decisão IV/9. 25 ADRIANA SADER TESCARI EVERTON VIEIRA VARGAS O potencial econômico desses conhecimentos associados à biodiversidade resulta em debates polêmicos, como o da criação de bancos de dados. Distin- guem-se nesse debate países megadiversos que se posicionam a favor de registros ou bases de dados – sobretudo porque os conhecimentos tradicionais estão, nes- ses países, predominantemente disseminados na sociedade – e países como o Bra- sil, em que os conhecimentos tradicionais são detidos por comunidades indígenas e locais que advogam o direito de não registrá-los ou de torná-los públicos. No entendimento dos países que se aliam ao Brasil, tais bases de dados ou registros não estariam protegendo ou preservando os conhecimentos, mas sim facilitando sua apropriação indevida, em desrespeito aos direitos das comunidades. O Brasil, tanto no âmbito da CDB quanto no da Ompi, tem enfatizado a necessidade de se resguardar a confi dencialidade dos conhecimentos tradicionais que não estejam em domínio público (e cujo eventual acesso poderia vir a ser altamente rentável para a indústria farmacêutica, cosmética, alimentícia, entre outras). Qualquer discussão sobre a inclusão de conhecimentos tradicionais em ban- cos de dados deve partir do princípio de que o registro não é prova constitutiva de direito, ou seja, uma comunidade não precisa incluir um conhecimento tradi- cional em bancos de dados para que possa provar ser detentora desse conheci- mento ou para reivindicar direitos sobre ele. Em outras palavras, a existência e o reconhecimento dos direitos das comunidades sobre seus conhecimentos inde- pendem de seu registro. Essa posição está respaldada não apenas nas conseqüências jurídicas do re- gistro em um banco de dados, mas igualmente nas já citadas características do conhecimento tradicional. A difusão de um conhecimento, especialmente se esti- ver investido de sacralidade ou relacionado a normas que o determinam – para citar um exemplo, que deve ser detido apenas por mulheres – pode resultar em dano sócio-cultural, ambiental e inclusive econômico para o grupo social que o possui. O tema resvala, ainda, em discussões acerca da forma de se garantir que o consentimento prévio seja de fato informado. Há quem defenda que o regime internacional sobre acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios deter- mine as regras para a obtenção de tal consentimento, mas esta posição é de difícil sustentação e aplicação prática, diante da imensa diversidade de estruturas sócio- políticas existentes em cada país e em cada comunidade tradicional. Observe-se que, em alguns países, como a Índia, todo o conhecimento que está difuso entre a população pode ser considerado conhecimento tradicional, enquanto que em outros países ele é detido apenas por alguns grupos específi cos. No Brasil, co- munidades tradicionais envolvem não apenas povos indígenas, mas igualmente comunidades locais, como os quilombolas e as comunidades ribeirinhas. Os representantes dos povos indígenas defendem que o uso de seus conhe- cimentos deve ser precedido de amplo processo de discussão, com respeito a seus usos, costumes, organização social e forma de representação política. Essas medi- das somente poderão ser garantidas por meio da legislação nacional, que o regi- me internacional deverá fazer com que seja respeitada. 26 A BIODIVERSIDADE COMO RECURSO ESTRATÉGICO: UMA REFLEXÃO DO ÂNGULO DA POLÍTICA EXTERNA A legislação brasileira está em processo de constante aperfeiçoamento, pois apenas sua aplicação prática evidencia as lacunas, que deverão ser supridas a partir do debate. Comente-se, a título exemplifi cativo, o caso de conhecimentos detidos por mais de uma comunidade, por vezes além das jurisdições nacionais. Contrapõe-se o direito de cada um desses grupos de não consentir a utilização de seu conhecimento ao direito oposto de autorizar o uso do conhecimento e de usufruir dos benefícios resultantes. A complexidade do tema é evidente, ao se constatar a difi culdade de con- senso ainda no que tange à defi nição do termo “conhecimento tradicional associa- do”. Considerada insufi ciente da forma como se encontra na legislação em vigor, tem sido objeto de debates acalorados. A MP 2186/01 defi ne-o como “informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético”. De um lado, defende-se entendimento amplo, que abarque as informações contidas em publicações e o conhecimento associado à “domesticação” de recursos biodiversos associados à alimentação e à agricul- tura. De outro, considera-se que tal abordagem prejudicaria a pesquisa científi ca, em especial aquela que visa à segurança alimentar. Conclusão A Convenção sobre Diversidade Biológica procurou refl etir um consenso em torno de regras internacionais e internas que conformem um regime para a conservação e o uso sustentável dos recursos biológicos e de seus componentes, bem como a repartição justa e eqüitativa de benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos, incluindo o acesso a estes e a apropriada transferência de tecnologia. O estabelecimento desse regime é o refl exo da vontade política das partes de lidarem com os dilemas resultantes da contraposição entre interesses e aversões comuns.30
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