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O PRINCÍPIO DO NON-RefOulemeNt NO DIREItO INtERNACIONAl CONtEmPORÂNEO ESCOPO, CONtEÚDO E NAtUREzA JURÍDICA www.lumenjuris.com.br Editores João Luiz da Silva Almeida Conselho Editorial Adriano Pilatti Alexandre Bernardino Costa Alexandre Morais da Rosa Ana Alice De Carli Anderson Soares Madeira André Abreu Costa Beatriz Souza Costa Bleine Queiroz Caúla Caroline Regina dos Santos Daniele Maghelly Menezes Moreira Diego Araujo Campos Elder Lisboa Ferreira da Costa Emerson Garcia Firly Nascimento Filho Flávio Ahmed Frederico Antonio Lima de Oliveira Frederico Price Grechi Geraldo L. M. Prado Gina Vidal Marcilio Pompeu Gisele Cittadino Gustavo Noronha de Ávila Gustavo Sénéchal de Goffredo Helena Elias Pinto Jean Carlos Dias Jean Carlos Fernandes Jeferson Antônio Fernandes Bacelar Jerson Carneiro Gonçalves Junior João Carlos Souto João Marcelo de Lima Assafim João Theotonio Mendes de Almeida Jr. José Emílio Medauar José Ricardo Ferreira Cunha Josiane Rose Petry Veronese Leonardo El-Amme Souza e Silva da Cunha Conselheiros beneméritos Denis Borges Barbosa (in memoriam) Marcos Juruena Villela Souto (in memoriam) Conselho Consultivo Lúcio Antônio Chamon Junior Luigi Bonizzato Luis Carlos Alcoforado Luiz Henrique Sormani Barbugiani Manoel Messias Peixinho Marcellus Polastri Lima Marcelo Ribeiro Uchôa Márcio Ricardo Staffen Marco Aurélio Bezerra de Melo Marcus Mauricius de Holanda Ricardo Lodi Ribeiro Roberto C. Vale Ferreira Salah Hassan Khaled Jr. Sérgio André Rocha Sidney Guerra Simone Alvarez Lima Victor Gameiro Drummond Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Antonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros Souza Caio de Oliveira Lima Francisco de Assis M. Tavares Ricardo Máximo Gomes Ferraz Filiais Sergio Ricardo de Souza Belo Horizonte – MG Rua Sousa Lima, 75 – CEP: 01153-020 Florianópolis – SC Barra Funda – São Paulo – SP Telefax (11) 5908-0240 http://www.lumenjuris.com.br/ mailto:sergio@lumenjuris.com.br mailto:cristiano@lumenjuris.com.br RODOlFO RIBEIRO COUtINHO mARQUES O PRINCÍPIO DO NON-RefOulemeNt NO DIREItO INtERNACIONAl CONtEmPORÂNEO ESCOPO, CONtEÚDO E NAtUREzA JURÍDICA EDItORA lUmEN JURIS RIO DE JANEIRO 2018 Copyright © 2018 by Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Categoria: Direitos Humanos PRODUÇÃO EDItORIAl Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Diagramação: Bianca Callado Foto de Capa: Giulio Piscitelli <https://giuliopiscitelli.viewbook.com/> A LIVRARIA E EDItORA lUmEN JURIS ltDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Impresso no Brasil Printed in Brazil CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE À memória de minha avó, Maria Julinda, que ensinou aos seus a amar o próximo, incondicionalmente. A Grace, José Guilherme e Vanessa, a quem devo tudo que tenho e sou. Às pessoas desenraizadas, a quem este es- tudo pertence. What kind of men are these? What land is this, that you can tolerate such barbaric ways? We are denied the sailor’s right to shore — attacked, forbidden even a footing on your beach. If you have no use for humankind and mortal armor, at least respect the gods. They know right from wrong. They don’t forget. (Virgil, Aeneid, Book I, 539–540, circa 70 a.C.–19 a.C.) Nota do Autor Esta obra é, sob novo título, o estudo que produzi, em parte, durante uma experiência acadêmica na Universidade de Lausanne e no Instituto Internacional de Direito Humanitário, tendo sido publicado, como working paper, no digesto da primeira conferên- cia anual da Refugee law Initiative (2016), ocorrida em Londres. As lições do Professor Toni Pfanner, em Lausanne, e do Professor Jean-François Durieux, em San Remo, foram essenciais para o de- senvolvimento deste manuscrito; a eles agradeço. De volta ao Brasil, e inquieto com a ausência de um livro em português sobre o tema, resolvi alargar o escopo de minha pesquisa, de modo a abarcar as peculiaridades do non-refoulement nos diferen- tes ramos jurídicos internacionais que protegem a pessoa humana, esforçando-me para elaborar um estudo completo. O propósito era dar ao princípio um conteúdo mínimo e discernível, transformando- -o em um conceito apto a ser usado, uniformemente, por instâncias judiciais e administrativas na salvaguarda dos direitos das pessoas migrantes no Brasil. Durante o período de pesquisa na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pude contar com a orientação atenta e rigorosa da Professora Alessandra Franca, titular da disciplina de Direito Internacional Público e uma das mais competentes docen- tes da casa. A ela agradeço pelas críticas e sugestões, as quais me ajudaram a aperfeiçoar o estudo e a moldá-lo em forma de livro. É para mim motivo de profunda satisfação que ela tenha assinado o prefácio desta obra. Também não posso deixar de fazer menção ao Professor Ralph Wilde, da University College london e meu confrè- re na International law Association, pelo privilégio de poder contar com uma apresentação de sua autoria. O desenvolvimento deste estudo também me acompanhou du- rante o período em que estagiei na Unidade de Proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em Brasília. Agradeço, portanto, aos colegas do ACNUR, que, de uma forma ou de outra, contribuíram para meu amadurecimento intelectual, descortinando a realidade da proteção internacional das pessoas refugiadas no Brasil. Agradeço, ainda, a Iago Morais de Oliveira e a Gustavo Troc- coli, queridos amigos e intelectuais, pela leitura crítica do manus- crito original. Seus apontamentos foram essenciais ao aperfeiçoa- mento do presente estudo. Finalmente, agradeço a atenção de Giulio Piscitelli, premiado fo- tógrafo italiano, por me haver presenteado com a foto que ilustra a capa desta obra. Piscitelli tem uma extensa e distinta carreira fotográ- fica, tendo organizado exposições em grandes eventos internacionais, tais como: International Festival of Journalism, Angkor Photo Festival, Visa Pour l’Image Festival. Dentre os grandes veículos de comunica- ção que publicaram seus trabalhos fotográficos, incluem-se: Interna- zionale, New York Times, Espresso, Stern, Newsweek, Vanity Fair, Time e la Stampa. Nos últimos anos, Piscitelli vem acompanhando crises internacionais, como a guerra na Síria, o conflito na Ucrânia, o golpe militar no Egito e o drama dos migrantes no Mediterrâneo1. Também sou grato a Adriana Gabinio, minha companheira de vida e grande incentivadora de meus projetos. Por fim, quero registrar o sempre incondicional apoio que recebi de José Guilherme e Grace Julinda, meus pais, e de Vanessa Julinda, minha irmã. A eles, minha família, este livro é dedicado. R.R.C.M. 1 Os trabalhos de Giulio Piscitelli podem ser acessados no seguinte endereço eletrônico: <https://giuliopiscitelli.viewbook.com/>. Prefácio O Rouxinol e a Andorinha ou as Razões do Non-Refoulement Numa das muitas fábulas atribuídas a Esopo, relata-se que o rouxinol, perguntadopela andorinha o porquê de não construir sua casa no telhado dos homens, responde que prefere viver e can- tar no deserto a habitar na proximidade das antigas desventuras. O medo do retorno é sentimento que só compreende quem vive dores de dimensões incalculáveis, como a tragédia da guer- ra. São essas fraturas sociais que obrigam milhares de pessoas a escolher o deserto da fuga em detrimento da permanência no inferno dos seus lares, e é para um mundo de rouxinóis que o direito internacional reconhece a necessidade de se garantir o princípio do non-refoulement. É de se espantar, todavia, que o homem, só ou em sociedade, à diferença da andorinha, que parece compreender o lamento do rouxinol na fábula, necessite do estabelecimento de um tal prin- cípio, a fim de evitar a devolução compulsória de seres com dores tão profundas ao mesmo país de onde partiram na intenção de escapar dos seus horrores. A obra ora entregue a público, fruto de uma pesquisa rigorosa de um aluno inquieto com as dores do mundo, cujo desenvolvi- mento pude acompanhar, trata exatamente de como o princípio, que, segundo ele, seria a “pedra angular da proteção internacional das pessoas forçadas a migrar”, se expande a partir do regime in- ternacional dos refugiados para outros regimes relacionados com o homem de maneira mais ampla. XI Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques parte da imagem real da criança síria às margens do mediterrâneo, que, em meio à tragé- dia, escancarou a face da crise migratória contemporânea e deu sinais da dimensão da dor de quem busca o refúgio. Uma imagem dilacerante que nos permite compreender o lamento do rouxinol. A tentativa é impedir que se cogite devolver alguém em tais cir- cunstâncias à sua antiga morada. Ancorado na essencialidade da não-devolução, a obra tem, como porto de partida, a origem histórico-conceitual do princí- pio no regime jurídico dos refugiados, e, como trajetória, tanto o regime internacional dos direitos humanos, dentro do qual se confere ao non-refoulement natureza peremptória pelo conceito de jus cogens, quanto o regime do direito humanitário, mais especifi- camente relacionado ao direito de Genebra, que o coloca dentre as “considerações elementares de humanidade”. O autor, que continuará seu percurso de pesquisador de Direito Internacional, agora no Mestrado do prestigioso Institut de hautes étu- des internationales et du développement (IHEID), em Genebra, aponta, nas considerações finais, que o non-refoulement é uma regra comum de regimes que se complementam na proteção do indivíduo e que só faz sentido numa interpretação sistêmica e coordenada, devendo abrigar todo aquele que migra, e, principalmente, aqueles que o fazem a contrario sensu. Segundo o World Migration Report 2018, são cres- centes na contemporaneidade as migrações por conflito, perseguição, condições climáticas, falta de segurança ou oportunidade. É importante que se diga que o dever de não-devolução do indivíduo é apenas um primeiro passo e que há ainda um longo percurso a ser empreendido para que possamos falar em verdadeira acolhida do sofrimento. O progresso do direito internacional na direção da humanização, como diria Cançado Trindade, é uma tendência iniciada com a construção desses regimes em tempos e circunstâncias diversas. XII XIII Em setembro de 2016, travou-se uma grande discussão sobre o tema da migração na Assembleia Geral das Nações Unidas, ocasião em que foi adotada a Declaração de Nova Iorque para refugiados e migrantes. Na mesma esteira, tem-se organizado uma grande conferência intergovernamental prevista para dezembro de 2018, quando se pretende adotar um Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular. Os dois instrumentos fogem à forma dos tratados clássicos e vinculantes e não se concentram sobre o princípio do non-refoulement, mas procuram implementar avanços em aspectos da acolhida, como o reassentamento, a reunião fami- liar, a oportunidade de trabalho ou educação e, principalmente, em um aspecto até então negligenciado: a cooperação, inclusive financeira, entre países, em prol dos refugiados. O nível sem precedentes de pessoas em movimento, subli- nhado pelo Alto-Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, diante da Assembleia Geral das Nações Unidas mostra como o tema continua na Ordem do Dia. As questões relativas ao refúgio, a começar, obviamente, pelo non-refoulement cons- tituem um “dedo na ferida” das relações internacionais, um in- cômodo que o direito internacional precisa enfrentar para que rouxinóis — eles ou nós — (já que nunca se sabe em que lado da demanda estaremos) possam cantar livremente, sem necessaria- mente habitar no deserto. Profa. Dra. Alessandra Correia lima Macedo Franca Professora de Direito Internacional Público da UFPB Doutora em Direito Internacional pela Universidade de Genebra Apresentação It is a great pleasure to introduce this very important book by Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques. The adoption and refinement of an obligation of non-re- foulement is one of the most significant progressive develop- ments in international human rights law. It provides important “complementary” protection to that offered in refugee law, in terms of both substantive scope, and the potential involvement of national, regional and international enforcement and scru- tiny modalities. This key normative development has occurred alongside a continued process of global mass migration, which has, because of the numbers involved, been described in recent years as a “crisis”. Whatever the merits of this designation, it is certainly the case that the matter the non-refoulement obli- gation addresses—whether or not states can send people back from or within their borders (and sometimes their control ex- traterritorially) if they face a real risk of certain forms of hu- man rights abuse—is of fundamental significance to migration movements, acting as a major constraint on the freedom of states to control their borders. Given the contemporaneous phenomenon of populist surg- es in nativism, nationalism, xenophobia and racism in many countries, this area of law seeks to mediate an area of state policy where the stakes are very high. In this context, the pres- ent book is an invaluable contribution in providing a detailed and comprehensive treatment of the non-refoulement topic as a matter of the inter-American human rights system, which is often overlooked in scholarly works, where a focus on the XV European system tends to predominate. As such, it looks set to be an important resource for both scholars and practitioners of migration law and human rights law in general, and refugee law in particular. Prof. Dr. Ralph Wilde Professor de Direito Internacional da University College london Doutor em Direito pela Universidade de Cambridge (Yorke Prize) XVI Sumário Prefácio – O Rouxinol e a Andorinha ou as Razões do Non-Refoulement ..................................................................... XI Apresentação................................................................................ XV Introdução ........................................................................................ 1 Capítulo 1 – O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional dos Refugiados ........................................... 7 I. Origens e evolução ............................................................................ 7 II. O princípio do non-refoulement na Convenção de 1951 ............................................................................ 17 1 A responsabilidade do Estado pela violação do artigo33(1) ................................................................................... 29 2 Exceções pessoais ao non-refoulement segundo o artigo 33(2) .................................................................................... 33 2.1 A relação entre o artigo 33(2) e o artigo 1(F) ............... 34 2.2 A hipótese do perigo à segurança do estado de refúgio ........................................................................... 37 2.3 A hipótese da ameaça à comunidade do país de refúgio ................................................................................ 38 3. O caso dos fluxos em massa e a observância do artigo 33 ........................................................................................ 40 Capítulo 2 – Das Obrigações de Non-Refoulement no Direito Internacional dos Direitos Humanos e Além ............. 45 I. Non-refoulement como parte integrante de proibições de jus cogens ....................................... 50 1 Jus cogens: natureza, efeitos e consequências jurídicas ........ 50 XVII 1.1 Do conteúdo material das normas de jus cogens ..... 55 2 Obrigações de non-refoulement e o direito à integridade física, psíquica e moral na jurisprudência dos órgãos universais e regionais de supervisão de direitos humanos .............................................................................. 56 II. Obrigações de non-refoulement e o direito ao asilo ................. 67 III. Non-refoulement como norma costumeira ................................ 72 1 Do costume internacional .......................................................... 72 2 Da cristalização do non-refoulement ..................... 75 Capítulo 3 – Ecos do Non-Refoulement no Direito Internacional Humanitário ..................................................... 85 I. Direito internacional humanitário: essência e escopo ............ 85 II. Proibição de transferências no Direito de Genebra ................ 91 1 Do artigo 45 da Quarta Convenção de Genebra: proibição de transferências.............................................................. 95 2 Do Artigo 3, comum às Convenções de Genebra: considerações elementares de humanidade aplicáveis aos casos de conflitos armados .................................................... 100 Reflexões Finais ............................................................................ 103 I. Ramos de uma mesma videira ..................................................... 103 II. Epílogo: não é lícito relegar hóspedes sem culpa ................... 104 Referências .................................................................................. 107 XVIII Lista de Abreviaturas ACNUR/UNHCR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados CADH – Convenção Americana sobre Direitos Humanos CAI – Conflitos Armados Internacionais CANI – Conflitos Armados Não-Internacionais CDFUE – Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia CDI – Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas CEDH – Convenção Europeia de Direitos Humanos CICV/ICRC – Comitê Internacional da Cruz Vermelha CIJ/ICJ – Corte Internacional de Justiça CrtIDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos CrtEDH – Corte Europeia de Direitos Humanos CVDT – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados DADH – Declaração Americana de Direitos Humanos DIDH – Direito Internacional dos Direitos Humanos DIH – Direito Internacional Humanitário DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos ECOSOC – Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ExCom – Comitê Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados IIHL/IIDH – Instituto Internacional de Direito Humanitário PAREAII – Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade dos Estados por Atos Internacionalmente Ilícitos XIX PIDCP – Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos OIM – Organização Internacional para as Migrações ONU/UN – Organização das Nações Unidas OUA – Organização da Unidade Africana XX Introdução Em 2015, a imagem do menino sírio Alan Kurdi deitado, sem vida, às margens do Mar Mediterrâneo, em uma praia turca, es- tampou capas de jornais ao redor do mundo, dando uma face humana à crise migratória mais aguda desde a Segunda Guerra Mundial. Kurdi era mais uma pessoa migrante a morrer às portas da Europa, em busca de refúgio1. De acordo com o Alto Comissa- riado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 2016, 65.6 milhões de pessoas estavam desalojadas em razão de persegui- ção, violência, conflitos armados ou maciças violações de direitos humanos2. Destas, 22.5 milhões encontravam-se em situação de refúgio, ou seja, estavam fora de seu país de origem por possuírem fundado temor de perseguição em razão de sua raça, religião, na- cionalidade, opinião política ou simplesmente por pertencerem a determinado grupo social. Entretanto, a maioria das pessoas des- locadas — algo em torno de 40 milhões — não havia atravessado uma fronteira internacional, dependendo, ainda, da proteção de seu Estado — por vezes, o próprio agente perseguidor. Boa par- te desses migrantes forçados eram crianças, assim como Kurdi3. Subjacente ao motivo que obrigou essas pessoas a migrar, de modo 1 Naquele ano cerca de 3.771 pessoas migrantes morreram afogadas no Mar Mediterrâneo, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Disponível em: <https://www.iom.int/news/iom-counts-3771-migrant- fatalities-mediterranean-2015>. Acessado em: 27 de mar. 2018. 2 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (ACNUR). Global Trends: Forced Displacement in 2016. Geneva, 2017. Disponível em: <http://www.unhcr.org/5943e8a34.pdf>. Acesso em: 08 de set. 2017. 3 Pessoas abaixo dos 18 anos constituem 51% da população global de refugiados. In: ibidem. 1 http://www.iom.int/news/iom-counts-3771-migrant- http://www.unhcr.org/5943e8a34.pdf Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques implícito ou explícito, está o desejo de se viver uma vida digna e pacífica, longe da violência generalizada e da perseguição odiosa. Com efeito, a crise migratória que se alardeia é, em sua es- sência, uma crise de valores: nega-se à pessoa migrante a sua condição de humana, passando esta a ser encarada como es- tranha, forasteira, supérflua4. O recrudescimento das barrei- ras — físicas e jurídicas — com vistas a rechaçar pessoas em busca de proteção é mais um sinal dos tempos obscuros em que vivemos. À vista disso, faz-se necessário reafirmar, hoje mais do que nunca, o valor da pessoa humana enquanto valor-fonte do ordenamento jurídico internacional e, portanto, como seu fundamento último de legitimidade5. Nesse sentido, a presente obra tem o propósito de analisar a mola mestra da proteção internacional das pessoas migrantes: o non-refoulement, entendido como a garantia que a pessoa migran- te possui de não ser retornada compulsoriamente a territórios em que corra o risco de sofrer certas violações de direitos humanos. No Direito Internacional dos Refugiados, o princípio do non- -refoulement (ou da não-devolução) proíbe o envio da pessoa refu- giada a qualquer território em que a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude de sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertencimento a determinado grupo social. Em razão de seu conteúdo humanitário e de sua essencialidade para a proteção internacional das pessoas migrantes, o non-refoulement expandiu-se para outros ramos do Direito das Gentes, tomando diferentes formas e contornos — tendo-se cristalizado, inclusive, como norma costumeira. 4 Cf. ANGIER, Michel. Managing the Undesirables: Refugee Camps and Humanitarian Government. Cambridge/Malden: Polity Press,2011. pp. 1–4. 5 Cf. LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um Diálogo com o Pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 28. 2 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo No corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Huma- nos, por exemplo, a proibição do refoulement é encarada como uma obrigação implícita das proibições peremptórias, tais como, inter alia, a interdição da tortura e das penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, sendo, portanto, mais abrangente. En- quanto no Direito Internacional dos Refugiados o escopo ratione personae do non-refoulement está circunscrito à condição de refu- giado — ou à expectativa do seu reconhecimento —, no Direito Internacional dos Direitos Humanos a não-devolução é considera- velmente mais ampla, protegendo todos, sem distinções quanto à pessoa do beneficiário ou ao seu status migratório, servindo como safety net para aqueles não agasalhados pela definição de refugiado. Também sob o Direito Internacional Humanitário, a saí- da compulsória da pessoa migrante sofre temperamentos, sendo vedadas transferências ou deportações de pessoas protegidas em tempos de ocupação ou durante conflitos armados. Trata-se, com efeito, de um trabalho acadêmico voltado à aná- lise jurídica do non-refoulement, com vistas a estabelecer um re- ferencial teórico mais objetivo quanto à delimitação do escopo, conteúdo e natureza jurídica da referida norma no Direito Inter- nacional contemporâneo, considerando, para tanto, as suas ma- nifestações no Direito Internacional dos Refugiados, no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Internacional Humanitário. Desse modo, dois são os objetivos principais que este estudo ambiciona alcançar. O primeiro é demonstrar a es- sencialidade do non-refoulement para a proteção internacional das pessoas migrantes, ressaltando o seu caráter preventivo, uma vez que não há que se falar em proteção internacional sem o devido respeito à não-devolução. Nota-se, nesse sentido, que o princípio do non-refoulement tem berço na clássica doutrina da hospitali- dade, defendida pelos Pais Fundadores do Direito Internacional, segundo a qual não era lícito relegar hóspedes sem culpa. O segun- 3 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques do objetivo é analisar a natureza jurídica do non-refoulement, bem como discernir o seu escopo e conteúdo. Procura-se identificar, a esse respeito, suas dimensões ratione materiae, ratione personae e ratione loci nos diferentes ramos jurídicos de proteção interna- cional dos direitos da pessoa humana. O propósito que se busca é transformar o non-refoulement em um conceito apto a ser utilizado, de maneira uniforme, por instâncias administrativas e judiciárias na salvaguarda dos direitos das pessoas migrantes. Convém dizer que, nesta obra, o termo “pessoas migrantes” abarca não apenas “pessoas refugiadas”, mas todas as pessoas de- senraizadas, i.e., aquelas que se veem obrigadas a deixar suas casas, comunidades, países de origem ou de residência habitual em razão de perseguição odiosa, violência generalizada, conflitos armados ou graves e generalizadas violações de direitos humanos. Este ensaio divide-se em três capítulos dedicados à análise dos fundamentos jurídicos do non-refoulement. O primeiro capítulo trata do princípio do non-refoulement no Direito Internacional dos Refugiados. Inicia-se pelo estudo da sua progressiva consolidação pari passu com a evolução do regime jurí- dico de proteção às pessoas refugiadas, desde Vitória à criação das Nações Unidas. Em um segundo momento, passa-se a um exame mais detalhado do escopo e do conteúdo do artigo 33 da Conven- ção de 1951, a Magna Carta dos Refugiados, o qual veda a devo- lução de pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio, ao tempo que elabora exceções pessoais a essa regra. O segundo capítulo cuida das obrigações de non-refoulement no corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Especial atenção é dada às proibições de jus cogens, ou seja, às in- terdições de caráter absoluto, as quais não comportam derrogação. Procura-se demonstrar, a esse propósito, que as proibições abso- lutas que protegem direitos humanos implicam, necessariamente, um dever de não-devolução. Como exemplo capaz de ilustrar esse 4 5 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo argumento, utiliza-se, a partir de uma análise jurisprudencial, a proibição absoluta da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Examina-se, ainda, a contri- buição das obrigações de não-devolução para a contenção da dis- cricionariedade dos Estados em matéria de asilo — aqui enten- dido em seu sentido lato, ou seja, como a proteção garantida por um Estado, em seu território ou em algum outro local controlado por seus agentes, a um indivíduo que lhe solicite. A última parte do capítulo ocupa-se de investigar o processo de cristalização do non-refoulement no costume internacional, confirmando que há, de fato, uma prática consistente e uniforme que reconhece que o refoulement é inaceitável, bem como a convicção de que sua proi- bição decorre de um mandamento jurídico. O terceiro e último capítulo é dedicado a registrar os ecos do non-refoulement no Direito Internacional Humanitário. Para fazê- -lo, estuda-se, em princípio, a natureza e a essência do Direito Internacional Humanitário enquanto corpus jurídico, sublinhan- do suas peculiaridades. Passa-se, então, à análise da proibição das transferências de pessoas protegidas segundo o Direito de Gene- bra, tanto à luz do artigo 45 da Quarta Convenção de Genebra quanto sob o prisma dos princípios de humanidade aplicáveis nos casos de conflitos armados, encapsulados no artigo 3, comum às Convenções de Genebra. O campo estará então aberto à exposição das reflexões finais. Capítulo 1 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional dos Refugiados I. Origens e evolução Em 1539, Francisco de Vitória, com fundamento no Direito Natural, assim defendeu o dever de hospitalidade e a liberdade de locomoção: Com efeito, em meio a todos os povos se tem por desu- mano o que, sem nenhuma causa especial, receba mal hóspedes e peregrinos. Inversamente, porém, é humano e civilizado tratar bem os hóspedes (...). [D]esde o prin- cípio do mundo (quando tudo era comum) era lícito a quem quer que desejasse ir a não importa que região, a ela se dirigir e peregrinar. Ora, não parece que isso tenha sido eliminado pela divisão das coisas. Nunca, de fato, foi intenção das gentes, por meio daquela divisão, tolher a comunicação dos homens entre si e, por certo, teria sido desumano nos tempos de Noé.6 6 VITÓRIA, Francisco de. Relectiones: Sobre os Índios e Sobre o Poder Civil. Brasília: FUNAG, 2016. pp. 145–146. A noção de hospitalidade enquanto direito viria a ser revisitada por Kant, em seu terceiro artigo definitivo para a Paz Perpétua, em que cuida do direito de um estrangeiro a não ser tratado com hostilidade em virtude da sua vinda ao território de outro. Seu argumento tem por lastro o direito comum à posse da terra. Como ressalta Gabriel Gualano de Godoy, a hospitalidade na acepção de Kant se consubstancia em um “direito do estrangeiro de não ser tratado como inimigo”, o que resulta em um direito de visita ou de permanência temporária em um Estado. In: GODOY, Gabriel Gualano de. O direito do outro, o outro do 7 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Na visão do Mestre de Salamanca, hospitalidade e liberda- de de locomoção eram dois conceitos necessariamente ligados, dando respaldo ao direito de comunicação entre os seres hu- manos (jus communicationis)7,que, por sua vez, estribava-se na natureza socializadora da pessoa humana (naturalis societas et communicationis)8. De acordo com Vitória, “a amizade entre os seres humanos faz parte do Direito Natural”, sendo contrário à natureza “evitar o consórcio dos homens inofensivos”9. Assim, a recusa imotivada em acolher estrangeiros era reconhecida como ato naturalmente perverso. O princípio da liberdade de locomoção, esposado por Vitória, viria a ser esmerado por Hugo Grócio em sua obra Mare libe- rum10, publicada em 1609. Para o jusinternacionalista holandês, que se preocupou em definir o conteúdo do aludido princípio, a liberdade de locomoção comporta dois elementos: o direito do indivíduo de deixar seu próprio país e a garantia de permane- cer em uma nação estrangeira11. Citando Cícero, Grócio afirma que “é nosso dever ter compaixão para com aqueles cuja miséria não decorre de seus crimes, mas do infortúnio”12. Hugo Grócio acreditava que a liberdade de locomoção era norma de vocação direito: cidadania, refúgio e apatridia. Revista Direito e Praxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 15, p. 59, 2016. 7 O jus communicationis de Vitória reflete um conceito mais amplo de Direito Internacional, o qual se baseia na reciprocidade e na igualdade entre os povos e no respeito a seus direitos, bem como na unidade fundamental do gênero humano. 8 CHETAIL, Vincent. Sovereignty and Migration in the Doctrine of the Law of Nations: An Intellectual History of Hospitality from Vitoria to Vattel. The European Journal of International law, Florence, v. 27, n. 4, p. 904, 2016. 9 VITÓRIA, Op. Cit., p. 146. 10 GRÓCIO, Hugo. Mare liberum 1609–2009. Leiden: Brill Nijhoff, 2004. p. 25. 11 CHETAIL, Op. Cit., 2016, a, p. 909. 12 Ibidem. 8 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo universal, constituindo-se uma manifestação da “sacrossanta lei da hospitalidade”13. Para ambos, entretanto, a liberdade de mo- vimentação não era um direito absoluto; o direito de permanecer em um Estado estrangeiro prescindia, pois, de uma justa causa, ou seja, de um motivo legítimo. Em verdade, a liberdade de locomoção foi a regra por boa par- te da história da humanidade14. A recepção de estrangeiros era vista como uma forma de fortalecer o Estado, dando-lhe vigor de- mográfico e econômico15. Nem mesmo a emergência do Estado nacional — e do princípio da soberania territorial —, por ocasião da Paz de Vestfália, em 1648, vexou a liberdade de movimentação transfronteiriça, a qual perduraria até o século XIX, quando a imi- gração passou a ser restringida16. Nesse mesmo período, o conceito jurídico de asilo — aqui en- tendido em seu sentido lato17 — e o princípio da não-extradição por crimes políticos seriam concretizados18, lançando as bases do que viria a ser o princípio da não-devolução das pessoas refugia- das. A regra da não-extradição de ofensores políticos começara a ser aceita pela prática internacional já no segundo quartel do século XIX, ganhando expressão com o tratado de extradição ce- lebrado entre França e Bélgica, em 183419. À época, o princípio da 13 Ibidem, p. 907. 14 Ibidem, p. 922. 15 Ibidem. 16 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 20. 17 Ou seja, como a proteção garantida por um Estado, em seu território ou em algum outro local controlado por seus agentes, a um indivíduo que lhe solicite. 18 GOODWIN-GILL, Guy. S.; MCADAM, Jane. The Refugee in International law. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 202. 19 SHEARER, Ivan. A. Extradition in International law. Manchester: Manchester University Press, 1971. p. 18. 9 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques não-extradição refletia um sentimento comum de que uma pessoa perseguida por seu próprio governo merecia ser protegida20. Além disso, tal princípio guardava relação com o receio de que, acaso retornado ao país postulante, o delinquente político fosse punido de forma desproporcional21. No início do século passado, a questão dos migrantes forçados passou a ser uma preocupação internacional e reclamou uma res- posta conjunta da comunidade internacional, com vistas à prote- ção das pessoas refugiadas. Assim, o regime jurídico de proteção às pessoas refugiadas começa a se desenvolver no início da década de 1920, sob os auspícios da Liga das Nações, em resposta à crise dos refugiados russos, catapultada pelos eventos que sucederam à Revolução Bolchevique (1917)22. Desde essa época, a vedação do refoulement era entendida como pedra angular da doutrina de proteção das pessoas refugiadas, uma vez que, para proteger o in- divíduo, era necessário tê-lo fisicamente em território controlado pelo Estado protetor23. Com efeito, tanto a Liga das Nações quanto o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) concordavam que os refugiados russos só poderiam ser retornados caso as “mais 20 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 202. 21 DEERE, Lora. L. Political Offenses in the Law and Practice of Extradition. The American Journal of International law, Cambridge, v. 27, n. 2, p. 250, 1933. 22 GODOY, Gabriel Gualano de. Indigenous Peoples in a Refugee-Like Situation: Living on the Border Between Colombia and Brazil. Birkbeck law Review, London, v. 3, n. 2, p. 341, 2015. 23 O termo “refúgio” tem origem no vocábulo latino “refugium”, cunhado no século XIII para designar um local no qual uma pessoa perseguida, ameaçada ou em perigo poderia se abrigar em segurança. Assim, rechaçar pessoas em busca de abrigo desnaturaria o propósito do refúgio. Cf. METOU, Brusil Miranda. Le droit au refuge. In: GOODWIN-GILL, Guy S.; WECKEL, Philippe (Org.). Protection des migrants et des réfugiés au XXIe siècle: Aspects de droit international/Migration and Refugee Protection in the 21st Century: International Legal Aspects. Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers/Hague Academy of International Law, 2015. pp. 561–593. 10 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo elementares garantias de segurança lhes fossem avalizadas” e ain- da que “as condições de vida fossem ao menos equivalentes àque- las que eles encontraram no país que lhes acolheu”24. Com a aparição de novas categorias de refugiados, a proteção jurídica originalmente desenhada para os refugiados russos viria a ser expandida. A senda dos migrantes armênios — que eram apro- ximadamente 400.000, em setembro de 192325 —, sobreviventes de um dos maiores massacres do século26, sensibilizou a comuni- dade internacional. Destarte, a partir de 1924, sob os auspícios da Liga das Nações, foram adotados diversos acordos internacionais com o intuito de salvaguardar, também, refugiados armênios27. Entrementes, em 1928, celebrou-se o Acordo Relativo ao Estatu- to Jurídico dos Refugiados Russos e Armênios28, que, apesar do caráter recomendatório, ensaiou a formulação, no plano interna- cional, de um estatuto legal para as pessoas refugiadas29. O item 24 GOODWIN-GILL, Guy. S. International refugee law — yesterday, today, but tomorrow? (Working Paper N. 16). RlI Working Paper Series Special Edition, London, p. 3, 2017. 25 ANDRADE, José H. Fischel de. Direito Internacional dos Refugiados: Evolução Histórica (1921–1952). Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1996, p. 50. 26 Estima-se que 1.5 milhão de pessoas foram mortas no Genocídio Armênio (1915– 1923). In: KFINER, John. Armenian Genocide of 1915: An Overview. The New York Times, New York, [2007]. Disponível em: <http://www.nytimes.com/ref/ timestopics/topics_armeniangenocide.html>. Acesso em: 08 set. 2017. 27 Em 1926, o Alto Comissariado identificou aproximadamente 150 mil pessoas, de oito nacionalidades, em situação análoga à dos migrantes russos e armênios. Entretanto, questões políticas afetaram a inclusão destasoutras nacionalidades entre aquelas que mereciam ser protegidas. Cf. GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 17. 28 Cf. LIGA DAS NAÇÕES. Arrangement Relating to the legal Status of Russian and Armenian Refugees. League of Nations Treaty Series, v. LXXXIX, n. 2005. [Geneva]: 30 jun. 1928. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/3dd8cde56.html>. Acesso em: 09 set. 2017. Doravante “Acordo de 1928”. 29 ANDRADE, Op. Cit., p. 56. 11 http://www.nytimes.com/ref/ http://www.refworld.org/docid/3dd8cde56.html Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques 7 do aludido Acordo trazia limites à saída compulsória de pessoas refugiadas, antecipando o que viria a se tornar o princípio do non- -refoulement no Direito Internacional dos Refugiados. De acordo com o referido dispositivo, recomendava-se que as medidas para a expulsão de estrangeiros não fossem aplicadas aos refugiados rus- sos e armênios quando estes não estivessem em condições de en- trar em um país vizinho de forma regular. A exceção, entretanto, verificar-se-ia na hipótese de o refugiado ter entrado no país tão somente com a intenção de molestar a lei nacional30. Contudo, a não-devolução só seria incorporada a um instru- mento internacional compromissivo em 1933, com a celebração da Convenção sobre o Estatuto Internacional dos Refugiados31. Apesar de contar com apenas 8 ratificações32, a Convenção de 1933 teve especial importância para a construção do Direito Inter- nacional dos Refugiados, ampliando a proteção internacional em sua dimensão ratione personae33 e, abstratamente, servindo de mo- delo para o tratamento jurídico que haveria de ser adotado à causa dos refugiados. Deve-se lembrar que questões atinentes à expulsão de não-nacionais, bem assim à possibilidade de recepção de es- trangeiros são temas afetos à soberania estatal; assim sendo, os Estados viam — como também hoje veem — as limitações à sua soberania com certa desconfiança, em especial quanto à admissão 30 Na versão original, “[i]t is recommended that measures for expelling foreigners or for taking other such action against them be avoided or suspended in regard to Russian and Armenian refugees in cases where the person concerned is not in a position to enter a neighbouring country in a regular manner. This recommendation does not apply in the case of a refugee who enters a country in intentional violation of the national law.” 31 Doravante “Convenção de 1933”. 32 Ratificaram a Convenção: Bélgica, Reino Unido, Noruega, Bulgária, Tchecoslováquia, Irlanda, França e Egito. 33 Ao definir seu escopo de aplicação, o artigo 1 da Convenção de 1933 não se limitou aos refugiados russos e armênios, ampliando seu leque de proteção para abarcar, também, “refugiados assimilados”. 12 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo de estrangeiros. Prova disso são as reservas opostas à Convenção de 1933 acerca da matéria34. O artigo 3 da Convenção previa que cada Estado pactuan- te comprometia-se a não remover ou impedir a entrada de re- fugiados que foram autorizados a residir regularmente em seu território, por meio de medidas policiais, tais como expulsão ou não admissão nas fronteiras, exceto quando se tratasse da pre- servação da segurança nacional ou da ordem pública. Ainda, comprometiam-se a, sob qualquer circunstância, não recusar a admissão de refugiados na fronteira de seus países de origem35. Cabe notar que, a priori, na versão francesa36, o vocábulo re- foulement aparecia como alternativa à expulsão, traduzindo-se como “não admissão nas fronteiras” ou “rejeição”, “rechaço”37. Não obstante o seu pioneirismo, a grande limitação da Conven- ção de 1933 — para além do baixo número de ratificações — foi a possibilidade de comportar reservas a quase todos dispositivos, inclusive àqueles mais fundamentais, como o que previa a defini- ção de refugiado e o que interditava o refoulement. 34 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 202. 35 Na versão original, “[e]ach of the Contracting Parties undertakes not to remove or keep from its territory by application of police measures, such as expulsions or non-admittance at the frontier (refoulement), refugees who have been authroised to reside there regularly, unless the said measures are dictated by reasons of national security or public order. It undertakes in any case not to refuse entry to refugees at the frontiers of their countries of origin.” In: LIGA DAS NAÇÕES. Convention Relating to the International Status of Refugees. League of Nations, Treaty Series v. CLIX, n. 3663. Geneva, 28 out. 1933. Disponível em: <http://www. refworld.org/docid/3dd8cf374.html>. Acesso em: 14 set. 2017. 36 Cf. TAGER, Paul. Convention Relative au Statute International des Réfugiés du 28 octobre 1933 — annotée. Journal du Droit International (Clunet), Paris, v. 63, pp. 1136–1157, 1936. 37 Em francês, “[c]hacune des Parties contractantes s’engage à ne pas éloigner de son territoire par application de mesures de police, telles qu’expulsion ou refoulement, les réfugiés ayant été autorisé à y séjourner régulierment, à moins que les dites mesures ne soient dictées par des raisons de sécurité nationale ou d’ordre public.” In: ibidem, p. 1144. 13 http://www/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Antes de se consolidar em definitivo como princípio do Direi- to Internacional dos Refugiados, com a celebração da Conven- ção de 1951, a não-devolução ainda se manifestaria em outros instrumentos internacionais, a exemplo dos acordos relativos à proteção de refugiados alemães, de 1936 e 1938 — período em que Hitler recrudescia a perseguição às minorias e intensifica- va a desnacionalização em massa38. Pela urgência da situação, optou-se, a princípio, por elaborar um instrumento jurídico de caráter provisório, que estabelecesse garantias mínimas às pes- soas refugiadas de origem alemã. Com efeito, em 1936, adotar- -se-ia o Acordo Provisório Referente ao Estatuto dos Refugiados Provenientes da Alemanha39, cujo artigo 4 tratava dos limites às medidas administrativas que resultassem em expulsão. Segundo o dispositivo, refugiados que tivessem sido autorizados a residir em determinado país não poderiam ser submetidos, por suas au- toridades, a medidas de expulsão ou retornados à fronteira, a menos que por razões de segurança nacional ou manutenção da ordem pública. Em nenhum caso, contudo, poderia a pessoa re- fugiada ser enviada à fronteira do Reich40. 38 LAFER, Op. Cit., p. 198. 39 Cf. LIGA DAS NAÇÕES. Provisonal Arrangement concerning the Status of Refugees Coming from Germany. League of Nations Treaty Series, v. CLXXI, n. 3952. Geneva, 4 jul. 1936. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/3dd8d0ae4.html>. Acesso em: 15 set. 2017. Doravante “Acordo de 1936”. 40 Na versão original, “(1) In every case in which a refugee is required to leave the territory of one of the contracting countries, he shall be granted a suitable period to make the necessary arrangement. (2) Without prejudice to the measures which may be taken within the country, refugees who have been authorised to reside in a country may not be subject by the authorities of that country to measures of expulsion of be sent back across the frontier unless such measures are dictated by reasons of national security or public order. (3) Even in this last-mentioned case the Governments undertake that refugees shall not be sent back across the frontier of the Reich unless they have been warned and have refused to make the necessary arrangements to process to another country or to take advantage of the arrangements made for them with that object.” 14 http://www.refworld.org/docid/3dd8d0ae4.html O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Sucedendo ao Acordo de 1936, a Convenção Relativa ao Esta-tuto dos Refugiados provenientes da Alemanha, de 193841, trouxe garantias mais robustas aos refugiados alemães, além de ter mar- cado a fase de transição entre a abordagem coletivista da proteção das pessoas refugiadas e uma centrada na perseguição individua- lizada42, a qual tem por base a condição pessoal do indivíduo43. O artigo 5 da Convenção de 1938 replicou, em grande parte, o artigo 4 de sua antecessora44. Com o término da Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, uma nova era para o Direito In- ternacional dos Refugiados floresceria. Já nos primeiros anos da ONU, a proteção internacional das pessoas refugiadas começa- ra a ganhar robustez, e, por consequência, fortificava-se o non- -refoulement. Assim, em 1946, a Resolução 8(1) da Assembleia Geral das Nações Unidas aceitou expressamente que refugiados ou pessoas deslocadas que tivessem “objeções válidas” a retornar 41 Cf. LIGA DAS NAÇÕES. Convention concerning the Status of Refugees Coming from Germany. League of Nations Treaty Series, v. CXCII, n. 4461, p. 59. Geneva, 10 fev. 1938. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/3dd8d12a4.html>. Acesso em: 15 set. 2017. Doravante “Convenção de 1938”. 42 ANDRADE, Op. Cit., p. 103. 43 Assim, a perseguição deve se dar em razão da raça, religião, nacionalidade, opinião política ou grupo social ao qual pertence o indivíduo. Essa é a abordagem adotada pela Convenção de 1951, como veremos. 44 Na versão original, “(…) [w]ithout prejudice to the measures which may be taken within the country, refugees who have been authorised to reside in a country may not be subject by the authorities of that country to measures of expulsion of be sent back across the frontier unless such measures are dictated by reasons of national security or public order. (…) Even in this last-mentioned case the Governments undertake that refugees shall not be sent back across the frontier of the Reich unless they have been warned and have refused to make the necessary arrangements to process to another country or to take advantage of the arrangements made for them with that object. In such case the identity certificates may be cancelled or withdrawn.” 15 http://www.refworld.org/docid/3dd8d12a4.html Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques ao seu país de origem não deveriam ser obrigadas a fazê-lo45. Em 1950, o Comitê Ad Hoc sobre Apatridia e Problemas Correlatos, criado em 1949 pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), elaborou o que viria a ser o artigo 33(1) da Convenção de 1951, considerando-o tão fundamental que nenhu- ma exceção foi prevista. In litteris: Nenhum dos Estados Partes expulsará ou retornará um refugiado, em qualquer hipótese, às fronteiras de território em que sua vida ou liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, pertencimento a gru- po social ou às suas opiniões políticas.46 Os Estados, entretanto, mostraram-se reticentes quanto ao caráter absoluto do non-refoulement, razão por que pressionaram para que fosse adotada uma exceção à não-devolução. Assim, a Conferência de Plenipotenciários, de 1951, formulou o que se tor- naria o artigo 33(2) da Convenção de 1951, estabelecendo que o non-refoulement não aproveitaria àqueles indivíduos que ameaças- sem a segurança nacional do país de acolhida ou que, tendo sido condenados em um julgamento definitivo por um crime particu- larmente grave, constituíssem um perigo à comunidade do país em questão47. A essa altura, as bases do princípio do non-refoulement estavam, portanto, azeitadas. 45 Na versão original, “no refugees or displaced persons who have finally and definitely, in complete freedom, and after receiving full knowledge of the facts, including adequate information from the governments of their countries of origin, expressed valid objections to returning to their countries of origin (…) shall be compelled to return to their country of origin.” 46 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 204. 47 Ibidem. 16 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo II. O princípio do non-refoulement na Convenção de 1951 Como já indicado no item anterior, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 195148, resultou do trabalho do Co- mitê Ad Hoc sobre Apatridia e Problemas Correlatos, criado pelo ECOSOC, em agosto de 194949. Concebida em meio à Guerra Fria, a Convenção de 1951 foi pensada como um instrumento voltado a regulamentar um fenômeno que se julgava tempo- rário50, mas que se mostrou, na verdade, perene. Dedicou-se à proteção de uma parcela de migrantes forçados em situação de peculiar vulnerabilidade e sem a proteção de seu Estado pátrio. A intenção foi, portanto, fornecer a esse grupo de migrantes uma proteção jurídica que compensasse as tormentas infligidas pelo exílio forçado e pela falta de proteção nacional51. Ao contrário dos acordos que lhe antecederam, a Convenção de 1951 foi am- plamente endossada pela comunidade internacional — contam- -se mais de 140 ratificações52. Uma das grandes inovações adotadas pela Convenção foi a incorporação da noção de perseguição individualizada como elemento sine qua non para o reconhecimento da condição de 48 Cf. ACNUR. Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado. Brasília: ACNUR, 2016. pp. 57–71. 49 Por meio da Resolução 248 (IX), do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). 50 A Convenção de 1951 estabelecia limitações temporais e geográficas, as quais viriam a ser derrogadas pelo Protocolo de 1967. 51 FOSTER, Michelle.; HATHAWAY, James. C. The law of Refugee Status. Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 17. 52 ACNUR. States parties to the 1951 Convention relating to the Status of Refugees and the 1967 Protocol. Disponível em: <http://www.unhcr.org/protection/basic/3b73b0d63/ states-parties-1951convention-its-1967-protocol.html>. Acesso em: 15 set. 2017. 17 http://www.unhcr.org/protection/basic/3b73b0d63/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques refugiado, contrastando com a abordagem coletivista adotada no passado. O termo “perseguição”, contudo, não foi definido pela Convenção de 1951. Da análise dos travaux préparatoires da Con- venção, percebe-se que os seus redatores desistiram intencional- mente de defini-lo, reconhecendo a impossibilidade de enume- rar, à época, todas as formas de maus-tratos que pudessem im- pelir as pessoas a buscar proteção internacional. Na ausência de um conceito objetivamente estabelecido, tem-se definido “per- seguição” como “persistentes e sistemáticas violações de direitos humanos que demonstrem a falha da proteção estatal”53. Com efeito, para fins da configuração da perseguição odiosa, as vio- lações não podem ser episódicas, devendo protrair-se no tempo. Entretanto, há casos em que o requisito da repetição no tempo não será necessário, dada a seriedade da violação (e.g., tortura, genocídio, execuções sumárias, desaparecimento forçado). Por outro lado, violações a priori de menor escala podem resultar em perseguição, bastando que sejam reiteradas e que gerem um dano cumulativo. Não há, portanto, restrições quanto à natureza dos direitos sistematicamente violados, sendo suficiente, para a afe- rição da perseguição, a ocorrência de violações não-episódicas a direitos econômicos, sociais e culturais54, a exemplo dos direitos à saúde, à educação, a um trabalho digno e do direito à alimen- tação55. Todavia, tais violações deverão estar ligadas a uma ca- racterística que singularize a pessoa, representando, assim, uma discriminação odiosa e injustificada. É que a perseguição deverá 53 FOSTER e HATHAWAY, Op. Cit., pp. 182–183. 54 Cf. FOSTER, Michelle. International Refugee law and Socio-Economic Rights: Refuge from Deprivation.Cambridge: Cambridge University Press, 2007. pp. 87–156. 55 MARQUES, Rodolfo Ribeiro Coutinho. Do Refúgio em Razão de Grave e Generalizada Violação de Direitos Humanos: (Re)interpretando o Artigo 1º, III, da Lei 9.474/97. [Estudo interno realizado no ACNUR], 2016. 20 p. 18 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo ser individualizada56. Assim, de acordo com o seu artigo 1(A) (2), será refugiada a pessoa que, temendo ser perseguida por sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertencimen- to a determinado grupo social, seja obrigada a deixar seu país de origem — ou de residência habitual — em busca de proteção57. O status de refugiado possui natureza declaratória58, porquan- to se constitui a partir do preenchimento dos critérios esposa- dos no já referido artigo 1(A)(2) da Convenção. Portanto, não se concede refúgio (ato constitutivo), reconhece-se o refugiado (ato declaratório). Desse modo, uma pessoa não é refugiada por ser reconhecida como tal, mas é reconhecida como tal por ser refu- giada59. A natureza declaratória do ato que atesta a condição de refugiado possui efeitos práticos relevantíssimos. Assim, permite- -se que o solicitante de refúgio goze de determinados direitos 56 Cf., sobre esse tema, ANDRADE, José H. Fischel de. On the Development of the Concept of ‘Persecution’ in International Refugee Law. III Anuário Brasileiro de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 2, n. 1, pp. 114–136, 2008. 57 O artigo 1(A)(2) da Convenção de 1951 define como refugiada a pessoa que: “(…) temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.” 58 De acordo com o parágrafo 28 do Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, “[a] person is a refugee within the meaning of the 1951 Convention as soon as he fulfils the criteria contained in the definition. This would necessarily occur prior to the time at which his refugee status is formally determined. Recognition of his refugee status does not therefore make him a refugee but declares him to be one. He does not become a refugee because of recognition, but is recognized because he is a refugee.” In: ACNUR. Handbook of Procedures and Criteria for Determining Refugee Status under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees. Geneva: ACNUR, 1992. Disponível em: <http:// www.unhcr.org/4d93528a9.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 59 Ibidem. 19 http://www.unhcr.org/4d93528a9.pdf Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques inerentes à condição de refugiado — em especial, a garantia de não ser expulso ou retornado —, dado que há uma presunção juris tantum de que aquela pessoa é refugiada. Ora, toda a pessoa refugiada foi, em algum momento, um solicitante de refúgio60. Assumir o contrário seria colocar em risco a própria efetividade da Convenção, já que bastaria ao Estado remover o indivíduo sem ter analisado sua solicitação, para que se visse livre de seus compromissos convencionais61. Além de definir quem é um refugiado, a Convenção de 1951 prescreve um extenso rol direitos às pessoas refugiadas: alguns cir- cunscritos aos refugiados residentes62, outros garantidos apenas às pessoas em situação regular63, ou ainda aqueles condicionados à simples presença física do indivíduo no território do Estado64. Há, ainda, um outro grupo de direitos que, de tão essenciais, devem ser garantidos tão logo o indivíduo esteja submetido à jurisdição — de jure ou de facto — do Estado, independendo do reconhecimento formal de sua condição de refugiado. É o caso, pois, do artigo 3365, o qual veda o refoulement. In litteris: 60 NAÇÕES UNIDAS. General Assembly. Note on International Protection. A/ AC.96/815. [New York], 31 ago. 1993, par. 11. Disponível em: <http://www. refworld.org/docid/3ae68d5d10.html>. Acesso em: 15 set. 2017. 61 Neste estudo, sempre que se fizer referência à pessoa refugiada, incluir-se-ão as que solicitam refúgio. 62 Artigo 14 (propriedade industrial e intelectual), artigo 15 (direito de associação), artigo 17 (profissões assalariadas), artigo 19 (profissões liberais), artigo 21 (habitação), artigo 23 (assistência pública), artigo 24 (benefícios trabalhistas e previdenciários), artigo 28 (documentos de viagem). 63 Artigo 18 (exercício de atividade profissional), artigo 26 (liberdade de locomoção), artigo 32 (expulsão). 64 Artigo 4 (liberdade de religião), artigo 27 (documentos de identidade) e artigo 31(1) (não penalização pela entrada irregular). 65 De acordo com o artigo 42(1) da Convenção de 1951, o artigo 33 não está sujeito a reservas, dado o seu caráter fundamental. 20 http://www/ O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Art. 33. (1) Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará (“refouler”), de maneira alguma, um refugia- do para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social ao qual pertence ou das suas opiniões políticas. (2) O benefício da presente disposição não poderá, toda- via, ser invocado por um refugiado que por motivos sérios seja considerado um perigo para a segurança do país no qual se encontre ou que, tendo sido condenado definiti- vamente por um crime particularmente grave, constitui ameaça para a comunidade do referido país.66 Antes de avançarmos na análise do artigo 33, faz-se neces- sário esclarecer, preliminarmente, que os métodos interpretati- vos de um texto convencional que tem por objeto e propósito a proteção da pessoa humana diferem daqueles que orientam a leitura das demais categorias de textos convencionais. Assim, convenções de essência humanitária — incluindo-se, para esse efeito, a Convenção de 1951 — devem ser interpretadas à luz do caráter objetivo das obrigações assumidas pelos Estados Partes vis-à-vis a proteção da pessoa humana67. Tais obrigações são au- tônomas, não possuindo, portanto, exigência de sinalagma. Ade- mais, a mise-en-oeuvre das obrigações que se destinam a proteger a pessoa humana deve primar pela proteção efetiva das garantias individuais, ao passo que as restrições devem ser interpretadas, elas próprias, restritivamente68. 66 Convenção de 1951, artigo 33. 67 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. International law for Humankind: Towards a new Jus Gentium. 2. ed. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2010. p. 430. 68 Ibidem, p. 431. 21 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques É seguro afirmar, então, que o artigo 33(1) afiança à pessoa refugiada — e àquela que aguarda o reconhecimento formal de sua condição de refugiado69 — o direito de permanecer em outro Estado porquanto perdure a ameaça que a tenha levado a buscar refúgio. Trata-se, com efeito, de uma obrigação negativa, posto que o Estado não poderá expor a pessoa refugiada ao risco de per- seguição, abstendo-se, pois, de enviá-la a território no qual sua vida ou liberdade possam estar ameaçadas. Este é o propósito do dispositivo: não retornar, “de maneira alguma”, uma pessoa refu- giada aos seus perseguidores, pouco importando se sua exposição ao risco dar-se-ia por meio da extradição70, da expulsão71, da de- portação72, da rejeição nas fronteiras ou de algum outro método de saída compulsória. O artigo 33(1) é claro ao privilegiar o aspecto material, finalístico, em detrimento do formal. Cumpre sublinhar, a esserespeito, que o termo “non-refoulement” é usado neste estudo como uma obrigação que agasalha não apenas a rejeição nas fron- teiras73, mas também todas as outras modalidades de saída com- pulsória que possam expor o indivíduo ao risco de perseguição. 69 Em razão do caráter declaratório, repise-se. 70 A extradição caracteriza-se como a entrega, por uma soberania a outra, e a pedido desta, de pessoa que em seu território deva responder a processo criminal ou cumprir pena. In: REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 197. Em havendo ânimus persequendi, a perseguição apenas seria substituída pela prossecução. 71 A expulsão é definida como a exclusão do estrangeiro, por iniciativa das autoridades locais, em razão de condenação criminal, cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais. In: ibidem, p. 196. 72 A deportação, por sua vez, pode ser definida como a medida compulsória voltada à exclusão do estrangeiro que se encontre no território nacional após uma estada irregular, clandestina. In: ibidem, p. 195. 73 De acordo com Gérard Cornu, o termo “refoulement” pode ser definido como “mesure par laquelle un Etat interdit le franchissement de sa frontière à un étranger qui sollicite l’accès à son territoire (…).” In: CORNU, Gérard. Vocabulaire Juridique. 10. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2014, p. 875. 22 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Outro ponto que merece ser enfrentado é o da relação entre os artigos 33(1) e 1(A)(2), particularmente quanto à dimensão ratione personae da obrigação de non-refoulement. Apesar de o artigo 33(1) fazer referência apenas ao envio do refugiado a território em que tenha sua vida ou liberdade ameaçadas, o non-refoulement protege todos os refugiados e solicitantes de refúgio, sem diferenciações74. Nesse sentido, a leitura dos travaux préparatoires da Convenção in- dica que a intenção dos seus redatores era de que a expressão “vida ou liberdade” resumisse as causas que ensejam o reconhecimento da condição de refugiado (e.g., fundado temor de perseguição)75. Essa é a posição do ACNUR76, bem assim a de boa parte da comu- nidade internacional77. Não obstante a lucidez desse raciocínio, algumas instâncias — incluindo-se a Suprema Corte dos Estados Unidos78 — optam por uma abordagem mais conservadora, considerando que o risco ao qual se refere a letra do artigo 33(1) é mais gravoso que aquele es- posado no artigo 1(A)(2)79. Essa interpretação, contudo, não me- rece prosperar, visto que põe em risco o propósito da Convenção de 1951, qual seja: a proteção integral da pessoa refugiada. Assu- mir o contrário teria um efeito deletério, dado que criaria uma 74 A única hipótese permitida de devolução é aquela que envolve pessoas refugiadas que se enquadram nas exceções elaboradas pelo artigo 33(2). 75 HATHAWAY, James. The Rights of Refugees under International law. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. pp. 304–305. 76 Cf. ACNUR. Guidelines for National Refugee legislation, with Commentary. Geneva, 9 dez. 1980, section 6(2). Disponível em: <http://www.refworld.org/ docid/3ae6b32610.html>. Acessado em: 15 set. 2017. 77 Cf. GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 234. 78 Cf. ESTADOS UNIDOS. Supreme Court. Immigration and Naturalization Service v. Cardoza Fonseca. 9 mar. 1987, p. 444. Disponível em: <https://supreme.justia.com/ cases/federal/us/480/421/case.html>. Acesso em: 17 set. 2017. 79 HATHAWAY, Op. Cit., p. 307. 23 http://www.refworld.org/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques lacuna inaceitável entre o status de refugiado e a não-devolução, autorizando, por exemplo, a exposição de determinados refugiados à perseguição odiosa ao sabor da discricionariedade estatal. Sobreleva notar que o non-refoulement não se confunde com o direito ao asilo, apesar de aquele princípio contribuir para a forti- ficação deste instituto, especialmente no ramo do Direito Interna- cional dos Direitos Humanos80. Ressalte-se que o direito ao asilo possui diversas faces81: é uma prerrogativa territorial do Estado de oferecer proteção e de resistir aos pedidos pela extradição (direito de asilar)82; é uma garantia que o indivíduo tem de buscar asilo; ou ainda um direito subjetivo de ser asilado83. O direito ao asilo e sua relação com o non-refoulement são temas que serão estudados com maior profundidade mais adiante; por ora, basta-nos compreender que o dever de não-devolução não é o mesmo que o direito ao asi- lo, pois este tem natureza positiva, garantindo proteção, residência e admissão, ao passo que o non-refoulement é uma obrigação nega- tiva, que interdita o envio do indivíduo a território em que possa ser exposto ao risco de perseguição84. Ademais, uma vexata quaestio que se apresenta quando da aná- lise do alcance material do artigo 33(1) é de saber se o princípio da não-devolução implica o dever de receber refugiados. Em uma 80 No sistema interamericano, por exemplo, o non-refoulement encontra reforço no direito de buscar asilo. Cf. MARQUES, Rodolfo. Non-refoulement under the Inter- American Human Rights System. (Working Paper N. 20). RLI Working Paper Series Special Edition, London, pp. 65–67, 2017. 81 BOED, Roman. The State of the Right of Asylum in International Law. Duke Journal of Comparative and International law, Durham, v. 5, n. 1, p. 3, 1994. 82 Ibidem. 83 BOED, Op. Cit., p. 3. 84 WEIS, Paul. 1975, p. 92 apud CHETAIL, Vincent. Le Principe de Non-Refoulement et le Statut de Réfugié en Droit International. In: CHETAIL, Vincent; FLAUSS, Jean-François (Eds.). la Convention de Genève du 28 juillet 1951 relative au Statut des Réfugiés 50 ans après: Bilan et Perspectives. Bruxelles: Bruylant, 2001. p. 6. 24 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo leitura apriorística, vê-se que o dispositivo não faz referência a um direito subjetivo de ser acolhido, tampouco a uma obrigação, por parte dos Estados contratantes, de garantir residência à pessoa re- fugiada. Isso não significa, entretanto, que o Estado possua uma carte blanche para rejeitar, indiscriminadamente, pessoas refugia- das. Significa, sim, que, quando não puderem garantir proteção às pessoas refugiadas, os Estados deverão adotar medidas que não resultem em refoulement (e.g., refúgio temporário, remoção do in- divíduo para um outro país seguro)85. A fortiori, em reverência ao propósito do artigo 33(1), sempre que a não-admissão resultar na exposição de refugiados ou solicitantes de refúgio à perseguição, o dever de não-devolução transmutar-se-á em obrigação de acolher, já que o acolhimento será a única forma de evitar o dano à vida e/ ou à liberdade do indivíduo86. O escopo material da proibição do refoulement também abarca o chamado refoulement indireto, i.e., quando uma pessoa refugia- da é removida para um país em que sua vida e/ou liberdade não estarão diretamente ameaçadas, mas em que ela corra o risco de ser expulsa para outro território onde venha a ser perseguida. Essa hipótese já havia sido considerada pelos redatores da Convenção de 1951, que entenderam desnecessário fazer-lhe menção expres- sa, uma vez que a prática já representaria uma ameaça à vida e à liberdade da pessoa refugiada87. Nesse caso, o fator de mérito é a previsibilidade do resultado final da remoção88, incumbindo ao 85 BETHLEHEM, Daniel; LAUTERPACHT, Elihu. The Scope and Content of the Principle of Non-refoulement: opinion. In: FELLER, Erika.; TURK, Volker; NICHOLSON, Frances (Org.). Refugee Protection in International law. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 113. 86 HATHAWAY, Op. Cit., p. 301. 87 Ibidem, p. 323. 88 Ibidem. 25 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Estadoo ônus de provar que o território para onde deseja enviar a pessoa refugiada é, de fato, seguro89. Portanto, cabe a ele, Estado, apurar se as leis e práticas do país em questão podem expor aquela pessoa ao risco de devolução. “Segurança” é fator a ser considera- do objetivamente, significando que, não obstante possua as mais sofisticadas leis, o Estado de destino não será seguro se não for capaz de proteger a pessoa refugiada em face do refoulement. Um outro aspecto da dimensão ratione materiae do artigo 33(1) diz respeito ao local para onde a pessoa refugiada não poderá ser enviada. O dispositivo faz referência ao termo “fronteiras de terri- tórios”, de modo que não se limita ao país de origem do solicitan- te; abarca, portanto, todo e qualquer território em que a pessoa refugiada possa ser perseguida. A opção pelo termo “territórios” em vez de “Estados” demonstra a abrangência da proibição, a qual prioriza, como critério, o risco à pessoa, em detrimento da situação jurídica do lugar para onde ela possa ser enviada. Bethlehem e Lauterpacht sugerem que a menção a “territórios” autoriza, inclusive, a aplicação do non-refoulement a casos em que o indivíduo esteja dentro de seu país de origem, porém submetido à proteção de outro Estado, a exemplo do que ocorre nas missões diplomáticas90. Esse argumento não parece razoável à luz do artigo 33, visto que o escopo da Convenção de 1951 está circunscrito à pessoa refugiada, a qual, por definição, deve estar fora de seu país de nacionalidade ou de residência habitual. Diferente seria se um refugiado, perseguido, também, no país de refúgio, buscasse proteção na embaixada de um terceiro Estado — sendo este últi- mo parte da Convenção de 1951. Haveria, pois, uma obrigação de acolhida de facto, já que o Estado acreditado não poderia devolver o refugiado aos seus perseguidores, sob pena de violar o artigo 33. 89 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 122. 90 Ibidem. 26 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Por outro lado, apesar de a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, não fazer referência à figura do asilo di- plomático, a inviolabilidade das missões diplomáticas, chancelada pelo seu artigo 22(1)91, impede que o Estado acreditante invada a embaixada para capturar o asilado — ou, nesse caso, o refugiado. É válido lembrar, ainda, que o artigo 33 da Convenção de 1951 beneficia apenas as pessoas refugiadas e as que solicitam refúgio, não se aplicando, por consequência, às pessoas que não deixaram seus países de origem92. Ora, não há que se falar em “retorno” da pessoa ao lugar de onde ela não saiu. Alguns Estados, contudo, aproveitam esse fato para perverter suas obrigações internacionais, impedindo que potenciais refugiados deixem seus países de origem em busca de proteção internacional. Alcunhada de non-entrée, essa prática objetiva a repulsa desses indivíduos antes mesmo que penetrem na jurisdição do Estado, evitando, assim, que se bene- ficiem do princípio do non-refoulement, bem como de outras ga- rantias encartadas na Magna Carta dos Refugiados93. Em outras palavras, a prática consiste na imposição de barreiras artificiais — normalmente, a estipulação de vistos —, obstaculizando o acesso 91 O artigo 22(1) da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, apregoa que: “[o]s locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão.” 92 De acordo com o parágrafo 88 do Manual de Procedimentos e Critérios, “[i]t is a general requirement for refugee status that an applicant who has a nationality be outside the country of his nationality. There are no exceptions to this rule. International protection cannot come into play as long as a person is within the territorial jurisdiction of his home country.” 93 Cf. GAMMELTOFT-HANSEN, Thomas.; HATHAWAY, James. C. Non- refoulement in a World of Cooperative Deterrence. Columbia Journal of Transnational Law, New York, v. 53, n. 235, p. 246, 2014. 27 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques de pessoas migrantes à jurisdição de um Estado, inviabilizando, portanto, a solicitação de refúgio94. A Câmara dos Lordes teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema quando da análise do caso European Roma Rights Centre et al. v. Immigration Officer at Prague Airport. A demanda teve por objeto a política de non-entrée conduzida por autoridades britânicas — e endossada por autoridades tchecas — no Aeropor- to de Praga, visando a barrar pessoas da etnia Roma que demons- trassem interesse em buscar refúgio no Reino Unido95. Na oca- sião, determinou-se que essa prática não violaria o artigo 33(1) da Convenção de 1951, porquanto a proibição não compreende ações que tenham como resultado a permanência do indivíduo do outro lado da fronteira96. Não implica dizer, contudo, que os Estados não estejam violando outras obrigações internacionais, a exemplo de compromissos derivados do Direito Internacional dos Direitos Humanos ou mesmo o princípio interpretativo da boa-fé. Nesse diapasão, o artigo 12(2) do Pacto Internacional sobre Direitos Ci- 94 Um exemplo curioso é o da política do wet foot/dry foot adotada pela Guarda Costeira estadunidense. Sobre essa prática, Seline Trevisanut reproduz o seguinte trecho: “[i]f they [sea-borne migrants] touch the US soil, piers or rocks, they are subject to US immigration processes for removal. If they are ‘feet wet’, they are eligible for return by the Coast Guard in accordance with Executive Order 12.807”. O Decreto Executivo 12.807, também conhecido como Kennebunkport Order, foi instituído em maio de 1992 pelo então presidente George H. W. Bush, suspendendo a análise de solicitações de refúgio de nacionais haitianos em embarcações americanas. O Decreto ainda autorizava as autoridades estadunidenses a interceptar haitianos em alto-mar e conduzi-los de volta ao Haiti. In: TREVISANUT, Seline. The Principle of Non-Refoulement at Sea and the Effectiveness of Asylum Protection. Max Planck Yearbook of United Nations law, Leiden/Boston, v. 12, p. 221, 2008. 95 Cf. REINO UNIDO. House of Lords. Regina v. Immigration Officer at Prague Airport and Another, Ex parte European Roma Rights Centre and Others. 9 dez. 2004, par. 2. Disponível em: <http://www.refworld.org/cases,GBR_HL,41c17ebf4.html>. Acesso em: 17 set. 2017. 96 Ibidem, par. 31. 28 http://www.refworld.org/cases%2CGBR_HL%2C41c17ebf4.html O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo vis e Políticos (PIDCP), de 1966, assegura a toda pessoa o direito de deixar qualquer país — inclusive o seu próprio97. A liberdade de movimento encapsulada no aludido dispositivo independe do pro- pósito da viagem, menos ainda da duração da estada do indivíduo fora do país98. É certo que, de acordo com o artigo 12(3) do Pacto, tal liberdade poderá ser constrangida, se assim o recomendar a proteção da segurança nacional e da ordem, da saúde ou da moral pública, bem assim a garantia dos direitos e liberdades das demais pessoas99. Todavia, não parece ter sido o caso. Portanto, no cas d’espèce, ambos — Reino Unido e Tchecoslováquia — violaram o artigo 12(2) do PIDCP, além do princípio da igualdade e não- -discriminação. Não obstante, não há que se falar em desrespeito ao artigo 33 da Convenção de 1951. 1 A responsabilidade do Estado pela violação do artigo 33(1) O artigo 33(1) obriga todos os Estados que aquiesceram à Con- venção de 1951 e ao seu Protocolo de 1967. Espera-se, portanto, que as ações desses Estados estejam em harmonia com o princípio da não-devolução, sob pena de serem responsabilizados, no plano internacional, por haverem cometido um ato internacionalmente 97 O artigo 12(2) do PIDCP apregoa que:“[t]oda pessoa terá o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive de seu próprio país.” 98 Cf. NAÇÕES UNIDAS. Human Rights Committee. General Comment n. 27: Article 12 (Freedom of Movement), 2 nov. 1999. Disponível em: <http://www. refworld.org/docid/45139c394.html>. Acesso em: 17 set. 2017. 99 O artigo 12(3) do Pacto estabelece que: “os direitos supracitados não poderão ser objeto de restrições, salvo quando estas estejam previstas na lei e sejam necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou a moral pública, bem como os direitos e liberdades de terceiros, que sejam compatíveis com os outros direitos reconhecidos no presente Pacto.” 29 http://www/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques ilícito. Se, em qualquer sistema jurídico, a violação de uma norma importa na responsabilização de seu autor100 (ubi responsabilitas, ibi jus), não poderia ser diferente no Direito das Gentes. A responsa- bilidade internacional do Estado nasce, assim, como consequência jurídica de um ato internacionalmente ilícito, o qual se afigura como uma conduta — comissiva ou omissiva — que viola uma obrigação internacional e que é imputável ao Estado101. A natureza da conduta à qual se refere a definição acima per- mite concluir, portanto, que a violação ao artigo 33(1) poderá ocorrer pela via omissiva. Seria o exemplo, pois, de quando o Es- tado se nega a receber assistência humanitária ou, ainda, quando corta suprimentos de água, alimentos e medicamentos às pessoas refugiadas, visando a constrangê-las a deixar o país102. Além disso, tanto para a Convenção de 1951 quanto para o Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade dos Estados por Atos Internacionalmente Ilícitos (PAREAII), de 2001, o Estado é uma entidade complexa, exercendo suas funções e atividades por in- termédio de pessoas103. A ação de um indivíduo é, pois, a base da conduta internacionalmente ilícita do Estado104. Assim, de acordo com as regras do capítulo da responsabilidade internacional, a noção de “ato de Estado” deve ser compreendida 100 ZIEGLER, Andreas. Introduction au Droit International Publique. 3. ed. Berne: Stämpli Editions, 2015. p. 126. 101 NAÇÕES UNIDAS. International Law Commission. Draft articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts. 2001, artigo 2. Disponível em: <http:// legal.un.org/ilc/texts/instruments/english/commentaries/9_6_2001.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 102 HATHAWAY, Op. Cit., pp. 318–321. 103 CRAWFORD, James. State Responsibility: The General Part. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. p. 113. 104 AGO, Roberto. The Internationally Wrongful Act of the State, Source of International Responsibility. Year Book of the International law Commission , [New York], v. II, p. 96, par. 64, 1972. 30 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo de forma alargada, abarcando a conduta dos órgãos de um Estado (quer exerçam função legislativa, quer executiva ou judicial)105; a conduta de órgãos colocados à disposição de um Estado por outra soberania106; a conduta de pessoa ou grupo de pessoas que estiver, de fato, agindo por instrução ou sob a direção ou controle esta- tal107; a conduta de uma pessoa ou grupo de pessoas que estejam exercendo atribuições do poder público na falta ou na ausência de autoridades oficiais e em circunstâncias que requeiram o exercício daquelas atribuições108; ou a conduta reconhecida e adotada por um Estado como sua própria109. Portanto, para fins de configuração da responsabilidade inter- nacional do Estado, pouco importa se a violação ao princípio do non-refoulement ocorre por meio da ação de agentes de fronteira que conduzem a pessoa refugiada de volta à perseguição, seja atra- vés da edição de uma norma constitucional que autoriza o refou- lement, seja por uma omissão legislativa que permita a remoção de refugiados, ou por intermédio de um grupo não-estatal que, sob controle ou incentivo do Estado, envia pessoas refugiadas de volta aos seus perseguidores. Em todos os casos, o ato violador será atribuível ao Estado e, portanto, implicará a sua responsabilização. Com efeito, uma vez configurada a responsabilidade de um Estado por um ato internacionalmente ilícito, novas obrigações jurídicas serão constituídas com vistas a reparar — ou ao menos a atenuar — a violação (e.g., cessação e não-repetição, repara- ção, contramedidas). Como o effet utile dessas medidas é remir a transgressão, a depender da natureza da regra vilipendiada, umas 105 PAREAII, artigo 4. 106 Ibidem, artigo 6. 107 Ibidem, artigo 8. 108 Ibidem, artigo 9. 109 Ibidem, artigo 11. 31 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques preferirão às outras. Outrossim, quando a parte vitimada pela vio- lação for a pessoa humana — esta titular do direito à reparação —, caberá ao Estado delinquente assegurar à vítima o gozo do direito violado, restaurando, sempre que possível, a situação que antecedeu ao ato ilícito (restitutio in integrum), além de providen- ciar uma compensação adequada às consequências da violação (direito à reparação)110. Outras medidas também são necessárias, a exemplo das desculpas apresentadas publicamente, da garantia de não-repetição, da mudança da legislação, além do dever de julgar aqueles que perpetraram as violações111. No caso de uma violação ao princípio do non-refoulement, di- ficilmente a vítima terá condições de reclamar reparações. Isso não significa, entretanto, que o direito à reparação perder-se-á. A esse respeito, a jurisprudência dos tribunais internacionais de direitos humanos tem sedimentado entendimento no sentido de que os beneficiários da reparação poderão ser outras pessoas que não a vítima direta da violação. A Corte Interamericana de Direi- tos Humanos (CrtIDH), por exemplo, passou a considerar como beneficiários da reparação não apenas as vítimas diretas da viola- ção, mas também os familiares — estes em substituição da vítima falecida ou mesmo por direito próprio, em razão do dano infligido pela perda daquele ente112. O maior problema reside, entretanto, na precariedade do acesso à justiça internacional pelos indivíduos, o que inviabiliza, por vezes, a reparação da violação. 110 CANÇADO TRINDADE, Op. Cit., 2010, p. 461. 111 Cf. NAÇÕES UNIDAS. International Court of Justice. Republic of Guinea v. Democratic Republic of the Congo. Separate Opinion of Judge Cançado Trindade, par. 208. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/files/case-related/103/103-20120619- JUD-01-01-EN.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 112 BURGORGUE-LARSEN, Laurence; TORRES, Amaya Úbeda de. les Grandes décisions de la Cour interaméricaine des droits de l’homme. Bruxelles: Bruylant, 2008. p. 253. 32 http://www.icj-cij.org/files/case-related/103/103-20120619- O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo 2 Exceções pessoais ao non-refoulement segundo o artigo 33(2) A proteção inscrita no artigo 33(1) da Convenção de 1951 não aproveitará, contudo, àquele refugiado que, por motivos sérios, seja considerado uma ameaça à segurança do país em que se en- contra ou que, tendo sido condenado, em definitivo, por um crime particularmente grave, constitua um risco à comunidade daquele país. Essa é a dicção do artigo 33(2), o qual elabora duas exceções pessoais — e taxativas — ao non-refoulement, afastando a ilicitu- de do ato que conduz certas pessoas refugiadas ou solicitantes de refúgio aos seus perseguidores. Vale lembrar que essas exceções deverão ser interpretadas restritivamente, à luz do objeto e do pro- pósito da Convenção de 1951. O aludido dispositivo encarna, como diz François Julien-La- ferrière, “o princípio da reciprocidade entre o Estado e a pessoa refugiada”, cabendo àquele garantir proteção a esta, na medidaem que esta se conforma às suas leis, de modo a não lhe repre- sentar nenhuma ameaça, tampouco à sua população113. Em outras palavras, a pessoa refugiada só poderia ser enviada de volta aos seus perseguidores na hipótese de representar um perigo de tal monta que ameaçasse a própria existência do Estado, bem como a integridade de suas instituições e o bem-estar de sua comunidade. Seria, por assim dizer, uma espécie de legítima defesa do Estado, acionada quando nenhuma outra medida a pudesse substituir. Vê- -se, assim, que o non-refoulement, tal qual desenhado pelo artigo 33(1), não é absoluto. Ademais, em razão da natureza dos bens jurídicos tutelados, toda e qualquer decisão que implique a devolução da pessoa refu- 113 CHETAIL, Op. Cit., 2001, p. 39. 33 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques giada aos seus perseguidores deve se acostar nos princípios da pro- porcionalidade e do devido processo legal, oportunizando à pessoa refugiada o direito ao contraditório e à ampla defesa. Ainda, caso seja decidido que o refoulement tornou-se indispensável, à pessoa refugiada deverá ser garantido um prazo razoável para que possa solicitar sua admissão em um outro país114 — mesma lógica adota- da pelo artigo 32(3) da Convenção de 1951115. 2.1 A relação entre o artigo 33(2) e o artigo 1(F) Uma questão que ainda gera muita confusão na literatura especializada e que merece ser arrostada, preliminarmente, é a da relação entre o artigo 33(2) e o artigo 1(F), ambos da Con- venção de 1951. Em linhas gerais, o artigo 1(F) obsta o acesso à proteção inter- nacional ao solicitante de refúgio suspeito de haver cometido um grave crime internacional — delicta juris gentium — (i.e., crimes de guerra, crimes contra a paz ou delitos de lesa humanidade)116 ou de estar fugindo de persecução ou execução penal legítima — levada a cabo em virtude de um crime grave de direito comum que tenha cometido fora do país de refúgio e antes de nele ser admitido117. Obsta, ainda, o acesso àquele suspeito de ser culpado de atentar contra os princípios e propósitos das Nações Unidas118. A exclusão 114 Ibidem, pp. 45–46. 115 De acordo com o artigo 32(3), “[o]s Estados Contratantes concederão a tal refugiado um prazo razoável para procurar obter admissão legal em outro país. Os Estados Contratantes podem aplicar, durante esse prazo, a medida de ordem interna que julgarem oportuna.” 116 Convenção de 1951, artigo 1(F)(a). 117 Ibidem, artigo 1(F)(b). 118 Ibidem, artigo 1 (F)(c). Cf., ainda, os artigos 1 e 2 da Carta da ONU. 34 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo destas três classes de pessoas traduz a preocupação dos Estados, à época, de que criminosos que houvessem cometido graves crimes — domésticos ou internacionais — pudessem escapar de processo ou de execução penal por meio de uma solicitação de refúgio119. Ademais, a própria topografia do artigo 1(F) demonstra a sua primeira — e mais essencial — característica: inclui-se em meio às cláusulas de exclusão, ou seja, aquelas disposições que indicam as pessoas que, mesmo preenchendo os critérios arrolados no ar- tigo 1(A) da Convenção, não poderão se beneficiar da condição de refugiado120, e, por conseguinte, da proteção internacional de- senhada para as pessoas refugiadas. Trata-se, outrossim, de uma questão preliminar, devendo ser avaliada quando da propositura da solicitação de refúgio, e, portanto, precedendo-lhe. A fortiori, um indivíduo incapaz de se beneficiar da condição de refugiado não gozará da proteção encapsulada no artigo 33(1). O artigo 33(2), por sua vez, aplica-se à pessoa que solicita re- fúgio, bem assim àquela já reconhecida como refugiada, preser- vando-lhe, contudo, o status de refugiado. Assim, o indivíduo permanece refugiado, podendo ser, portanto, objeto de assistência institucional do ACNUR e da proteção de qualquer outro Estado- -parte — desde que, logicamente, não ponha em risco sua segu- rança nem a de sua comunidade121. Um outro ponto de fundamental importância para a distinção entre os aludidos dispositivos diz respeito ao lastro probatório mí- nimo requerido e à natureza da ofensa criminal envolvida em am- 119 FOSTER e HATHAWAY, Op. Cit., p. 525. 120 Cf. ACNUR. Handbook of Procedures and Criteria for determining Refugee Status under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees. Geneva: ACNUR, 1992. [par. 140]. Disponível em: <http://www.unhcr.org/4d93528a9. pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 121 HATHAWAY, Op. Cit., pp. 344–345. 35 http://www.unhcr.org/4d93528a9 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques bos os casos. Sem dúvidas, o artigo 33(2) estabelece um patamar probatório mais elevado, porquanto a devolução da pessoa refugia- da só poderá ocorrer se houver “motivos suficientes” (reasonable grounds) para atestar que ela constitui uma ameaça à segurança do Estado. Ainda, o Estado não poderá agir arbitrariamente, devendo este comprovar, por meio de evidências, que, de fato, o indivíduo representa um risco à sua segurança122. Ademais, a segunda parte do artigo 33(2) requer que, em virtude da condenação por um crime “particularmente grave”, pelo qual haja sido condenada em definitivo, a pessoa refugiada constitua um perigo à comunidade do país de refúgio. Por sua vez, o artigo 1(F) demanda apenas “sérias razões para acreditar” (serious reasons for considering) que o indivíduo haja co- metido um grave crime — internacional ou doméstico. Não se exige, portanto, a realização de um julgamento no país de acolhida para a verificação da responsabilidade do indivíduo pelo cometi- mento dos crimes que se lhe imputam123. Há, ainda, uma diferença substancial entre a segunda parte do artigo 33(2) e o artigo 1(F)(b), especialmente quanto ao esco- po ratione temporis das ofensas envolvidas. Ao passo que o artigo 1(F)(b) aplica-se à pessoa suspeita de ter cometido um grave cri- me de direito comum fora do país de refúgio — estando, por isso, passível de ser julgada — e antes de nele ser admitida, a exceção prevista na segunda parte do artigo 33(2) é dedicada à pessoa refugiada que, já admitida, cometeu — ou planejava cometer — um crime particularmente grave, havendo sido condenada em definitivo e que, em razão disso, põe a segurança da sua comuni- dade em sério risco. Perceba-se que, ao contrário do artigo 1(F) (b), o artigo 33(2) não faz referência ao local do crime, podendo 122 Ibidem, p. 345. 123 Ibidem, p. 343. 36 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo este ter ocorrido no país de origem, em um país de passagem ou mesmo no país de refúgio. Pode-se concluir, além disso, que há diferenças significativas quanto à finalidade de ambos os dispositivos: enquanto o obje- tivo primordial do artigo 1(F) é definir quem não pode gozar da condição de refugiado, de modo a garantir que o Direito Inter- nacional dos Refugiados não proteja fugitivos, a raison d’être do artigo 33(2) é proteger a incolumidade do Estado e de sua comu- nidade, nem que para isso precise conduzir a pessoa refugiada de volta à perseguição. 2.2 A hipótese do perigo à segurança do estado de refúgio A primeira exceção pessoal ao non-refoulement tem por base a ameaça que um refugiado possa representar à “segurança” do país de refúgio. O objetivo dessa exceção é proteger a unidade do Estado, bem como a integridade de suas instituições. Assim, para que se autorize a entrega da pessoa refugiada aos seus perseguido- res, faz-se necessário que ela, individualmente, ponha em risco a segurança do Estado de refúgio. Apesar de o termo “segurança” aparecer em diversos dispo- sitivos da Convenção de 1951124, não há, no tratado, qualquer definição clara, legando-se ao intérprete certa margem de apre-ciação. Essa era a intenção de alguns delegados presentes à Con- ferência de Plenipotenciários: a delegação britânica, por exemplo, sustentou que caberia ao Estado determinar se, de fato, a pessoa refugiada constituiria — ou não — um perigo à sua segurança125. Essa discricionariedade, contudo, restou temperada, visto que o artigo 33(2) requer “motivos suficientes” para considerar a pessoa 124 E.g., arts. 9, 28, 32 e 33. 125 CHETAIL, Op. Cit., 2001, p. 40. 37 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques refugiada um risco à segurança do país de refúgio. À luz desse re- quisito, deve-se comprovar que há, efetivamente, suspeita razoável de que a presença ou a ação daquela pessoa refugiada representa um risco substancial e objetivo à integridade do Estado126. Nesse sentido, Grahl-Madsen destaca que a noção de “ameaça à segu- rança nacional” deve ser compreendida de modo a abarcar atos de elevada lesividade que ponham em risco, direta ou indiretamente, a coesão do governo constituído, a integridade territorial, a inde- pendência ou a paz externa do país em questão (e.g., espionagem, sabotagem militar, atividades terroristas, e atos que visem derru- bar o governo constituído)127. Portanto, ainda que a presença de uma pessoa refugiada con- trarie interesses econômicos e financeiros nacionais ou que des- gaste a relação do Estado de refúgio com outros países, não será hipótese de aplicação do artigo 33(2)128. Também não se incluem, a priori, os casos em que o indivíduo representa uma ameaça a outros Estados ou à comunidade internacional129 — desde que, obviamente, a presença da pessoa refugiada naquele país não gere um risco real de uma invasão estrangeira ou mesmo de retaliações irresistíveis por parte de outras soberanias. 2.3 A hipótese da ameaça à comunidade do país de refúgio A segunda exceção inscrita no artigo 33(2) é a do refugiado que, tendo cometido um crime particularmente grave — pelo qual 126 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 135. 127 GRAHL-MADSEN, 1963, pp. 407–408 apud CHETAIL, Op. Cit., 2001, p. 44. 128 HATHAWAY, Op. Cit., p. 346. 129 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 135. 38 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo foi condenado em definitivo —, representa uma ameaça à comu- nidade do país em que se encontra. Como pode ser extraído da aludida definição, para que se autorize o refoulement, faz-se necessário verificar a presença de três elementos cumulativos: primeiro, que a pessoa refugiada tenha sido condenada em definitivo (portanto, não podendo mais apelar da sentença condenatória); segundo, que o crime pelo qual foi condenada seja particularmente grave (e.g., ho- micídio, estupro, assalto à mão armada);130 terceiro, que, em virtude do cometimento desse crime, seja ela considerada um perigo à comunidade do referido país. Portanto, faltando um desses elementos, não há que se falar em aplicação da segunda hipótese do artigo 33(2). Quanto ao aspecto processual/formal, a previsão de uma con- denação definitiva significa que a exceção ao non-refulement não pode se basear em uma mera suspeita. O termo “condenação de- finitiva” deve ser entendido, assim, como uma sentença inapelá- vel e que tenha observado as garantias processuais mínimas do indivíduo (e.g., ampla defesa, contraditório, duração razoável do processo, duplo grau de jurisdição)131. Consoante o aspecto material dessa exceção, a infração penal tem de ser tão grave que a pessoa refugiada passe a ser uma ame- aça à sociedade do país de refúgio. Sobreleva notar, assim, que o fator de maior relevância não é a classificação do crime per se, mas o perigo que a pessoa refugiada passou a representar àquela comunidade, em razão da gravidade do crime cometido132. Como 130 WEIS, Paul. The Refugee Convention, 1951: The Travaux Préparatoires analysed with a Commentary by Dr. Paul Weis. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 342. 131 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 139. 132 Ibidem. 39 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques bem assinala Grahl-Madsen, “o perigo à comunidade” significa um perigo à vida pacífica da sociedade133. Distingue-se, dessa maneira, do perigo à segurança do Estado, dado que o foco aqui é o bem-estar da população em geral134. Destarte, um indivíduo será considerado como um perigo à comunidade quando praticar graves crimes (e.g., assassinato, estupro, sequestro, roubo à mão armada), em tal escala que passe a ser considerado uma amea- ça pública135. Portanto, a aplicação do artigo 33(2) não pode ser automática; prescinde, ao contrário, de uma análise pormeno- rizada das circunstâncias do caso, pois nem toda a condenação por um crime particularmente grave representará um perigo ao corpo social do país de refúgio. Ademais, sempre que possível, o encarceramento preferirá ao refoulement, já que a devolução deverá ser a ultima ratio. 3. O caso dos fluxos em massa e a observância do artigo 33 Apesar de não haver uma definição universalmente aceita de “fluxos em massa” (mass influx), o termo é usualmente entendido como “um grande número de pessoas deslocadas que vêm de um país ou região geográfica específica”136. Também a Resolução nº 100 (LV), adotada pelo do Comitê Executivo do ACNUR (Ex- Com), em 2004, aponta algumas das principais características des- se fenômeno: a) um considerável número de pessoas chegando a 133 GRAHL-MADSEN, Atle. Commentary on the Refugee Convention 1951. Geneva: ACNUR, 1963, p. 143. 134 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 140. 135 GRAHL-MADSEN, Op. Cit., p. 143. 136 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 335. 40 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo uma fronteira internacional; b) um ritmo acelerado de chegadas; c) capacidade precária de absorção e resposta no país de chegada, especialmente durante a emergência; d) incapacidade de conduzir uma análise individualizada das solicitações de refúgio, em virtu- de de sua elevada quantidade137. A caracterização de um fluxo em massa não necessaria- mente está vinculada a um número absoluto de solicitantes de refúgio, mas sim à (in)capacidade do Estado de analisar suas solicitações. Portanto, o fluxo em massa passa a ser uma emer- gência quando seu tamanho e repentinidade inviabilizam uma abordagem individualizada das solicitações de refúgio, afetando as instituições e recursos do Estado138. Com efeito, recobrando o Estado a sua capacidade, não há mais que se falar em situ- ação de urgência, e, por consequência, deverão cessar todas as medidas emergenciais, especialmente as que restringem ou suspendem direitos139. A impossibilidade de analisar individualmente as solicitações de refúgio acabou gerando uma série de interpretações equivoca- das sobre a não aplicação da Convenção de 1951 às migrações em 137 A seção “a” da Conclusão n. 100 (LV), do Comitê Executivo do ACNUR, adotada em 2004, apregoga que “mass influx is a phenomenon that has not been defined, but that, for the purposes of this Conclusion, mass influx situations may, inter alia, have some or all of the following characteristics: (i) considerable numbers of people arriving over an international border; (ii) a rapid rate of arrival; (iii) inadequate absorption or response capacity in host States, particularly during the emergency; (iv) individual asylum procedures, where they exist, which are unable to deal with the assessment of such large numbers (…)”. In: ACNUR. Conclusion on International Cooperation and Burden and Responsibility Sharing in Mass Influx Situations. Geneva, 8 ago. 2004, section “a”. Disponível em: <http://www.unhcr.org/excom/exconc/41751fd82/conclusion- international-cooperation-burden-responsibility-sharing-mass.html>. Acesso em: 01 ago. 2017. 138 GOODWIN-GILLe MCADAM, Op. Cit., p. 335. 139 A Convenção de 1951 não possui uma cláusula de derrogação, diferentemente de outros tratados, a exemplo do PIDCP, a CEDH e a CADH. 41 http://www.unhcr.org/excom/exconc/41751fd82/conclusion- Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques massa, uma vez que a definição de refugiado, insculpida no artigo 1(A)(2), depende da verificação da perseguição individualizada no cas d’espèce. Entretanto, assumir que a Convenção não se aplica nesse contexto pela impossibilidade de se avaliar individualmente as solicitações de refúgio seria o mesmo que reconhecer que o in- divíduo não existe em grupo140. Ademais, mesmo em uma situação emergencial, em razão de um fluxo maciço de solicitantes de refúgio, não há que se falar em exceção ao princípio do non-refoulement, visto que não há, na Convenção de 1951 ou em seus travaux préparatoires, qualquer cláusula ou termo afastando sua aplicabilidade nos casos de fluxos em massa141. Repise-se, pois, que, em razão do objeto e do pro- pósito humanitários da Convenção de 1951, as exceções devem ser interpretadas restritivamente. A consequência prática da não derrogação do princípio do non-refoulement nos casos de fluxos em massa é o instituto da proteção ou refúgio temporário, uma medida emergencial e excepcional voltada a proteger solicitantes de refúgio que fogem en masse de conflitos armados ou de graves violações de direitos humanos142. Entretanto, o que a prática dos Estados tem mostrado é que o preço da não derrogação do non-refoulement em casos de fluxos em massa é a suspensão de facto de boa parte dos direitos estabe- lecidos na Convenção de 1951 — em sua maioria, direitos eco- nômicos e sociais —, forçando solicitantes de refúgio a viverem 140 DURIEUX, Jean-François; MCADAM, Jane. Non-refoulement through time: The Case for a Derogation Clause to the Refugee Convention in Mass Influx Emergencies. International Journal of Refugee law, Oxford, v. 16, n. 1, p. 9, 2004. 141 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 119. 142 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 343. 42 43 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo em condições precárias indefinidamente143. Assim, a projeção do non-refoulement no tempo, sem a garantia de soluções duradou- ras144, poderá ter efeito deletério, deixando essas pessoas em um estado crônico de vulnerabilidade. 143 MCADAM, Jane. Complementary Protection in International Refugee law. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 200. 144 Três são as chamadas soluções duradouras ou duráveis: a integração local, a repatriação voluntária e o reassentamento em um terceiro país. Sobre o tema, recomenda-se a leitura da premiada dissertação de mestrado de André de Lima Madureira, intitulada “Direito Internacional dos Refugiados e Soluções Duráveis: Instrumentos de Proteção, Abordagens Atuais e a Necessidade de Novas Respostas”, apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Santos, sob a supervisão da Professora Dra. Liliana Lyra Jubilut. Capítulo 2 Das Obrigações de Non-Refoulement no Direito Internacional dos Direitos Humanos e Além No Direito Internacional dos Refugiados, o non-refoulement é princípio145, informando e conformando suas normas. No Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), o non-refoulement é um dever/obrigação, exprimindo-se como um complemento ao direito ao asilo, bem assim como um corolário lógico das proibi- ções de natureza cogente (e.g., proibição da tortura e de outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes), alicer- çando-se nas obrigações de respeitar, proteger e realizar os direitos humanos. Ademais, nesse último caso, porquanto uma obrigação essencial de uma proibição de jus cogens, o non-refoulement não comportará exceções. 145 De acordo com o Juiz Cançado Trindade, em seu Voto em Separado no caso Pulp Mills, os princípios de Direito Internacional são “guiding principles of general content, and, in that, they differ from the norms or rules of positive international law, and transcend them. As basic pillars of the international legal system (as of any legal system), those principles give expression to the idée de droit, and furthermore to the idée de justice, reflecting the conscience of the international community. Irrespective of the distinct approaches to them, those principles stand ineluctably at a superior level than the norms or rules of positive international law. Such norms or rules are binding, but it is the principles which guide them. Without these latter, rules or techniques could serve whatever purposes. This would be wholly untenable.” In: NAÇÕES UNIDAS. International Court of Justice. Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). Separate Opinion of Judge Cançado Trindade, par. 39. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/files/case-related/135/135-20100420-JUD-01-04-EN.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2018. 45 http://www.icj-cij.org/files/case-related/135/135-20100420-JUD-01-04-EN.pdf Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Além disso, no Direito Internacional dos Refugiados, o escopo ratione personae do non-refoulement está circunscrito à condição de refugiado — ou à expectativa do seu reconhecimento —, ao tem- po que o non-refoulement enquanto norma de direitos humanos protege todos, sem distinções quanto à pessoa do beneficiário. É que o DIDH tem o fito de proteger a pessoa humana, independen- temente de seu status migratório.146 Com efeito, mesmo que o indi- víduo não seja reconhecido como refugiado — excluído, portanto, da proteção outorgada pela Convenção de 1951 (especialmente daquela assegurada pelo artigo 33) —, poderá ele se beneficiar da proteção avalizada pelo Direito Internacional dos Direitos Huma- nos. Ademais, por não depender do reconhecimento da condição de refugiado, a proteção garantida pelo DIDH não está condicio- nada à saída do indivíduo de seu país de origem ou de residência habitual, significando, pois, que as obrigações de non-refoulement devem ser observadas em missões diplomáticas e mesmo em áreas controladas por missões de paz147. A afirmação das obrigações de non-refoulement no contexto do Direito Internacional dos Direitos Humanos também garante sua observância extraterritorial, repre- sentando um grande avanço na proteção internacional das pesso- as migrantes, como afirma Ralph Wilde, já que diversas práticas relacionadas às migrações forçadas têm ocorrido em alto-mar148. 146 Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CrtIDH). Pacheco Tineo Family v. Bolivia, Preliminary Objections, Merits, Reparations, and Costs, Judgment of 25 nov. 2013, Series C, n. 272, par. 135. 147 CHETAIL, Vincent. Are Refugee Rights Human Rights? An Unorthodox Questioning of the Relations between Refugee Law and Human Rights Law. In: RUBIO-MARÍN, Ruth. Human Rights and Immigration, Collected Courses of the Academy of European law. Oxford: Oxford University Press, 2014, pp. 36–37. 148 WILDE, Ralph. Let them drown: Rescuing migrants at Sea and the Non-refoulement Obligation as a Case Study of International Law’s relationship to “Crisis” (Part I). EJIl: Talk!, Florence, 2017. Disponível em: <https://www.ejiltalk.org/let-them- drown-rescuing-migrants-at-sea-and-the-non-refoulement-obligation-as-a-case- 46 http://www.ejiltalk.org/let-them- O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Em síntese, o DIDH serve como safety net149 para aqueles migran- tes que não tiverem reconhecida a sua condição de refugiado, protegendo-os contra a exposição à perseguição, à tortura, a trata- mentos e penas cruéis, desumanos ou degradantes ou a outras cir- cunstâncias infringentesdo princípio da dignidade humana150. A expansão do non-refoulement para além do Direito Internacional dos Refugiados também impactou o seu processo de cristalização como norma costumeira, garantindo-lhe aplicação universal. Não há que passar despercebido que a ampla positivação das obrigações de non-refoulement em tratados de direitos humanos contribuiu fortemente para o aperfeiçoamento da proteção inter- nacional das pessoas migrantes. Nesse sentido, é possível identifi- car uma miríade de tratados de direitos humanos — universais e regionais — que proscrevem o refoulement, implícita ou explicita- mente, inter alia: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polí- ticos (1966)151; Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes study-of-international-laws-relationship-to-crisis-part-i/>. Acesso em: 14 out. 2017. Cf., sobre a aplicação das obrigações de direitos humanos no espaço, WILDE, Ralph. “The Legal Space” or “Espace Juridique” of the European Convention on Human Rights: Is it Relevant to Extraterritorial State Action? European Human Rights law Review, London, pp. 115–124, 2005. 149 Daí se falar em “proteção complementar”. 150 Inclusive, há quem defenda que o non-refoulement enquanto norma do Direito Internacional dos Direitos Humanos proíbe o envio da pessoa migrante a territórios em que ela possa ter seus direitos econômicos, sociais e culturais violados. Cf. FOSTER, Michelle. Non-refoulement on the basis of Socio-Economic Deprivation: The Scope of Complementary Protection in International Human Rights Law. New Zealand law Review, Auckland, Part. II, pp. 257–310, 2009. 151 O artigo 7 do PIDCP assim dispõe: “[n]inguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médias ou cientificas.” 47 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques (1984)152; Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (2006)153; Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950)154; Convenção America- na sobre Direitos Humanos (1969)155; Convenção da OUA sobre Refugiados na África (1969)156; Convenção Interamericana sobre Extradição (1981)157; Convenção Interamericana para Prevenir e 152 Doravante “Convenção contra a Tortura”. O artigo 3 da Convenção contra a Tortura é expresso ao proibir o refoulement. In litteris: (1) [n]enhum Estado Parte procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura. (2) A fim de determinar a existência de tais razões, as autoridades competentes levarão em conta todas as considerações pertinentes, inclusive, quando for o caso, a existência, no Estado em questão, de um quadro de violações sistemáticas, graves e maciças de direitos humanos.” 153 Doravante “Convenção sobre Desaparecimento Forçado”. O artigo 16(1) da Convenção sobre Desaparecimento Forçado estabelece que: “[n]enhum Estado Parte expulsará, devolverá, entregará ou extraditará uma pessoa a outro Estado onde haja razões fundadas para crer que a pessoa correria o risco de ser vítima de desaparecimento forçado.” 154 Doravante “CEDH”. O artigo 3 da CEDH estipula que: “[n]inguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos, desumanos ou degradantes.” 155 Doravante “CADH” ou “Pacto de São José”. Além de poder ser interpretado como um elemento do direito à integridade pessoal, previsto no artigo 5, o non-refoulement tem um espaço de destaque na CADH, tendo sido previsto expressamente como um direito necessário à liberdade de locomoção. Nesse sentido, o artigo 22(8) do Pacto de São José assim dispõe: “[e]m nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.” Cf., a esse respeito, MARQUES, Op. Cit., 2017, pp. 65–69. 156 Doravante “Convenção da OUA”. O artigo II(3) da Convenção dispõe que: “[n] inguém pode ser submetido por um Estado-Membro a medidas tais como a recusa de admissão na fronteira, o refoulement ou a expulsão que o obriguem a voltar ou a residir num território onde a sua vida, a sua integridade física ou a sua liberdade estejam ameaçados pelas razões enumeradas no artigo I, parágrafos 1 e 2.” 157 O artigo 4(5) da Convenção Interamericana sobre Extradição estipula que a extradição não será procedente “[q]uando das circunstâncias do caso se possa inferir que há propósito de perseguição por considerações de raça, religião ou nacionalidade, ou que a situação da pessoa corre o risco de agravar-se por um desses motivos.” 48 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Punir a Tortura (1985)158; Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981)159; Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)160, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000)161; e a Carta Árabe de Direitos Humanos (2004)162. 158 Doravante “Convenção Interamericana contra a Tortura”. O artigo 13(4) da Convenção estatui que: “[n]ão se concederá a extradição nem se procederá à devolução da pessoa requerida quando houver suspeita fundada de que corre perigo sua vida, de que será submetida à tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, ou de que será julgada por tribunais de exceção ou ad hoc, no Estado requerente.” 159 Doravante “Carta de Banjul”. O artigo 5 da Carta de Banjul assim dispõe: “[t] odo indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica. Todas as formas de exploração e de aviltamento do homem, nomeadamente a escravatura, o tráfico de pessoas, a tortura física ou moral e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos.” 160 O artigo 37(a) da Convenção sobre os Direitos da Criança dispõe que os Estados Partes devem zelar para que: “nenhuma criança seja submetida a tortura nem a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (...)”. Interpretando esse dispositivo, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança teve a ocasião de estatuir em seu Comentário Geral n. 6 que: “in fulfilling obligations under the Convention, States shall not return a child to a country where there are substantial grounds for believing that there is a real risk of irreparable harm to the child, such as, but by no means limited to, those contemplated under articles 6 and 37 of the Convention, either in the country to which removal is to be effected or in any country to which the child may subsequently be removed”. In: NAÇÕES UNIDAS. UN Committee on the Rights of the Child. General comment n. 6 (2005): Treatment of Unaccompanied and Separated Children Outside their Country of Origin, 1 set. 2005. Disponível em: <http://www. refworld.org/docid/42dd174b4.html>. Acesso em: 17 set. 2017. Cf., sobre esse tema, FARMER, Alice. A Commentary on the Committee on the Rights of the Child’s Definition of Non-Refoulement for Children: Broad Protection for Fundamental Rights. Fordham law Review Res Gestae, New York, v. 80, pp. 39–48, 2011. 161 Doravante “CDFUE”. O artigo 19(2) da Carta estabelece que “[n]inguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.” 162 O artigo 13(a) da Carta Árabe de Direitos Humanos assim prescreve: “[t]he States parties shall protect every person in their territory from being subjected to physical or mental torture or cruel, inhuman or degrading treatment. They shalltake effective measures to prevent such acts and shall regard the practice thereof, or participation therein, as a punishable offence.” 49 http://www/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques A seu turno, o DIDH também apresenta um plano operacio- nal, que conta com diversos órgãos universais e regionais de su- pervisão. Em âmbito regional, os sistemas de proteção a direitos humanos possuem mecanismos jurisdicionais que auxiliam na ob- servância e na implementação desses direitos em suas respectivas jurisdições, possibilitando que os indivíduos interponham recla- mações em face dos Estados, responsabilizando-os internacional- mente por violações de direitos humanos. Com efeito, a positiva- ção da proibição do refoulement como norma de direitos humanos — especialmente nos planos regionais europeu e interamericano — outorga aos indivíduos meios de demandar internacionalmente contra o Estado, preventiva ou repressivamente163. Em suma, o DIDH deu maior musculatura à proteção da pes- soa migrante, robustecendo a vedação à devolução, ao tempo que alargou seu escopo ratione personae e ofereceu meios de expandir seu escopo ratione materiae, além de ter contribuído significativa- mente para a cristalização do non-refoulement no costume interna- cional, como veremos. I. Non-refoulement como parte integrante de proibições de jus cogens 1 Jus cogens: natureza, efeitos e consequências jurídicas Normas de jus cogens (normas “imperativas” ou “peremptó- rias”) são aquelas que, no plano internacional, impõem-se aos Es- tados independentemente de seu consentimento; contrapõem-se, 163 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. I. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997. pp. 60–118. 50 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo assim, às normas do chamado jus dispositivum, i.e., aquelas avença- das pelo Estado e passíveis de modificação segundo sua vontade. Constituem, portanto, a base de uma ordre public internacional164, voltada à salvaguarda dos principais interesses e valores da co- munidade internacional, incluindo-se a proteção dos direitos mais caros à pessoa humana. Apesar de manifestações pretéritas165, o conceito de jus cogens internacional foi introduzido no Direito das Gentes por meio da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), de 1969. Firmou-se, na ocasião, a superioridade hierárquica das nor- mas peremptórias em relação às demais. In verbis: Art. 53. É nulo um tratado que, no momento de sua con- clusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é 164 Não se deve confundir ordre public internacional com jus cogens. Aquela é uma noção de direito material, um núcleo duro e intangível do ordenamento jurídico que reflete os valores mais caros da comunidade internacional, ao tempo que jus cogens é uma categoria jurídica que confere efeito especial a determinadas normas. 165 A princípio, a teoria do jus cogens internacional começara a se manifestar já na primeira metade do século passado, na doutrina do austríaco Alfred Verdross e dos franceses Louis le Fur, George Ripert e Georges Scelle. Ademais, podem-se identificar manifestações na jurisprudência da Corte Mundial reafirmando o papel das normas peremptórias, a exemplo do voto do Juiz Tanaka, no caso Sudoeste da África (1966). Na Corte Permanente de Justiça Internacional, cite-se o voto em separado do Juiz Schücking, no caso Oscar Chinn (1934). Para uma leitura aprofundada sobre a evolução do jus cogens, recomendam-se as seguintes leituras: KOLB, Robert. Théorie du Ius Cogens International: Essai de Relecture du Concept. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. 404 p. ROBLEDO, Antonio Gomez. El Ius Cogens International: Estúdio Histórico-Crítico. Cidade do México: UNAM/Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2003. 195 p. VERDROSS, Alfred. Forbidden Treaties in International Law: Comments on Professor Garner’s Report on ‘The Law of Treaties’. The American Journal of International law, Cambridge, v. 31, n. 4, pp. 571–577, 1937. BIANCHI, Andreas. Human Rights and the Magic of Jus Cogens. The European Journal of International law, Florence, v. 19, n. 3, pp. 491–508, 2008. 51 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques uma norma aceita e reconhecida pela comunidade inter- nacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser mo- dificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.166 A principal consequência jurídica das normas de jus cogens, no universo do direito dos tratados, é a anulação ab initio das regras que a elas se contrapõem. A fortiori, tratados que colidam com normas cogentes supervenientes serão extintos167. Ademais, basta que apenas uma cláusula do tratado contrarie uma norma cogente para que ele seja anulado in totum168. Destarte, a questão da superioridade hierárquica das nor- mas de direito imperativo não se conteve ao direito dos tratados, transcendendo esse ramo do Direito Internacional Público para se manifestar, por exemplo, no capítulo da responsabilidade inter- nacional dos Estados169. Com efeito, a Comissão de Direito Inter- nacional das Nações Unidas170 propôs, em seu Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados, de 1996171, a inserção de uma nova categoria de atos internacionalmente ilícitos resultantes da violação de “obrigações internacionais es- senciais à proteção dos interesses fundamentais da comunidade 166 CVDT, artigo 53. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acessado em: 01 out. 2017. 167 Ibidem, artigo 64. 168 Ibidem, artigo 44(5). 169 DANILENKO, Gennady M. International Jus Cogens: Issues of Law-Making. The European Journal of International law, Florence, v. 2, n. 1, p. 42, 1991. 170 Doravante “Comissão de Direito Internacional” ou “CDI”. 171 NAÇÕES UNIDAS. International Law Commission. Draft articles on State Responsibility. 1996. Disponível em: <http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/ english/commentaries/9_6_1996.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 52 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- http://legal.un.org/ilc/texts/instruments/ O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo internacional”172. Em 2001, na versão mais atualizada do Projeto, a CDI deu mais atenção às normas de jus cogens, dedicando todo um capítulo às “violações graves de obrigações decorrentes de normas imperativas de Direito Internacional geral”173. De acordo com o artigo 40(2) do aludido Projeto, considerar-se-ão graves aquelas violações que “envolvam descumprimento flagrante ou sistemáti- co da obrigação [de jus cogens] pelo Estado responsável”174. Apesar da aparente necessidade de um certo nível de gravidade da viola- ção, o simples desrespeito a uma norma de ordem pública interna- cional será suficiente para a configuração do ilícito175. Em se verificando que uma norma de direito imperativo foi profligada, uma série de obrigações — comissivas e omissivas — emergirão, impondo-se à comunidade internacional vis-à-vis o Estado delinquente. Citem-se, aqui, a obrigação de não-reconhe- cimento do ato que deu causa à violação176, a obrigação de não- 172 Ibidem, artigo 43. 173 No original, “serious breaches of obligations under peremptory norms of general international law”. 174 PAREAII, artigo 40(2). No original, “a breach of such an obligation is serious if it involves a gross or systematic failure by the responsible State to fulfil the obligation”. Uma versão traduzida do PAREAII foi disponibilizada pelo Professor Aziz Saliba, no seguintesítio: <http://iusgentium.ufsc.br/wp-content/uploads/2015/09/Projeto-da-CDI-sobre- Responsabilidade-Internacional-dos-Estados.pdf>. Acesso em: 18 out. 2017. 175 CRAWFORD, Op. Cit., p. 381. 176 A observância dessa obrigação faz mais sentido nos casos de violações ao direito à autodeterminação dos povos ou à proibição da agressão. Cf., ibidem, pp. 381– 385. Sobre a cogência do direito à autodeterminação dos povos, recomenda-se: SUMMERS, James. Peoples and International law. 2. ed. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2014, pp. 78–88. 53 http://iusgentium.ufsc.br/wp-content/uploads/2015/09/Projeto-da-CDI-sobre- Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques -assistência na manutenção daquele ato177 ou ainda a obrigação de cooperação para pôr fim à grave violação178. Note-se, outrossim, que as obrigações ora mencionadas são im- putadas à comunidade internacional como um todo, porquanto uma violação de uma norma de jus cogens fere a ordem pública internacional, vergastando os valores e interesses mais fundamen- tais da societas gentium. Para além de sua dimensão material, as normas de jus cogens irradiam, no plano processual, obrigações erga omnes, as quais se manifestam tanto horizontalmente — vis-à-vis a todos os integrantes da comunidade internacional — quanto vertical- mente, vinculando todos os órgãos e agentes do Estado, dos poderes públicos e mesmo particulares em suas relações inte- rindividuais (Drittwirkung)179. Desse modo, as normas de jus cogens imputam aos Estados obrigações tanto no plano interna- cional quanto no doméstico, garantindo a obediência integral à autoridade do direito imperativo. Assim, a emergência de uma norma peremptória não apenas invalidará tratados já existentes, tampouco se limitará à responsa- bilização de um Estado por um ato internacionalmente ilícito, mas constituirá um dever de adequação por parte dos Estados, os quais deverão adaptar-se à norma superveniente nas esferas judiciária, administrativa e legislativa. 177 Não se limita à assistência no cometimento do ato, mas também no dever de não assistir na manutenção da situação internacionalmente ilícita. Cf., ibidem, p. 385. 178 Ibidem, p. 386. 179 CANÇADO TRINDADE, Op. Cit., 2010, p. 319. 54 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo 1.1 Do conteúdo material das normas de jus cogens A descrição de jus cogens prevista na CVDT e nos trabalhos da CDI não é satisfatória, porquanto se limita a discorrer sobre os efeitos jurídicos do direito imperativo sem, contudo, aquilatar sua natureza. Como bem observa o jurista uruguaio Jimenez de Aréchaga, certas normas são cogentes não por não permitirem derrogação, mas não permitem derrogação por serem cogentes180. À época dos travaux préparatoires da CVDT, a Comissão de Direito Internacional deu exemplos do que, em sua visão, consti- tuiria uma violação de uma norma peremptória: um tratado que contemplasse o uso ilegal da força nas relações internacionais (contrariando, pois, a Carta das Nações Unidas) ou um tratado que previsse outros atos criminosos segundo o Direito Internacio- nal (escravidão, pirataria ou genocídio)181. Não obstante, coube às instâncias internacionais182 o papel de definir o conteúdo material das normas cogentes. Nessa esteira, as cortes internacionais de direitos humanos e os tribunais penais internacionais ad hoc vêm fazendo uso dessa ca- tegoria normativa para consolidar direitos essenciais ao indivíduo, proscrevendo uma série de práticas que profligavam a dignidade humana, e.g., escravidão, trabalhos forçados, genocídio, apartheid, desaparecimento forçado, tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Esse fenômeno tem contribuído para a gradual expansão do conteúdo material das normas de jus cogens183, afetando diretamente as obrigações de non-refoulement. 180 ARÉCHAGA, 1978, p. 64 apud CASSESE, Antonio. International law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 201. 181 SINCLAIR, 1973, pp. 66–69 apud CANÇADO TRINDADE, Op. Cit, 2010, p. 294. 182 A priori, à Corte Internacional de Justiça. 183 CANÇADO TRINDADE, Op. Cit, 2010, p. 299. 55 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Ora, ao ser proibida por uma norma peremptória, determinada prática passa a ser abolida de forma absoluta, não comportando exceções. A fortiori, um Estado não poderá enviar um indivíduo a território no qual possa ser submetido a circunstâncias proibidas de forma absoluta, sob pena de violar uma norma de jus cogens184. Conclui-se, assim, que os limites à saída compulsória da pessoa migrante serão alargados pari passu com a emergência de novas proibições de jus cogens, tal como ilustrado no tópico a seguir. 2 Obrigações de non-refoulement e o direito à integridade física, psíquica e moral na jurisprudência dos órgãos universais e regionais de supervisão de direitos humanos Sem dúvidas, o amplo reconhecimento da natureza peremp- tória da proibição da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes contribuiu decisivamente para a expansão das obrigações de non-refoulement. Não são poucos os diplomas que proscrevem essas práticas em caráter absoluto, nem poucas são as decisões judiciais que lhes reco- nhecem a natureza peremptória. Em âmbito global, a Convenção contra a Tortura proíbe, em seu artigo 3(1), que o Estado expulse, retorne ou extradite uma pessoa para outro território em que haja substanciais evidências 184 Cf. CrtIDH. Parecer Consultivo OC-21/14 de 19 de Agosto de 2014 sobre Direitos e Garantias da Criança no Contexto da Migração e/ou em Necessidade de Proteção Internacional solicitado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, 19 de agosto de 2014, par. 225. 56 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo para acreditar que ela corra o risco de ser submetida à tortura185. Ademais, a própria Convenção contra a Tortura apregoa o ca- ráter absoluto dessa interdição, ao estabelecer que o Estado não poderá se escusar do cumprimento dessa obrigação mediante a alegação de circunstâncias excepcionais, tais como “ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna, ou mesmo emergências públicas”186. Percebe-se que o escopo ratione personae das obrigações de non-refoulement derivadas da proibição da tortura é especial- mente amplo. Destarte, o artigo 3 é aplicável a todas as pessoas, independentemente de sua conduta passada, abarcando-se, in- clusive, aquelas excluídas da proteção sob a Convenção de 1951. Essa matéria foi aquilatada no cas célèbre Tapia Paez v. Suécia, de 1997, perante o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura. Em síntese, o Sr. Gorki Ernesto Tapia Paez, cidadão peruano e militante do grupo Sendero luminoso, não teve seu status de re- fugiado reconhecido pelas autoridades suecas, uma vez que havia cometido crimes em seu país natal, sendo, portanto, excluído da definição de refugiado, por força do artigo 1(F) da Convenção de 1951. O Comitê entendeu que, mesmo tendo praticado atos cri- minosos no passado, o Sr. Tapia Paez ainda seria protegido pelo artigo 3 da Convenção contra a Tortura, não podendo, assim, ser enviado ao Peru, onde havia evidências robustas de que poderia ser submetido à tortura187. 185 O dispositivo assim prescreve: “[n]enhum Estado Parte procederá à expulsão, devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que a mesma corre perigo de ali ser submetida a tortura.” 186 Convenção contra a Tortura, artigo 2(2). 187 Cf. GORLICK, Brian. The Convention and the Committee Against Torture: A Complementary Protection Regime for Refugees. International Journal of Refugee law, Oxford, v. 11, n. 3, p. 488, 1999. 57 Rodolfo Ribeiro CoutinhoMarques Apesar da aparente abrangência da proteção contra o refou- lement sob a Convenção contra a Tortura, vale destacar que seu escopo material está circunscrito ao conceito de tortura esposa- do em seu primeiro artigo188, o qual não abarca, em princípio, os tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Ainda, requer-se que o risco de tortura parta do Estado189. Outrossim, também o PIDCP oferece meios de proteger os in- divíduos contra o refoulement. Ao contrário da Convenção contra a Tortura, o artigo 7 do Pacto não faz distinções entre tortura e tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, abolin- do-os de igual forma. Entretanto, a vedação ao refoulement não é expressa, sendo, nesse caso, inferida como um componente da proibição absoluta da tortura e de outros maus tratos190. Chega-se a essa conclusão a partir da interpretação conjunta dos artigos 7 e 2(1)191 do Pacto, os quais desautorizam o envio de uma pessoa 188 O artigo 1 da Convenção contra a Tortura define “tortura” como: “(...) qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.” 189 DUFFY, Aiofe. Expulsion to Face Torture? Non-refoulement in International Law. International Journal of Refugee law, Oxford, v. 20, n. 3, p. 381, 2008. 190 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 209. 191 O artigo 2(1) do Pacto estipula que “[o]s Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.” 58 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo para territórios em que possa sofrer um dano irreparável192. Ade- mais, entre os benefícios de se socorrer da proteção outorgada pelo PIDCP, há a possibilidade de peticionar perante o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, cuja competência material é consideravelmente mais abrangente do que aquela do Comitê contra a Tortura193. No caso Kindler v. Canadá, o Comitê de Direitos Hu- manos teve a oportunidade de se pronunciar sobre a extensão das obrigações de non-refoulement nos casos de pena capital, abolida pelo Segundo Protocolo ao PIDCP. A demanda foi proposta pelo Sr. Joseph Kindler, que, em 1983, havia sido sentenciado à morte por homicídio e sequestro no estado da Pensilvânia, Estados Uni- dos. Ocorre que, em setembro de 1984, o Sr. Kindler evadiu-se, vindo a ser preso no Quebec, Canadá, em agosto de 1985. To- mando conhecimento da detenção, os Estados Unidos requereram a sua extradição. Todavia, o artigo 6 do Tratado de Extradição entre EUA e Canadá, de 1976, impõe limites à extradição de um indivíduo que possa ser submetido à pena capital194. Após vários recursos administrativos e judiciais, a querela chegou à Suprema Corte do Canadá, que decidiu, em setembro de 1991, pela extra- dição do Sr. Kindler. Em face do cumprimento da decisão, o Sr. Kindler apelou para o Comitê de Direitos Humanos, ale- gando que o Canadá havia violado, inter alia, o artigo 7 do PIDCP. Apesar de não ter identificado qualquer violação ao dispositivo no 192 GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 209. 193 DUFFY, Op. Cit., p. 381. 194 O artigo 6 do mencionado Tratado de Extradição assim discorre: “[w]hen the offence for which extradition is requested is punishable by death under the laws of the requesting State and the laws of the requested State do not permit such punishment for that offence, extradition may be refused unless the requesting State provides such assurances as the requested State considers sufficient that the death penalty shall not be imposed or, if imposed, shall not be executed.” 59 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques cas d’espèce, o Comitê sugeriu, em um célebre obiter dictum, que, se um Estado-parte extraditar uma pessoa para um território em que seus direitos sob Pacto possam ser vilipendiados, ele, Estado, estará violando o Pacto195. Em âmbito regional, o artigo 3 da CEDH proscreve, em igual medida, a tortura e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes196. Assim como o artigo 7 do PIDCP, a proibição do refoulement constitui um elemento essencial à proteção frente àquelas práticas. No conhecido caso Soering v. Reino Unido, de 1989, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CrtEDH) teve a oportunidade de se debruçar sobre a amplitude das obrigações de non-refoulement sob o artigo 3 da CEDH. O caso envolvia a extradição do Sr. Jens Soering, nacional alemão, para ser julgado, no estado da Virgínia (Estados Unidos), pelo assassinato dos pais de sua namorada. Em sendo condenado, poderia ele ser submetido à pena capital. O Sr. Soering apelou, então, para a CrtEDH, alegando que, se o Reino Unido lhe entregasse aos Estados Unidos, estaria violando o artigo 3 da CEDH, uma vez que ele poderia ser exposto a pena ou tra- tamento cruel, desumano ou degradante. A Corte então acolheu esse argumento para decidir que extraditar o Sr. Soering para um território no qual pudesse ser submetido a tais penas ou tratamen- tos colidiria com o próprio espírito do artigo 3197. 195 DUFFY, Op. Cit., p. 382. 196 O dispositivo assim estatui: “[n]inguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.” 197 Cf. CONSELHO DA EUROPA. European Court of Human Rights. Soering v. The United Kingdom. 1/1989/161/217, 7 jul. 1989, par. 88. Disponível em: <http://www. refworld.org/cases,ECHR,3ae6b6fec.html>. Acesso em: 13 out. 2017. Essa linha de raciocínio foi replicada, inter alii, nos casos Cruz Varas v. Suécia (par. 69), Vilvarajah v. Reino Unido (par. 102) e T.I. v. Reino Unido (par. 228). 60 http://www/ O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Em 1996, no caso Chahal v. Reino Unido, também a Corte de Estrasburgo teve a oportunidade de reafirmar a natureza pe- remptória da proibição da tortura e das penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, bem assim a sua relação com o non-refoulement. Tratou-se, com efeito, de uma demanda en- volvendo uma ordem de deportação de um separatista Sikh198 em razão de uma suposta ameaça à segurança nacional. Na ocasião, a Corte reforçou a natureza cogente da proibição prevista pelo artigo 3 da CEDH, considerando-a igualmente absoluta nos ca- sos de expulsão, independentemente de quão perigoso e indese- jado pudesse ser o indivíduo199. No corpus juris interamericano, o direito à integridade física é compreendido de forma alargada200. Aqui falamos de um di- reito à integridade pessoal, no qual estão contidos não apenas o direito à integridade física, mas também o direito à integridade psíquica e moral da pessoa humana201. Nesse sentido, o artigo 5(1) da CADH prevê que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”, não podendo 198 Desde a partição da Índia, em 1947, vários Sikh vêmlutando pela independência de sua região, o Khalistão. 199 Cf. CONSELHO DA EUROPA. European Court of Human Rights. Chahal v. The United Kingdom. 70/1995/576/662, 15 nov. 1996, par. 80. Disponível em: <http:// www.refworld.org/cases,ECHR,3ae6b69920.html>. Acesso em: 15 out. 2017. 200 Cf. MARQUES, Op. Cit., 2017, p. 67. 201 Ibidem. 61 http://www.refworld.org/cases%2CECHR%2C3ae6b69920.html Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques ser submetida à tortura202 ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes203. No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CrtIDH), pode-se identificar uma verdadeira jurisprudence cons- tante no sentido de identificar a proibição da tortura como uma norma de caráter juris cogentis204. O reconhecimento da proibi- ção de penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes enquanto normas peremptórias dar-se-ia no caso Caesar v. Trini- dad e Tobago205. O contencioso tinha por objeto um ato norma- tivo trinitário que submetia a castigo corporal homens maiores 202 A definição de tortura adotada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte de São José é aquela prevista no artigo 2 da Convenção Interamericana contra a Tortura, in verbis: “(...) todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.” 203 CADH, artigo 5(2). 204 CrtIDH. De la Cruz v. Peru, Merits, Reparations and Costs, Series C, n. 115, Judgment of 18 Nov. 2004, par. 125. CrtIDH. lori Berenson Mejia v. Peru, Merits, Reparations and Costs, Series C, n. 119, Judgment of 25 nov. 2004, par. 99. CrtIDH. Fermin Ramirez v. Guatemala, Merits, Reparations and Costs, Series C, n. 126, Judgment of 20 jun. 2005, par. 117. CrtIDH. Garcia Asto and Ramirez Rojas v. Peru, Preliminary Objection, Merits, Reparations and Costs, Series C, n. 137, Judgment of 25 nov. 2005, par. 22. CrtIDH. Baldeon Garcia v. Peru, Merits, Reparations, and Costs, Series C, n. 147, Judgment of 6 apr. 2006, par. 117. CrtIDH. Penal Miguel Castro Castro v. Peru, Merits, Reparations and Costs, Series C, n. 160, Judgment of 25 nov. 2006, par. 271. CrtIDH. Masacre de la Rochela v. Colombia, Interpretation of the Judgment on the Merits, Reparations and Costs, Series C, n. 163, Judgment of 28 jan. 2008, par. 132. CrtIDH. Buenos-Alves v. Argentina, Merits, Reparations, and Costs, Series C, n. 164, Judgment of 11 may 2007, par. 76. 205 MAIA, Catherine. Le jus cogens dans la jurisprudence de la cour interamericaine des droits de l’homme. In: HENNEBEL, Ludovic; TIGROUDJA, Hélène (Org.). le particularisme interaméricain des droits de l’homme: en l’honneur du 40e anniversaire de la Convention américaine des droits de l’homme. Paris: Editions Pedone, 2009. p. 286. 62 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo de 16 anos que fossem condenados por determinados crimes. O autor da demanda, Sr. Winston Caesar, foi submetido a tal pena após ter sido condenado por tentativa de estupro. Em um conhe- cido obiter dictum, a Corte de São José então decidiu que aquela pena aviltante violava o disposto no artigo 5 da CADH, que possuía “o caráter de jus cogens”206. Desde então, a afirmação do caráter cogente da proibição da tortura e de outros tratamentos e penas cruéis, desumanos ou degradantes veio sendo cristalizada na jurisprudência da CrtIDH207. Pelo fato de ser uma proibição peremptória, da qual nenhuma derrogação é permitida, podemos inferir que o envio de um in- divíduo para território no qual possa ser submetido à tortura ou a outras penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes é igualmente proibido no direito interamericano. Esse é o enten- dimento da CrtIDH. Quando da análise do Parecer Consultivo nº 21, o qual tinha por tema central os Direitos e Garantias da Criança no Contexto da Migração e/ou em Necessidade de Proteção Internacional, a Corte de São José reconheceu que há uma rela- ção intrínseca entre as obrigações de respeitar, proteger e reali- zar os direitos humanos, insculpidas no artigo 1(1) da CADH208, 206 CrtIDH. Caesar v. Trinidad y Tobago, Fondo, Reparaciones y Costas, Séries C, n. 123, Sentencia de 11 de mar. de 2005, par. 100. 207 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Une ere d’avancees jurisprudentielles et institutionelles: souvenirs de la Cour interamericaine des droits de l’homme. In: HENNEBEL, Ludovic; TIGROUDJA, Hélène (Org.). le particularisme interaméricain des droits de l’homme: en l’honneur du 40e anniversaire de la Convention américaine des droits de l’homme. Paris: Editions Pedone, 2009. p. 39. 208 O artigo 1(1) da CADH assim discorre: “[o]s Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.” 63 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques e os direitos específicos protegidos pela Convenção, impondo-se, assim, “deveres concretos que devem ser determinados caso a caso e segundo o direito ou liberdade em questão”209. Segundo a Corte, um dos deveres associados à proibição da tortura é o de non-refoulement, o qual: (...) busca, de maneira primordial, assegurar a efetivida- de da proibição da tortura em todas as circunstâncias e a respeito de todas as pessoas, sem discriminação alguma. Sendo uma obrigação derivada da proibição de tortura, o princípio de não-devolução neste âmbito é absoluto e adquire também o caráter de norma imperativa de Direito Internacional Consuetudinário, isto é, de jus cogens.210 Com efeito, tendo em mente a conexão entre o direito à integridade pessoal (artigo 5) e as obrigações de respeitar, pro- teger e realizar os direitos humanos (artigo 1), aos Estados Par- tes da CADH se impõe um dever de não deportar, devolver, rechaçar, extraditar ou remover de outro modo uma pessoa que esteja sob sua jurisdição para territórios não seguros, quando houver suficientes razões para crer que ela corre o risco de ser submetida a tortura211 ou a tratamentos e penas cruéis, desu- manos ou degradantes212. Entretanto, no contexto interamericano, o conteúdo do non- -refoulement é consideravelmente mais amplo — tanto em sua 209 CrtIDH, Parecer Consultivo OC-21/14, 2014, Op. Cit., par. 225. 210 Ibidem. 211 Essa é a ratio do já mencionado artigo 13(4) da Convenção Interamericana contra a Tortura, o qual veda a extradição ou devolução da pessoa requerida “quando houver suspeita fundada de que corre perigo sua vida, de que será submetida à tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, ou de que será julgada por tribunais de exceção ou ad hoc, no estado requerente.” 212 CrtIDH, Parecer Consultivo OC-21/14, 2014, Op. Cit., par. 226. 64 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo dimensão ratione personae quanto em sua dimensão ratione mate- riae—, não se limitando à vedação da tortura e de outros trata- mentos e penas cruéis desumanos ou degradantes. A Corte tem considerado que o non-refoulement é uma das obrigações associa- das ao direito de buscar e receber asilo (a ser estudado mais à fren- te), consagrado primeiro no artigo XXVII da Declaração Ameri- cana de Direitos Humanos (DADH)213e replicado no artigo 22(7) da CADH214. Nesse sentido, ao analisar o Parecer Consultivo nº 21, a CrtIDH percebeu que: No âmbito do Sistema Interamericano, este princípio [non-refoulement] se vê reforçado pelo reconhecimento do direito de toda pessoa de buscar e receber asilo, original- mente no artigo XXVII da Declaração Americana e poste- riormente no artigo 22(7) da Convenção Americana. Por conseguinte, como corolário dos deveres fundamentais de respeito e garantia do artigo 1(1) da Convenção, contraí- dos em relação a cada um dos direitos protegidos e, neste caso, com respeito ao direito de cada pessoa de solicitar e receber asilo, decorre o princípio de não-devolução, em virtude do qual os Estados se encontram obrigados a não devolver ou expulsar uma pessoa — solicitante de refúgio ou refugiada — para um Estado onde exista a possibili- dade de que sua vida ou liberdade esteja ameaçada como consequência de perseguição por determinados motivos ou por violência generalizada, agressão estrangeira, con- flitos internos, violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente 213 Antecedendo a DUDH, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, também de 1948, prevê em seu artigo XXVII que: “[t]oda pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direito comum, e de acordo com a legislação de cada país e com as convenções internacionais.” 214 O artigo 22(7) da CADH replica ipsis litteris o disposto no artigo XXVII da DADH. 65 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques a ordem pública, assim como para um terceiro Estado a partir de onde possa ulteriormente ser devolvido ao Esta- do onde sofre este risco, situação esta que convencionou- -se chamar “refoulement indireto.”215 A CrtIDH chegou a essa conclusão com base em uma leitura integrada dos artigos 1(1), 22(7) e 22(8) da CADH e do item III(3) da Declaração de Cartagena. A expansão da dimensão ratione personae do non-refoulement no corpus juris interamericano decorre de uma interpretação alar- gada do artigo 22(8) da CADH, consagrando o direito de qualquer pessoa estrangeira, e não apenas de pessoas asiladas e refugiadas, à “não-devolução indevida quando sua vida, integridade e/ou li- berdade estejam em risco de violação, sem importar seu estatuto legal ou condição migratória no país em que se encontre”216. É interessante notar que, por força do artigo 1(1) do Pacto de São José, os titulares desse direito são todas as pessoas submetidas à jurisdição do Estado, não havendo qualquer distinção quanto ao status migratório do indivíduo. Por outro lado, a ampliação da dimensão ratione materiae da proibição do refoulement no sistema interamericano tem o DNA da Declaração de Cartagena (1984)217. Mesmo desprovida de força vinculante, a Declaração influenciou a legislação de diversos esta- dos americanos — entre eles o Brasil218 —, alargando o conceito 215 CrtIDH, Parecer Consultivo OC-21/14, 2014, Op. Cit., par. 212. 216 CrtIDH, Pacheco Tineo Family v. Bolivia, 2013, Op. Cit., par. 135. 217 Cf., sobre a Declaração de Cartagena, REED-HURTADO, Michael. The Cartagena Declaration on Refugees and the Protection of People Fleeing Armed Conflict and Other Situations of Violence in Latin America. legal and Protection Policy Research Series, Geneva, PPLA/2013/03, pp. 1–33, 2013. 218 O artigo 1º, III, da Lei 9.474/97 incorporou a definição expandida de refugiado sugerida pela Declaração de Cartagena. Assim, no Brasil, também será considerada 66 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo de refugiado para agasalhar aquelas pessoas que tenham deixado seus países de origem ou residência habitual “porque sua vida, se- gurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência gene- ralizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública”219. Ademais, também a dimensão ratione loci da não-devolução é mais abrangente no sistema interamericano, uma vez que o non- -refoulement deverá ser garantido a todas as pessoas sob quem o Estado exerça autoridade ou que estejam sob seu controle efetivo, independentemente de estarem em seu território terrestre, fluvial, marítimo ou aéreo220. II. Obrigações de non-refoulement e o direito ao asilo “Asilo” deriva do grego “asylon”, que significava “aquilo que não pode ser apreendido”. Remetia-se, tradicionalmente, a um lugar ou território inviolável, onde a pessoa perseguida encon- traria proteção221. O termo foi traduzido para o Direito como uma prerrogativa do Estado, passando a ser uma manifestação de sua soberania territorial. De fato, a historia juris do asilo de- monstra que o instituto foi concebido como uma garantia dos Estados de conceder proteção, em seu território ou em outro lu- refugiada a pessoa que, “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigada a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.” 219 Declaração de Cartagena, item III(3). 220 CrtIDH, Parecer Consultivo OC-21/14, 2014, Op. Cit., par. 219. 221 BOED, Op. Cit., p. 2. 67 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques gar sob controle de seus órgãos, a uma pessoa que lhe solicite222; em outras palavras, um “direito de asilar”. Portanto, os Estados têm, a priori, o direito de garantir ou não asilo às pessoas que se encontram abraçadas por suas fronteiras223. Cumpre ressaltar, ainda, que, para o Direito Internacional224, “asilo”, em seu sen- tido lato, não se confunde com “refúgio”, uma vez que aquele é gênero, enquanto este, espécie225. Na América Latina, o asilo, que foi amplamente codificado226, possui uma conotação polí- tica (entende-se, pois, como ‘asilo político’), voltando-se, por isso, à proteção de perseguidos políticos, quer seja no território do Estado (asilo territorial), quer seja em missões diplomáticas (asilo diplomático) ou mesmo em embarcações militares (asilo militar). O refúgio, por sua vez, é um instituto de alcance glo- bal, dedicado à proteção de pessoas perseguidas, seja por razões 222 O artigo primeiro da Resolução “l’asile en droit international”, do Institut de Droit International, estabelece que: “(...) le terme ‘asile’ désigne la protection qu’un Etat accorde sur son territoire ou dans un autre endroit relevant de certains de ses organes à un individu qui est venu la rechercher.” 223 BOED, Op. Cit., p. 3. 224 No Brasil, o termo “asilo” aparece como sinônimo de “asilo político”, espécie com regramento próprio no ordenamento jurídico brasileiro. 225 Cf., inter alii, GIL-BAZO, Maria Teresa. Asylum as a General Principle of International Law. International Journal of Refugee law, Oxford, v. 27, n. 1, p. 4, 2015; RAMOS, André de Carvalho. Asilo e Refúgio: semelhanças, diferenças e perspectivas. In: RAMOS, André de Carvalho; RODRIGUES, Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de (Org.). 60 anos de ACNUR: Perspectivas de futuro. São Paulo: ACNUR/CLA Editora, 2011. pp. 15–44. 226 O primeiro tratado a estipular o asilo foi o Tratado de Montevidéu sobre Direito Penal Internacional, de 1889, (arts. 15, 16 e 17). O instituto então passou a ser objeto de uma miríade de outros instrumentos convencionais na região, a exemplo da Convenção de Havana sobre Asilo, de 1928, da Convenção de Montevidéu sobre Asilo Político, de 1933, da Convenção de Montevidéu sobre Refúgio Político, de 1939, da Convenção sobre Asilo Diplomático, de 1954, e da Convenção sobre Asilo Territorial, de 1954. 68 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo atinentes à nacionalidade, como religiosas, étnicas e sociais, seja porrazões políticas. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, o asilo então se traveste como uma norma de direitos humanos227. O artigo 13(2) da Declaração consagra o direito de sair de um país em busca de asilo, o qual se constitui como uma garantia individual oponível ao Estado de origem ou de residên- cia habitual228. Esse mesmo direito vem previsto no artigo 22(2)229 da CADH, no artigo 12(2) da Carta de Banjul230 e no já referido artigo 12(2) do PIDCP. Assim, ao indivíduo é garantido o “direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar”231. A ratio essendi desse dispositivo é de que os Estados não podem se assenhorar de seus habitantes. O direito em comento, inclusive, já 227 A DUDH foi o primeiro instrumento internacional de alcance universal a reconhecer o direito de buscar e receber asilo enquanto um direito humano. Entretanto, como já mencionado, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, também de 1948, antecedeu a DUDH ao prever o direito de buscar e receber asilo em seu artigo XXVII. 228 BOED, Op. Cit., p. 6. 229 O artigo 22(2) da CADH apregoa que: “[t]oda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do seu próprio.” 230 Segundo o artigo 12(2) da Carta de Banjul, “[t]oda pessoa tem o direito de sair de qualquer país, incluindo o seu, e de regressar ao seu país. Este direito só pode ser objeto de restrições previstas na lei, necessárias à proteção da segurança nacional, da ordem, da saúde ou da moralidade públicas.” 231 O artigo 13 da DUDH estatui que: “(1) [t] odo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. (2) Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.” 69 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques havia sido afirmado por Vitória232, Grócio233, Pufendorf234 e Vat- tel235, tal a sua essencialidade. A outra face do direito ao asilo é a garantia de que dele se pos- sa beneficiar. Nessa esteira, o artigo 14(1) da DUDH dispõe que “toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”236. Esse direito foi incorporado por uma série de tratados de direitos humanos, a exemplo da Carta de Banjul237 e da CADH238. Não obstante, tais tratados não estabe- leceram uma correlação entre o direito ao asilo e uma obrigação de admissão239, limitando-se a declarar um direito de buscar asilo, mas não de tê-lo garantido. Outrossim, não há, no Direito das Gentes, norma garantindo um direito individual subjetivo ao asilo. 232 Para Vitória, a liberdade de locomoção deriva do dever de hospitalidade, prima principia do Direito das Gentes. In: CHETAIL, Op. Cit., 2016, a, p. 904. 233 Em Mare liberum, Grócio reafirma que toda a nação é livre para viajar para qualquer outra nação como uma regra incontestável do Direito das Gentes, sendo esta regra “autoevidente e imutável”. In: ibidem, p. 907. 234 Em sua obra De Iure Naturae et Gentium, publicada em 1672, Samuel Pufendorf defende que a todos é reservado o direito de emigrar, salvo algumas poucas exceções. In: ibidem, p. 910. 235 Segundo Vattel, o estrangeiro é livre todo o tempo para partir, não tendo o Estado “o direito de retê-lo, a não ser que seja temporariamente e por motivos muito particulares, como por exemplo, em época de guerra, o temor de que, conhecedor da situação do país e de suas fortalezas, transmita informações a respeito ao inimigo.” In: VATTEL, Emer de. O Direito das Gentes. Brasília: FUNAG/IPRI, 2004. p. 249. 236 O artigo 14 da DUDH assim estipula: “(1) [t]odo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. (2) Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.” 237 A Carta de Banjul, em seu artigo 12(3), estabelece que: “[t]oda pessoa tem o direito, em caso de perseguição, de buscar e de obter asilo em território estrangeiro, em conformidade com a lei de cada país e as convenções internacionais.” 238 CADH, artigos 22(7) e 22(8). 239 CHETAIL, Op. Cit., 2014, p. 33. 70 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Com efeito, a afirmação das obrigações de non-refoulement no corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos con- tribuiu para a contenção da discricionariedade dos Estados em matéria de asilo.240 Por ser uma obrigação negativa, que impõe limites à saída compulsória da pessoa migrante, o dever de não- -devolução implicará, em alguns casos, uma “obrigação de asilar”, conquanto não haja outras formas de prevenir a exposição da pes- soa migrante ao risco de perseguição ou ao perigo da tortura ou de outras penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Assim, ainda que não possuam um direito individual subjetivo ao asilo, as pessoas migrantes são titulares do direito de não serem devolvidas (right not to be refouled)241 ou mesmo de um direito ao refúgio242, de modo que, na hipótese de inexistir ou de não ser aplicável outra opção para se evitar o refoulement, o Estado es- tará obrigado a asilar, mesmo que temporariamente. Trata-se da mesma lógica aplicável à obrigação de facto de se admitir pessoas refugiadas, estudada no capítulo anterior. 240 No caso Pacheco Tineo Family v. Bolívia, a CrtIDH afirmou que o princípio do non- refoulement fortifica o direito de buscar e receber asilo. In verbis: “(...) under the inter- American system, the principle of non-refoulement is broader in meaning and scope and, owing to the complementarity that exists in the application of international refugee law and international human rights law, the prohibition of refoulement constitutes the cornerstone of the international protection of refugees or asylees and of those requesting asylum. This principle is also a customary norm of international law, and is enhanced in the inter-American system by the recognition of the right to seek and to receive asylum .” In: CrtIDH, Pacheco Tineo Family v. Bolivia, 2013, Op. Cit., par. 151. 241 Cf. MARQUES, Op. Cit., 2017, p. 69. 242 De acordo com Brusil Miranda Metou, esse direito consubstancia-se como uma garantia de buscar abrigo em outros países em razão de um perigo iminente e grave que, se não for evitado a tempo, poderá gerar um dano irreparável à integridade física das pessoas em questão. In: METOU, Op. Cit., p. 564. 71 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques III. Non-refoulement como norma costumeira 1 Do costume internacional O costume internacional — ou direito internacional consue- tudinário — é a prova de uma prática geral aceita como sendo o direito. Essa é a definição insculpida no artigo 38, b, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça243. Constitui-se, pois, como uma das principais fontes formais do Direito das Gentes. Dessa defini- ção podemos extrair dois elementos constitutivos do costume244: um objetivo, que cuida da prática reiterada e consistente ao longo do tempo (usus ou diuturnitas); e um subjetivo (ou psíquico), qual seja a convicção dos Estados de que aquela prática se reveste de obrigatoriedade, por decorrer de um comando jurídico; trata-se da chamada opinio juris sive necessitatis245. O elemento objetivo do costume repousa em uma prática que reflete um reconhecimento geral da norma e cuja repetição seja 243 O artigo 38 do Estatuto da CIJ assim dispõe: “[a] Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: (a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; (b) o costume internacional, como prova deuma prática geral aceita como sendo o direito; (c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; (d) sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. (...).” 244 Como aponta James Crawford, a fonte do costume pode incluir: correspondências diplomáticas, declarações políticas, comunicados de imprensa, pareceres de consultores jurídicos do governo, manuais oficiais sobre determinados assuntos jurídicos, legislação doméstica, decisões judiciais nacionais e internacionais, tratados internacionais, a prática de órgãos internacionais, entre outras manifestações. In: CRAWFORD, James. Brownlie’s Principles of Public International law. 8. ed. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 24 245 Apesar de ser amplamente aceita nos dias atuais, a Teoria dos Dois Elementos sofreu duras críticas por parte de Kelsen e Guggenheim, para quem a opinio juris seria de difícil aferição. 72 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo constante e substancialmente uniforme246, não sendo necessária uma duração particular. A uniformidade nada mais é do que a concordância entre atos sucessivos do Estado — os quais deverão ser similares em sua essência247. O requisito da uniformidade foi analisado pela CIJ no célebre caso Direito de Asilo, em que a Corte não reco- nheceu os atos invocados pela Colômbia como constitutivos de uma norma consuetudinária em razão das inconsistências, discrepâncias e contradições248. A formação da regra costumeira também prescinde de um consensus gentium, eis que um de seus requisitos de existência é o da generalidade, ou seja, a repetição da prática no espaço. Esse consenso, entretanto, não precisa ser unânime; basta ser geral249. Nesse sentido, a Corte Mundial, ao analisar os casos sobre a Pla- taforma Continental do Mar do Norte, entendeu que uma parti- cipação geral e representativa é suficiente para a formulação de uma norma costumeira, desde que dela participem os Estados par- ticularmente interessados250. Ademais, não há qualquer óbice à cristalização de uma norma costumeira regional ou mesmo local, 246 CRAWFORD, Op. Cit., 2012, p. 24. 247 DAILLIER, Patrick; FORTEAU, Mathias; PELLET, Alain. Droit international public. 8. ed. Paris: L.G.D.J., 2009. p. 358. 248 Cf. NAÇÕES UNIDAS. International Court of Justice. Asylum Case (Colombia v. Peru). Merits. ICJ Reports, 1950, p. 277. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/ files/case-related/7/007-19501120-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2018. 249 DAILLER, FORTEAU e PELLET, Op. Cit., p. 360. 250 Cf. NAÇÕES UNIDAS. International Court of Justice. North Sea Continental Shelf Cases. Merits. ICJ Reports, 1969, par. 73. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/ files/case-related/52/052-19690220-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2018. 73 http://www.icj-cij.org/ http://www.icj-cij.org/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques desde que a soma das vontades individuais dos Estados em questão confirme a existência do costume251. Um outro ponto de relevo quando do estudo do costume in- ternacional diz respeito à manifestação do consenso, o qual não necessariamente se dará por via expressa, podendo se materializar como uma abstenção. Cumpre ressaltar, todavia, que o silêncio não necessariamente se traduzirá em uma aceitação tácita252. A interpretação do silêncio deverá levar em conta as circunstâncias do caso concreto, incluindo-se a “consciência de um dever de se abster”253. Também os Estados podem se manifestar contra a for- mação de uma norma consuetudinária, desde que o façam — com persistência — durante o seu processo de gestação, e, portanto, antes que ela tenha ganhado vigência; é o que a doutrina chama de “objetor persistente”. Eis aqui a importância do elemento subjetivo — o sentimento de estar cumprindo uma determinação jurídica — para a cristaliza- ção da regra costumeira. É esse elemento que distingue o costume 251 No caso Direito de Passagem sobre o Território Indiano, a CIJ teve a ocasião de estatuir que “[o]n voit difficilement pourquoi le nombre des États entre lesquels une coutume locale peut se constituer sur la base d’une pratique prolongée devrait nécessairement être supérieur à deux. la Cour ne voit pas de raison pour qu’une pratique prolongée et continue entre deux Etats, pratique acceptée par eux comme régissant leurs rapports, ne soit pas à la base de droits et d’obligations réciproques entre ces deux États.” In: NAÇÕES UNIDAS. Cour internacionale de justice. Droit de passage sur territoire idien. Fond. CIJ. Recueil, 1960, p. 37. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/files/ case-related/32/032-19600412-JUD-01-00-FR.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018. 252 CRAWFORD, Op. Cit., 2012, p. 25. 253 Cf. LIGA DAS NAÇÕES. Permanent Court of International Justice. The Case of the S.S. “lotus”. Merits. Publications of the Permanent Court of International Justice, Series A, n. 10, 1927, p. 28. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/files/ permanent-court-of-international-justice/serie_A/A_10/30_Lotus_Arret.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2018. 74 http://www.icj-cij.org/files/ http://www.icj-cij.org/files/ O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo internacional da cortesia internacional (comitas gentium)254. Assim, apenas a frequência e a uniformidade dos atos não são suficientes para a formação do costume, que também se apoia na convicção dos Estados de que estão obedecendo um comando jurídico; não obstante, em alguns casos, a existência de uma prática geral que se repita no tempo poderá criar a presunção de uma opinio juris255. Sobre a emergência da opinio juris, perfeito é o raciocínio espo- sado por Josef L. Kunz, para quem o nascimento de uma norma costumeira tem por gênese um equívoco jurídico, já que, antes mesmo de sua cristalização, os Estados, movidos por uma prise de conscience juridique, se comportam como se ela já existisse256. 2 Da cristalização do non-refoulement Parte da doutrina257 e o ACNUR258 advogam a tese de que o non-refoulement cristalizou-se como norma costumeira, aplicando- 254 A cortesia internacional constitui-se como uma prática observada pelos Estados dentro de suas relações, mas que é desprovida de caráter jurídico. É o caso, por exemplo, da salva de tiros de canhão com que dois navios militares de nacionalidades distintas se saúdam. 255 CRAWFORD, Op. Cit., 2012, p. 26. 256 KUNZ, 1953, p. 667 apud REZEK, Op. Cit., p. 120. 257 Cf., inter alii, ALLAIN, Jane. The Jus Cogens Nature of Non-refoulement. International Journal of Refugee law, Oxford, v. 13, n. 4, pp. 538–541, 2001; FARMER, Alice. Non- Refoulement and Jus Cogens: Limiting Anti-Terror Measures that Threaten Refugee Protection. Georgetown Immigration law Journal, Washington, v. 23, n. 1, pp. 1–38, 2008; BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., pp. 140–164; CANÇADO TRINDADE, Op. Cit., 2006, pp. 335–341; GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., pp. 345–354. James Hathaway e Kay Hailbronner possuem uma percepção mais restritiva, considerando que não há evidências suficientes para se afirmar que o non- refoulement tenha se cristalizado como norma consuetudinária; são minoria. 258 Cf. ACNUR. The Principle of Non-Refoulement as a Norm of Customary International law. Response to the Questions Posed to UNHCR by the Federal Constitutional 75 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques -se não apenas aos Estados que aderiram à Convenção de 1951 e/ ou ao seu Protocolo de 1967, mas sim à comunidade internacional como um todo, alegando que há um verdadeiro consensus gentium no sentido de que pessoas migrantes — entre elas, pessoas refu- giadas e solicitantes de refúgio —não podem ser devolvidas à per- seguição odiosa e nem retornadas a territórios em que possam ser submetidas a tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Essa assunção se baseia no fato de que o non-re- foulement foi replicado em diversas convenções e declarações in- ternacionais, nas searas regional e universal, bem como sistemati- camente reafirmado pelo Comitê Executivo do ACNUR (ExCom) — órgão composto por Estados diretamente afetados por fluxos de refugiados259 — em suas conclusões. Nestas, confirmou-se que há, de fato, uma prática consistente e uniforme que reconhece que o refoulement é inaceitável, bem como a convicção de que sua proi- bição decorre de um mandamento jurídico. É interessante notar que não há qualquer óbice à convivência harmônica entre uma norma estipulada em um tratado e outra costumeira de igual essência260. A existência de uma norma po- sitivada pode, inclusive, influenciar na cristalização de uma regra consuetudinária, apesar de o inverso ser o mais comum. A esse respeito, a Corte Mundial, por ocasião do julgamento dos casos so- bre a Plataforma Continental do Mar do Norte, teve a oportunidade de se debruçar sobre a matéria, estatuindo que, para que uma nor- ma de direito convencional se cristalize como consuetudinária, se Court of the Federal Republic of Germany in Cases 2 BvR 1938/93, 2 BvR 1953/93, 2 BvR 1954/93. 31 jan. 1994. 259 O Comitê Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ExCom, foi estabelecido pelo ECOSOC, através da Resolução 672 (XXV), de 1958. Compõe-se de 94 membros com demonstrado interesse e devoção à causa dos refugiados. Entre suas atribuições está o assessoramento do Alto Comissário. 260 Desde que, obviamente, não colidam. 76 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo faz necessário o preenchimento de três requisitos: a) a regra positi- vada deverá ter um caráter fundamentalmente criador de normas (fundamentally norm-creating character), apto à formação de uma regra geral de direito261; b) a existência de uma participação geral e representativa na convenção que contém a referida norma, desde que estejam incluídas as nações cujos interesses sejam os mais sen- sivelmente afetados por aquela matéria262; c) a prática dos Estados, incluindo-se, em especial, aqueles particularmente interessados, deverá ser recorrente e virtualmente uniforme, manifestando-se de modo a evidenciar a presença de uma convicção jurídica (opinio juris sive necessitatis)263. Quanto ao primeiro requisito, é importante pontuar, prelimi- narmente, que, ao contrário dos preceitos de natureza contratual, as normas orientadas à salvaguarda da pessoa humana possuem caráter normativo diferenciado, uma vez que estipulam obriga- 261 Assim estatuiu a Corte Mundial: “[i]t would in the first place be necessary that the provision concerned should, at all events potentially, be of a fundamentally norm-creating character such as could be regarded as forming the basis of a general rule of law .” In: NAÇÕES UNIDAS, International Court of Justice, North Sea Continental Shelf Cases, 1969, Op. Cit., par. 72. 262 Sobre o segundo elemento, assim entendeu a CIJ: “[w]ith respect to the other elements usually regarded as necessary before a conventional rule can be considered to have become a general rule of international law, it might be that, even without the passage of any considerable period of time, a very widespread and representative participation in the convention might suffice of itself, provided it included that of States whose interests were specially affected.” In: ibidem, par. 73. 263 Também a Corte teve a ocasião de reafirmar a necessidade dos dois elementos clássicos para a cristalização de qualquer norma costumeira, i.e., a prática geral dos Estados e a opinio juris: “[a]lthough the passage of only a short period of time is not necessarily, or of itself, a bar to the formation of a new rule of customary international law on the basis of what was originally a purely conventional rule, an indispensable requirement would be that within the period in question, short though it might be, State practice, including that of States whose interests are specially affected, should have been both extensive and virtually uniform in the sense of the provision invoked; — and should moreover have occurred in such a way as to show a general recognition that a rule of law or legal obligation is involved.” In: ibidem, par. 74. 77 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques ções de essência objetiva voltadas à proteção efetiva dos direitos do indivíduo, transcendendo, assim, os interesses individuais dos Estados pactuantes264. Prova disso é a inexigibilidade de sinalagma para o implemento dessas obrigações, como já mencionado neste estudo. Com efeito, é inegável que as expressões convencionais do non-refoulement — em especial, aquela insculpida no artigo 33 da Convenção de 1951 e aquelas previstas nos já mencionados tra- tados de direitos humanos — possuem aptidão para formar uma norma geral de Direito Internacional. Nesse sentido, diversas conclusões do ExCom têm confirman- do essa vocação normativa do non-refoulement265. A Conclusão n.º 6 (XXVIII), “a”, do Comitê, reitera que o “fundamental princípio do non-refoulement encontra expressão em diversos instrumentos internacionais adotados tanto a nível regional quanto universal”, além de ser amplamente aceito pelos Estados266. Também a Con- clusão n.º 17 (XXXI), “b”, adotada pelo ExCom em 1980, reafirma a natureza “fundamental do reconhecido princípio geral do non- -refoulement”267. De similar modo, a Conclusão n.º 25 (XXXIII), “b”, de 1982, reconhece a importância dos princípios fundamen- tais que orientam a proteção internacional, em particular o prin- 264 CANÇADO TRINDADE, Op. Cit., 2010, p. 430. 265 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 143. 266 No original, “[r]appelant que le principe humanitaire fondamental du non-refoulement a trouvé une expression dans divers instruments internationaux adoptés au niveau mondial ou régional et est, de façon générale, admis par les Etats.” In: ACNUR. Non- refoulement. N. 6 (XXVIII). Genève, 12 out. 1977, section “a”. 267 No original, “[r]eaffirmed the fundamental character of the generally recognized principle of non-refoulement”. In: ACNUR. Problems of Extradition Affecting Refugees. N. 17 (XXXI). Geneva, 16 out. 1980, section “b”. 78 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo cípio do non-refoulement, que “veio progressivamente adquirindo o caráter de norma peremptória de Direito Internacional”268. Ademais, o caráter normativo da não-devolução foi igual- mente enunciado em diversos instrumentos de natureza decla- ratória, a exemplo, inter alia, da Declaração das Nações Unidas sobre Asilo Territorial269, adotada pela Assembleia Geral, em 1967; da Declaração de Cartagena de 1984270; da Declaração de San Remo sobre o Princípio do Non-Refoulement, adotada em 2001271; da Declaração e Plano de Ação do México para Fortale- cer a Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina 268 No original, “[r]eaffirmed the importance of the basic principles of international protection and in particular the principle of non-refoulement which was progressively acquiring the character of a peremptory rule of international law”. In: ACNUR. General Conclusion on International Protection. N. 25 (XXXIII). Geneva, 20 out. 1982, section “b”. 269 O artigo 3(1) da Declaração estipula: “[n]o person referred to in article 1, paragraph 1, shall be subjected to measures such as rejection at the frontier or, if he has already entered the territory in which he seeks asylum, expulsion or compulsory return to any State where he may be subjectedto persecution.” 270 A Declaração de Cartagena, em seu Item 3(5), assim dispõe: “[r]eiterar a importância e a significação do princípio de non-refoulement (incluindo a proibição da rejeição nas fronteiras), como pedra angular da proteção internacional dos refugiados. Este princípio imperativo respeitante aos refugiados, deve reconhecer-se e respeitar-se no estado atual do direito internacional, como um princípio de jus cogens.” 271 A Declaração de San Remo foi adotada em 2001 por ocasião do 50º Aniversário da Convenção de 1951, sob os auspícios do prestigioso Instituto Internacional de Direito Humanitário (IIDH), em San Remo (Itália). In verbis: “[n]on-refoulement is a very important legal and humanitarian principle of international law. This principle is normatively established both in treaty and in custom, and thus it constitutes an integral part of customary international law. It may be regarded as the cornerstone of international refugee law.” In: INTERNATIONAL INSTITUTE OF HUMANITARIAN LAW (IIHL). Sanremo Declaration on the Principle of Non-Refoulement. San Remo: IIHL, 2001. 79 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques de 2004272; e da Declaração de Kampala de 2009273. Também a forma como a proibição da tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes vem sendo interpreta- da, de modo a agasalhar o non-refoulement como componente essencial e implícito àquela vedação, contribui para reafirmar sua natureza normativa274. No que diz respeito ao preenchimento do segundo requisito, qual seja o da participação geral e representativa dos Estados na convenção que abriga a norma em questão, é seguro afir- mar, com base no número de países que ratificaram tratados que proscrevem a devolução275, que o non-refoulement possui 272 A Declaração e Plano de Ação do México para Fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina, adotada em 2004 por 20 países latino- americanos, estabeleceu mecanismos e medidas com vistas à identificação de soluções duradouras e inovadoras para as pessoas refugiadas que vivem na região. Na ocasião, reafirmou-se: “(...) o caráter de jus cogens do princípio da não- devolução (non-refoulement), incluindo não rechaçar na fronteira, pedra angular do direito internacional dos refugiados, consagrado na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967, e afirmado assim mesmo no artigo 22(8) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e o artigo 3 da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e o compromisso dos países da América Latina com a manutenção de fronteiras abertas para garantir a proteção e a segurança daqueles que têm direito à proteção internacional.” 273 A Declaração de Kampala sobre Refugiados, Repatriados e Deslocados Internos na África, adotada em 2009, assim dispõe em seu Item 6: “[w]e undertake to deploy all necessary measures to ensure full respect for the fundamental principle of non- refoulement as recognised in International Customary law as enunciated in Article 33 of the 1951 UN Geneva Convention relating to the Status of Refugees and in Article 2 of the 1969 OAU Convention Governing the Specific Aspects of Refugee Problems in Africa and, through appropriate national mechanisms, ensure that asylum seekers and refugees are treated humanely, and that their rights are protected.” In: UNIÃO AFRICANA. Kampala Declaration on Refugees, Returnees and Internally Displaced Persons in Africa, de 2009. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/4af0623d2.html>. Acesso em: 14 abr. 2018. 274 BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., p. 144. 275 Ibidem. 80 http://www.refworld.org/docid/4af0623d2.html O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo aceitação universal. Ora, dos 193 membros das Nações Uni- das, 148 participam da Convenção de 1951 ou de seu Protocolo de 1967276. Cerca de 163 Estados são parte da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura277, ao passo que 170 são sig- natários do PIDCP278. Quanto às demais soberanias, não há qualquer indicação de que se oponham ao non-refoulement. Voltando-se à análise do terceiro requisito, cumpre notar que a adesão global aos principais tratados que proíbem o refoulement — bem como sua proclamação em diversos instrumentos internacio- nais declaratórios e nas diversas conclusões do ExCom279 — evi- 276 Informações sobre o número que Estados que participam da Convenção de 1951 e/ ou de seu Protocolo de 1967 podem ser acessadas no seguinte endereço eletrônico: <http://www.unhcr.org/protection/basic/3b73b0d63/states-parties-1951conven tion-its-1967-protocol.html>. Acesso em: 7 abr. 2018. 277 Informações colhidas no seguinte sítio eletrônico: <http://indicators.ohchr.org/>. Acesso em: 7 abr. 2018. 278 Ibidem. 279 Inter alia, Conclusão n. 1 (XXVI), de 1975; Conclusão n. 3 (XXVIII), de 1977; Conclusão n. 6 (XXVIII), de 1977; Conclusão n. 11 (XXIX), de 1978; Conclusão n. 14 (XXX), de 1979; Conclusão n. 15 (XXX), de 1979; Conclusão n. 16 (XXXI), de 1980; Conclusão n. 17 (XXXI), de 1980; Conclusão n. 19 (XXXI), de 1980; Conclusão n. 21 (XXXII), de 1981; Conclusão n. 22 (XXXII), de 1981; Conclusão n. 25 (XXXIII), de 1982; Conclusão n. 29 (XXXIV), de 1983; Conclusão n. 33 (XXXV), de 1984; Conclusão n. 41 (XXXVII), de 1986; Conclusão n. 42 (XXXVII), de 1986; Conclusão n. 46 (XXXVIII), de 1987; Conclusão n. 50 (XXXIX), de 1988; Conclusão n. 52 (XXXIX), de 1998; Conclusão n. 53 (XXXIX), de 1988; Conclusão n. 55 (XL), de 1989; Conclusão n. 58 (XL), de 1989; Conclusão n. 61 (XLI), de 1990; Conclusão n. 62 (XLI), de 1990; Conclusão n. 65 (XLII), de 1991; Conclusão n. 68 (XLIII), de 1992; Conclusão n. 71 (XLIV), de 1993; Conclusão n. 71 (XLIV), de 1993; Conclusão n. 72 (XLIV), de 1993; Conclusão n. 74 (XLV), de 1994; Conclusão n. 77 (XLVI), de 1995; Conclusão n. 79 (XLVII), de 1996; Conclusão n. 81 (XLVIII), de 1997; Conclusão n. 82 (XLVIII), de 1997; Conclusão n. 85 (XLIX), de 1998; Conclusão n. 87 (L), de 1999; Conclusão n. 89 (LI), de 2000; Conclusão n. 91 (LII), de 2001; Conclusão n. 94 (LII), de 2002; Conclusão n. 99 (LV), de 2004; Conclusão n. 100 (LV), de 2004; Conclusão n. 103 (LVI), de 2005; Conclusão n. 108 (LIX), de 2008. 81 http://www.unhcr.org/protection/basic/3b73b0d63/states-parties-1951conven http://indicators.ohchr.org/ Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques dencia a existência de uma prática consistente e uniforme, além de denotar a aceitação geral da norma, revelando, por assim dizer, uma verdadeira opinio juris communis em torno do non-refoulement. Ademais, a incorporação da não-devolução à legislação nacional de mais de uma centena de nações robustece a conclusão de que há, de fato, clara convicção de que o non-refoulement decorre de uma obrigação jurídica. A esse respeito, Bethlehem e Lauterpacht, em uma análise percuciente elaborada em 2001, dão conta que cerca de 125 países possuem, em suas legislações domésticas, leis que proíbem o refoulement280. 280 São eles: África do Sul, Albânia, Alemanha, Andorra, Angola, Argélia, Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bahrein, Bélgica, Belize, Benin, Bielorrússia, Bolívia, Bósnia e Herzegovina, Botswana, Brasil, Bulgária, Burkina Faso, Cabo Verde, Camboja, Camarões, Canadá, Cazaquistão, Chile, China, Chipre, Colômbia, Congo, Costa Rica, Croácia, Dinamarca, Djibuti, El Salvador, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Etiópia, Fiji, Finlândia, França, Gabão, Gana, Geórgia, Grécia, Guatemala, Guiana, Guiné Equatorial, Haiti, Holanda, Honduras, Hungria, Iêmen, Indonésia, Irã, Iraque, Irlanda, Itália, Japão, Lesoto, Letônia, Líbano, Libéria, Líbia, Liechtenstein, Lituânia, Macedônia, Madagascar, Malaui, Mali, Marrocos, Mauritânia,México, Moldova, Mongólia, Moçambique, Namíbia, Nepal, Nova Zelândia, Nicarágua, Nigéria, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Quirquistão, Reino Unido, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, República Dominicana, República Tcheca, Romênia, Rússia, Ruanda, Senegal, Serra Leoa, Síria, Somália, Suazilândia, Sudão (então unificado), Suíça, Suriname, Suécia, Tadjiquistão, Tanzânia, Togo, Tunísia, Turquia, Turcomenistão, Ucrânia, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela, Vietnã, Zâmbia e Zimbábue. In: BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., pp. 164–177. Para uma análise mais detalhada dos países que participam da CADH e, ao mesmo tempo, incorporaram a proibição do refoulement em suas legislações, recomenda-se: MARQUES, Rodolfo Ribeiro Coutinho. Non-refoulement: a Latin American Perspective. (Poster). In: First Annual Conference of the Refugee Law Initiative, 2016, London. 82 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, essa conclusão é confirmada, já que o non-refoulement é um com- ponente implícito e fundamental da vedação consuetudinária e peremptória da tortura, bem assim de outros tratamentos e penas cruéis, desumanos ou degradantes281. Também no Direito Internacional dos Refugiados esse argu- mento ganha força, uma vez que não se teve notícia, em mais de meio século, de que um Estado tenha devolvido uma pessoa refugiada ao risco de perseguição, valendo-se, meramente, do ar- gumento de que o refoulement seria permitido282; ao contrário, sempre que a norma era violada, recorria-se às suas exceções. É importante lembrar, a esse respeito, o famoso dictum da CIJ no célebre caso das Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua, de 1986, em que a Corte teve a ocasião de estatuir que “se um Estado age de forma prima facie incompatível com determinada norma, mas defende sua conduta com base em exceções ou jus- tificativas contidas na própria norma, ele está lhe confirmando e não lhe enfraquecendo”283. 281 Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. II. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999. pp. 345–358. 282 Cf. ACNUR, The Principle of Non-Refoulement as a Norm of Customary International law, Op. Cit., par. 3. 283 No original, “[i]n order to deduce the existence of customary rules, the Court deems it sufficient that the conduct of States should, in general, be consistent with such rules, and that instances of State conduct inconsistent with a given rule should generally have been treated as breaches of that rule, not as indications of the recognition of a new rule. If a State acts in a way prima facie incompatible with a recognized rule, but defends its conduct by appealing to exceptions or justifications contained within the rule itself, then whether or not the State’s conduct is in fact justifiable on that basis, the significance of that attitude is to confirm rather than to weaken the rule.” In: NAÇÕES UNIDAS. International Court of Justice. Nicaragua v. United States of America . Merits. ICJ Reports, 1986, par. 186. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/files/case- related/70/070-19860627-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2018. 83 http://www.icj-cij.org/files/case- Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Assim, tendo em vista a metodologia sugerida pela CIJ, pode- -se afirmar, com segurança, que o non-refoulement está cristaliza- do como norma de direito internacional consuetudinário. Dada a convergência e a complementariedade entre o Direito Internacio- nal dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Refugia- dos, o seu conteúdo inclui tanto a proibição da devolução de pes- soas refugiadas ou solicitantes de refúgio a território em que corra risco de ser perseguida quanto a vedação — mais abrangente — ao envio da pessoa migrante a locais nos quais possa ser submetida a tortura, a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradan- tes284 ou a outras práticas proibidas pelo direito imperativo. 284 Cf., inter alii, GOODWIN-GILL e MCADAM, Op. Cit., p. 354; BETHLEHEM e LAUTERPACHT, Op. Cit., pp. 149–164. 84 Capítulo 3 Ecos do Non-Refoulement no Direito Internacional Humanitário I. Direito internacional humanitário: essência e escopo A preocupação do Direito Internacional Humanitário (DIH) é de restringir, ao máximo, o uso da violência em conflitos armados, limitando-a ao necessário para a realização de objetivos militares legítimos (i.e., o enfraquecimento do potencial militar inimigo)285. Isto envolve, por exemplo, a distinção entre civis e combatentes, a proscrição do sofrimento desnecessário, a vedação de ataques àqueles que não mais combatem e, sobretudo, a abordagem da guerra enquanto um fait accompli, significando que tal ramo do Direito das Gentes aplicar-se-á a todos os beligerantes, pouco im- portando quem tenha dado causa à contenda. Apesar da proscrição do uso da força nas relações internacio- nais286 e, por consequência, do direito de guerrear287, o DIH (jus in bello) não perdeu sua relevância, porquanto os conflitos armados 285 BOUVIER, Antoine A.; QUINTIN, Anne; SASSÒLI, Marco. How Does law Protect in War? Cases, Documents and Teaching Materials on Contemporary Practice in International Humanitarian Law. v. 1, 3. ed. Geneva: International Committee of the Red Cross, 2011, Cap. 1, p. 1. 286 Cf. Carta das Nações Unidas, artigo 2(4). 287 Essa proibição não é absoluta, podendo ser excepcionada nos casos de ameaça à paz e à segurança internacionais (mediante prévia autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas) ou legítima defesa (artigo 51 da Carta das Nações Unidas). 85 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques permaneceram uma realidade. Convém notar que o debate sobre a legalidade do conflito não afeta a validade das normas humani- tárias, pois, ao contrário do jus contra bellum — que busca crimi- nalizar a guerra288 —, o DIH é indiferente à (i)licitude do conflito, preocupando-se, em maior medida, com a proteção das pessoas por ele afetadas. Tem-se que o jus in bello só será aplicado quando a norma proibitiva da guerra for violada — ou afastada —, dada a sua natureza subsidiária; a sua aplicação depende, portanto, da ino- bservância das normas primárias (jus contra bellum)289. Eis aqui uma peculiaridade desse ramo do Direito Internacional, já que nenhum outro corpus jurídico estipula regras sobre como devem se comportar aqueles que violam suas normas primárias, en- quanto as estiverem transgredindo290. Outrossim, o corpus juris do Direito Internacional Humanitá- rio abarca normas internacionais — positivadas ou consuetudi- nárias — voltadas a regular a proteção do indivíduo, bem assim as condutas, os meios e as táticas militares em tempos de guerra ou de ocupação291. No passado, as regras do DIH eram avençadas em tratados bilaterais (normalmente regulando o tratamento e a troca de prisioneiros de guerra), tendo sido codificadas em con- 288 O crime de agressão é tema que concerne ao Direito Penal Internacional. Cf., sobre esse tema, AKANDE, Dapo; TZANAKOPOULOS, Antonios. The Crime of Aggression in the ICC and State Responsibility. Harvard International law Journal, Cambridge, v. 58. 2017. Disponível em: <http://www.harvardilj.org/wp-content/ uploads/Akande-and-Tzanakopoulos-Formatted.pdf>. Acesso em: 18 set. 2017. 289 BOUVIER, QUINTIN e SASSÒLI, Op. Cit., p. 19. 290 Ibidem, p. 2. 291 GREENWOOD, Christopher. Historical Development and Legal Basis. In: FLECK, Dieter (Org.). The Handbook of International Humanitarian law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 11. 86 http://www.harvardilj.org/wp-content/ O Princípio do Non-Refoulementno Direito Internacional Contemporâneo venções multilaterais apenas no século XIX292. Desde então, trata- dos mais completos substituíram aqueles com menos detalhes, na busca incessante por regular inovações militares e se antecipar às novas formas de guerra293. Em razão disso, os tratados de Direito Internacional Humanitário são exaustivamente detalhados, esta- belecendo regras pormenorizadas e objetivas, prontas para serem aplicadas pelos combatentes294. Pode-se dizer que os pilares normativos do DIH são as Conven- ções da Haia de 1899 e 1907295, que restringem meios e métodos de guerra (em especial, o uso de certas armas e táticas militares) e as Convenções de Genebra de 1949, bem como os seus Proto- colos Adicionais, de 1977296, instrumentos dedicados à proteção de combatentes feridos, enfermos297 e náufragos298, prisioneiros de 292 BOUVIER, QUINTIN e SASSÒLI, Op. Cit., Cap. 4, p. 2. 293 Ibidem. 294 Ibidem. 295 Foi na Haia que nasceu a famigerada “Cláusula Martens”, batizada em homenagem ao seu propositor, o jurista e delegado russo Fyodor Fyodorovich Martens (1845– 1909), e prevista originalmente no preâmbulo da Segunda Convenção da Haia, de 1899. A cláusula busca limitar possíveis métodos de guerra, não previstos à época, aos “princípios de humanidade” e “imperativos da consciência pública”. Para uma análise mais detalhada sobre a Cláusula Martens, recomenda-se a leitura de: GILADI, Rotem. The Enactment of Irony: Reflections on the Origins of the Martens Clause. The European Journal of International law, Oxford, v. 25, n. 3, pp. 848–869, 2014. MERON, Theodor. The Martens Clause, Principles of Humanity, and Dictates of Public Conscience. The American Journal of International law, Cambridge, v. 94, n. 1, pp. 78–89, 2000. 296 Há, ainda, o Protocolo III, de 2005, que adota um novo emblema para o CICV, o “Cristal Vermelho”. 297 Convenção de Genebra para a Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos em Exércitos em Campanha, doravante “Primeira Convenção de Genebra”. 298 Convenção de Genebra para Melhoria da Sorte dos Feridos, Enfermos e Náufragos das Forças Armadas no Mar, doravante “Segunda Convenção de Genebra”. 87 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques guerra299 e da população civil300. Os mencionados tratados contam com o endosso de boa parte da comunidade internacional — as Convenções de Genebra, por exemplo, foram ratificadas por 196 Estados301 —, o que lhes garante uma aplicabilidade universal302. Ademais, a aplicação de tais documentos independe da reciproci- dade, uma vez que, tal como a Convenção de 1951, suas regras são autônomas, não exigindo sinalagma303. Também o costume é fonte do DIH, constituindo-se como uma de suas primeiras formas de expressão. Boa parte das normas espo- sadas nos supracitados instrumentos também possuem um caráter costumeiro304 — especialmente aquelas previstas nos dois Proto- colos Adicionais às Convenções de Genebra, datados de 1977305. Apesar da ampla ratificação dos tratados de Direito Humanitário, as regras cristalizadas no costume internacional permanecem rele- vantes, ao passo que salvaguardam a pessoa humana em hipóteses 299 Convenção de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra, doravante “Terceira Convenção de Genebra”. 300 Convenção de Genebra relativa à Proteção dos Civis em Tempo de Guerra, doravante “Quarta Convenção de Genebra”. 301 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA (CICV). Treaties, States Parties and Commentaries. Disponível em: <https://ihl-databases.icrc.org/applic/ihl/ ihl.nsf/vwTreaties1949.xsp>. Acesso em 18 out. 2017. 302 É importante repisar que algumas das normas avençadas nos tratados somente se aplicarão àqueles que os ratificaram (erga omnes partes). Ainda, a aplicação dos aludidos tratados dependerá de um conflito armado, aplicando-se aos Estados Partes envolvidos no confronto. 303 Cf., nesse sentido, o artigo 60(5) da CVDT. In litteris: “[o]s parágrafos 1 a 3 não se aplicam às disposições sobre a proteção da pessoa humana contidas em tratados de caráter humanitário, especialmente às disposições que proíbem qualquer forma de represália contra pessoas protegidas por tais tratados.” 304 Cf. DOSWALD-BECK, Louise.; HENCKAERTS, Jean-Marie. Customary International Humanitarian law: Rules. v. 1. Cambridge: Cambridge University Press, 2009, p. xxxi. 305 BOUVIER, QUINTIN e SASSÒLI, Op. Cit., Cap. 4, p. 4. 88 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo não previstas nos textos convencionais, além de serem aplicáveis mesmo àqueles que não pactuam com as Convenções Humanitá- rias (especialmente grupos armados não-estatais)306. Segundo um estudo realizado pelo CICV307, há cerca de 161 normas humani- tárias de natureza consuetudinária, as quais são aplicáveis duran- te conflitos armados internacionais (CAI) e não-internacionais (CANI), representando, pois, uma significativa expansão308. O pilar institucional do Direito Internacional Humanitário é o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, entidade sui generis à qual incumbe fomentar e supervisionar a aplicação do DIH, além de assistir e proteger as vítimas de conflitos armados — presan- do pela imparcialidade309, neutralidade310 e independência —, de modo a promover uma diplomacia humanitária em favor da pessoa humana e em desfavor da barbárie. É interessante notar que o escopo ratione materiae para a apli- cação do DIH reclama a existência de um conflito armado311 — seja ele internacional, seja não-internacional. As Convenções de Genebra não definem o que vem a ser um conflito armado, o que representa uma omissão deliberada com vistas a dar maior dina- 306 Ibidem, p. 6. 307 Trata-se do já referido estudo realizado por Louise Doswald-Beck e Jean-Marie Henckaerts. 308 BOUVIER, QUINTIN e SASSÒLI, Op. Cit., Cap. 4, p. 6. 309 Sem discriminar quanto à nacionalidade, à raça, às crenças religiosas, à classe social, ou às opiniões políticas dos indivíduos em questão. In: BUGNION, François. The International Committee of the Red Cross and the Protection of War Victims. Geneva: International Committee of the Red Cross, 2012, p. 373. 310 Não se deve tomar partido nas hostilidades, muito menos envolver-se em controvérsias políticas, raciais, religiosas ou ideológicas. In: ibidem. 311 Prefere-se o termo “conflito armado” à expressão “guerra”, uma vez que aquele é mais amplo que este, não prescindindo de uma declaração formal. 89 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques micidade ao DIH312. Não obstante a carência de uma definição legal, tem-se concordado que dois são os elementos comuns aos conflitos armados: um elevado grau de violência e a organização das partes em combate313. À época em que passaram a ser codificadas, as normas jurí- dicas humanitárias tinham por foco conflitos que opunham dois ou mais Estados — portanto, conflitos internacionais —, mesmo nos casos em que um Estado ocupasse o território de outro sem qualquer resistência armada314. Assim, inicialmente, o alcance do DIH estava circunscrito à existência de uma contenda entre Es- tados, não se incluindo os conflitos armados não-internacionais (CANI)315. Essa modalidade de confrontação era encarada como uma questão doméstica, da alçada do direito interno. Em verdade, não há, no Direito das Gentes, norma que proscreva CANI, ca- bendo ao ordenamento jurídico nacional proibi-los316. Entretanto, com a adoção do artigo 3, comum às Conven- ções de Genebra, o DIH começou a demonstrar preocupação com os casos de CANI, estabelecendo “parâmetros mínimos de 312 GREENWOOD, Christopher. Scope of Application of Humanitarian Law. In: FLECK, Dieter (Org.). The Handbook of International Humanitarian law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 47. 313 Ibidem, p. 48. 314 Cf., a esse respeito,o artigo 2(2) da Quarta Convenção de Genebra, que estipula que: “[t]he Convention shall also apply to all cases of partial or total occupation of the territory of a High Contracting Party, even if the said occupation meets with no armed resistance .” 315 Grosso modo, um conflito armado não-internacional é uma confrontação armada no território de um único Estado, sem a participação de outras soberanias — quer por meio de suas forças armadas, quer por meio de indivíduos sob seu comando — contra o poder central constituído. In: IIHL. The Manual on the law of Non-International Armed Conflicts, with Commentary. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 2. 316 O ponto nevrálgico da relação entre o direito interno e o Direito Internacional, nessa matéria, é que o DIH trata todas as partes de um conflito armado não- internacional em pé de igualdade; contudo, não há como obrigar o direito interno a fazê-lo. In: BOUVIER, QUINTIN e SASSÒLI, Op. Cit., Cap. 2, p. 21. 90 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo humanidade”317 a serem seguidos na condução de hostilidades318. Trata-se da espinha dorsal do direito aplicável aos casos de con- flitos armados internos, gozando, inclusive, de caráter peremptó- rio. Ademais, na busca pelo aperfeiçoamento das regras aplicá- veis aos CANI, adotou-se, em 1977, o Segundo Protocolo Adi- cional às Convenções de Genebra, o qual se dedica às hipóteses de confrontos armados não abrangidos pelos demais tratados de direito humanitário319. Mesmo com as diferenças substanciais entre as duas situações, pode-se afirmar que há, atualmente, meios suficientes para uni- formizar o quadro jurídico aplicável aos conflitos armados inter- nacionais e aos não-internacionais. A própria cristalização de um considerável número de normas humanitárias no costume inter- nacional vem pavimentando o caminho para uma aplicação equâ- nime do jus in bello a ambos os casos. II. Proibição de transferências no Direito de Genebra Chama-se Direito de Genebra o conjunto de convenções e pro- tocolos adotados em Genebra, nos anos de 1949 e 1977, dedica- dos à preservação da pessoa humana durante conflitos armados; contrapõe-se, assim, ao chamado Direito da Haia, o qual abarca as Convenções da Haia de 1899 e 1907, dedicadas à regulamentação 317 Cf., tópico 3.2.2. 318 BOUVIER, QUINTIN e SASSÒLI, Op. Cit., Cap. 2, p. 22. 319 Cf. FLECK, Dieter. The Law of Non-International Armed Conflicts. In: FLECK, Dieter (Org.). The Handbook of International Humanitarian law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2008. pp. 603–633. 91 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques dos métodos e meios de guerra320. O Direito de Genebra encarna o imperativo humanitário, dedicando-se às vítimas dos conflitos armados, sejam elas civis321, sejam elas combatentes. Com efeito, as Convenções de Genebra — adotadas simultane- amente — tratam das mais diversas situações que afligem a pes- soa humana durante conflitos armados, marcando a primazia do princípio da humanidade no DIH322. A Primeira das Convenções dedicou-se ao tratamento dos combatentes feridos em campanha, ao tempo que a Segunda ocupou-se dos combatentes feridos, en- fermos ou náufragos, em batalhas navais; a Terceira Convenção, ao seu turno, preocupou-se com a sorte daqueles combatentes convertidos em prisioneiros pelas forças inimigas. Nesses três ca- sos, a raison d’être dos instrumentos foi proteger a pessoa humana que, uma vez combatente, não mais representava uma ameaça. Por sua vez, a proteção de civis em tempos de guerra ficou a cargo da Quarta Convenção de Genebra. Essa matéria tardou a ser regulada pois a imunidade da população civil era encarada, até então, como um princípio do direito dos conflitos armados, desnecessária sendo a sua positivação323. Contudo, essa realidade mudaria drasticamente no decorrer da Primeira Guerra Mundial, quando vários civis viriam a ser detidos324. Assim, com o término 320 Note-se, contudo, que essa divisão é essencialmente didática, tendo perdido parte de sua relevância com a adoção do Segundo Protocolo Adicional que mesclou ambas as vertentes. 321 São civis aqueles que não compõe as forças armadas e que não participam diretamente no conflito. 322 O princípio da humanidade veda qualquer sofrimento desnecessário ou incompatível com os objetivos militares legítimos, i.e., reduzir a capacidade militar inimiga. 323 PICTET, Jean. S. Commentary to the IV Geneva Convention relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War. Geneva: International Committee of the Red Cross, 1958, p. 3. 324 Ibidem. 92 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo da guerra, o CICV buscou colmatar essa lacuna, propondo, em 1921, um anteprojeto de convenção voltado à proteção da popu- lação civil em tempos de guerra, com especial ênfase na proibição da deportação de habitantes dos territórios ocupados, na veda- ção da execução de reféns, na garantia de que civis em território inimigo pudessem retornar ao seu país natal e em que detentos civis devessem gozar das mesmas condições que prisioneiros de guerra325. Os esforços da Cruz Vermelha não encontraram suporte da comunidade internacional, uma vez que, à época, temia-se que qualquer movimento no sentido de regulamentar o tratamento da população civil em tempos de guerra pudesse turbar a frágil paz que reinava no período326. O CICV elaborou, então, um projeto mais sofisticado, apresentado na Conferência de Tóquio de 1934, mas que tardou a ser adotado pelos Estados. O tempo urgia: eram as vésperas da Segunda Guerra Mundial327. A ausência de regras claras quanto ao tratamento a ser dis- pensado à população civil deixou milhares de pessoas expostas à barbárie durante o conflito (e.g., deportações e transferências en masse de pessoas a campos de trabalhos forçados ou de concentra- ção, detenção e execuções de civis, captura de reféns). Ao fim da Segunda Guerra Mundial, comprovou-se que a codificação de normas voltadas à proteção da população civil era de extrema necessidade. Assim, em 1945, o CICV decidiu revisar as Convenções de Genebra à luz dos acontecimentos mais recentes, expandindo-as para agasalhar, também, a população civil328. O campo estava então aberto para a elaboração de uma convenção dedicada à proteção da população civil em tempos de 325 Ibidem, p. 4. 326 Ibidem. 327 Ibidem. 328 Ibidem, p. 6. 93 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques guerra; um verdadeiro ineditismo, já que não havia, até aquele momento, tratados multilaterais dedicados à tutela de civis329. Ainda, ao contrário das demais normas do Direito de Genebra, que se preocupam em proteger aqueles já vitimados pelos con- flitos armados (e.g., prisioneiros de guerra, náufragos, soldados enfermos), a salvaguarda da população civil reclama precaução, ou seja, medidas preventivas, de modo a evitar que esse grupo de pessoas se torne vítima das hostilidades. Nessa esteira, a Quarta Convenção de Genebra foi concebida como uma forma de blindar a população civil dos efeitos nefastos dos conflitos armados, vindo a ser suplementada pelo Primeiro Protocolo Adicional (1977). Portanto, o regime jurídico de pro- teção às pessoas civis em tempos de guerra é constituído por um extenso catálogo de direitos, abarcando não apenas a proibição de ataques — defensivos ou ofensivos330 — a alvos civis, como também garantindo que a pessoa civil tenha respeitada sua honra, seus direitos familiares, suas convicções religiosas, bem como seus modos e costumes331. Ademais, a Convenção protege a pessoa civil contra “atos ou ameaças de violência” ou mesmo de “insultos” e 329 Ibidem, p. 5. 330 Cf. Primeiro Protocolo Adicional às Convenções de Genebra, artigo 49(1). 331 O artigo27 da Quarta Convenção de Genebra assim dispõe: “[p]rotected persons are entitled, in all circumstances, to respect for their persons, their honour, their family rights, their religious convictions and practices, and their manners and customs. They shall at all times be humanely treated, and shall be protected especially against all acts of violence or threats thereof and against insults and public curiosity. Women shall be especially protected against any attack on their honour, in particular against rape, enforced prostitution, or any form of indecent assault. Without prejudice to the provisions relating to their state of health, age and sex, all protected persons shall be treated with the same consideration by the Party to the conflict in whose power they are, without any adverse distinction based, in particular, on race, religion or political opinion. (...)” 94 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo da “curiosidade pública”, garantindo tratamento especial às mu- lheres332 e às crianças333. A fortiori, também estará proscrita a exposição da pessoa civil aos supracitados tratamentos mediante transferência ou deportação, por parte da potência ocupante334 ou da potência detentora335. Pode-se identificar, entre os direitos plasmados na Convenção, limitações à saída compulsória de civis — tanto no caso de CAI (artigo 45) quanto em CANI (artigo 3). Passemos agora a auscultar os ecos do dever de non-refoulement no Direito Internacional Humanitário. 1 Do artigo 45 da Quarta Convenção de Genebra: proibição de transferências O artigo 45 da Quarta Convenção de Genebra proíbe qual- quer transferência de pessoas protegidas336 a um Estado que não respeite a Convenção ou que as persiga337. A vedação, no entan- 332 Cf., ibidem. 333 Cf., a esse respeito, o artigo 50 da Quarta Convenção de Genebra. 334 Cf., infra, o artigo 49(1) da Quarta Convenção de Genebra. 335 Entende-se por potência detentora todo o Estado ou governo que detêm pessoas acusadas de terem cometido algum ilícito contra sua jurisdição ou de outra natureza. Refere-se, normalmente, aos prisioneiros de guerra. 336 Cumpre notar, preliminarmente, que o escopo ratione personae do artigo 45 estende-se a todas as pessoas protegidas sob a guarda de um dos beligerantes, independentemente de seu status; sendo, inclusive, uma garantia irrenunciável. In: PICTET, Op. Cit., pp. 266–267. 337 O artigo 45 assim dispõe: “(1)[a]s pessoas protegidas não poderão ser transferidas para uma Potência que não seja parte na Convenção. (2) Esta disposição não constituirá em caso algum obstáculo à repatriação das pessoas protegidas ou ao seu regresso ao país do seu domicílio depois de terminadas as hostilidades. (3) As pessoas protegidas não poderão ser transferidas pela Potência detentora para uma Potência que seja parte na Convenção senão depois de a Potência detentora estar 95 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques to, está circunscrita aos CAI. O rationale do dispositivo é evitar que a potência detentora se escuse de cumprir suas obrigações convencionais vis-à-vis a proteção das pessoas civis, transferin- do-as para um Estado que não lhes assegure as garantias pre- vistas na Quarta Convenção (em especial, aquelas inscritas nos artigos 27–141) ou que as persiga em razão de suas opiniões polí- ticas ou crenças religiosas. Para fins da interpretação do artigo 45, o termo “transferência” deve ser compreendido de forma abrangente, significando qual- quer movimentação — individual ou coletiva — de pessoas pro- tegidas, levada a cabo pela potência detentora, para o território de um outro Estado que não lhes avalize os mencionados direitos fun- damentais ou que os exponha à perseguição odiosa338. Incluem- -se no termo, portanto, a repatriação, a extradição e o retorno ao país de residência339. O artigo 45(5), contudo, ressalva a hipótese dos tratados de extradição, que, concluídos antes do início das hostilidades, continuarão aplicáveis às pessoas acusadas de terem cometido crimes de direito comum. certa de que a Potência em questão tem boa vontade e capacidade para aplicar a Convenção. Quando as pessoas protegidas forem transferidas deste modo, a responsabilidade da aplicação da Convenção competirá à Potência que resolveu acolhê-las, enquanto lhe estiverem confiadas. Contudo, no caso de esta Potência não aplicar as disposições da Convenção em qualquer ponto importante, a Potência pela qual as pessoas protegidas foram transferidas deverá, depois de notificação da Potência protetora, tomar medidas eficazes para remediar a situação ou pedir que lhe sejam novamente enviadas as pessoas protegidas. Este pedido deverá ser satisfeito. (4) Uma pessoa protegida não poderá ser, em caso algum, transferida para um país onde possa temer perseguições por motivo das suas opiniões políticas ou religiosas. (5) As disposições deste artigo não constituem obstáculo à extradição, em virtude de tratados de extradição concluídos antes do início das hostilidades, de pessoas protegidas acusadas de crimes de direito comum.” 338 PICTET, Op. Cit., p. 266. 339 Ibidem. 96 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Há, pois, uma diferença substancial quanto ao alcance e à finalidade dos artigos 45 e 49(1)340, dado que este, mais amplo, se aplica aos casos de ocupação (occupatio bellica), interditando transferências ou deportações forçadas341 de civis que habitem o território ocupado, independentemente do lugar de destino, bus- cando assegurar a manutenção do status quo daquele território ao tempo que veda a modificação de sua composição demográfica342. Quanto ao escopo ratione materiae, o artigo 45 proíbe o envio da pessoa protegida para: a) um Estado que não respeite a Con- venção; b) um Estado que possa persegui-la. A primeira hipótese encontra-se prevista no artigo 45(3), proibindo a transferência de pessoas protegidas343 a um Estado que não respeite a Quarta Con- venção e impondo à potência detentora o ônus de averiguar se a potência receptora estará disposta e apta a observar os direitos ga- rantidos às pessoas civis pela Convenção344. Estes dois elementos — “disposição” e “aptidão” — são cumulativos, reclamando uma análise conjunta à luz das circunstâncias do cas d’espèce. Deve-se, em vista dessa finalidade, levar em conta o histórico da potência receptora (e.g., violações anteriores às Convenções de Genebra, 340 O artigo 49(1) assim dispõe: “[a]s transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o da Potência ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo.” 341 O artigo 45 não faz menção à deportação, não obstante, a potência detentora não poderá deportar pessoas protegidas arbitrariamente, devendo observar as garantias processuais mínimas a que o indivíduo tem direito. Do contrário, o effet utile do dispositivo restaria vergastado. Cf. PICTET, Op. Cit., p. 266. 342 CHETAIL, Vincent. The Transfer and Deportation of Civilians. In: CLAPHAM, Andrew; GAETA, Paola; SASSÒLI, Marco (Eds.). The 1949 Geneva Conventions: A Commentary. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 1196. 343 Vincent Chetail nota que há fortes indícios de que o escopo pessoal do artigo 45(3) foi pensado para os civis convertidos em prisioneiros. In: ibidem, pp. 1199–1200. 344 Quarta Convenção de Genebra, artigo 45(3). 97 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques cometimento de violações graves de direitos humanos no passa- do), bem assim as condições pessoais do indivíduo em questão (e.g., nacionalidade, religião, opiniões políticas, pertencimento a determinado grupo social)345. Ainda, mesmo após a transferên- cia da pessoa protegida à potênciareceptora, a potência detentora terá responsabilidades sobre ela, devendo, acaso verifique o des- cumprimento das obrigações convencionais vis-à-vis a proteção da pessoa em questão, tomar medidas com vistas a retificar a situa- ção, requisitando, se for o caso, o retorno da pessoa transferida 346. Assim, o artigo 45(3) cria uma obrigação bifronte: por um lado, o Estado receptor será o principal responsável pela proteção da pessoa transferida; por outro, o Estado que a transferiu será sub- sidiariamente responsável, respondendo quando aquele falhar na observância das obrigações convencionais destinadas à proteção da população civil347. A segunda hipótese, prevista no quarto parágrafo do artigo 45, veda a transferência de uma pessoa protegida à perseguição. In verbis: “em nenhuma circunstância uma pessoa protegida poderá ser transferida para um país em que ela tenha razões para temer ser perseguida por suas opiniões políticas ou crenças religiosas”348. Portanto, em harmonia com o princípio fundamental da igualdade e não-discriminação, inscrito no artigo 27(3) da Convenção, pro- íbe-se a transferência de uma pessoa protegida a um Estado que a submeta a tratamento discriminatório ou mesmo à perseguição349. 345 CHETAIL, Op. Cit., 2016, b, p. 1199. 346 Quarta Convenção de Genebra, artigo 45(3). 347 CHETAIL, Op. Cit., 2016, b, p. 1200. 348 No original, “[i]n no circumstances shall a protected person be transferred to a country where he or she may have reason to fear persecution for his or her political opinions or religious beliefs.” 349 PICTET, Op. Cit., p. 269. 98 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo Assim, ao passo que a raison d’être do artigo 45(3) é assegurar o respeito à Quarta Convenção, o parágrafo quarto tem por propó- sito prevenir a perseguição das pessoas protegidas350. Ademais, tal como ocorre com o non-refoulement no Direito Internacional dos Refugiados, a proibição prevista no artigo 45(4) não cria, per se, um direito ao asilo. Aplica-se aqui a mesma lógica adotada quanto às obrigações decorrentes do artigo 33(1) da Con- venção de 1951, i.e., os Estados em questão poderão transferir as pessoas protegidas a outros territórios em que não corram o risco de serem perseguidas (safe third countries)351. Um outro ponto que merece destaque são as formas de perse- guição abarcadas pelo artigo 45(4). Aqui, as modalidades de per- seguição são mais restritas que aquelas previstas no artigo 33(1) da Convenção de 1951, limitando-se à perseguição em razão de opini- ões políticas e de crenças religiosas da pessoa. À época, essas eram as formas mais comuns de perseguição odiosa; repise-se, ainda, por óbvio, que em 1949 a Convenção de 1951 ainda não existia, nem a atual definição de refugiado havia sido codificada352. Assim, o escopo ratione personae do artigo 33(1) da Convenção de 1951 é mais alargado que aquele previsto no artigo 45(4) da Quarta Convenção de Genebra, dado que o aludido dispositivo da Magna Carta dos Refugiados inclui três novas modalidades de perseguição (raça, nacionalidade e pertencimento a grupo social). Por outro lado, o artigo 45(4) não possui exceções pessoais à proi- bição da transferência, protegendo, a priori, também aqueles que não se beneficiariam da proteção contra o refoulement segundo o artigo 33(2) da Convenção de 1951353. 350 CHETAIL, Op. Cit., 2016, b, p. 1200. 351 Ibidem, p. 1201. 352 Ibidem. 353 Ibidem, pp. 1202–1203. 99 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques Contudo, a aplicação do artigo 45 — tanto no caso de inob- servância da Convenção quanto na hipótese de transferência à perseguição — está circunscrita à existência de CAI, sendo essa sua maior limitação. 2 Do Artigo 3, comum às Convenções de Genebra: considerações elementares de humanidade aplicáveis aos casos de conflitos armados O artigo 3, comum às Convenções de Genebra, incorpora o imperativo humanitário, exprimindo as “considerações elementa- res de humanidade”354 relativas à proteção de pessoas não-comba- tentes em tempos de guerra. In litteris: No caso de conflito armado que não apresente um caráter internacional e que ocorra no território de uma das Altas Partes contratantes, cada uma das Partes no conflito será obrigada aplicar, pelo menos, as seguintes disposições: 1) As pessoas que não tomem parte diretamente nas hostili- dades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimentos, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de carácter desfavorá- vel baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo. Para este efeito, são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar, relativamente às pessoas acima mencionadas: 354 Cf. NAÇÕES UNIDAS. International Court of Justice. The Corfu Channel Case. Merits. ICJ Reports, 1949, p. 22. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/files/case- related/1/001-19490409-JUD-01-00-EN.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017. 100 http://www.icj-cij.org/files/case- O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo a) As ofensas contra a vida e a integridade física, espe- cialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas e suplícios; b) A tomada de reféns; c) As ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes; d) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem prévio julgamento, realizado por um tribunal regular- mente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados. 2) (...).355 Esse catálogo de direitos constitui, nas palavras da Corte Mun- dial, um parâmetro mínimo a ser observado em qualquer modali- dade de conflitos armados356, tendo sido reconhecida a sua crista- lização no costume internacional. É interessante notar que o escopo ratione personae do artigo 3 é significativamente mais abrangente que aquele inscrito no artigo 45, uma vez que agasalha todas as pessoas não-combatentes (civis e soldados feridos ou capturados) que estejam sob a guarda da po- tência adversária, sem distinção quanto ao seu status. Ademais, as obrigações plasmadas no artigo 3, de tão essen- ciais, são reconhecidas como normas de jus cogens357, não sendo, portanto, derrogáveis. É o exemplo, pois, da proibição da tortura e 355 Cf. CICV. Basic Rules of the Geneva Conventions and their Additional Protocols. Geneva: International Committee of the Red Cross, 2011. pp. 52–53. 356 Cf. NAÇÕES UNIDAS, International Court of Justice, Nicaragua v. United States of America, 1986, Op. Cit., par. 218. 357 Cf. MERON, Theodor. The Humanization of International law. The Hague Academy of International Law Monographs. v. 3. Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers. 2006. pp. 204–205. 101 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes — igualmente vedados em tempos de paz. Assim, apesar de não conter uma vedação expressa às transferências ou deportações de pessoas, o artigo 3 oferece meios de constranger o envio de uma pessoa não-combatente a territórios em que esta possa ter sua in- tegridade vergastada; o mesmo raciocínio aplicável às proibições de jus cogens plasmadas no Direito Internacional dos Direitos Hu- manos e estudadas no capítulo anterior. 102 Reflexões Finais I. Ramos de uma mesma videira Apesar do seu aparente processo de fragmentação, o Direi- to Internacional é sistema, e como tal deve ser entendido. Com efeito,Direito Internacional dos Refugiados, Direito Interna- cional dos Direitos Humanos e Direito Internacional Humani- tário são ramos de uma mesma videira, partilhando do mesmo leitmotiv: a proteção da pessoa humana. Portanto, mais do que coexistentes, os três ramos jurídicos de proteção internacional da pessoa humana são complementares, devendo ser aplicados de forma coordenada, de maneira a salvaguardar, em sua inte- gralidade, os direitos mais caros ao indivíduo, nas mais diversas circunstâncias. Nota-se, pois, que o princípio interpretativo da lex specialis derogat generalis não deve se sobrepor ao princípio da proteção integral da pessoa humana, subjacente àqueles três ramos. Assim, sempre que houver compatibilidade, aplicar-se-á a norma mais benéfica ao indivíduo. A partir desta mise-au-point, pode-se afirmar que, apesar de se manifestar em diferentes formatos naqueles três ramos, incorpo- rando limitações inerentes às especificidades de cada um deles, o non-refoulement deverá ser entendido como uma regra comum do Direito das Gentes, voltada à proteção da pessoa humana que migra — não importa se refugiada, solicitante de refúgio, migrante ambiental, deslocada interna ou pessoa civil em conflitos arma- dos. Em consequência, o debate sobre qual ramo protegerá a pes- soa migrante perde parte de sua força, uma vez que o importante é que ela, pessoa humana, seja efetivamente protegida. 103 Rodolfo Ribeiro Coutinho Marques II. Epílogo: não é lícito relegar hóspedes sem culpa O arriscado propósito deste trabalho foi identificar a essência e o alcance do non-refoulement no Direito Internacional con- temporâneo. Trata-se de um esforço voltado a dar um conteúdo mínimo e discernível ao princípio, viabilizando, assim, sua apli- cação mais eficaz e coesa na proteção das pessoas desenraizadas. Quanto à sua natureza jurídica, o non-refoulement foi aqui carac- terizado como uma norma bifronte, cujos destinatários são, por um lado, o Estado, que sofre limitações à sua discricionariedade em matéria de admissão de pessoas migrantes, e, por outro, a pessoa humana desenraizada, que encontra, nessa norma, a base de uma garantia essencial que lhe é reconhecida pelo Direito das Gentes e oponível ao Estado, anulando qualquer iniciativa que implique no seu envio compulsório a territórios em que possa ser perseguida ou ter sua dignidade e/ou integridade física violadas. Cumpre notar, ainda, que o non-refoulement possui caráter pre- ventivo, protegendo a pessoa migrante do risco de ser entregue a seus algozes. Contudo, a proteção internacional das pessoas migrantes não se esgota na sua dimensão preventiva, carecendo, ainda, do implemento de medidas de longo prazo (e.g., soluções duradouras), com vistas a restaurar os direitos inerentes à condi- ção humana das pessoas desenraizadas. Como visto, o non-refoulement tem raízes filosóficas que re- montam à clássica doutrina da hospitalidade, concebida na Gré- cia358, segundo a qual era contrário à natureza relegar hóspedes sem culpa359. O substrato desse costume era justamente um ele- 358 Zeus, também conhecido como Zeus Xênios, era tido como o protetor dos hóspedes, punindo aqueles que desrespeitassem a sacrossanta lei da hospitalidade (xênia). A Guerra de Troia, pano de fundo da Odisseia de Homero, teve como casus belli a violação da lei da hospitalidade, materializada com o rapto de Helena por Paris. 359 VITÓRIA, Op. Cit., p. 145. 104 105 O Princípio do Non-Refoulement no Direito Internacional Contemporâneo mento comum que unia o hóspede e o hospedeiro, uma identida- de compartilhada entre todos os seres humanos: uma espécie de parentesco, inerente à condição humana. Tendo isso em mente, é possível concluir que o perene dever de hospitalidade, propug- nado pelos Pais Fundadores do Direito Internacional como base da liberdade de locomoção, traduz-se, em nosso tempo, em uma obrigação comum de não enviar a pessoa migrante a territórios em que possa ser perseguida ou submetida a outras práticas que aviltem os mais fundamentais interesses e valores da comunida- de internacional (inter alia, escravidão, genocídio, apartheid, de- saparecimento forçado, tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes), além de garantir-lhe, na me- dida do possível, o exercício pleno de seus direitos fundamentais ao longo de sua estada — seja temporária, seja permanente —, tal como nacional fosse. *** Referências AGO, Roberto. The Internationally Wrongful Act of the State, Source of International Responsibility. Year Book of the Internatio- nal law Commission, [New York] v. II, pp. 71–160, 1972. AKANDE, Dapo; TZANAKOPOULOS, Antonios. 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O caso dos fluxos em massa e a observância do artigo 33 Capítulo 2 1 Jus cogens: natureza, efeitos e consequências jurídicas 1.1 Do conteúdo material das normas de jus cogens 2 Obrigações de non-refoulement e o direito à integridade física, psíquica e moral na 1 Do costume internacional Capítulo 3 I. Direito internacional humanitário: essência e escopo II. Proibição de transferências no Direito de Genebra 1 Do artigo 45 da Quarta Convenção de Genebra: proibição de transferências 2 Do Artigo 3, comum às Convenções de Genebra: considerações elementares de humanidade aplicáveis aos casos de conflitos armados Reflexões Finais I. Ramos de uma mesma videira II. Epílogo: não é lícito relegar hóspedes sem culpa Referências