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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO HISTÓRIA DO DIREITO – PROFESSOR RICARDO SONTAG AVALIAÇÃO 1 [RESENHA] TURMA D DUPLA: THIERRY PIETRO GONZAGA MAGALHÃES / JOÃO VICTOR DE CASTRO CAVALHEIRO Texto resenhado: SONTAG, Ricardo. Para uma história da delação premiada no Brasil. Revista brasileira de direito processual penal, v. 5, n. 1, 2019 O texto tem por objetivo fazer uma aproximação da delação que aconteceu no final do século XVIII, feita por Joaquim Silvério dos Reis, durante a inconfidência mineira, com a delação premiada presente na legislação contemporânea. Nesse, fala-se também sobre o mecanismo de funcionamento das mercês e suas semelhanças com os “prêmios” que são concedidos nas delações premiadas de hoje. E por fim, ele aborda as diferenças contratuais existentes na época da inconfidência mineira e no período hodierno. Tais delações acabam sendo ligados ao imaginário punitivista social, no qual, de acordo com o autor, existe por um lado o “juízo moral negativo da traição”, e por outro, o desejo da justa punição contra quem se apropriou do bem alheio. Ao analisar e discutir essas delações premiadas que se tornaram comumente presentes no nosso dia a dia, o jurista, professor e historiador de direito Ricardo Sontag faz um paralelo com a delação dos inconfidentes, a fim de elucidar as diferenças existentes entre ambas. Ele defende a importância de manter a alteridade do passado ao analisarmos esses fatos, e para tal, é importante que olhemos para o passado com uma visão descontinua do presente, valorizando a importância que os fatos do passado representam por si só, não dependendo do presente para ter qualquer valor. Para apoiar sua ideia, Sontag cita Antônio Manoel Hespanha, historiador e jurista português. No entanto, Pietro Costa (2008, p. 25) nos mostra que há uma grande dificuldade em se observar o passado com um olhar totalmente descontínuo do presente ao dizer que: Estamos diante de um dos mais difíceis dilemas da hermenêutica. De um lado, o intérprete não compreende o passado senão a partir do seu presente, da cultura, da linguagem, dos conceitos que ele divide com a sociedade e com a comunidade profissional de que faz parte. De outro lado, porém, o intérprete é tal enquanto está disposto a abrir- se aos estímulos de textos distantes e diferentes, que ele tenta tomá-los na sua alteridade com relação aos seus hábitos culturais imediatos. Voltando ao século XVIII, Sontag fala sobre o fato de o governo português recolher recursos, através de impostos, da colônia. Motivados pelo pensamento de que estavam sendo roubados, um grupo de pessoas, que mais tarde ficaram conhecidos como inconfidentes mineiros, se juntaram com a pretensão de dar um golpe na coroa portuguesa e criar uma República independente. Para a desfortuna dos inconfidentes, Joaquim Silvério dos Reis traiu os inconfidentes e teve uma reunião com o governador de Minas Gerais, o Visconde de Barbacena, com a finalidade de delatar o plano dos inconfidentes, e em troca ele esperava receber o perdão e, também, mercês. Esta última eram benefícios, como títulos, condecorações e cargos, e eram atribuídas ao conceito de graça e benevolência do soberano. Segundo Sontag, as mercês atribuíam ao soberano uma imagem paterna por conta da concessão de prêmios e benefícios que delas advinham, ele ficava preso numa teia de deveres, enquanto o agraciado devia sua fidelidade ao superior. Diante da forma como eram concedidas as mercês e os benefícios advindos do súpero, fica claro o poder que continha o soberano, uma vez que, no ato de concessão das mercês, além de reforçar sua magnanimidade, ignorava a necessidade de um contrato para o cumprimento de tal concessão, a qual se devia à confiança, estabelecendo uma relação de deferência do agraciado para com a figura soberana. Tal poder é comparável, em partes, ao do príncipe moderno sobre o qual o autor italiano nos explica: “Ele – indivíduo de absoluta insulariedade – tenderá a projetar para o exterior uma vontade perfeitamente definida, que encontrou já nele toda e qualquer possibilidade de justificação” (GROSSI, 2007, p. 36). Os acordos de premiação para os delatores eram feitos de maneira tácita, segundo o próprio Ricardo Sontag: “As relações entre quem concede uma mercê e quem a recebe funda-se em um imaginário não sinalagmático, não contratual”, muito diferente da forma como hoje são conduzidas as delações, em que o processo de obtenção de informação termina com documentos redigidos na forma de contrato. A delação premiada de Joaquim Silvério dos Reis não tinha nada de forma escrita que determinasse as obrigações entre as partes e nem o final deste acordo, o que permitiu que ele, 10 anos depois da sentença dos inconfidentes, pedisse uma outra mercê, e nesta, ele queria um ofício que restara vacante em São João Del-Rey, criando assim, segundo o próprio autor, uma espécie de “espiral de mercês”. Mediante o exposto, o autor mostra que apesar da tentativa que alguns estudiosos como Pedro Dória fazem de, como explica o mesmo, “Legitimar ou deslegitimar a delação premiada invocando a continuidade entre coisas bonitas ou feias do passado”, ela não resolve qualquer problema, nem prático e nem teórico. Dessa forma, para o autor, a continuidade entre a delação de Joaquim Silvério dos Reis e a nossa legislação não deve aguçar a visão do jurista sobre o presente, o qual deve antes se aprofundar na compreensão do seu próprio contexto, estudando cada momento histórico de acordo com seu próprio valor e especificidades históricas. Referências bibliográficas: SONTAG, Ricardo. Para uma história da delação premiada no Brasil. Revista brasileira de direito processual penal, v. 5, n. 1, 2019. COSTA, Pietro. Passado - dilemas e instrumentos da historiografia. Revista da Faculdade de Direito – UFPR. 2008. GROSSI, Paulo. Tradução: Arno Dal Ri Júnior. Mitologias jurid́icas da modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.
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