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RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS - DIREITO CIVIL - DIREITO DOS CONTRATOS

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Érika Cerri dos Santos 
UFES – 2021/1 
DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS 
A ideia clássica de contrato defende que os efeitos produzidos por este 
apenas atingem as partes que dele participa, não prejudicando nem 
beneficiando terceiros (Silvio Rodrigues). Trata-se do princípio da relatividade 
dos efeitos do contrato. 
Ocorre que, atualmente, esse paradigma vem sendo quebrado, na 
medida em que é reconhecida a possibilidade de que os efeitos produzidos 
por determinado contrato possam atingir terceiros estranhos a ele. 
Isso acontece, principalmente, em decorrência da ideia de que os 
contratos não mais representam apenas instrumento de satisfação individual, 
sendo dotados também de uma dimensão social, o que permite a influência 
de terceiros na própria relação contratual em razão de serem de alguma 
forma atingidos (Carlos Roberto Gonçalves). 
Nessa conformidade, a nova concepção da função social do 
contrato representa, se não ruptura, pelo menos abrandamento 
do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, tendo em 
vista que este tem seu espectro público ressaltado, em 
detrimento do exclusivamente privado das partes contratantes. 
- Carlos Roberto Gonçalves 
São exemplos de exceção à relatividade dos efeitos do contrato: 
❖ Responsabilização dos herdeiros do contratante (art. 
1.792, CC) 
❖ Estipulação em favor de terceiro (arts. 436 e 438, CC) 
❖ Promessa de fato de terceiro (art. 439 e 440, CC) 
❖ Consumidor por equiparação (art. 17 e 29, CDC) 
 
 
A influência de 
terceiros na relação 
contratual configura 
um efeito endógeno. 
O contrário configura 
um efeito exógeno. 
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Da estipulação em favor de terceiro 
Art. 436, CC: O que estipula em favor de terceiro pode exigir 
o cumprimento da obrigação. 
Parágrafo Único: Ao terceiro, em favor de quem se estipulou 
a obrigação também é permitido exigi-la, todavia, sujeito às 
condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o 
estipulante não o inovar nos termos do art. 438. 
 
Art. 438, CC: O estipulante pode reservar-se o direito de 
substituir o terceiro designado no contrato, 
independentemente de sua anuência e a da do outro 
contratante. 
Parágrafo Único: A substituição pode ser feita por ato entre 
vivos ou por disposição de última vontade. 
 
De maneira geral, a estipulação em favor de terceiros é o contrato 
através do qual uma pessoa obriga a outra a desempenhar uma 
determinada prestação em benefício de um terceiro que não faz parte da 
relação negocial. 
 
 
❖ Uma pessoa convenciona com outra que concederá uma 
vantagem ou benefício em favor de terceiro, que não é parte no 
contrato. 
❖ O estipulante detém a faculdade de revogação contratual. 
ESTIPULANTE + PROMITENTE + BENEFICIÁRIO 
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❖ O direito do beneficiário surge independente de sua aceitação. 
Entretanto, caso este se negue a receber o benefício, a recusa 
funcionará como condição resolutiva da prestação. 
❖ A estipulação em relação a terceiro deverá ser gratuidade, sob 
pena se tornar inválida (Orlando Gomes). 
 
Da promessa de fato de terceiro 
Art. 439: Aquele que tiver prometido fato de terceiro 
responderá por perdas e danos, quando este o não 
executar. 
Parágrafo Único: Tal responsabilidade não existirá se o 
terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua 
anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime 
do casamento, a indenização, de algum modo, venha a 
recair sobre os seus bens. 
 
Art. 440: Nenhuma obrigação haverá para quem se 
comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, 
faltar à prestação. 
 
Na promessa de fato de terceiro, o promissário não beneficia o terceiro, 
mas se responsabiliza por uma prestação de terceiro. Este cumpre uma 
obrigação assumida por outrem, mas o único vinculado à promessa é o 
contratante. 
Não há ilicitude no negócio por meio do qual se promete que a 
prestação ajustada será desempenhada no futuro por um terceiro, pois 
inicialmente a obrigação à qual está vinculado o promitente impõe a ele 
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conseguir que terceira pessoa desempenhe o prometido, sob pena de 
indenizar os prejuízos nascidos de seu incumprimento, haja vista que a 
relação originária é ineficaz em relação ao terceiro. 
A ressalva trazida pelo art. 439 se baseia no seguinte fato: Imagine a 
hipótese de o cônjuge ter se comprometido a obter a autorização para 
prestar fiança ou obter a própria fiança do outro cônjuge, seu esposo ou 
esposa: a responsabilidade pela frustração da avença atingiria o patrimônio 
comum do casal. Assim, a promessa de fato de terceiro, em relação à 
cônjuges, depende da anuência de ambos os cônjuges, sendo os bens do 
casal objeto de resolução contratual caso necessário. 
 
Do contrato com pessoa a declarar 
Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma 
das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que 
deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele 
decorrentes. 
Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte 
no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro 
não tiver sido estipulado. 
Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será 
eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes 
usaram para o contrato. 
Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os 
artigos antecedentes, adquire os direitos e assume as 
obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento 
em que este foi celebrado. 
Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os 
contratantes originários: 
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I - se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se 
recusar a aceitá-la; 
II - se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o 
desconhecia no momento da indicação. 
Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no 
momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos 
entre os contratantes originários. 
 
Nessa modalidade, um dos contraentes pode reservar-se o direito de 
indicar outra pessoa para, em seu lugar, adquirir os direitos e assumir as 
obrigações dele decorrentes. O contratante pode reservar-se o direito de 
fazer figurar outra pessoa em sua posição contratual. 
❖ Há um único negócio jurídico que poderá sofrer um desvio na 
direção de seus efeitos, pois é pactuado em nome próprio e em 
nome alheio. 
❖ Se trata de negócio jurídico bilateral, que se aperfeiçoa com o 
consentimento dos contraentes, que são conhecidos. 
❖ Há indeterminação, inicialmente, com relação às partes. O 
contrato surgirá apenas com a estipulação do terceiro. 
❖ Comum nos compromissos de compra e venda de imóveis, nos 
quais ao promissário comprador atribui-se a faculdade de indicar 
terceiro para figurar na escritura definitiva. 
 
 
❖ A validade do negócio requer a capacidade e legitimação de 
todos os personagens, no momento da estipulação do contrato. 
❖ A cláusula que indica tal eleição deve ser expressa. 
ESTIPULANTE + PROMITENTE + ELECTUS 
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❖ A eleição de terceiro é feita de forma pura e simples, na 
celebração do contrato, sem qualquer ônus ou condição para o 
estipulante, colocando-o em situação idêntica ao contratante 
originário. O terceiro deve aceitar a condição de contratante. 
❖ Se a nomeação não for idônea ou a pessoa eleita for incapaz, no 
prazo e na forma corretos, o contratante originário permanece na 
relação contratual, assim como se o indicado era insolvente, com 
desconhecimento da outra parte. 
❖ Uma vez pactuado o contrato, a indicação do terceiro deverá ser 
promovida no prazo decadencial de cinco dias. 
❖ Uma vez aceita a eleição, o eleito adquire os direitos e assume as 
obrigações decorrentes do contrato a partir do momento em que 
este foi celebrado, afastando-se o estipulante definitivamente da 
relação negocial. 
 
Sobre a relatividade dos contratos, portanto,já restou claro que é 
plenamente possível que acordos pactuados entre dois particulares atinjam 
terceiros quando há o interesse das partes para que isso ocorra. Entretanto, 
nos casos em que terceiros são atingidos indiretamente, hão de ser 
respeitados os seus direitos. Assim, a leitura do princípio da relatividade das 
convenções pode ser ilimitada, estendendo-se aos terceiros a possibilidade 
de tutela de seu direito, de modo preventivo ou curativo, se lesados por 
negócio alheio. 
Há de se ter em mente que as restrições à autonomia privada não se dão 
apenas no momento da formação do contrato, pois, em sendo composto 
por um feixe de obrigações complexas que se desenvolvem como um 
processo, pretensos direitos, nascidos de vicissitudes surgidas no curso da 
relação negocial, devem ser exercidos à luz dos princípios vigentes, já que a 
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relação jurídica deve ser lida também durante seu desenvolvimento, 
homenageando-se o prisma funcional, e não apenas de modo estático, 
como olhos no plano meramente genético. 
Assim, os contratos devem respeitar os direitos de terceiros. Entretanto, a 
recíproca também é verdadeira: os terceiros devem respeitar contratos 
alheios.