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Contrato de Condução: Lei Aplicável

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Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO II 
Casos Práticos- Aplicação da lei no tempo (2) 
	Caso Prático 1
CLARA, nascida em Portugal em 1993, completou 18 anos em 1 de dezembro de 2011 e inscreveu-se na escola de condução “Sobre Rodas, Lda”, para “tirar a carta” de ligeiros. 
Suponha que, nos termos do artigo 7.º da Lei x/2012, entrou em vigor dia 1 de janeiro de 2012, “são nulos os contratos celebrados por menores de 21 anos nas escolas de condução”. Pode a mãe de CLARA invocar a invalidade do contrato celebrado?
Passo 1 – delimitar o problema 
No caso sub-judice, o problema é o facto da Clara ter celebrado um contrato com a empresa de condução “Sobre Rodas, Lda.”, em 2011, após completar a maioridade, os 18 anos, e agora ter entrado em vigor a Lei x/2012 que no 7º artigo dispõe que são nulos os contratos celebrados por menores de 21 anos com escolas de condução. 
O contrato celebrado por Clara é um facto continuado, e apesar de ter sido celebrado na vigência da LA perdura na vigência da LN. É, por isso, necessário perceber se ao contrato da Clara se vai aplicar esta nova lei, o que a verificar-se tornaria o contrato inválido. 
Passo 2 – há direito transitório? NÃO 
Passo 3 – estamos perante um ramo do direito com regime específico? Não 
Passo 4 – estamos perante lei interpretativa (art 13º) ou sobre prazos (art 279º)? NÃO 
Passo 5 – a lei atribui eficácia a si mesma? NÃO 
Ou seja, não estamos no âmbito de aplicação do artigo 12/1 mas sim do 12/2. 
Passo 6 – perceber se estamos perante um caso do 12/2 1ª parte ou 2ª parte? (esquema do DCG) 
12/2, 1ª parte 
“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de
quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.
12/2, 2ª parte 
“mas, quando dispuser sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo
dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Neste caso, estamos perante um caso de aplicação do artigo 12º/2, 1ª parte. A nova lei vem alterar as condições de validade substancial, em específico, altera a capacidade jurídica das partes. Ora, se vem alterar a condição de validade substancial, vem alterar o facto constitutivo e, por isso, dizemos que NÃO se abstrai do facto. Assim sendo, a LN só se vai aplicar a factos novos e a LA subsiste vigente para regular factos ou efeitos jurídicos relacionados com esta condição de validade, onde os efeitos jurídicos integram o conteúdo da situação jurídica. Verifica-se sobrevigência da LA sempre que a LN se refira às condições de validade de um ato jurídico ou ao conteúdo de uma situação jurídica que não se possa abstrair do seu título constitutivo.
Isto significa que a mãe da Clara não pode invocar a invalidade do contrato, pois para o contrato da Clara subsiste a LA que permite a celebração de contratos com escolas de condução a maiores de idade. 
RESPOSTA BONITA
No caso sub-judice, o problema é o facto da Clara ter celebrado um contrato com a empresa de condução “Sobre Rodas, Lda.”, em 2011, após completar a maioridade, os 18 anos, e agora ter entrado em vigor a Lei x/2012 que no 7º artigo dispõe que são nulos os contratos celebrados por menores de 21 anos com escolas de condução. 
O contrato celebrado por Clara é um facto continuado, e apesar de ter sido celebrado na vigência da LA perdura na vigência da LN. É, por isso, necessário perceber se ao contrato da Clara se vai aplicar esta nova lei, o que a verificar-se tornaria o contrato inválido. 
Por vezes o legislador pode criar direito transitório com vista a regular estas situações que se encontram na fronteira entre a LA e a LN. O direito transitório pode ser material, quando o legislador cria um regime jurídico distinto da LA e da LN para solucionar os casos de sobreposição de leis; ou pode ser formal, quando o legislador define o regime jurídico que se vai aplicar às situações na fronteira, escolhe entre a LA e a LN. Neste caso, o legislador não criou direito transitório. 
Alguns ramos do direito têm princípios específicos, como o Direito Penal, onde prevalece a proibição do artigo 29º/3 e 4 CRP e o Direito Fiscal que se regula pelo artigo 103º/3 CRP. Não estamos perante nenhum ramo específico, por isso presumimos que se aplicam os princípios gerais: não retroatividade e aplicação imediata da lei. O artigo 12º/1 apresenta-nos estes dois princípios: diz que a lei só dispõe para o futuro mas prevê ainda que a lei possa ter eficácia retroativa (“ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa”). Ora, a nova lei nada diz sobre retroatividade por isso, percebemos que já não estamos no âmbito de aplicação do artigo 12º/1 mas sim do 12º/2. 
O artigo 12º/2 tem duas hipóteses de aplicação: quando a nova lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal e quando a LN dispõe sobre o conteúdo de certas relações jurídicas. Neste caso, estamos perante um caso de aplicação do artigo 12º/2, 1ª parte. A nova lei vem alterar as condições de validade substancial, em específico, altera a capacidade jurídica das partes. Ora, se vem alterar a condição de validade substancial, vem alterar o facto constitutivo e, por isso, dizemos que NÃO se abstrai do facto. Assim sendo, a LN só se vai aplicar a factos novos e a LA subsiste vigente para regular factos ou efeitos jurídicos relacionados com esta condição de validade, onde os efeitos jurídicos integram o conteúdo da situação jurídica. Verifica-se sobrevigência da LA sempre que a LN se refira às condições de validade de um ato jurídico ou ao conteúdo de uma situação jurídica que não se possa abstrair do seu título constitutivo.
Isto significa que a mãe da Clara não pode invocar a invalidade do contrato, pois para o contrato da Clara subsiste a LA que permite a celebração de contratos com escolas de condução a maiores de idade. 
Subhipótese: Suponha que a Lei X/2012, de 1 de janeiro, vem alterar o artigo 122.º do Código Civil dando-lhe a seguinte redação: “é menor quem ainda não tiver completado 21 anos de idade”. 
Em face do disposto na Lei X/2012 e tendo em conta outra legislação, nos termos da qual só poderão frequentar escolas de condução alunos maiores de idade, os responsáveis da “Sobre Rodas, Lda” afirmam que CLARA não pode prosseguir o “curso” (embora se disponham a devolver o dinheiro que já pagou). Quid iuris? 
Passo 1 – delimitação do problema 
Na hipótese apresentada, o problema é o facto de a Clara ter começado a tirar a carta quando fez 18 anos, era considerada maior de idade, e agora vir uma nova lei, a Lei X/2012 que altera o artigo 122º CC, que passa a dispor que são considerados menores quem ainda não tiver completado os 21 anos. Ora, a escola de condução quer agora impedir a Clara de prosseguir o curso pois, pelo disposto na nova lei, é considerada menor de idade.
Passo 2 – há direito transitório? NÃO 
Passo 3 – estamos perante algum ramo específico do Direito com regime próprio? NÃO 
Passo 4 – são leis interpretativas ou sobre prazos? NÃO 
Passo 5 – a lei atribui eficácia retroativa a si mesma? NÃO 
Ou seja, já não estamos no âmbito de aplicação do artigo 12/1 mas sim do 12/2
Passo 6 – perceber que parte do artigo 12/2 se aplica
Aplica-se a 1ª parte do artigo 12/2 pois a LN não vem alterar o conteúdo de relações jurídicas (12/2, 2ª parte) mas sim os efeitos de um facto. A Clara que pela anterior redação do artigo era considerada maior e já tinha, por isso, plena capacidade de gozo e de exercício, passa agora a ser considerada menor. Todavia, como a LN vem alterar as condições de validade substancial considera-se, pelo disposto no artigo 12/2, 1ª parte “que só visa os factos novos”. Diz-se, portanto, que quando a nova lei vem alterar as condições de validade substancial ou formal de factos que só visa efeitos jurídicos que tenham origem em factos novos. 
Por isso, a Clara não passa a ser considerada menor e pode prosseguir o curso.
Caso Prático2
Imagine que a L1, publicada a 11 de junho de 2004, veio estabelecer que: “caso as partes no contrato de mútuo não estabeleçam a taxa de juro, está será de 5%”. 
A 22 de dezembro de 2008, entra em vigor uma L2, a qual vem determinar que “caso as partes no contrato de mútuo não estabeleçam a taxa de juro, esta será de 8%”.
A celebrou com B um contrato de mútuo a 3 de março de 2008. Qual a taxa de juro que deve ser paga por A a B?
Passo 1 – delimitar o problema 
A e B celebraram um contrato de mútuo a 3 de março de 2008, não tendo estabelecido taxas de juro aplicando-se, por isso, as legalmente previstas, 5%. Ora, A tinha que restituir o dinheiro emprestado por B mais uma taxa de juro de 5%. O problema é que a 22 de dezembro de 2008 entrou em vigor uma nova lei que aumenta as taxas de juro para 8%. 
Passo 2 – há direito transitório? NÃO 
Passo 3 – estamos perante um ramo específico do Direito com regime próprio? NÃO 
Passo 4 – estamos perante leis interpretativas ou sobre prazos? NÃO 
Passo 5 – a lei atribui eficácia retroativa a si mesma? NÃO 
Ora sabemos que estamos no âmbito de aplicação do artigo 12/2. 
Passo 6 – aplicação da 1ª ou 2ª parte? 
Estamos perante a aplicação do artigo 12/2, 2ª parte, porque a nova lei não vem alterar as “condições de validade substancial ou formal” (artigo 12/2, 1ª parte), altera sim o “conteúdo de certas relações jurídicas” (artigo 12/2, 2ª parte). 
Pelo disposto no artigo 12/2, 2ª parte, entende-se que se a nova lei altera o conteúdo de certas relações jurídicas, não se abstraindo do facto que lhe deu origem pois a LN é condicionada pelo tipo de contrato, abrange “as próprias relações já constituídas”. Ou seja, quando a lei nova vem regular os efeitos, abstraindo do facto, entende-se que se aplica a efeitos presentes e futuros que tenham origem tanto em factos novos como em factos passados. 
Assim sendo, A terá que pagar uma taxa de juro de 8%.
Direito das Obrigações – Contratos (762º CC e ss.)
➢ Celebração do contrato – condição de validade formal ou substancial → 12º/2/1ª parte CC (exemplo: LN altera forma de celebração do contrato de compra e venda de bens imóveis)
➢ Conteúdo do contrato – o critério geral é o da autonomia privada, logo os efeitos não abstraem do facto que lhes deu origem → 12º/2/1ª parte CC (exemplo: LN altera os requisitos do direito de resolução após incumprimento definitivo do contrato →aplicação de LA aos factos passados); mas no caso de norma imperativa que tutela interesses sociais fundamentais, os efeitos abstraem do facto que lhes deu origem → 12º/2/2ª parte CC (exemplo: LN altera regras sobre condições de despejo no contrato de arrendamento)
Caso Prático 3
Ana arrendou o seu apartamento na Avenida do Brasil a Carlos e Daniela, casados em 2010. Porque eram pessoas muito informais no trato e não conheciam o regime aplicável, foi tudo acordado oralmente. 
Em 2012, quando o casal adotou Edgar, o artigo 10.º da Lei x/2000 sujeitava a relação entre pais e filhos ao princípio do superior interesse da criança, artigo que veio a ser substituído, em 2021, pelo princípio do superior interesse dos pais. 
A isto veio a somar-se o facto de o artigo 1069.º, que antes estabelecia que “o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito”, ter sido revogado com vista a flexibilizar o mercado de arrendamento. 
Tomando consciência da invalidade, o casal predispôs-se a exigir a devolução das rendas pagas ao longo dos anos por ser ao abrigo de um contrato nulo. 
1) Sabendo que a adoção data de 2012, que regime disciplina a relação entre estes adotantes e adotado? 
Passo 1 – delimitação do problema 
Em 2012, C e D adotaram E. À data da adoção estava em vigor a Lei x/2000 que no seu 10º artigo dispunha que a relação entre pais e filhos se sujeitava ao princípio do superior interesse da criança. Ora, em 2021, esse artigo foi alterado e a nova disposição diz que a relação entre pais e filhos se sujeita ao princípio do superior interesse dos pais. Como a adoção é um facto com efeitos duradouros é necessário perceber qual das leis se aplica à adoção de E, se a lei que estava em vigor no momento da adoção, se a lei que vigora atualmente. 
Passo 2 – há direito transitório? NÃO 
Passo 3 – estamos perante um ramo específico do Direito com regime próprio? NÃO 
Passo 4 – estamos perante leis interpretativas ou sobre prazos? NÃO 
Passo 5 – a lei atribui eficácia retroativa a si mesma? NÃO 
Ou seja, estamos no âmbito de aplicação do artigo 12/2 
Passo 6 – aplicação da 1ª ou 2ª parte?
A nova disposição do artigo 10º da Lei x/2000 veio alterar o regime existente não se abstraindo do facto (adoção) 
Dizemos que quando a LN se abstrai do facto, quando altera a natureza do facto só se aplica a factos novos. Assim sendo, a adoção de E continua a ser regida pela lei nova. 
2) Deve Ana devolver algum montante?
Passo 1 – delimitar o problema 
C e D celebraram um contrato de arrendamento com A. Ora, na altura da celebração do contrato estava em vigor o artigo 1069º que estabelecia que “o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito”. O contrato foi celebrado oralmente, é por isso nulo por vício de forma, pelo disposto no artigo 1069. Todavia, este artigo foi posteriormente revogado com vista a flexibilizar o mercado. É necessário, por isso, saber se o contrato continua a ser nulo por ter sido celebrado de outra forma que a disposta em lei ou se pela revogação do artigo 1069º o contrato passa a ser válido. 
Passo 2 – há direito transitório? NÃO 
Passo 3 – estamos perante algum ramo do Direito com regime próprio? NÃO 
Passo 4 – estamos perante leis interpretativas ou leis sobre prazos? NÃO 
Passo 5 – a lei atribui eficácia retroativa a si mesma? NÃO 
Estamos por isso no âmbito de aplicação do artigo 12/2. 
Passo 6 – aplicação da 1ª ou 2ª parte? 
A revogação do artigo 1069º veio alterar as condições de validade formal do contrato de arrendamento. Estamos assim perante a aplicação da 1ª parte do artigo 12/2. Pelo disposto no artigo 12/2, 1ª parte, entende-se que quando a nova lei altere condições de validade formal ou substancial “só visa os factos novos”. 
A revogação do artigo 1069º veio aligeirar as condições de validade formal, considera-se, então, ser uma lei confirmativa que vem tornar negócios jurídicos inválidos em negócios jurídicos válidos. Nem toda a doutrina está de acordo quanto a estas leis e à sua aplicação. O professor Romano Martinez considera ser inadequado invocar a invalidade de um NJ por uma LA dispor de um requisito que o NJ não cumpre. Isto significa que para o Professor se o negócio jurídico era inválido à luz da LA, mas agora com a LN passa a ser válido, não vale a pena invocar a invalidade, ou seja, aplica-se a lei nova. O professor Oliveira Ascensão defende a sobrevigência da lei antiga em todos os casos. Para ele, se o NJ celebrados durante a vigência da LA é nulo continua a ser nulo, independentemente da LN. Para o professor Batista Machado, para haver retroatividade in mitius da LN, ou seja, para que esta se aplique aos factos passados, para que posso regular efeitos presentes e futuros é necessário que a LN seja mais favorável aos interessados e não se prejudiquem os interesses da contraparte ou de terceiros. O professor Teixeira de Sousa acrescenta ainda que para a LN, que vem aligeirar as condições de validade, ser retroativa é necessário que o ato esteja a ser executado e a invalidade nunca tenha sido decretada.
Solução? Escolher uma doutrina e resolver assim o caso?  
Caso Prático 4
Até ao ano de 2017, a atividade de intermediário de crédito era de acesso livre.
O Decreto-Lei n.º 81-C/2017, de 7 de julho veio dispor o seguinte:
Artigo 12.º
À apreciação do requisito de idoneidade é aplicável, com as devidas adaptações, o artigo 30.º-D do RGICSF.
Artigo 30.º-D RGICSF
(...)
4- No seu juízo valorativo, o Banco de Portugal deve ter em consideração (...):
 b) A acusação, a pronúncia ou a condenação, em Portugal ou no estrangeiro, por crimes contra o património, crimes de falsificação e falsidade, crimescontra a realização da justiça, crimes cometidos no exercício de funções públicas, crimes fiscais, crimes especificamente relacionados com o exercício de atividades financeiras e seguradoras e com a utilização de meios de pagamento e, ainda, crimes previstos no Código das Sociedades Comerciais.
Sara, na sua juventude, foi condenada por burla relativa a seguros, vindo agora alegar a inconstitucionalidade da norma, por configurar uma norma penal retroativa: se ela, à época, soubesse que praticar a burla a impediria de vender óculos a crédito nunca o teria feito.
Retroconexão 
Caso Prático 5
Júlio tem uma fábrica de gelado e Sílvio uma gelataria. Para regrarem as suas relações comerciais, concordaram aplicar o regime supletivo relativamente ao prazo do pagamento do fornecimento, de 30 dias corridos.
Todavia, em janeiro entrou em vigor o Decreto-Lei n. x/2019, de acordo com o qual o prazo foi estendido para 90 dias.
Nesta senda, Sílvio absteve-se de pagar o valor em falta até ao momento no qual julgava vencer-se a obrigação, resultando na insolvência de Júlio, uma vez que este estava a contar com os fundos de Sílvio para pagar as suas contas.
Quid Juris?
Discutir regime de prazos. Mas não, prazo supletivo aplica-se 12/2 1ª parte porque não se abstrai
3) Imagine que no dia seguinte à publicação do DL em apreço, o Parlamento publicava uma lei interpretativa com a seguinte disposição:
Falsa lei interpretativa 
Artigo único
“A presente lei procede ao aditamento de uma disposição interpretativa ao Decreto-Lei n.º x/2019:
O presente diploma dever-se-á aplicar aos contratos celebrados ao abrigo da lei anterior”.
	Quid Juris?
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