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bioquÍmica FABÍOLA REGINA STEVAN B IO Q U ÍM IC A F A B ÍO L A R E G IN A S T E V A N ISBN 978-65-5821-156-3 9 786558 211563 Código Logístico I000692 Bioquímica Fabíola Regina Stevan IESDE BRASIL 2022 © 2022 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S866b Stevan, Fabíola Regina Bioquímica / Fabíola Regina Stevan. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2022. 144 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-156-3 1. Bioquímica. I. Título. 22-78329 CDD: 572.3 CDU: 577 Fabíola Regina Stevan Doutora e mestre em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas também pela UFPR. Professora da graduação nas disciplinas de Bioquímica Geral e Clínica, Biofísica, Fisiologia Humana, Imunologia Geral e Clínica, Microbiologia, além de Psicofarmacologia. Professora da pós-graduação, tendo ministrado aulas nas disciplinas de Bioquímica Celular e de Fisiologia do Trabalho. Na pesquisa científica, tem experiência na área de Bioquímica, atuando principalmente nos seguintes temas: química de carboidratos, enzimologia e atividade biológica de princípios bioativos de plantas medicinais. SUMÁRIO 1 Energia celular 9 1.1 O que estuda a Bioquímica? 10 1.2 pH e tampões 11 1.3 Equilíbrio ácido-básico 15 1.4 Distúrbios do equilíbrio ácido-básico 18 1.5 Bioenergética 21 1.6 Carboidratos 26 2 Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 35 2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas 35 2.2 Estrutura de proteínas 42 2.3 Enzimas 46 2.4 Lipídeos de armazenamento 52 3 Metabolismo de carboidratos 61 3.1 Respiração celular 61 3.2 Ciclo do ácido cítrico 70 3.3 Fosforilação oxidativa 76 3.4 Rendimento energético 80 3.5 Gliconeogênese 83 3.6 Glicogênese e Glicogenólise 88 4 Transporte e utilização de lipídeos e proteínas 94 4.1 Lipoproteínas 94 4.2 Lipólise 101 4.3 Lipogênese 105 4.4 Metabolismo de aminoácidos 110 4.5 Destino do grupo amino e ciclo da ureia 113 5 Integração do metabolismo 117 5.1 Mecanismo de ação hormonal 117 5.2 Bioquímica do estado alimentado e do jejum 125 5.3 Metabolismo na obesidade, na dieta, no câncer e no diabetes mellitus 130 Resolução das atividades 139 APRESENTAÇÃO Vídeo Bem-vindo(a) ao mundo da Bioquímica, uma ciência que abrange os conhecimentos adquiridos dentro da química – em especial na química orgânica – e é a base para todas as outras ciências presentes nas Ciências Biológicas e nas Ciências da Saúde. A compreensão das macromoléculas e dos metabolismos envolvidos em cada organismo permitirá a integração com outras ciências. Nesta obra, você estudará os principais temas relacionados com a integração das moléculas dentro da célula, culminando com o controle e a integração dos órgãos. No primeiro capítulo, vamos avaliar como a quantidade de íons de hidrogênio é controlada nos líquidos corporais, em especial no sangue, e a manutenção do pH para que ocorra a homeostase celular e corporal. Além disso, vamos avaliar como alterações do pH sanguíneo podem ocasionar doenças relacionadas aos distúrbios de ácido básico. Em seguida, vamos entender o que é e quais os tipos de metabolismo encontrados na célula, entendendo como a energia interfere na espontaneidade das reações químicas e como ocorre a atuação das moléculas transportadoras de energia. Depois disso, iniciaremos os estudos das macromoléculas, começando com os carboidratos, desde a sua estrutura básica, classificação e funções. No segundo capítulo, entenderemos as estruturas e funções dos aminoácidos, seguido da formação das proteínas. Essas macromoléculas são encontradas em todos os compartimentos celulares e do organismo e têm a maioria das funções mais importantes. A função enzimática será detalhada, explicando a relação entre as proteínas e o metabolismo celular, assim como os seus mecanismos de funcionamento e controle, chamados de cinética enzimática. Ainda nesse capítulo, entenderemos como são os lipídeos e suas funções. No terceiro capítulo, o foco principal é a obtenção de energia a partir dos carboidratos, no processo chamado de respiração celular. Transitaremos pelas reações químicas e alterações metabólicas dentro da respiração aeróbia e da anaeróbia. O processo de respiração celular ocorre em três estágios distintos. No primeiro estágio ocorre o início da degradação dos substratos energéticos, carboidratos, lipídeos e proteínas, cada um com seu metabolismo específico. Existe em alguns casos um estágio intermediário com formação de acetil-CoA. O segundo estágio envolve a oxidação da molécula de acetil-CoA no ciclo do ácido cítrico e formação de moléculas transportadoras de elétrons, flavina adenina dinucleotídeo (FADH2) e nicotinamida adenina dinucleotídeo (NADH). No terceiro estágio, o NADH e FADH2 serão oxidados na cadeia transportadora de elétrons nas cristas mitocondriais. Nesse último estágio, ocorre o consumo de oxigênio e a formação da maior quantidade de ATP, e para que a formação de ATP seja mantida, é necessário controlar a glicemia. A glicogênese ocorre retirando 8 Bioquímica a glicose do sangue e aumentando a concentração hepática e muscular de glicogênio. Por outro lado, temos a glicogenólise, que é a quebra do glicogênio, e no jejum prolongado temos a gliconeogênese, formação de glicose a partir de outros metabólitos, que controla o aumento da glicemia. No quarto capítulo, vamos estudar como os lipídeos chegam aos tecidos por meio das lipoproteínas plasmáticas, depois de serem ingeridos ou sintetizados, onde cada lipoproteína tem funções e estruturas distintas. Em seguida, estudaremos o metabolismo dos lipídeos em diferentes situações nutricionais e hormonais, como a lipogênese e a lipólise. Dependendo desse estado nutricional, os aminoácidos também podem ser utilizados como fonte de energia. Uma coisa importante é que, para utilizar os aminoácidos como fonte de energia, é necessário a retirada do grupo amina, que na matriz mitocondrial se transforma em amônio. Essa transformação ocorre somente em dois tecidos: nos rins e no fígado. Os rins liberam o amônio diretamente na urina, sem precisar de outras transformações, enquanto o fígado precisa transformar o amônio em ureia, por meio do ciclo da ureia. Isso se justifica, pois o amônio é toxico para a maioria dos seres vivos, e eliminar o nitrogênio na forma de ureia é mais seguro, especialmente para os mamíferos. No quinto capítulo, vamos estudar a integração do metabolismo dos vários órgãos, entendendo como os hormônios coordenam essas atividades. A análise será feita em vários estados nutricionais aprofundando o que foi citado anteriormente – no estado alimentado e de jejum. Também estudaremos o que ocorre no organismo quando em diferentes estados: quando há um estado de obesidade, durante uma dieta sem o uso de carboidratos e em doenças como o câncer e o diabetes mellitus. Aproveite ao máximo seu estudo das estruturas moleculares e do metabolismo da célula, além de avaliar a integração entre eles. Bons estudos! Energia celular 9 1 Energia celular A bioquímica é, por si só, um mundo muito vasto, pois envolve todas as reações químicas que ocorrem no organismo, desde o metabolismo celular até o controle feito nos órgãos. Além disso, ela é o alicerce para todas as outras ciências que estão dentro das Ciências Biológicas e das Ciências da Saúde. A compreensão desse fato facilitará bastante o entendimentode muitas outras disciplinas e o caminhar pela profissão. Neste capítulo, passearemos por dentro da célula, analisaremos seu funcionamen- to molecular e iniciaremos o entendimento sobre a bioquímica e sua importância para todos os organismos vivos. Em seguida, definiremos o que é pH e explicaremos como ele é controlado na célula e a importância da sua manutenção para a homeostase celular e corporal. Também relacio- naremos os resultados dos exames de avaliação do equilíbrio ácido-básico com os valores de referência e identificaremos as causas dos distúrbios ácidos-básicos. Ao definirmos o que é o metabolismo e conceituarmos os seus tipos, poderemos explicar o conceito de energia livre de Gibbs e sua relação com as reações químicas do organismo, além de conceituar as moléculas transportadoras de energia e explicar como se dá o processo de transferência de energia na célula. Em seguida, definiremos a função dos carboidratos e a sua estrutura básica, classi- ficaremos e os monossacarídeos e descreveremos a reação de ciclização descrevendo a formação da ligação glicosídica, definindo e classificando os oligossacarídeos de inte- resse humano. Assim, teremos condições de entender a relação entre os vários órgãos. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • entender o conceito de bioquímica e sua importância para todos os organismos vivos; • definir o que é pH, compreender seu controle na célula e sua importância para a homeostase celular e corporal; • relacionar os resultados dos exames de avaliação do equilíbrio ácido-básico com os valores de referência; • identificar as causas dos distúrbios ácidos-básicos; • definir e conceituar os tipos de metabolismo; assimilar o conceito de energia livre de Gibbs e sua relação com as reações químicas do organismo; tratar das moléculas transportadoras de energia; entender como ocorre a transferência de energia na célula; • definir e tratar da função e estrutura básica dos carboidratos; classificar os mo- nossacarídeos e descrever sua reação de ciclização; descrever a formação da ligação glicosídica; definir e classificar os oligossacarídeos e os polissacarídeos de interesse humano. Objetivos de aprendizagem 10 Bioquímica 1.1 O que estuda a Bioquímica? Vídeo A análise da bioquímica é muito importante para o entendimento do organismo como um todo, principalmente considerando a interação entre nutrição, metabo- lismo, genética e ambiente. Você já parou para pensar no porquê de o corpo dos mamíferos possuir mais de 70% de água? Essa porcentagem indica o quão impor- tante essa molécula é para a vida no planeta. Por isso, é necessário aprendermos um pouco mais sobre a molécula da água. 1.1.1 Análise físico-química da molécula de água A água é formada por dois átomos de eletronegatividade muito diferentes, por isso ela é chamada de molécula polar. Desses dois átomos, o oxigênio é o segundo mais eletronegativo da tabela periódica (3,44); já o hidrogênio possui uma eletro- negatividade mais baixa (2,44). Essa diferença faz com que o oxigênio atraia o único elétron do hidrogênio para mais próximo do seu núcleo. Com isso, o ângulo entre as duas ligações covalentes passa a ser de 104,5º, ou seja, menor que 180º. Além disso, a aproximação do elétron de cada hidrogênio causa a formação de carga negativa no oxigênio e positiva nos hidrogênios, pro- movendo a interação da água com íons presentes na solução por meio de uma interação dipolo-dipolo. A estrutura também permite a interação por ligação de hidrogênio, tanto com outras moléculas de água quanto com outras moléculas que tenham um átomo eletronegativo, geralmente oxigênio ou nitrogênio. Figura 1 Estrutura da molécula de água e interação por ligação de hidrogênio IE SD E Br as il S/ A O H H 104,5º Ligação de hidrogênio 0,177 nm Ligação covalente 0,0965 nm : : (a) (b) Energia celular 11 As interações moleculares – tanto por dipolo-dipolo quanto por ligações de hi- drogênio – permitem mudanças no estado físico da água. Quando a temperatura aumenta, as agitações moleculares se intensificam, e um exemplo disso ocorre na evaporação, em que essas agitações são tão intensas que rompem as ligações de hidrogênio, formando o vapor d’água. Por outro lado, quando a água é resfriada, as agitações moleculares diminuem, aumentando a quantidade de pontes de hidrogênio. O gelo é um exemplo desse processo, pois as pontes de hidrogênio estão na sua maior quantidade possível, fazendo com que as moléculas de água fiquem praticamente imobilizadas. Já no estado líquido, a quantidade de ligações de hidrogênio permite um certo movimen- to das moléculas, ao mesmo tempo que permanecem próximas umas às outras. Por esse motivo, para que haja vida, é necessário que a solução aquosa esteja sempre no estado líquido. Isso é garantido pelo alto calor de vaporização, pois são necessárias 596 calorias para cada grama de água virar um grama de vapor e, devi- do a isso, a tendência é que a maior parte da água permaneça em estado líquido. É necessário reforçar que todas as reações químicas no organismo vivo só ocorrem nesse estado físico da água. Outra característica da água que permitiu que a vida se estabelecesse foi o alto calor específico, padronizado da seguinte forma: uma caloria para aquecer um grama de água em um grau Celsius. Isso significa que a temperatura da água tende a permanecer mais tempo estável, característica que facilita que as reações quími- cas sejam mais efetivas, pois cada reação química necessita de uma determinada temperatura da solução. 1.2 pH e tampões Vídeo A análise da quantidade de água presente nos seres vivos mostra que todas as reações químicas necessitam estar em solução aquosa, e essa solução deve sempre estar na forma líquida. A interação entre as moléculas de água e as estruturas celu- lares é influenciada tanto pela estrutura da H2O quanto pelo pequeno grau de ioni- zação, originando os elementos da sua dissociação, H+ e OH–, o que gera o equilíbrio: H2O H + + OH– O grau de ionização da água no equilíbrio é de duas moléculas para cada 109 moléculas a 25ºC, mas o fato de isso acontecer determina a propriedade de muitos solutos, inclusive influenciando no pH de muitas soluções. Além disso, as propriedades físico-químicas da água interferem no reconhecimento entre as biomoléculas. Algumas propriedades físicas da água – como ponto de fusão, de ebulição e de calor de vaporização altos – ajudam a manter o solvente no estado líquido e com temperatura mais estável, permitindo uma maior interação entre a água e os solutos. A capacidade da água de interagir por ligação de hidrogênio e interação eletrostática complementa as qualidades que favorecem a ocorrência das reações químicas. 12 Bioquímica A quantidade de H+ – também chamado de próton – de uma solução pode influenciar em muitas estruturas e reações das células. É possível medir essa quantidade de H+ de uma solução aquosa por meio do pH, e para que ocorra um maior entendimento sobre a quantidade de H+, é necessário fazer uma análise da constante de equilíbrio da água: Keq = [H +][OH–] [H2O] Ao considerar a água pura, observamos que a concentração da água equivale a 55,5 M, o que corresponde a (1000 g/L) / (18,015 g/mol). Com a pequena taxa de ionização da água – como mostrado anteriormente – o valor de 5,55 M pode ser substituído na expressão da constante de equilíbrio: Keq = [H +][OH–] [55,5 M] Rearranjando, fica: 55 5, �M Keq H OH Kw� �� � � �� �� �� �� � � � Al ho vik /S hu tte rs to ck Escala de pH Ácido Neutro Alcalino Portanto, Kw (constante da água) corresponde ao produto iônico da água a 25ºC, e essa constante é a base para a escala de pH. O pH é uma maneira de determinar a concentração de H+ e de OH–, em qualquer solução aquosa, com as concentrações de 1 M de H+ e 1 M de OH–. A expressão a seguir define o que é pH: pH = log 1 = – log [H+] [H+] Para fins de ilustração, ao se avaliar o valor de pH emuma concentração de H+ de 1 × 10–7M, o pH é calculado da seguinte forma: pH = log 1 = 7,0 [1 x 10–7] Seguindo cálculos semelhantes para as outras concentrações de H+, chegamos à seguinte escala de pH: Energia celular 13 Tabela 1 Escala de pH Tabela de escala de pH [H+] (M) pH [OH–] (M) pOH 100 (1) 0 10–14 14 10–1 1 10–13 13 10–2 2 10–12 12 10–3 3 10–11 11 10–4 4 10–10 10 10–5 5 10–9 9 10–6 6 10–8 8 10–7 7 10–7 7 10–8 8 10–6 6 10–9 9 10–5 5 10–10 10 10–4 4 10–11 11 10–3 3 10–12 12 10–2 2 10–13 13 10–1 1 10–14 14 100 (1) 0 Fonte: Nelson; Cox, 2014, p. 60. Avalie que existe uma relação direta entre as concentrações de H+ de uma solu- ção aquosa e o valor de pH, não se tratando, portanto, de valores aleatórios. Outro fator que deve ser observado é o fato de a escala de pH ser expressa em logaritmo, por isso a variação de uma unidade equivale a uma diferença na concentração de H+ de cerca de dez vezes. A diferença de concentração de H+ pode interferir na estrutura e função de di- versas moléculas orgânicas devido à mudança na ionização dessas moléculas. Por esse motivo, deve ser feito o controle da quantidade de H+ – e, por consequência, do pH – o que mantém a estrutura molecular, bem como a atividade enzimática, e permite que as reações químicas aconteçam. Se as células conseguem executar seu papel, as atividades dos órgãos e sistemas ficam preservadas. Há vários mecanismos para que o pH esteja controlado, sendo o químico o mais rápido, porém ele necessita que existam ácidos e bases na solução aquosa para que possam liberar e segurar prótons, respectivamente. 1.2.1 Sistemas tampões O controle do pH nas soluções aquosas é necessário principalmente nos sistemas orgânicos. Para que esse controle seja feito, é preciso a presença de uma solução tampão, solução essa que promove resistência contra pequenas adições de ácido ou base, e, com isso, o pH pode ser mantido com poucas alte- rações. Essa solução é formada por um ácido fraco e sua base conjugada, com cada uma delas apresentando uma constante de dissociação chamada pKa, que significa o valor de pH em que a solução que tem a concentração de ácido e base O valor de pOH é utilizado para determinar a alcalinidade, sendo que a expressão pOH log OH� � ��� � �� � �� � é semelhante à expressão do pH. Para que haja liberação ou ligação com o próton, é necessária a presença de um ácido ou de uma base. No entanto, a acidez é exercida pelo íon H+ livre no sistema aquoso, e não pela própria molécula do ácido. Porém, é importante lembrar que os ácidos se dividem em fortes, que alteram totalmente o pH de uma solução, e fracos, que têm feitos brandos em soluções aquosas. Saiba mais Alguns ácidos fracos fazem parte no corpo humano, como o ácido carbônico e o ácido dihidrogenofosfato. O ácido carbônico participa do tampão bicarbonato, enquanto o ácido dihidro- genofosfato participa do tampão fosfato. Importante 14 Bioquímica está exatamente igual. Um bom exemplo é o sistema tampão acetato, que apre- senta um pKa de 4,76, significando que esse tampão controla o pH da solução aquosa desde o pH 3,76 até 5,76. Para entendermos melhor sobre a solução tampão, devemos fazer uma análise da curva de titulação, como mostrado na Figura 2. Nessa curva, observamos a faixa de controle de pH do sistema tampão que corresponde desde um ponto abaixo até um ponto acima do valor de pKa. Quando o pH da solução estiver dentro dessa faixa de controle – mesmo que sejam feitas pequenas adições de H+ ou OH– –, isso exerce pouco efeito sobre o valor de pH. No entanto, se o pH da solução estiver fora da zona de controle, essa mesma quantidade de H+ ou OH– adicionada promo- ve uma grande alteração do pH. Figura 2 Curva de titulação da solução tampão acetato. IE SD E Br as il S/ A CH3COO – [CH3COOH] = [CH3COO –] CH3COOH 1 0 0 0,1 0,2 0 50 100% 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0 2 3 4 5 6 7 8 9 OH– adicionado (equivalentes) pH = pKa = 4.76 Percentual de titulação Região de tamponamentopH pH 5,76 pH 3,76 Quando analisamos o gráfico da curva de titulação de uma solução tampão, é perceptível que, com aumento de H+ e a tendência de o pH de baixar, a base segura prótons, fazendo com que o pH volte ao normal. Por outro lado, quando a quan- tidade de H+ diminuir – ou seja, o pH tender a subir, – o ácido libera prótons para baixar o pH, voltando novamente ao normal. Entretanto, com essa análise, surge uma pergunta: todos os sistemas tampões apresentam o mesmo valor de pKa? A resposta é não: para cada ácido (HA) e sua base conjugada (A–), existe um pKa dife- rente e, consequentemente, uma zona na qual esse tampão é efetivo. Energia celular 15 Para ajudar a descrever a curva de titulação de qualquer ácido ou base, pode ser utilizada a equação de Henderson-Hasselbalch, descrita a seguir: pH = pKa + log [A –] [HA] Nessa equação, é feita a relação entre o pKa, isto é, o pH e a concentração do tampão. Essa é uma forma de reescrever a equação da constante de ionização de um ácido, usada para avaliar as propriedades da relação ácido-base conjugada uti- lizada para controlar o pH de uma solução. Uma coisa importante a se notar é que, quanto menor for o pKa do ácido, mais forte ele é. Assim, ao analisar a equação, devemos perceber que o pH da solução será igual ao pKa do ácido fraco quando possuir quantidades iguais de ácido e da sua base conjugada. Para ser um tampão, as variações de pH não podem ser bruscas; devido a isso, como já vimos, somente ácidos fracos fazem parte de um sistema tampão. 1.3 Equilíbrio ácido-básico Vídeo Para que ocorra um bom funcionamento tanto das células quanto de todos os líquidos corporais em um organismo vivo, é necessário que ocorra a manutenção do pH nesses locais. A manutenção do pH fisiológico – que deve girar em torno de 7,0 para a maioria dos líquidos nos seres vivos – é feita por vários tipos de substâncias. Alguns animais, como os mamíferos, não podem apresentar grandes variações no pH em todos os líquidos corporais – o sangue apresenta uma faixa de variação de pH de apenas 0,1 ponto. Para continuarmos o estudo, precisamos avaliar os pHs em compartimentos corporais específicos dos seres humanos (Tabela 2). Observe que, quanto maior é a concentração de H+ livre, menor é o pH. Um excelente exemplo disso é o suco gástrico, que contém HCl (ácido clorídrico), um ácido forte, que libera uma grande concentração de próton, deixando a solução com o pH muito ácido. Tabela 2 pH dos compartimentos corporais Tabela do pH em compartimentos corporais Compartimentos corporais pH Sangue 7,35 – 7,45 Líquido intersticial 7,35 – 7,45 Suco gástrico 0,8 – 2,0 Intestino delgado 8,0 – 9,0 Urina 4,5 a 8,0 Citoplasma 6,0 a 7,4 Matriz mitocondrial 7,4 Fonte: Adaptada de Hall, 2011. 16 Bioquímica Na maioria dos compartimentos corporais e celulares existe mais do que um tipo de sistema tampão ao mesmo tempo. Nesses sistemas, as concentrações de ácidos fracos e suas bases conjugadas devem ser suficientes para controlar o pH. Esse é o caso do sistema tampão fosfato, que possui o ácido dihidrogenofosfato (H2PO4 –) e a sua base conjugada chamada de fosfato (HPO4 –2), pKa de 6,86. A quan- tidade desse tampão nas células é grande, e, por esse motivo, ele funciona mui- to bem nesse local. Além do sistema tampão fosfato, as células possuem grandes quantidades de proteínas que apresentam grupos funcionais com capacidade de liberar ou captar prótons. Como vimos anteriormente, o pH do sangue não pode sofrer grandes variações, e em razão disso são necessários três tampões que trabalham juntos: o tampão fosfato, as proteínas sanguíneas e o sistema bicarbonato-ácido carbônico. O tampão fosfato, que também está nas células, apresenta-se em concentra- ção insuficiente no sangue, logo ele não estabiliza o pH sozinho. Além dele, temos as proteínas sanguíneas, que por sua vez auxiliam na manutenção do pH, masa quantidade desses dois sistemas tampões não pode ser alterada. Dessa forma, o principal tampão sanguíneo é o sistema bicarbonato-ácido carbônico, com pKa de 6,1. Para que esse sistema tampão se inicie, é necessário que o dióxido de carbono produzido nas células reaja com a água do citoplasma da hemácia, local onde essa reação é catalisada pela enzima anidrase carbônica, conforme a reação a seguir: CO2 + H2O H2CO3 H + + HCO3– Anidrase carbônica O gás carbônico gerado nas células vai para o sangue e entra nas hemácias, nas quais a reação descrita no esquema anterior ocorre. O H+ liberado no final da reação poderia diminuir o pH da hemácia, mas, para que isso não ocorra, ele se liga na hemoglobina. O HCO3– gerado na reação sai para o plasma sanguíneo pela troca com um Cl–, e, como apenas o bicarbonato vai para o plasma sanguíneo, a concen- tração dessa base aumenta, podendo reagir com o H+ que estiver em excesso, o que reverte a reação para a formação de CO2 novamente. A concentração de ácido carbônico é de cerca de 1,25 x 10–3 M e a de bicarbonato, de 25 x 10–3 M. Colocan- do-se esses dados na equação de Henderson-Hasselbalch – e lembrando que o pKa do ácido carbônico é 6,1 –, o pH obtido fica da seguinte forma: pH = 6,1 + log [HCO3–]/[H2CO3] = 6,1 + log 25 x 10 –3/1,25 x 10–3 = 6,1 + log 20 = 7,4 Na equação anterior, não é considerada a concentração de dióxido de carbono, mas ele ainda é necessário para a formação de ácido carbônico. Portanto, um au- mento da pressão parcial de CO2 (pCO2) aumenta diretamente a concentração de ácido carbônico e, em seguida, libera H+ e a base bicarbonato. Energia celular 17 Tendo em vista que a produção de gás carbônico é constante e variável, é preci- so que haja eliminação do gás para controlar o excesso de H+ livre no sangue, sen- do necessária a ativação do processo de ventilação pulmonar para isso. É preciso também controlar diretamente a quantidade de H+ livre e de bicarbonato, processo feito pelo sistema renal. É importante notar que a ventilação alveolar pode modificar a concentração de CO2 e H +, e o aumento da concentração de gás carbônico e de prótons ativa o sistema, circunstância que promove estimulação na movimentação muscular respiratória. Isso significa que, se ocorrer um aumento na quantidade de H+, a taxa de ventilação aumenta; porém, quando ocorre aumento do pH, a taxa de ventilação não diminui na mesma proporção. Isso se deve à interferência de vários fatores, como a pO2. Percebemos, então, que a resposta respiratória à diminuição do pH é muito mais efetiva em relação à do aumento do pH, chegando a uma eficiência desse sistema de controle que fica entre 50 e 75%. Um fato importante é que alterações geradas pelo sistema respiratório são sem- pre imediatas. Desse modo, alterações abruptas do pH sanguíneo são controladas, mas esse sistema apresenta limitação de amplitude, tendo em vista que, se ocorrer uma maior frequência respiratória, o ar não chega aos alvéolos pulmonares, e se a diminuição da ventilação pudesse ser grande, pararia a movimentação dos mús- culos respiratórios, o que faria com que não houvesse troca gasosa e o indivíduo viesse a óbito. Por essas limitações de amplitude, apesar da rapidez, é necessário que haja a participação do sistema renal para corrigir a falha no sistema. Como foi visto na tabela de pH (Tabela 2), a urina pode ter pH ácido ou básico, dependendo de como estava o pH sanguíneo. Os processos de filtração, reabsorção e secreção renal promovem um controle na quantidade de H+ e HCO3– no sangue. O HCO3– passa do sangue para a urina por filtração nos glomérulos renais, já o H + é reabsorvido ou secretado nas células tubulares, de acordo com a necessidade de controle do equilíbrio ácido-base do organismo. Assim, se a quantidade de HCO3– filtrado for maior que de H+ secretado, a urina se tornará básica e o sangue, mais ácido. Por outro lado, se a quantidade de H+ secretado for maior do que de HCO3– filtrado, a urina torna-se ácida e o sangue, mais básico. Além do gás carbônico, o organismo produz moléculas ácidas, que podem alte- rar o pH sanguíneo. Diferentemente do CO2, esses outros ácidos não conseguem ser eliminados no sistema respiratório, o que é feito pelos rins. A eliminação desses ácidos é acompanhada da reabsorção de bicarbonato; por outro lado, quando o bicarbonato é eliminado, ocorre reabsorção do H+. Quando acontece aumento do HCO3–, ocorre reação com o H + no meio extracelular, o que faz com que o pH do meio extracelular e do sangue seja controlado. Cerca de 80 a 90% desse processo ocorre no túbulo proximal, os outros 10% restantes são reabsorvidos no túbulo dis- tal. Entretanto, quando algum desses mecanismos está descompensado, surgem alterações no pH sanguíneo, além de nos valores de referência, circunstância que caracteriza doenças – e estas, se não compensadas pelo organismo e/ou tratadas, podem levar ao óbito do indivíduo. Quando o pH sanguíneo está abaixo de 7,35, o indivíduo entra em acidose. Esse quadro pode alterar a ionização dos aminoácidos, o funcionamento cardíaco e cerebral. Em uma situação em que o pH sanguíneo se encontra acima de 7,45, ele está em alcalose, podendo ocorrer parada cardíaca. No entanto, a urina apresenta pH alterado e somente indica o que estava aconte- cendo com o pH sanguíneo, o que não afeta a saúde. Saiba mais 18 Bioquímica 1.4 Distúrbios do equilíbrio ácido-básico Vídeo Em situações nas quais o pH sanguíneo está fora da faixa de referência – e o organismo não consegue retornar sozinho –, ocorre o distúrbio do equilíbrio ácido- -base. Quando o pH está abaixo de 7,35, o indivíduo está em acidose; já quando o pH sanguíneo está acima de 7,45, o indivíduo está em alcalose. A acidose ocorre quando a quantidade de H+ no sangue está elevada; para o rim compensar isso, é necessário que ocorra a reabsorção de todo o bicarbonato filtrado, além da produção de ainda mais bicarbonato, aumentando a quantidade de base no sangue. Para que a correção seja efetiva, a eliminação de sais e de H+ nos túbulos renais também aumenta. No processo de acidose, ocorre a inibição dos transportadores de eliminação de potássio, ocasionando acúmulo de K+ nas células. Em razão disso, nessa situação é necessário eliminar o H+, mantendo, dessa forma, a eletroneutralidade sanguínea. Portanto, nesse processo, a eliminação de H+ aumenta a reabsorção de K+; e mes- mo ele acontecendo, na acidose não ocorre uma hipercalemia 1 significativa. Na alcalose, por sua vez, a concentração plasmática de potássio diminui; sendo assim, a reabsorção de K+ ocasiona a saída de H+. Esses transportes de potássio e prótons ocorrem em quase todos os túbulos renais, exceto nas porções finais descendentes e ascendentes da alça de Henle, como ilustrado na figura a seguir. Figura 3 Processo de secreção de HCO3 – e reabsorção de H+ nos túbulos do néfron durante a alcalose IE SD E Br as il S/ A Anidrase carbônica Excretado na urina ATP ATP + H H + + + H + K + K + H + Sangue Células intercalares do tipo B Lúmen do ducto coletor Espaço intersticial [H ] baixa Ocorre quando há uma presença de altos níveis de potássio no sangue. 1 Energia celular 19 Alterações do equilíbrio ácido-base podem ter várias causas, caracterizando diversas doenças. Se as causas modificarem a quantidade de gás carbônico, a doença gerada será uma acidose ou uma alcalose respiratória. Por outro lado, se for uma causa que altere diretamente os níveis de H+ ou bicarbonato, então pode se tratar de uma acidose ou alcalose metabólica. A análise dos sintomas ajuda a iniciar o diagnóstico, mas eles podem ser confundidos entre si. A única maneira de fazer a diferenciação correta é por meio de exames laboratoriais chamados de gasometria. Esse procedimento correspon- de à análise da pO2, da pCO2, do pH sanguíneo, da concentração de bicarbonato, de outros componentes – como excesso de bases (BE) – e do ânion gap.Somente após avaliação de todos esses parâmetros é possível fechar o diagnóstico e iniciar um tratamento. Existem diferenças nos valores de gasometria dependendo do tipo de sangue analisado, que pode ser arterial ou venoso, e isso se deve principalmente à me- nor quantidade de gás carbônico presente no sangue arterial – que é, portanto, o melhor para essa análise. Existem alguns fatores que interferem na gasometria, como: heparinização excessiva na amostra arterial, mistura de sangue venoso e arterial, atraso no envio da amostra, bolhas de ar na seringa e má perfusão (DONN; SINHA, 2006). Depois de todos os valores serem obtidos e com os sintomas avaliados, pode ser utilizado o normograma (Figura 4) para fechamento do diagnóstico, com limites de confiança de 95%. Figura 4 Normograma ácido-base IE SD E Br as il S/ A Acidose respiratória crônica Alcalose metabólica Alcalose respiratória aguda Alcalose respiratória crônica Acidose metabólica Normal Acidose respiratória aguda 120 100 90 80 70 60 50 4060 56 52 48 44 40 36 32 28 24 20 16 12 7,0 7,1 7,2 7,3 7,4 pH 7,5 7,6 7,7 7,8 8 4 0 35 30 20 15 10 [HCO3 –] Equilíbrio ácido base PCO2 20 Bioquímica Alterações graves no trato respiratório ocasionadas por doenças podem ge- rar acidose respiratória. Existem várias doenças capazes de ocasionar acidose respiratória, por exemplo: a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), escle- rose múltipla, poliomielite, fraqueza dos músculos respiratórios e até mesmo depressão do sistema respiratório ocasionada por medicamentos ou drogas. Em todas as doenças citadas aqui, pode ocorrer retenção de gás carbônico, e isso pro- move deslocamento do equilíbrio da reação do tampão bicarbonato para a direita, aumentando a formação de H+ e diminuindo o pH sanguíneo. ↑CO2 + H2O H2CO3 ↑H + + ↑HCO3– O deslocamento da reação – causado pelo problema respiratório – faz com que o sistema renal elimine uma maior quantidade de H+ para a urina, assim como aumenta a reabsorção de bicarbonato. Com esses dois processos acontecendo ao mesmo tempo, o pH sanguíneo sofre um aumento moderado. Devido a isso, o pH não retorna para a faixa normal se a causa respiratória persistir, ocasionando aumento de HCO3– e H + na acidose respiratória descompensada. Na acidose metabólica, a quantidade de H+ aumenta muito porque o corpo aca- ba produzindo uma grande quantidade de ácidos e não consegue eliminá-los na mesma velocidade. As principais causas da acidose metabólica são: diarreia grave, acidose láctica – causada pelo excesso de produção de ácido láctico –, insuficiência renal e diabetes mellitus, quando ocorre aumento excessivo da produção de ácido acetoacético e ácido β-hidroxibutírico – os chamados cetoácidos. Para avaliar a gasometria de um indivíduo, é preciso relembrar a equação do sistema tampão bicarbonato. Quando ocorre uma acidose metabólica, é possível observar que a quantidade de H+ produzido é maior do que a de bicarbonato no sangue, fazendo com que o pH sanguíneo baixe, como mostra a reação a seguir: ↑CO2 + H2O H2CO3 ↑H + + ↓HCO3– Com a diminuição do pH e o aumento de pCO2, ocorre ativação do reflexo da respiração – o que causa a taquipneia no indivíduo. O aumento da eliminação do gás carbônico desvia a reação para a esquerda, diminuindo os níveis de H+ do siste- ma e, assim, tentando fazer o pH voltar ao normal. Porém, isso ocorrerá apenas se o indivíduo não apresentar nenhuma doença pulmonar. Quando acontece aumento da ventilação em um indivíduo – independentemente do motivo –, a eliminação de gás carbônico também aumenta. Isso desloca a rea- ção do tampão bicarbonato, estimulando a maior produção de CO2, o que acaba diminuindo a concentração de H+ no sangue e ocasiona uma alcalose respiratória. A hiperventilação pode ser causada por diversos motivos, seja voluntariamen- te, por uma crise de ansiedade, por ventilação mecânica feita de modo errado, por anemia etc. Nesse processo, ocorre uma grande eliminação de gás carbônico Energia celular 21 – ocasionando o processo de deslocamento que vimos também na taquipneia –, e isso diminui a quantidade de H+, levando à alcalose. ↓CO2 + H2O H2CO3 ↓H + + ↓HCO3– O organismo promove a compensação da alcalose respiratória por via renal. Com isso, aumenta a liberação de bicarbonato na urina e a reabsorção do próton, o que auxilia na tentativa de correção da alcalose. Por outro lado, vômitos, ingestão excessiva de bicarbonato – em caso de antiá- cidos, mas também pela hipocalemia – podem acarretar uma redução da quanti- dade de H+ do plasma e um aumento na quantidade de bicarbonato, gerando uma alcalose metabólica. ↓CO2 + H2O H2CO3 ↓H + + ↑HCO3– Essa diminuição de H+ promove o deslocamento da reação para a direita, ge- rando a diminuição do CO2 e o aumento da concentração de HCO3–. O organismo rapidamente promove a compensação por meio do sistema respiratório – ocasio- nando bradipneia. A diminuição da taxa respiratória causa aumento na retenção de CO2, aumentando também a quantidade de prótons, diminuindo o pH e fazendo-o voltar aos níveis normais. Em causas diferentes da hipocalemia, os rins promovem liberação de bicarbonato e retenção de H+. Na hipocalemia, a falta de potássio é ocasionada pela mesma proteína que faz a eliminação de próton, e isso causa a alcalose. Como foi visto, a manutenção do pH dos líquidos corporais é fundamental para que o organismo possa funcionar perfeitamente, ou seja, estar em homeostase. Porém, somente isso não é suficiente para manter a vida. 1.5 Bioenergética Vídeo O funcionamento celular depende de transformações energéticas na célula, e, para tanto, é necessário que os nutrientes que entram por meio da membra- na plasmática sejam transformados para fornecer energia à célula. Os alimentos fornecem essas moléculas, mas elas são muito complexas para serem utilizadas diretamente como fonte energética. Para que isso ocorra, é necessário que as mo- léculas provenientes dos alimentos sejam transformadas em outras mais simples e que a energia liberada seja armazenada em moléculas de transporte energético. Estas servirão para transportar a energia para processos de síntese de molécu- las estruturais ou de armazenamento. As transformações devem ser realizadas de maneira controlada e direcionada, formando o metabolismo celular. Todos esses processos são estudados pela bioenergética, como mostram Nelson e Cox (2014, p. 506): “A Bioenergética é o estudo das variações energéticas que ocorrem nas 22 Bioquímica reações químicas. Esse estudo possibilita compreender por que determinadas reações acontecem espontaneamente e outras precisam de energia externa para acontecer”. 1.5.1 Leis da termodinâmica Os processos orgânicos seguem muitas leis físicas, entre elas as da termodinâ- mica, mas, para uma melhor compreensão, precisamos definir essa lei: nos primór- dios, essa ciência estudava as alterações que o calor ocasionava nas estruturas, porém, com o decorrer do tempo, os cientistas perceberam que essa análise não era suficiente. Por esse motivo, segundo Heneine (2010, p. 55), modificaram o con- ceito dizendo que a “termodinâmica estuda toda e qualquer mudança que ocorra no Universo”. Existem duas leis para a termodinâmica: • 1ª Lei: para que qualquer mudança física ou química ocorra, a quantidade total de energia no universo permanece constante, ela pode se alterar ou ser transportada entre regiões, mas não pode ser criada ou destruída (NELSON; COX, 2014). • 2ª Lei: a entropia total de um sistema deve aumentar quando um proces- so ocorre de modo espontâneo, isto é, sem interferência externa (MURRAY et al., 2013). Essa lei também trata da transferência de energia entre os sis- temas, afirmando que a energia sempre se desloca de onde tem mais para onde tem menos. Podemos entender melhor as leis com base em alguns exemplos, começando pela primeira lei. Imagine um guepardo correndo. Para que ele possa fazer isso, primeiro oprimeiro passo é ter se alimentado adequadamente. O alimento passa pelo processo de digestão e, em especial, os aminoácidos são liberados; o fígado do guepardo transforma alguns aminoácidos em glicose, e depois essa glicose vai para as células, incluindo as do músculo estriado esquelético. Na célula muscular, ocorre transferência de energia da glicose para o ATP (ade- nosina trifosfato); na hora da corrida do animal, o ATP é hidrolisado, propiciando o movimento muscular. Perceba que em todas essas transformações energéticas ocorre liberação de calor, esquentando o corpo do animal; entretanto, além disso, a energia armazenada no ATP diminui, e o animal precisa de nova alimentação e repouso pouco tempo depois. Agora trazendo a segunda lei em palavras mais simples, ela descreve um pro- cesso natural do movimento energético; a energia sempre se desloca do meio mais energético para o menos energético. Exemplificando: quando um indivíduo sai de um ambiente frio e entra em outro com temperatura maior do do que seu corpo, em pouco tempo o corpo se aque- ce. Isso ocorre porque a energia térmica está aumenta- da no ambiente quente e é transferida para o corpo do indivíduo. Br ai nC ity Ar ts /S hu tte rs to ck QUENTE Transferência de calor FRIO Energia celular 23 Os processos de modificação de energia nas células demandam a ocorrência de várias reações químicas, muitas delas sequenciais. Essas reações são chamadas em conjunto de metabolismo. 1.5.2 Tipos de metabolismo O metabolismo é dividido em dois tipos: catabolismo e anabolismo. O catabo- lismo se inicia com a modificação de macromoléculas em produtos mais simples. Nesse caso, como ocorre quebra de ligações químicas, acontece liberação de ener- gia. Já o anabolismo acontece quando moléculas pequenas sofrem várias reações formando moléculas mais complexas. O anabolismo promove formação de liga- ções químicas para fazer a síntese da macromolécula e, na grande maioria dos casos, utiliza energia de outra fonte – como o ATP ou mesmo transportadores de elétrons, como o NADPH. Esses dois tipos de metabolismo apresentam reações químicas catalisadas por enzimas distintas, não sendo apenas processos inversos. Para compreender melhor esse processo, analise o princípio geral da bioenergética O princípio geral da bioenergética verifica como ocorre integração entre cata- bolismo e anabolismo, pois a energia liberada pela quebra de ligações químicas no catabolismo é utilizada para formar as ligações no anabolismo, como mostrado na figura a seguir. Figura 5 Integração entre as reações de quebra e síntese na célula IE SD E Br as il S/ A Macromoléculas celulares Proteínas Polissacarídeos Lipídios Moléculas precursores Aminoácidos Açúcares Ácidos graxos Nutrientes liberadores de energia Carboidratos Gorduras Proteínas Produtos finais pobres em energia CO2 H2O Anabolismo Catabolismo Energia química ATP NADH NADPH FADH2 ADP + HPO NAD+ NADP+ FAD 2– 4 24 Bioquímica Um exemplo do processo de catabolismo é a quebra de glicose que ocorre quando a célula necessita de ATP para seu funcionamento. Nesse processo, além de se formar o ATP, forma-se NADH – os dois são moléculas transportadoras de energia, mas possuem suas diferenças. O ATP é uma molécula rica em grupos fosfato e pode ser utilizado por várias proteínas, seja para fazer transporte ativo de membrana, para outras reações químicas, para a contração muscular etc. Já o NADH, que é uma molécula transportadora de elétrons e hidrogênio, pode ser utilizado em reações químicas apenas. As reações de síntese são endergônicas (armazenam energia), enquanto as de quebra são as exergônicas (liberam energia). Todos os processos da célula seguem outras leis físicas, como: a entropia (S), a entalpia (H) e a relação entre elas, chamada variação de energia livre de Gibbs (∆G). Heneine (2010, p. 59) explica esses processos da célula: A Entalpia compreende o conteúdo de calor de um sistema, a Entropia é a qualidade de energia incapaz de realizar, o que significa que existe uma tendência ao caos no sistema. Energia livre (∆G) relaciona a entalpia com a entropia e analisa quanta energia consegue realizar trabalho, sempre anali- sando quando a temperatura e a pressão estiverem constantes. Considere a equação a seguir: ∆G = ∆H – T ∆S O ∆H é a variação da entalpia, ∆S é a variação da entropia e T é a temperatura absoluta. Quando verificamos essa equação, devemos analisar o valor final de ∆G que corresponde à energia livre do sistema. Nessa análise, temos que notar se a rea- ção química será ou não espontânea. Quando ∆G possui valor negativo, a reação é exergônica e, portanto, espontânea. Já se o ∆G for positivo, é necessário que outra fonte energética esteja na reação, portanto a reação é endergônica e não espontânea. Porém, se o ∆G for igual a zero, a reação está no equilíbrio químico perfeito. As moléculas transportadoras de energia fazem com que não ocorra perda energética entre catabolismo e anabolismo, e cada uma delas apresenta especi- ficidades com enzimas e o tipo de metabolismo. Existem dois tipos de moléculas que apresentam essa função: as moléculas transportadoras de elétrons e hidro- gênios e as moléculas com fosfato rico em energia. Para que as reações de óxido-redução – ou seja, de troca de elétrons – ocorram, são necessários transportadores de elétrons e hidrogênios. Algumas dessas mo- léculas são ativadores enzimáticos e derivadas de vitaminas do complexo B; entre elas estão a nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) e a nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP+) – que são derivadas da niacina – e a flavina adenina dinucleotído (FAD), derivada da riboflavina. O NAD+ é considerado o carreador de elétrons mais importante; seu anel de nicotinamida é a estrutura molecular que pode reagir com um próton e dois elé- trons, ocasionando oxidação do substrato. Energia celular 25 Figura 6 Nicotinamida adenina dinucleotídeo IE SD E Br as il S/ A A NN CC NHNH2 NHNH2OO OO OO OO PP PP OO– OO– OO OO OO OHOH OHOH OO OHOH OHOH NN NN NN NN NN NN RR RR NAD+ B NADH (Oxidado) (Reduzido) CC CC 2H2HOO OOHH HH NHNH2NHNH2 A: Estrutura da nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) oxidada B: Reação de acepção de elétrons e hidrogênio pelo NAD+. Como mostrado na Figura 6, o NAD+ auxilia nas reações de desidrogenação, recebendo um H+ da molécula doadora e sendo reduzida para formar NADH, enquanto o outro H+ fica livre na solução aquosa. A reação de redução do NAD+ é mostrada a seguir: NAD+ + 2 H+ + 2 elétrons NADH + H+ O NADP+ possui a mesma origem vitamínica em relação ao NAD+, e, por esse motivo, a reação entre elas é muito semelhante. Existe, porém, uma diferença fun- damental entre esses dois transportadores: enquanto o NAD+ é utilizado em rea- ções de catabolismo, o NADP+ é utilizado em reações de anabolismo. O FAD é outra molécula transportadora de prótons e elétrons; a parte da molé- cula que possibilita a reação no FAD é o anel isoalaxazina. De modo semelhante ao NAD+, o FAD pode aceitar dois elétrons e dois prótons, mas os dois H+ são captados diretamente pelo anel, formando a molécula reduzida FADH2. 26 Bioquímica FAD+ + 2 e– + 2 H+ FADH2 Outros tipos de moléculas que transportam energia são aquelas que possuem nucleotídeos contendo ribose e fosfato rico em energia. Esse tipo de molécula é essencial para o funcionamento da célula, pois funcionam como uma moeda de troca. Em reações não espontâneas, é necessário que exista um doador externo de energia, assim ocorre quebra do ATP ou de outro transportador de fosfato, acarre- tando a liberação de energia para que possa acontecer a reação. Existem vários doadores de fosfato, e cada um deles recebe e fornece energia com a catálise de enzimas específicas. O ATP é um nucleotídeo composto por adenina, D-ribose e três grupos fosforil; a ligação dos dois últimos grupos fosforil possui alta energia, e, quando a quebra dessa ligação acontece,ocorre uma libera- ção de energia – apresentando ∆G negativo. Depois que ocorre a hidrólise do ATP, libera-se ADP (adenosina difosfato) e Pi (fosfato inorgânico). Esses dois elementos são reciclados na célula e unidos nova- mente, entretanto o processo de síntese é muito complexo, sendo chamado de respiração celular, com ∆G geral positivo. Além do ATP, existem mais três moléculas importantes que funcionam de modo similar, são elas: a guanosina trifosfato (GTP), a uridina trifosfato (UTP) e a citosina trifosfato (CTP). Cada uma dessas moléculas participa de metabolismos específicos. Dessas, o GTP é usado em muitos processos celulares, sendo um bom exemplo a utilização dessa molécula pela Proteína G no processo de sinalização celular. 1.6 Carboidratos Vídeo Existem vários tipos de moléculas que fornecem energia para as células, porém os carboidratos são muito importantes para a execução dessa ação. Além da função energética, servindo como fonte e armazenamento (por exemplo, o glicogênio nos animais e o amido nos vegetais), eles apresentam também funções na síntese de outros componentes celulares e como elementos estruturais. São as macromoléculas existentes em maior quantidade na natureza, com mais da me- tade do carbono fixado nas moléculas orgânicas. Além dessas funções, há muitas outras descritas como atividades biológicas e que ocorrem por causa da grande diversidade estrutural apresentada pelos carboidratos. 1.6.1 Monossacarídeos Para entender melhor como são os carboidratos, é necessário saber que existem três classes estruturais: os monossacarídeos, os oligossacarídeos e os polissacarí- deos. Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples, considerados as me- Energia celular 27 nores unidades desse tipo. Para formar os oligossacarídeos, ocorre a união entre dois a dez monossacarídeos – mais do que isso é considerado um polissacarídeo. Os monossacarídeos apresentam como fórmula geral Cn(H2O)n, em que existem muitas hidroxilas (polihidroxilados) que estão ligadas a carbonos quirais, e esse fato acaba dando origem a vários isômeros. Além das hidroxilas, podem existir dois tipos de grupos estruturais importantes: 1. se o monossacarídeo apresentar no primeiro carbono um grupo aldeído, ele é chamado de aldose; 2. se no segundo carbono houver um grupo cetona, ele será chamado de cetose. De modo geral, são moléculas cristalinas, incolores e muitas possuem sabor adocicado (NELSON; COX, 2011). Figura 7 Aldose e cetose IE SD E Br as il S/ A OH C H H C C C C OH OH O OH H H H H OHH C Gliceraldeído Diidroxiacetona Aldose Cetose Quanto à quantidade de carbonos, os monossacarídeos podem ter de três a nove carbonos, sendo chamados de trioses, tetroses, pentoses, hexoses, heptoses, octoses e nonoses, respectivamente. Entre todas essas, as hexoses são as mais abundantes, e dentro desse grupo das hexoses, a glicose é o monossacarídeo mais abundante da natureza. A presença de carbonos quirais – ou anoméricos – é um ponto importante dos monossacarídeos. Isso produz uma grande quantidade de isômeros ópticos. O úni- co monossacarídeo que não apresenta nenhum centro quiral é a diidroxiacetona. A quantidade de carbonos quirais varia nos monossacarídeos, dependendo do número de carbonos da molécula e também se é uma aldose ou uma cetose. Um exemplo é a menor das aldoses, o gliceraldeído apresentado (Figura 7) e que possui apenas um carbono quiral. Como o gliceraldeído apresenta esse único centro qui- ral, observe que existem dois enantiômeros: o D-gliceraldeído e o L-gliceraldeído. Você pode questionar: como identificar se o enantiômero é dextrogiro (D-) ou levogiro (L-)? Para chegar a essa resposta, é necessário observar a posição da hidro- xila (-OH) no carbono quiral. Quando a hidroxila estiver do lado direito do carbono quiral, a molécula é D-; no entanto, se a hidroxila estiver do lado esquerdo do car- bono quiral, a molécula será L-. É necessário, porém, analisar também o caso da diidroxiacetona, que, por sua vez, não possui nenhum centro quiral. Nesse caso, ela não apresenta isômeros, logo ela não pode ser denominada dextrogira ou levogira. Isômeros são compostos que contêm o mesmo número dos mesmos áto- mos, porém eles estão em arranjos diferentes. Existem vários tipos de isomeria, como a de função, geomé- trica, óptica, entre outras. Já os estereoisômeros são imagens especulares chamadas de enantiômeros; os pares de estereoisôme- ros que não são imagens especulares são chamados de diastereoisômeros. Saiba mais 28 Bioquímica Entretanto, se o monossacarídeo apresentar mais do que um centro quiral, para caracterizar se a molécula é D- ou L-, deve-se observar o último quiral da cadeia de carbonos e, em seguida, observar a mesma regra descrita anteriormente. Verifique as duas hexoses da Figura 8: a aldose possui quatro carbonos quirais, e a cetose possui três carbonos quirais, mas o último centro quiral da estrutura – nos dois casos – estão com a hidroxila para o lado direito, portanto as duas moléculas são dextrogiras (-D). Figura 8 Hexose OH C C C C C CH2OH OH H OH OH H HO H H C C C CH2OH H O OH OH HO H H C CH2OH D-Glucose D-Fructose Aldose Cetose Observe na Figura 8 que as duas hexoses são semelhantes, porém, como a ce- tose possui o grupo funcional no carbono dois, ela apresenta um carbono quiral a menos. Quando dois monossacarídeos são diferentes apenas na posição da hidro- xila de apenas um carbono quiral, eles são chamados de epímeros – a D-glucose e a D-manose são alguns exemplos. Observe as várias aldoses (Figura 9) e cetoses (Figura 10) de seis carbonos apresentadas e verifique se consegue identificar ou- tros epímeros. IE SD E Br as il S/ A Figura 9 Aldoses OH H H H H C OH OH OH OH CH2OH D-Allose OH HO H H H C H OH OH OH CH2OH D-Altrose D-Idose OH HO H HO H C H OH CH2OH H OH D-Gulose OH H H HO H C OH OH CH2OH H OH D-Mannose OH HO HO H H C H H CH2OH OH OH D-Glucose OH H HO H H C OH H CH2OH OH OH D-Talose OH HO HO HO H C H H CH2OH H OH OH H HO HO H C OH H CH2OH H OH D-Galactose C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C C IE SD E Br as il S/ A Energia celular 29 Figura 10 Cetoses H H H C OH O CH2OH OH OH CH2OH D-Psicose HO H H C H O CH2OH OH OH CH2OH D-Fructose HO HO H C H O CH2OH H OH CH2OH D-Tagatose H HO H C OH O CH2OH H OH CH2OH D-Sorbose C C C C C C C C C C C C Para que possamos continuar o estudo, é necessário lembrar que o formato real descrito para os átomos de carbono não é como o mostrado nas duas figuras anteriores. O formato correto do carbono é tetraédrico, como mostrado na figura a seguir. Figura 11 Estrutura tridimensional do carbono A C Y X B A C X B X X X C A B A A X X B A Y C X B A C X B Y Imagem especular da molécula original Molécula original Imagem especular da molécula original Molécula original Molécula quiral: a molécula girada não pode ser sobreposta à sua imagem especular Molécula não quiral: a molécu- la girada pode ser sobreposta à sua imagem especular (a) (b) Por esse motivo, os monossacarídeos, quando estão em solução aquosa, não possuem uma cadeia de carbonos reta. A cadeia de carbonos se dobra, fazendo a aproximação do carbono que possui a dupla ligação – que contém o grupo funcio- nal principal – com o último carbono quiral da cadeia de carbonos. Dessa forma, o oxigênio do último carbono reage com o carbono da dupla ligação por meio de um ataque ao núcleo desse átomo (ataque nucleofílico). Esse ataque promove o deslocamento da dupla ligação, unindo o carbono que tinha a dupla com o oxigênio do último quiral, e essa reação forma uma molécula cíclica. Para manter a estabilidade de todos os átomos envolvidos, o hidrogênio, que estava ligado ao oxigêniodo último quiral, é transferido para o oxigênio que tinha a dupla ligação antes, formando uma nova hidroxila. Quando a hidroxila é IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 30 Bioquímica formada, o carbono se torna um centro quiral. A reação de ciclização é mostrada na figura a seguir. Figura 12 Reação de ciclização da D-Glicose IE SD E Br as il S/ A OH C C C C C OH OH H H H HHO CH2OH 1 2 3 4 5 6 OH OH OH HH HO H H H O C C C C C CH2OH6 5 4 1 23 OH OH OH HO H HO H H H C C CC C CH2OH 2 1 3 4 5 6 α-D-Glicopiranose OH OH H OHO H HO H H H C C CC C CH2OH 2 1 3 4 5 6 β-D-Glicopiranose D-Glicose OH Um fato importante a se abordar é que, dependendo do tamanho da cadeia de carbonos, o formato da dobra mudará, tornando-se cíclica ou não. A cicliza- ção ocorre em aldoses com mais de quatro carbonos e em cetoses com mais de cinco carbonos. A reação de ciclização ocorre de dois modos: entre um aldeído e um álcool, ou entre um grupo cetona e um álcool. Com isso, forma-se um hemiacetal ou hemicetal; a formação do hemiacetal é fundamental para que ocorra ligação glicosídica. Lembre-se de que carbono hemiacetal é um carbono quiral e, dependendo da posição da hidroxila, pode ficar ao final da reação de ciclização, modificando o formato (conformação) da molécula e formando anômeros, que possuem nomes e características diferentes. Quando a hidroxila do hemiacetal fica para cima, a molécula está na forma α, mas se essa hidroxila estiver para baixo, a molécula está na forma β. As formas α e β, em solução aquosa, sofrem mutarrotação. Outra informação importante se refere ao formato do anel da estrutura do monossacarídeo na forma cíclica. Piranose é o nome do anel com seis lados, e furanose, de um anel de cinco lados (Figura 13). Em análises químicas, obser- vamos que anéis piranosídicos são mais estáveis do que os furanosídicos para uma hexose. Energia celular 31 Figura 13 Piranoses e furanoses H H H H H H HH HH H H HH HH HH HH H H CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH HOCH2 HOCH2 OH OH OHOH OHOH OH OH OH OH OH OH HO HO HOHO HOHO 5 54 43 32 21 1 6 6 α-D-Glicopiranose β-D-Glicopiranose β-D-Frutofuranose α-D-Frutofuranose OO OO OO OO A forma cíclica pode ser representada de várias maneiras; a Figura 13 mostra a fórmula de perspectiva de Haworth, em que o anel de seis lados é plano. Porém, em solução aquosa, a forma molecular é diferente, pois os ângulos de- vem seguir a conformação do átomo de carbono. Por isso, a molécula pode estar em duas conformações, as chamadas formas de cadeira ou de barco. Essas duas conformações podem se interconverter, mas a forma mais estável é a de cadeira, pois todos os átomos estão na maior distância possível. Essa diferença é ilustrada na figura a seguir. Figura 14 Diferentes conformações da molécula de glicose H H H HH HH HH H H H H CH2OH CH2OH OH OH OH HO HO HO HO HO 55 44 33 2 2 1 1 6 6 Conformação de cadeira Conformação de barco OO OO IE SD E Br as il S/ A IE SD E Br as il S/ A 32 Bioquímica Os monossacarídeos apresentam várias funções biológicas, e a mais importan- te delas, como comentado anteriormente, é a função energética; entretanto, ou- tros monossacarídeos – como a ribose – podem servir para formar nucleotídeos, seja como ribose ou perdendo o oxigênio do carbono dois e se transformando em desoxirribose. Além das funções como moléculas isoladas, os monossacarídeos, tanto origi- nais quanto modificados, podem formar polímeros de diversos tamanhos, consti- tuindo oligossacarídeos e polissacarídeos. 1.6.2 Oligossacarídeos e polissacarídeos A formação de polímeros simples ou complexos é fundamental para que os carboidratos possam exercer várias funções nos organismos. Os polímeros com- plexos podem ser unidos também com outras macromoléculas, como proteínas – formando as glicoproteínas ou as proteoglicanas – e lipídeos – quando forma os glicolipídeos. Porém, para que ocorra a formação do polímero de monossacarídeos original, é necessário que eles sejam unidos por uma ligação glicosídica. Para ser formada, a ligação glicosídica – o hemiacetal, ou hemicetal, do primei- ro monossacarídeo – reagirá com uma das hidroxilas do outro monossacarídeo, retirando uma molécula de água para formar a ligação glicosídica, o que forma a ligação O-glicosídica. Essa ligação é do tipo covalente e a reação de condensação forma o acetal. O composto formado é chamado glicosídeo. Para separar os monossacarídeos, é necessário quebrar a ligação glicosídica por meio de hidrólise, ou seja, entrando água e quebrando a ligação, o que resulta na liberação dos compostos originais. O segundo monossacarídeo da ligação glicosí- dica possui muitas hidroxilas possíveis para a ligação, assim como o carbono he- miacetal pode ser α ou β, sendo necessário nominar corretamente a ligação. Isso permite que, mesmo ligados, seja possível identificar como eram os monossacarí- deos originais. Por exemplo, na lactose, a primeira molécula de galactose é beta, a segunda molécula é uma glicose, e elas estão ligadas aos carbonos um e quatro, portanto a ligação é β (1→ 4). Outras maneiras de representar essa mesma ligação são: β (1,4) ou β 1,4. Os oligossacarídeos são classificados dessa maneira quando possuem entre dois e dez monossacarídeos unidos, mas existem alguns na natureza – como a lactose – que são mais importantes para a saúde humana. Além dela, a sacarose – um dissacarídeo composto por frutose e glicose em ligação α (1→2) – é muito utilizada na culinária de um modo geral. A quantidade de oligossacarídeos na natureza não é muito alta, mas, diferen- temente disso, os polissacarídeos são encontrados em abundância. Para uma molécula ser considerada um polissacarídeo, é necessário que tenha mais de dez monossacarídeos formando um polímero, por isso possuem peso molecular mé- dio ou alto. Sua classificação depende do tipo de unidades repetitivas encontradas e da presença ou não de ramificações. Quando há unidades de apenas um tipo de monossacarídeo, ele é chamado de homopolissacarídeo, mas se o polímero for formado por dois ou mais monossacarídeos diferentes, é um heteropolissacarídeo. Energia celular 33 A síntese dos polissacarídeos varia de espécie para espécie, e, por consequên- cia, a enzima presente é que determina a presença ou não de ramificações, assim como o tamanho da molécula final. Essas variações estruturais determinam a função do polissacarídeo na célula e no próprio organismo. Um bom exemplo são os polissacarídeos de armazenamento: amido e glicogê- nio. Eles são homopolissacarídeos, porém variam em tamanho e principalmente em grau de ramificação. O glicogênio tem a função de armazenar moléculas de gli- cose nos tecidos animais e serve para o músculo estriado esquelético obter energia rapidamente, principalmente no exercício. O glicogênio do fígado tem como prin- cipal função manter a glicemia e a taxa de glicose no sangue. O amido, por outro lado, é o polissacarídeo principal de armazenamento de energia nos vegetais, e por esse motivo ele é utilizado como fonte alimentar de glicose. Há outros polissacarídeos com muitas variações estruturais e com muitas funções biológicas. Podemos citar as heterofucanas (com função antitumoral), a heparina (muito utilizada pela medicina como anticoagulante), entre outros. Se você quer aprender bio- química, o livro Princípios de Bioquímica de Lehninger, de David Nelson e Michael Cox, é um dos mais importantes para essa ciência; e como o próprio título diz, ele é o princípio para os estudos. A obra apresenta em de- talhes todos os processos bioquímicos, em especial o que acontece na célula. NELSON, D.; COX, M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2018. Livro CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo percebemos que existem muitos elementos necessários para o bom funcionamento das células e do corpo de umindivíduo. A manutenção do pH de todos os compartimentos celulares é crucial para que as reações químicas possam acontecer. Além disso, a transferência e a produção de energia entre as moléculas são fundamentais para a manutenção da vida. Entre as moléculas transportadoras de energia, o ATP é a principal, e existem vários combustíveis para que possamos obtê-la, como os lipídeos e os aminoácidos, mas principalmente os carboidratos. Portanto, concluímos que, para manter a vida, é necessário que ocorra troca de nutrientes na célula e que as reações químicas aconteçam na quantidade e no momento corretos. ATIVIDADES Atividade 1 Um indivíduo ingeriu cerca de 500 ml de suco de limão (pH 2,0). Explique por que o pH do sangue não é alterado com essa ingestão. Atividade 2 Francini sofre com um distúrbio alimentar que a induz ao vômito. Ao chegar no hospital, constata-se ela está muito magra e com respiração abaixo do normal, isto é, com bradipneia. O HCO3 – é de 72 meq/L (valor de referência: 24-29 meq/L), PCO2 é de 58 mmHg (ref.: 35 – 45 mmHg), e pH do sangue de 7,62. Ao analisar esse caso clínico, você pode indicar qual é o distúrbio do equilíbrio ácido-base apresentado por Francini? Justifique. 34 Bioquímica HH H HH HHOHOH OH HH HH H H H CH2OH OHOH OH O OO CH2 Atividade 3 Promova a quebra da ligação glicosídica do dissacarídeo a seguir e diga o nome da ligação glicosídica indicada na flecha: OO OO REFERÊNCIAS BERG, J. M.; TUMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. COGAN, M. G.; RECTOR, F. C. Acid-base disorders. In: BRENNER, B. M.; RECTOR, F. C. (ed.). The kidney. Philadelphia: WB Saunders, 1991. DONN, S. M.; SINHA, S. K. Neonatal respiratory care. 2. ed. Philadelphia: Mosby Elsevier, 2006. HALL, J. E. Guyton & Hall: tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. HENEINE, I. F. Biofísica básica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne & Levy: fisiologia. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. MURRAY, R. K. et al. Bioquímica ilustratada de Harper. 29 ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 35 2 Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula @As células são formadas por macromoléculas com funções distintas e importan- tes. Entre essas moléculas estão os carboidratos, as proteínas, os lipídeos e os ácidos nucleicos. Proteínas são as moléculas mais importantes e abundantes nos organismos vivos, importância essa que vem do fato de elas serem responsáveis pela maioria das funções celulares e do próprio organismo. Suas menores unidades são os aminoáci- dos, os quais são unidos para formar essas macromoléculas. As enzimas são proteínas com função de aceleração das reações químicas e são fundamentais para que os orga- nismos vivos possam fazer o metabolismo. Outra molécula fundamental para a estrutura, o funcionamento celular e o próprio organismo são os lipídeos, que apresentam funções muito variadas e fundamentais para que o organismo seja formado e seu funcionamento ocorra. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • analisar a estrutura, a característica química e a classificação dos aminoácidos; • descrever a formação da ligação peptídica; classificar as proteínas; descrever os níveis crescentes de complexidade das estruturas proteicas e a desnaturação proteica; • definir a função e as características das enzimas na célula e no organismo hu- mano; descrever os mecanismos de catálise enzimática; definir enzimas alosté- ricas e descrever o seu funcionamento; definir o papel das enzimas na clínica; explicar como a velocidade das reações enzimáticas pode ser alterada por dife- rentes fatores; • classificar os lipídeos de acordo com a sua função biológica; definir as estrutu- ras dos triacilglicerois e dos ácidos graxos; classificar os ácidos graxos; definir a estrutura básica dos fosfolipídeos e glicolipídeos; definir a estrutura básica dos esteroides e a estrutura do colesterol. Objetivos de aprendizagem 2.1 Aminoácidos, peptídeos e proteínas Vídeo As moléculas mais funcionais do organismo são as proteínas, que nada mais são do que polímeros de aminoácidos, ou seja, são constituídas de aminoácidos liga- dos entre si. Para receber o “título” de proteína, é necessário que o polímero tenha mais de 70 resíduos de aminoácidos; se tiver entre 2 e 69 aminoácidos unidos são chamados de peptídeos. Porém, para iniciarmos o estudo das proteínas, é necessá- 36 Bioquímica rio entendermos primeiro as principais características dos aminoácidos, tendo em vista que eles são as unidades formadoras dos peptídeos. Os peptídeos e as proteínas apresentam como estrutura primária os aminoáci- dos, sendo derivada da combinação de apenas 20 tipos de aminoácidos diferentes. Além de formarem os polímeros, alguns aminoácidos apresentam outras funções importantes, como precursores de neurotransmissores e hormônios (triptofano e tirosina), neurotransmissores (aspartato e glutamato) e transportadores de nitro- gênio no sangue (glutamato, glutamina e alanina). Quando são modificados, eles podem se tornar hormônios, como a tri-iodotironina (T3), a tetraiodotironina ou a tiroxina (T4), que são derivados da tirosina. 2.1.1 Aminoácidos Uma molécula para ser considerada aminoácido deve ter uma estrutura básica comum com algumas propriedades químicas importantes: a estrutura em si é composta de um carbono central – chamado de carbono alfa (α) – ligado a quatro substituintes, sendo três deles fixos e um variável. Os grupos fixos são: grupamen- to amina, de caráter básico (ganha H+); grupamento carboxila, de caráter ácido (perde H+); e hidrogênio. Por fim, temos a cadeia lateral, ou grupamento R, que é o elemento variável; a partir desse grupo químico diferenciamos um aminoácido de outro. Figura 1 Estrutura básica de um aminoácido As propriedades químicas dos aminoácidos, denominadas estereoisomeria, iden- tificam essas moléculas pela natureza do radical e a verificação se o carbono α é quiral ou não. Podemos observar no caso dos aminoácidos o grupo amina na posição para análise. Esse é o único grupo com característica química distinta, por apresentar caráter básico e átomo de nitrogênio, comparado aos grupos fixos do aminoácido; por isso, quando o grupo amina está à direita, o aminoácido é dextrogiro (-D) – desvia a luz para a direita. No entanto, quando ele está à esquer- da, a molécula é levogira (-L) – desvia a luz para a esquerda – como mostramos na Figura 2. IE SD E Br as il S/ A Na isomeria óptica, o carbo- no deve estar com quatro diferentes substituintes para ser considerado um carbono assimétrico ou quiral. Uma molécula com somente um carbono quiral pode ter dois estereoisômeros; quando dois ou mais (n) carbonos quirais estão presentes, então podem existir 2n estereoisômeros. Já quando dois estereoisômeros são imagens especulares um do outro são chamados de enantiômeros; e pares de estereoisômeros que não são imagens especulares um do outro são denomina- dos diastereoisômeros. Saiba mais Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 37 Figura 2 Estereoisômeros no aminoácido alanina (a) (b) Ainda, é importante notarmos a existência de mais de vinte tipos de aminoáci- dos, e as proteínas podem chegar a ter mais de cinco mil resíduos de aminoácidos. Um polímero desse tamanho, quando é identificado e seus aminoácidos colocados em sequência, gera uma quantidade imensa de informação, mas somente se o nome de cada um dos aminoácidos for inserido por completo para representá-los e classificá-los. Por esse motivo foram criados símbolos de três letras e, posterior- mente, símbolos de uma letra para conseguirmos identificar essesaminoácidos, como demonstramos no Quadro 1. Quadro 1 Nome vulgar e simbologia de alguns aminoácidos Nome vulgar Símbolo (três letras) Símbolo (uma letra) Glicina Gly G Alanina Ala A Leucina Leu L Valina Val V Isoleucina Ile I Prolina Pro P Fenilalanina Phe F Serina Ser S Treonina Thr T Cisteína Cys C Tirosina Tyr Y Asparagina Asn N Glutamina Gln Q IE SD E Br as il S/ A (Continua) 38 Bioquímica Nome vulgar Símbolo (três letras) Símbolo (uma letra) Aspartato ou ácido aspártico Asp D Glutamato ou ácido glutâmico Glu E Arginina Arg R Lisina Lys K Histidina His H Triptofano Trp W Metionina Met M Fonte: Elaborado pela autora. Apesar de os aminoácidos apresentarem estrutura básica comum, suas proprie- dades químicas podem ser diferentes, se o grupo radical for alterado. As proprie- dades de polaridade e de comportamento em relação à água também afetam sua solubilidade, por isso o grupo radical indicará se o aminoácido é hidrofílico e polar (solúvel em água) ou hidrofóbico e apolar (insolúvel em água). 2.1.2 Classificação dos aminoácidos Quando analisamos as propriedades químicas dos diferentes aminoácidos, conse- guimos entender de que forma essa classificação, em que os aminoácidos são orga- nizados de acordo com sua polaridade e presença ou não de cargas no grupamento radical, interfere na estrutura e na função de um peptídeo ou proteína. Logo, é possível dividirmos esses aminoácidos em alguns grupos. O primeiro grupo de aminoácidos apresenta grupamentos apolares e alifáticos; nele, os radicais têm apenas átomos de carbono e hidrogênio, com exceção da metionina, por isso são insolúveis em água. A metionina é uma exceção, pois tem um átomo muito eletronegativo, o enxofre, que até poderia fornecer a característica polar, se não estivesse entre dois carbonos. Nessa situação, a eletronegatividade de dois átomos iguais em posições opostas acaba anulando a eletronegatividade do enxofre, fazendo com que a metionina se torne apolar e alifática. Os aminoácidos desse grupo normalmente são encontrados na porção interna das proteínas, sem contato direto com a água. Entre os aminoácidos desse gru- po vale também destacarmos a prolina – a única que apresenta cadeia fechada e, quando está em uma proteína, confere rigidez ao local onde está. COO– COO– COO– COO– COO–COO– COO– CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH2 CH2 S CH CH2 CH2 CH CH2 CH CH2 CH3CH3H2C H H H H H H H HC C C C CC CH3N H3N H3N H3N H3NH2N H3N + + + + + + + Glicina Alanina Prolina Valina Metionina IsoleucinaLeucina Figura 3 Grupos de apolares alifáticos IE SD E Br as il S/ A O segundo grupo dos aminoácidos apresenta um anel aromático (fenílico) no seu grupamento radical. A presença desse anel confere apolaridade à estrutura Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 39 e, portanto, baixa solubilidade em água. A seguir, listamos os três aminoácidos encontrados nesse grupo, que diferem pela presença ou não de átomos eletrone- gativos ligados ao grupo fenil. • Fenilalanina: não tem nenhum átomo eletronegativo, por isso é o aminoáci- do mais apolar desse grupo. • Tirosina: tem um grupo hidroxila ligado ao anel fenílico. • Triptofano: apresenta um anel indol. Essa substituição faz com que a tirosina e o triptofano sejam significativamente mais polares do que a fenilalanina. Fenilalanina Tirosina Triptofano COO– COO– COO– H H HC C CH3N H3N H3N + + + CH3 CH2 OH CH2 C CH NH Figura 4 Grupos aromáticos IE SD E Br as il S/ A O terceiro grupo de aminoácidos são os caracterizados como polares e não car- regados. Eles têm átomos eletronegativos, como oxigênio, nitrogênio e enxofre, os quais aumentam a solubilidade na água; além disso, a estrutura do radical não apre- senta carga elétrica. Desse grupo, vale destacarmos o aminoácido cisteína, que tem um grupo sulfidrila – o enxofre da sulfidrila está na ponta da cadeia lateral, possibili- tando a ocorrência de uma ligação covalente com outra cisteína, mas somente quan- do os hidrogênios desse grupo são retirados. Em caso de retirada, ocorre a formação de uma ligação dissulfeto (ponte dissulfeto) e, normalmente, esse tipo de ligação promove a estabilização da estrutura tridimensional de um peptídeo ou proteína. COO– COO– COO–COO– COO– CH2 CH2 CH2 H2N H2N CH2 OH O O CH3 SH OHH H H HH HC C C C CH2 C C C C H3N H3N H3NH3N H3N + + ++ + Serina Treonina Cisteína Asparagina Glutamina Figura 5 Grupos polares não carregados IE SD E Br as il S/ A Os próximos grupos de aminoácidos são aqueles que apresentam carga no ra- dical, a presença dessas cargas confere polaridade e solubilidade em água: o quar- to grupo apresenta carga positiva em suas cadeias laterais, pois tem um grupo amina com característica de base. Dentro desse grupo estão três aminoácidos, a lisina, a arginina e a histidina. 40 Bioquímica Figura 6 Grupos R carregados positivamente IE SD E Br as il S/ A Arginina Lisina Histidina COO– COO– COO– CH2 NH NH N NH2 +*NH3 NH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH C C H CH2 CH2 C H H HC C CH3N H3N H3N + + + No quinto grupo estão o glutamato e aspartato, esses dois aminoácidos têm carga negativa, visto que contêm um grupo carboxila no radical que tem caráter ácido. Aspartato Glutamato COO– COO– COO– COO– CH2 CH2 CH2 H HC CH3N H3N + + Figura 7 Grupos R carregados negativamente IE SD E Br as il S/ A + Os aminoácidos também podem ser classificados quanto à necessidade de obtenção na dieta; nesse caso, eles são divididos em essenciais, não essenciais e condicionalmente essenciais. Os aminoácidos essenciais são aqueles obtidos exclusivamente via alimentação, devido ao fato de o nosso organismo não ter as suas vias de síntese. Por outro lado, a síntese dos aminoácidos não essenciais é possível porque nossas células têm vias metabólicas para realizar esse processo. Já os aminoácidos condicionalmente essenciais são produzidos pelo organismo, porém a quantidade não é suficiente em determinados períodos da vida, como no crescimento, na gestação e na amamentação, por isso devem ser suplementados na dieta. 2.1.3 Análise físico-química dos aminoácidos Após essas classificações, você deve estar se perguntando como os aminoáci- dos que comemos ou saem das células podem ser transportados no sangue? O pH sanguíneo (com média de 7,4) permite que ocorra a ionização dos grupos amina e carboxila do aminoácido. O grupamento amina (-NH2) recebe o H + (próton) do meio aquoso, recebendo uma carga positiva e passa a ser NH3 +. Por outro lado, a carboxila (-COOH), de caráter ácido, doa seu H+ (próton), com isso fica com uma carga negativa (-COO-), gerando uma molécula carregada, e quanto maior a pre- sença de cargas na molécula, mais solúvel em água ela é. No pH do sangue, esses dois grupos estão ionizados e geram uma forma híbrida, ou zwitteriônica 1 Zwitterion é uma palavra de origem alemã que significa “íon dipolar”, ou seja, na mesma molécula está um grupo com carga positiva e outro com carga negativa. 1 , o que permite o transporte livre de qualquer aminoácido na corrente sanguínea. Moléculas responsáveis pela estrutura e metabolismo da célula 41 Com base nessa observação, levantamos outra pergunta importante: como ana- lisar cada um dos aminoácidos para saber em qual pH ele será solúvel em água? Além disso, existe uma consideração relevante: com a presença de grupos ácidos e básicos em cada um dos aminoácidos, eles podem exercer a função de sistema tampão e, com isso, controlar o pH da solução aquosa. Contudo, para avaliar em qual faixa de pH que ocorre o controle, é necessário avaliar a curva de titulação de cada aminoácido. Na Figura 8, vamos avaliar um exemplo de curva de titulação, e para isso o aminoácido escolhido foi a glicina. Glicina 13 pH 0 0,5 1 15 2 7 pK1 = 2,34 pK2 = 9,60 pl = 5,97 A B COOH COO– COO– CH2 CH2 CH2 NH3 NH3 NH2pK1 pK2 OH– (equivalentes) Figura 8 Curva de titulação da glicina IE SD E
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