Prévia do material em texto
CLASSES SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL AULA 1 Profª Valéria Pilão 2 CONVERSA INICIAL A formação da sociedade capitalista faz-se a partir da constituição das classes sociais. Mas o que são classes sociais? Existe apenas uma concepção sobre classe social no desenvolvimento do pensamento científico? Outra pergunta que devemos fazer é: a forma como corriqueiramente se pensa classe, afirmando-se que há os ricos e os pobres, ecoa uma concepção teórica? Ou seria uma maneira popular de pensar e conceber o que são classes? Partindo dessas perguntas iniciais, nesta aula abordaremos ao menos duas noções de classe. Na Aula 01, versaremos sobre a noção de classe desenvolvida pelo sociólogo alemão Max Weber (1864–1920) buscando elucidar elementos-chaves de sua compreensão e, posteriormente, na Aula 02 exporemos a compreensão de classe existente no pensamento marxista. Com essas duas aulas iniciais oferecem-se aos alunos elementos introdutórios da pluralidade científica e demonstram-se duas variações possíveis, dentre outras, na forma de compreender o que são e como se caracterizam as classes sociais. Nas aulas seguintes, versaremos sobre outros temas e/ou conceitos relacionados a compreensão de classe, especificamente, no pensamento marxista. O que se verifica é que a depender da compreensão de classe que o autor/acadêmico/profissional utiliza para analisar a realidade, um conjunto de conceitos se desdobra e deve/pode ser utilizado para ampliar o entendimento do processo histórico concreto. Portanto, nas aulas seguintes, ao tratar dos conceitos consciência de classe, ideologia e alienação almeja-se que o estudante desenvolva a capacidade relacional e perceba que para buscar o entendimento da forma pela qual a sociedade capitalista se desenvolve é necessário fazer uso de um rol de teorias e conceitos cujos preceitos iniciais abordaremos na disciplina como um todo. TEMA 1 – DIFERENTES CONCEPÇÕES DE CLASSES SOCIAIS Como já foi afirmado anteriormente, existem diferentes compreensões do que são e como se constituem as classes sociais. Nesta aula destacaremos a análise e o entendimento sobre classe desenvolvida por Max Weber, mas é importante ao menos mencionar que há outro autor de significativa importância no pensamento sociológico do século XX cuja compreensão de classe também é bastante utilizada. Trata-se do francês Pierre Bourdieu (1930–2002) e sugere- 3 se como leitura a obra A distinção (originalmente publicada em 1979), na qual tal temática é abordada. No que diz respeito à obra de Max Weber e sua discussão sobre classe social, aponta-se o capítulo “Classe, status e partido”, publicado no livro Ensaios de Sociologia, como um importante texto introdutório sobre o assunto. Essa concepção de Max Weber é importante de ser compreendida, pois ela respalda, ainda que com algumas diferenciações, a noção mais corriqueira de classe social reproduzida na sociedade brasileira, a que distingue os indivíduos pelo seu poder de inserção no mercado. Weber caracteriza uma classe social por possuir ou não propriedade, pelo tipo de propriedade que detém ou pelo tipo de serviço que pode oferecer no mercado. Um proprietário pode pertencer à classe dos arrendatários ou à classe dos empresários. TEMA 2 – CLASSE SOCIAL NA TEORIA MARXISTA Se vimos no pensamento weberiano uma forma de compreender o que é classe social e como podemos diferenciá-las, agora iremos abordar mais uma forma de conceber tal conceito. Para tal, adentraremos no escopo do pensamento marxiano, bem como marxista. Na teoria marxiana, o conceito de classe social é fundamental, pois é a partir das diferenciações de classe que se estabelece toda a desigualdade social, política e econômica do modo de produção capitalista. Inclusive, nessa forma de apreensão do que é classe social entende-se que esta existe apenas na sociedade capitalista, sendo um dos elementos caracterizadores desse modo de produção. Há diversas obras que podemos citar e nas quais a compreensão de classe é desenvolvida. Dentre elas, apontamos o Manifesto do Partido Comunista (originalmente publicado em 1848) e O Capital (cujo Livro I foi originalmente publicado em 1867). É possível afirmar que em suas obras Marx desenvolve e complexifica sua compreensão de classe; no entanto, há um elemento fundamental que permeia todo o seu pensamento acerca do conceito. Esse elemento é o fato de que as classes sociais se estabelecem na base produtiva da sociedade, na forma pela qual se inserem no processo de produção. Em outras palavras, na acepção marxiana, as diferenças de classes são determinadas no âmbito da produção. Ou seja, não é pelo que consome, mas 4 pelo papel que desempenha no processo produtivo que uma classe é estabelecida. Depreende-se dessa concepção a existência de duas classes sociais: as proprietárias privadas dos meios de produção e as não proprietárias. Chamamos a atenção para o fato de que não estamos falando de qualquer forma de propriedade privada, estamos falando da propriedade privada dos meios de produção. Com essa divisão, a classe trabalhadora é caracterizada por não possuir a propriedade privada dos meios necessários à produção e por isso é obrigada a vender a sua força de trabalho, em troca de salário, aos proprietários dos meios de produção, denominados burguesia. Observem que, dessa forma, não se caracteriza uma classe pelo que ela consome ou os lugares que frequenta, mas por ser ou não proprietária privada dos meios de produção, por vender ou não sua força de trabalho a outra classe. TEMA 3 – ALIENAÇÃO Ouvimos com certa frequência falarem: “fulano é um alienado, não sabe o que diz, não sabe o que faz”. Gostaríamos de, em primeiro lugar, chamar a atenção para o fato de que essa não é uma concepção marxiana sobre alienação. Essa é uma expressão encontrada de forma corriqueira em nossa sociedade, mas não é o que Karl Marx entende por alienação. O referido autor escreve sobre esse conceito em uma obra, publicada postumamente, denominada Manuscritos Econômico-Filosóficos, em um capítulo intitulado “O trabalho estranhado e a propriedade privada”. Para Marx (2004), o processo de alienação ocorre inicialmente no processo produtivo, devido à separação do trabalhador dos meios necessário para a realização do trabalho. Como o indivíduo que é o proprietário dos meios de produção não é o mesmo indivíduo que executa o processo de trabalho (processo de transformação da natureza, cuja finalidade é produzir uma mercadoria), este trabalhador não tem o controle da sua atividade vital consciente, o trabalho. Alguns elementos encontrados no processo produtivo fazem com que o trabalhador assalariado seja um alienado. Em primeiro lugar, segundo a argumentação de Marx (2004), o trabalhador assalariado é um alienado ao não se reconhecer no produto do seu trabalho, pois, no capitalismo, o fruto do trabalho é sempre uma mercadoria que não pertence a quem produz. 5 Em segundo lugar, o trabalhador também é um alienado ao não ter controle do processo de trabalho, ou seja: não determina o tempo que trabalhará, nem quanto irá produzir. A terceira forma de alienação se manifesta quando o trabalhador não se reconhece como humano exatamente por trabalhar. É importante esclarecer que, na teoria marxiana, o que determina e constitui o humano é o trabalho (afinal, apenas os humanos trabalham, apenas os humanos têm a capacidade de transformar a natureza para a satisfação de suas necessidades); no entanto, como no modo de produção capitalistaessa atividade não é alienada — pelo contrário, o trabalhador assalariado vê-se obrigado a desempenhar esse papel na sociedade —, ele não se sente humano por realizá-la. TEMA 4 – CONSCIÊNCIA DE CLASSE Uma outra categoria que se desenvolve em função da existência de classes sociais estabelecidas no processo produtivo é o conceito de consciência de classe. Para pensarmos um pouco sobre esse conceito podemos começar com algumas perguntas: por que um trabalhador assalariado fica irritado, nervoso e é até mesmo contrariado quando outro trabalhador assalariado, como um motorista de ônibus, faz uma greve? Por se tratarem de trabalhadores assalariados, estes não deveriam se reconhecer e por isso defender os mesmos valores, os mesmos ideais e as mesmas ideias? A realidade social tem nos demonstrado que apesar de os trabalhadores assalariados estarem na mesma condição na estrutura da sociedade — ou seja, necessitam vender sua força de trabalho por não terem a posse e o controle dos meios de produção —, eles muitas vezes não se identificam, não defendem os mesmos interesses. Para explicar esse comportamento que a classe trabalhadora assume, precisamos pensar o que é consciência de classe. De início podemos dizer que consciência de classe não é a mesma coisa que condição de classe. Em outras palavras, não é porque o indivíduo pertence a uma classe que necessariamente ele possui a consciência (uma visão de mundo, valores, ideias) que defendem a sua classe e os indivíduos desta mesma classe. Nesse caso, um trabalhador assalariado que, portanto, pertence à classe trabalhadora, pode ter a consciência de que não defende e corresponde às 6 necessidades da classe trabalhadora. Karl Marx e Friedrich Engels, em sua obra A ideologia alemã (originalmente publicada em 1932), abordam tal temática. Portanto, com esse conceito entenderemos de forma mais clara tanto as organizações da classe trabalhadora que podem expressar uma consciência de classe como a não identificação dos trabalhadores com a classe à qual pertencem. TEMA 5 – IDEOLOGIA A palavra ideologia é bastante conhecida socialmente. É comum os meios de comunicação de massa se referirem à ideologia de tal pessoa, à ideologia de tal partido. Mas, afinal de contas, o que é ideologia e qual a sua relação com a sociedade de classes? Da mesma forma que o conceito de classes, existem diferentes concepções de ideologia, inclusive dentro do próprio marxismo. Uma das obras mais referenciadas acerca de tal temática na bibliografia marxista e marxiana é A ideologia alemã, de Marx e Engels. Na concepção dos autores (Marx; Engels, 2007), a ideologia é uma forma de pensar o mundo, um conjunto de ideias e valores que expressam uma visão determinada da vida e de uma classe. Assim, podemos falar na existência de uma ideologia burguesa e uma ideologia da classe trabalhadora, por exemplo. Também é correto afirmar que na sociedade de classes formam-se ideologias que contribuem para a manutenção da dominação das classes dominantes, ou seja, da burguesia. Marx e Engels (2007) compreendem que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante, e estas ideias e valores, que podemos denominar de ideologia, criam uma falsa consciência da realidade. A ideologia como falsa consciência seria, portanto, quando a classe trabalhadora reproduz uma série de valores, desejos e ideias que não condizem com a sua condição de classe, mas que contribuem para a dominação da classe burguesa sobre a classe trabalhadora. NA PRÁTICA Demonstramos inicialmente que existem diferentes formas de compreender o que é classe social. Nos meios de comunicação de massa, nos 7 institutos de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), utilizam-se concepções do que seria classe social. Tendo essa ideia como horizonte, procure uma notícia de jornal que aborde o assunto classe social ou que use a expressão classe social e identifique qual é a concepção de classe que está contida em tal documento ou notícia. Uma dica: em geral, em matérias que tratam de pesquisas sobre o comportamento da população brasileira, a noção de classe utilizada perpassa sua capacidade de consumo e renda. Portanto, com uma certa frequência vocês encontrarão textos e notícias falando de classe com base na capacidade de um grupo se inserir no mercado, de consumir no mercado segundo as propriedades privadas que possui. FINALIZANDO Nesta aula tivemos como objetivo analisar o conceito de classe social, algumas das suas possíveis variações e desdobramentos. Enfatizamos que, como todo conceito dentro do campo científico, existem diferentes formas de apreender o que são classes sociais, bem como, a depender da escolha teórica que fizermos, haverá uma implicação de caráter teórico e político. Tratamos, ao longo da aula, de conceitos que na teoria marxista estão diretamente relacionados à constituição de uma sociedade de classes. Partindo da leitura que a sociedade capitalista estabelece com base na constituição de duas classes sociais que são antagônicas — a saber, a burguesia e o proletariado —, vimos que valores, ideias e desejos podem ser compreendidos como uma falsa consciência, pois estes podem corresponder às necessidades de dominação da burguesia sobre a classe trabalhadora, ou ainda, podem constituir uma forma de consciência. Também vimos que na sociedade de classes ocorre o processo de alienação, o qual se manifesta e é originário da forma como os trabalhadores se relacionam com o fruto do seu trabalho (a mercadoria), com o processo de trabalho e ainda consigo mesmos. Portanto, ao longo desta aula abordamos elementos que são fundamentais para a compreensão da sociedade capitalista, pois, afinal de contas, esta sociedade organiza-se tomando por base a estrutura de classe, e desta estrutura outros elementos fundamentais manifestam-se. 8 REFERÊNCIAS CHINAZZO, S. S. R. Epistemologia das ciências sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013. KIELING, F. dos S. Ciências sociais nas organizações. Curitiba, InterSaberes, 2012. MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 1999. _____. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. MONTAÑO, C.; DURIGUETTO, M. L. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2011. MULLER, C. Teoria dos movimentos sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013. WEBER, M. Classe, status, partido. In: VELHO, O. G.; PALMEIRA, M. G. S.; BERTELLI, A. R. (Org.). Estrutura de classe e organização social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. p. 61-83.