Prévia do material em texto
Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 1 Esquema para resolver casos práticos sobre meios de autotutela Aviso: Este esquema não dispensa, de maneira alguma, o estudo dos manuais recomendados nas aulas, em especial o manual do Senhor Professor Miguel Teixeira de Sousa. Apenas complementa e sistematiza, não dispensando leituras obrigatórias. Trata- se de um esquema meramente indicativo e contém apenas conselhos de estruturação de respostas, não sendo suficiente para a resolução correta e completa dos casos práticos. Elementos obrigatórios de preparação: • MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito. • ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral. • ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo V, Coimbra: Almedina. Elemento complementar: • TERESA QUINTELA DE BRITO, O direito de necessidade e a legítima defesa no código civil e no código penal, 1994, (D05-997). ESTRUTURAÇÃO DO CASO PRÁTICO I. ENQUADRAMENTO • Identificar o agente em análise e a conduta que se apresenta como um facto ilícito gerador de danos, que deverão ser ressarcidos através obrigação de indemnização derivada da existência de responsabilidade civil, nos termos do artigo 483.º do Código Civil1. • Porém a responsabilidade civil depende, por princípio de determinados requisitos, nomeadamente da ilicitude e da culpa, pelo que se apresenta como pertinente a 1 Doravante CC. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 2 avaliação da conduta de X estar ao abrigo de um meio de autotutela que permita justificar a sua conduta, excluindo, assim a ilicitude da mesma. • O meio de autotutela consiste num meio residual e limitado admitido pela ordem jurídica, como uma forma de defesa de direitos e das situações jurídicas individuais pelos próprios sujeitos. Permite a aplicação unilateral (sem consentimento) e espontânea (sem intermediação) do Direito. Visa repelir agressões, situações em que bens jurídicos tutelados pelo Direito são postos em perigo e não há forma de os acautelar com recurso aos meios jurisdicionais normais, ou havendo, tal poderia agravar o perigo de lesão desses mesmos bens jurídicos. • O efeito de verificação e eventual preenchimento de todos os pressupostos de um meio de autotutela consubstancia a justificação da conduta do agente, através da exclusão da ilicitude, tornando a conduta lícita, que numa primeira análise, poder- se-á reconduzir, no caso concreto, à figura da: legítima defesa, estado de necessidade ou ação direta. Nota: resolver separadamente para cada agente, um passo de cada vez. i) Identificação do acto específico pelo qual o agente exerce autotutela: Qual é? (Ex: arrombamento da porta pela Anabela); ii) Identificação do ameaça/agressão/perigo específico a que o agente reagiu por meio da autotutela: Qual é? (Ex: perseguição de desconhecidos); II. MEIOS DE AUTOTUTELA 1. Legítima Defesa 1.1. Noção: figura presente no artigo 337.º/1 do CC.2 2 É desnecessário transcrever os preceitos legais. Da mesma forma, é também desnecessário rescrever excertos do caso prático a analisar. Deve limitar- se a identificar resumidamente o problema e seu respetivo parágrafo do enunciado. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 3 1.2. Requisitos3: a aplicação do regime, presente no artigo 337.º, depende do preenchimento de todos os seus pressupostos. Justificar com elementos do caso (não basta enumerar!); Importa, nesta fase, o plano objectivo (independentemente do que o agente acha que está a acontecer) Pressuposto de conduta do agressor (conduta contra quem o agente reagiu por meio de autotutela): a) Agressão • Humana (exclui fenómenos naturais e perigos representados por objetos e animais, exceto se usados como instrumentos de atuações humanas); • Consciente ou dominável pela vontade (discutível a exclusão de atos inconscientes ou não domináveis pela vontade- sonambulismo, epilepsia); • Bens patrimoniais ou pessoais; • Agressão sob a forma de ação ou omissão. b) Atualidade • Esteja no momento a ocorrer ou iminente (exclui agressões já concretizadas e consumadas- já não se verifica qualquer perigo a afastar, cabendo aos mecanismos de heterotutela responder à violação do Direito realizada-; ou agressões futuras, em que será sempre possível recorrer às entidades competentes para evitar que ele se verifique); • Delimitação com a ação direta; • Discussão nos crimes contra o património (ex: furto): 3 Na resolução do caso, deve-se começar por identificar a figura aparentemente em causa, indicar os pressupostos e só se eles estiverem preenchidos afirmá-lo taxativamente; se não estiverem, explica-se porque é que não é verdadeiramente essa figura, e identifica-se qual e justifica-se. Deve-se evitar contradições de discurso e de raciocínio, ou seja, não deve começar por afirmar que está em causa determinada figura jurídica, sem grandes desenvolvimento e depois concluir que afinal já é outra. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 4 i) Doutrina penalista (v.g. Figueiredo Dias): possibilidade de admitir a legítima defesa nos crimes contra o património, onde seria uma ação necessária para recuperar o bem subtraído, se tiver logo após o momento da sua subtração e se o ladrão ainda não tiver a posse pacifica desse mesmo bem. A agressão seria ainda atual (doutrina penalista, v.g Figueiredo Dias); ii) Outra resposta possível, seria prescindido da eventual atualidade da agressão, recorrer à ação direta (ex: artigo 1277.º). c) Contrariedade à lei • Há contrariedade à lei sempre que a agressão coloca em perigo bens jurídicos seja praticada violando normas e princípios jurídicos; • NÃO há legítima defesa contra agressões LÍCITAS- (ex: diligências de poderes públicos ablativas, mas legalmente legitimadas, e por isso lícitas; e contra condutas já justificadas por outros meios de autotutela). • Discussão dos inimputáveis4: i) Há autores (v.g. Pessoa Jorge) que, além da ilicitude, exigem enquanto requisito necessário para a legítima defesa, o caráter culposo da agressão. Este entendimento tem como consequência excluir a possibilidade de legítima defesa contra agressões perpetradas por pessoas insuscetíveis de serem objeto de um juízo de culpa, isto é, inimputáveis; mas ainda contra aqueles que agissem ao 4 Sempre que surja uma discussão doutrinária, deverá ser devidamente identificada e referida os seus termos. Idealmente, deverão ser explorados os argumentos de cada posição e explicada as consequências na resolução do caso consoante a adoção de uma e de outra posição. Em caso de escassez de tempo, deverá ser indicada a existência de divergência doutrinária, a posição seguida e a resolução do caso em coerência com a posição optada. Não deverá ser dispensada a exposição sumária dos argumentos avançados pela posição adotada. É relevante a referência aos nomes dos autores que defendam cada orientação, mas deverá ser evitado a referência exclusiva aos nomes e a não explicação das posições. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 5 abrigo de uma causa de exclusão de culpa (“desculpabilidade”). Argumentos de relevância da culpa: ü Só com existência de culpa se explicaria a possibilidade de desproporção entre o dano causado e aquele se evita: porque se estaria a evitar um dano que seria causado em circunstâncias censuráveis (com culpa), poderia ir-se além de uma mera proporção matemática entre dano causado e evitado; ü Com culpa, também se explicaria que não fosse exigível ao defendente colocar-se em situações desonrosas (fugindo ou fazendo uso de meios lesivos da sua dignidade). ii) visão criticada por muitos autores (entre os quais, v.g., Menezes Cordeiro) pois que, desta forma, exigir-se-ia ao defendente a formulação de um juízo de avaliação sobre a culpabilidade do agressor o que, sendo a culpa uma questão- de-direito e não de facto, não seria razoável. Pressuposto de conduta do defensor (ato específico pelo qual o agente exerce autotutela): d) Necessidade dd) De defesa: • Subsidiariedade: exclui defesa se for possível recorrer aos meios normais para deter a agressão (públicos- mecanismos de heterotutela como a polícia e os tribunais-; privados- pedir auxílio a outra pessoa, fechar uma porta para deter a agressão); • Defesa necessariamente contra o agressor que coloca os bens em perigo e não contra terceiros (contra terceiros poderá ser justifica por outra causa de exclusão de ilicitude- p. ex. estado de necessidade); • Exclusão da necessidade de defesa: –agente provoca a agressão, sendo ele a causa de situação de confronto; –agressão pré- ordenadamente provocada com intuito de permitir ao provocador responder-lhe; Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 6 • Discussão: relevância do animus defendendi (a intenção do agente em se defender comporta um pressuposto adicional ou revela-se irrelevante na concretização da legítima defesa- ver discussão doutrinária e ac. STJ 18/06/2009, proc. 1248/07.2PAALM.S1, Fernando Fróis); • Fuga: pacífico na doutrina que, por princípio, ninguém deverá ser obrigado a fugir para evitar uma agressão- direito a ficar. Argumentos do direito a ficar: ü Redundaria em algo de desprimoroso ou desonroso para o agente (Pessoa Jorge e Menezes Leitão); ü Deixaria de se afirmar a legalidade contra a agressão não havendo legítima defesa e perdendo-se o efeito dissuasivo que ela representa; ü Equivaleria a que o agente abdicasse previamente de um direito que lhe assiste: o direito de ficar (Menezes Cordeiro). i) Pessoa Jorge e Figueiredo Dias: a fuga já se pode impor, relativamente a ameaças representadas por inimputáveis. Argumentos da exceção aos inimputáveis: ü Por regra, a ordem jurídica não impõe ao defendente que se ponha numa situação lesiva da sua dignidade por uma questão de “igualdade”: porque está a reagir à atuação de uma pessoa consciente, com a mesma capacidade de entender e querer que ele; logo, seria “vergonhoso” que tivesse que fugir ou de lançar mão de uma defesa indigna; ü Ora, na legítima defesa contra inimputáveis já não existem razões de “honra” que impeçam a fuga ou uma defesa menos digna, porque a fuga ou a defesa menos digna nesse caso já não seriam “vergonhosas”. ii) Em sentido contrário, Antunes Varela admite a legítima defesa contra dementes ou contra atos inconscientes. dd) Do meio: Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 7 • Dentro da panóplia de meios disponíveis para conter a agressão, a escolher o mais adequado, ou seja, o necessário para neutralizar a agressão; • Depende das circunstâncias do caso concreto5: será aquele que faculte ao defendente uma satisfatória segurança, aquele que lhe permita repelir efetivamente a agressão sem correr riscos. (avaliação de particularidades como a condição física dos envolvidos, os propósitos subjacentes à agressão, o risco de reiteração ou repetição da ameaça se não for detida por um meio suficientemente eficaz, o grau de perigosidade dos agressores, entre outros); • Ninguém é obrigado a “pecar por defeito” tentando primeiro um meio menos agressivo que se venha a revelar ineficaz, uma vez que se falhar e não conseguir repelir a agressão, pode não ter segunda hipótese de defesa ou pode aumentar muito mais o risco que corria. e) Proporcionalidade (discutível) • Determina doutrina retira do artigo 337.º/1 o pretenso requisito da proporcionalidade: mera comparação de prejuízos, interesses ou bens jurídicos que, embora não seja matemática, lida à letra, impediria que se utilizassem meios muito contundentes (como p. ex. uma faca ou uma arma de fogo) para reagir a agressões que apenas podem pôr em causa valores como a propriedade, ou a autodeterminação sexual, porquanto, desses meios poderia sempre resultar prejuízo para a vida ou a integridade física, bens sempre superiores aos ameaçados por aquelas agressões; 5 Existem casos de situações fechadas e pensadas numa lógica de “problematizar”. Deverão ser levantados os problemas que se possam suscitar e posteriormente avançar com uma tomada de posição quanto ao problema suscitado. Se o caso for omisso quanto a factos que sejam relevantes para a resposta, poderão ser presumidos, através da presunção de que as coisas se passaram de determinada forma, desde que em coerência com o enunciado, e sem “inventar” factos além dos expostos no enunciado, bastando-se com a problematização da situação e indicação da solução para cada uma das alternativas. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 8 i) Admissibilidade: Pessoa Jorge, Oliveira Ascensão, Miguel Teixeira de Sousa, Menezes Leitão, Antunes Varela, Almeida Costa. (Oliveira Ascensão e Menezes Leitão consideram não parecem entendê-la exatamente como o juízo de comparação entre valores e bens jurídicos que resulta literalmente da lei, referindo que não poderá tratar- se de uma “equivalência material absoluta entre o ato pretendido pelo agressor e o praticado pelo defendente”, e convocando-se uma ideia de racionalidade. Embora possa exceder a lesão que resultaria da agressão, tem que corresponder em termos de racionalidade a esta, não podendo ser desproporcionada.). ii) Inadmissibilidade: Menezes Cordeiro, Figueiredo Dias. Continuam a existir exigências de proporcionalidade: só que não é esta proporcionalidade (a do art. 337.º/1), mas sim uma proporcionalidade ligada com a ideia de necessidade e adequação – é proporcional o que for necessário e adequado para deter a agressão, não mais do que isso. Argumentos (Menezes Cordeiro): ü Uma defesa que fique, por exigências desta proporcionalidade, aquém do necessário para neutralizar a agressão, aumentaria os riscos para o defendente porque seria de esperar uma atuação mais violenta do agressor; ü A manifesta superioridade dos danos causados em face dos que se pretendem evitar torna a defesa eficaz, pois é pelo facto de o agressor saber que pode ser substancialmente mais lesado do que aquilo que pretende lesar, que torna a defesa dissuasora/eficaz; ü Desaparecimento de tal solução pela revogação pelo artigo 32.º do Código Penal, por se tratar de diploma sobre a mesma matéria, que omite tal requisito e é cronologicamente posterior ao preceito do CC. Admitir levaria a uma discrepância entre o regime civil e o regime penal e contradições axiológicas. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 9 1.1. Aplicação dos requisitos ao CASO CONCRETO e aferir se estão preenchidos. 1.2. CONCLUSÃO: 1.2.1. Preenche todos os requisitos: justificação da conduta do agente pela via da exclusão da sua ilicitude, extinguindo a responsabilidade civil e respetiva obrigação de indemnização- conduta LÍCITA. 1.2.2. Não preenche todos os pressupostos: OUTRAS FIGURAS • O não preenchimento de algum dos pressupostos determina a não aplicação da figura, não podendo qualificar a conduta do agente como legítima defesa; • Isso não significa que se deva concluir imediatamente pela procedência da responsabilidade do agente, dada a existência de duas figuras supletivas, que não correspondendo propriamente a legítima defesa, se situam num plano próximo a esta e permitem a que delas se possa prevalecer não indemnizar os danos que tenha causado, a saber;EM FALTA- todos, exceto proporcionalidade: a) Erro sobre os pressupostos de legítima defesa / Legítima defesa putativa (artigo 338.º CC) • Noção: caracteriza-se pelo facto de alguém atuar dentro dos figurinos que materialmente corresponderiam a uma situação de legítima defesa, em virtude de ter representado que os pressupostos de tal figura se encontravam preenchidos, apesar de não estarem; • Identificar o pressuposto em erro (p. ex. agressão ou contrariedade à lei); • Requisitos: Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 10 i) Menezes Leitão: para que a justificação opere será, no entanto, necessário que se preencham dois requisitos que resultam do artigo 338.º: Ø que o agente esteja em erro; Ø que esta erro seja desculpável. Tal “desculpabilidade” aferir- se-á por confronto com o padrão de diligência que resulta do artigo 487.º/2: o erro é desculpável (não é censurável, não é exigível ao agente que tivesse agido de outra maneira) se o bom pai de família, colocado na sua situação, tivesse sido levado a pensar o mesmo (também tivesse sido levado a pensar estarem reunidos os requisitos para agir em legítima defesa)– recurso às referências factuais do caso concreto. ii) Menezes Cordeiro: é justificante quando a aparência justificante não seja imputável ao agente. • Conclusão– aplicação ao caso concreto: Ø CUMPRE requisitos: discussão se exclui ilicitude ou culpa6: i) Menezes Cordeiro: legítima defesa ainda se inscreve nas malhas da legítima defesa, pelo que exclui a ilicitude– pratica um ato lícito. Quem crie uma aparência (credível) suporta os seus riscos. ii) Menezes Leitão: já é um problema de culpa (erro desculpável ou não desculpável) e não de ilicitude. Ou seja, quem age em legítima defesa putativa não age ao abrigo de uma causa de justificação, mas sim de uma causa de exclusão da culpa- o 6 Deverá tomar posição e concluir se a conduta é lícita, por exclusão da ilicitude; ou se a conduta é ilícita, mas não culposa. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 11 erro desculpável- pelo que pratica um ato ilícito, mas não culposo. Relevância: dado que a responsabilidade civil tem pressupostos cumulativos, entre outros, a ilicitude e a culpa, qualquer das orientações levará a excluir a responsabilidade civil e o dever de indemnizar os prejuízos causados. Ø NÃO CUMPRE requisitos: não há causa de justificação da ilicitude. Conduta é ILÍCITA, havendo responsabilidade e obrigação de indemnização. EM FALTA- proporcionalidade: b) Excesso de legítima defesa (artigo 337.º/2) • Noção: atuação defensiva se situa já fora das malhas da legítima defesa. • Identificar o comportamento em excesso. • Discussão do requisito “excesso”: i) Para quem defenda que se aplica o requisito da proporcionalidade: há logo excesso de legítima defesa quando a conduta defensiva importar prejuízos que excedam manifestamente os que visou acautelar. ii) Para quem considerar que tal requisito não se aplica: só haverá legítima defesa quando a resposta exceda o que for necessário para deter a agressão. Modalidades: Ø Excesso extensivo: prolongando-se depois de esta já estar neutralizada; Ø Excesso intensivo: respondendo a esta de forma mais intensa do que o que seria necessário. • Justificação do excesso: Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 12 Ø se o defendente se encontrar numa situação de medo ou perturbação; Ø que não sejam culposos (isto é, numa situação em que o bom pai de família também se encontraria se colocado no lugar do defendente). • Conclusão– aplicação ao caso concreto: Ø CUMPRE requisitos: discussão se exclui ilicitude ou culpa7: i) Antunes Varela e Menezes Cordeiro: acionado o artigo 337.º/2 e o “excesso justificante” aí previsto, excluir-se-ia a ilicitude– pratica um ato lícito; na existência de “medo” ou “perturbação” (requisitos da figura) é que não pode haver culpa – a avaliar pela bitola do bom pai de família. ii) Pessoa Jorge: exclui a ilicitude no caso de utilização errada e excessiva do meio de defesa- ato é lícito; mas será sempre ilícito no caso de violação do princípio da proporcionalidade na aceção que resulta literalmente do artigo 337.º/1. iii) Menezes Leitão e Teresa Quintela de Brito: seria uma exclusão da culpa, sendo necessário recorrer ao Direito Penal ao excesso asténico de legítima defesa. Daí considerarem que a causa de justificação será verdadeiramente, não a legítima defesa, mas o medo invencível– pelo que pratica um ato ilícito, mas não culposo. Relevância: dado que a responsabilidade civil tem pressupostos cumulativos, entre outros, a ilicitude e a culpa, qualquer das orientações levará a excluir a responsabilidade civil e o dever de indemnizar os prejuízos causados. 7 Deverá tomar posição e concluir se a conduta é lícita, por exclusão da ilicitude; ou se a conduta é ilícita, mas não culposa. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 13 Ø NÃO CUMPRE requisitos: não há causa de justificação da ilicitude. Conduta é ilícita, havendo responsabilidade e obrigação de indemnização. 1.2.2.1. Concurso de excesso e erro • Primeiro ver se é erro justificado; • Se for, avaliar se o excesso é ou não justificado; • No caso de faltar algum, não há como justificar a conduta e será sempre ilícita. (ex: mesmo que o excesso seja justificado, não é legítima a situação que leva a que ele exista. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 14 2. Estado de Necessidade 2.1. Noção: figura presente no artigo 339.º/1 do CC. 2.2. Requisitos: a aplicação do regime, presente no artigo 339.º, depende do preenchimento de todos os seus pressupostos, a saber: Importa, nesta fase, o plano objectivo (independentemente do que o agente acha que está a acontecer) a) Perigo atual de ocorrência de um dano para o agente ou para terceiro • Atualidade do perigo = cumpre exigência de subsidiariedade; • Discussão se não se pode considerar igualmente justificada uma conduta que provoque danos pessoais, para evitar outros danos de maior expressão. i) Menezes Leitão e Pessoa Jorge: recusa. Argumentos de recusa: ü Estado de necessidade apenas justifica a lesão de bens patrimoniais, tendo em conta, designadamente, a letra do artigo 339.º/1 (“destruir ou danificar coisa alheia”) e é o que resulta dos trabalhos preparatórios do Código Civil; ü Os exemplos apontados para justificar o alargamento, na verdade, o que permitem excluir é a culpa. ii) Almeida da Costa, Menezes Cordeiro e Teresa Quintela de Brito: admissível. Argumentos a favor: ü Fundamento do estado de necessidade: de distribuição de riscos e ponderação de interesses e bens juridicamente tutelados, tendo em vista a salvaguarda dos mais importantes numa situação de confronto, com respeito pela proporcionalidade; ü Confronto sistemático com a figura do direito de necessidade no Direito Penal (cf. artigo 34.º CP) a qual comporta claramente essa via de solução. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 15 b) Dano causado seja manifestamente superior ao causado pelo agente (Proporcionalidade) • Exclui destruição ou danificação de coisas próprias; • Proporcionalidade, enquanto comparação entre valores e bens jurídicos, é aqui requisito mais pacífico na doutrina, o que tem que ver com o próprio fundamento da figura: não está em causa repelir uma agressão ilícita, apenas, numa lógica de solidariedade entre as pessoas, a distribuição de danos (ou riscos); • Essa avaliação far-se-á comparando um dano potencial (risco) – o que se evita – com um dano real – que efetivamente se causa;• Avaliação feita pelo próprio agente de acordo com os elementos de que disponha no momento, mas atendendo às bitolas gerais de valor. c) Comportamento danoso necessário e destinado a remover esse dano • Discussão sobre destruição VS. Apropriação: i) Cavaleiro Ferreira: apenas destruição. Argumentos contra: ü Taxatividade legal das situações abrangidas pelo estado de necessidade; ü Considerou estar implícita a possibilidade de mero uso da coisa. ii) Pessoa Jorge: admite. Argumentos a favor: ü Vai mais longe e admite uso, retenção ou apropriação de coisas alheias e, bem assim, ofensa de direitos de crédito sobre a coisa destruída ou danificada; ü Assente no fundamento do estado de necessidade. iii) Antunes Varela: posição intermédia. Argumentos da posição intermédia: ü Igualdade ou maioria de razão, considera igualmente legítimo também a apropriação ou o uso de coisa alheia. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 16 2.3. Caracterização do estado de necessidade: Ø Defensivo: destrua ou danifique a própria coisa fonte do perigo; Ø Agressivo: destrua ou danifique outra coisa. 2.4. Indemnização • Preenchimento dos pressupostos de aplicação do estado de necessidade importa a justificação da conduta (pela via da exclusão da sua ilicitude), mas não exclui necessariamente o dever de indemnizar pelos prejuízos causados – que resulta do disposto no artigo 339.º/2; • Justificação: fundamento da figura assenta na distribuição solidária de riscos e permitir afastar risco de danos superiores. • Importa, pois, distinguir dois tipos de situações: • Culpa exclusiva do agente- art. 339.º/2, 1.ª parte: responde sozinha por todos os danos, e a indemnização é fixada de acordo com as regras de responsabilidade civil: artigos 562.º ss; • Culpa não exclusiva do agente- art. 339.º/2, 2.ª parte: liberdade de avaliação do tribunal que pode: (i) decidir se há ou não lugar obrigação de indemnizar; (ii) se decidir que há, decidir quem onerar com essa obrigação de indemnizar (alguma ou todas) – podendo ser o agente (quem agiu estado de necessidade), quem tirou proveito do ato, ou quem contribuiu para o estado de necessidade; (iii) é ainda livre de fixar o quantum da indemnização (que poderá ser inferior aos danos). • A liberdade de avaliação do tribunal não é arbítrio, pois ela deve ser tomada de acordo com a equidade, isto é, de que acordo com que for mais justo no caso concreto. Discussão sobre a valoração segundo a equidade: i) Pessoa Jorge: os três aspetos de decisão são valorados segundo a equidade; ii) Antunes Varela: só o quantum da indemnização é calculado segundo a equidade; o restante há discricionariedade judicial. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 17 • Discussão sobre o fundamento da indemnização do 339.º/2, 2.ª parte, visto que o agente age licitamente: i) Pessoa Jorge: responsabilidade pelo risco; ii) Antunes Varela: responsabilidade resulta de um princípio de justiça comutativa “que manda compensar o titular do interesse justamente sacrificado ao interesse superior; iii) Almeida Costa: na primeira situação do 339.º/2, 1.ª parte não há verdadeiro estado de necessidade, mas sim, apenas nesta segunda hipótese, em pode não haver indemnização, é que o estado de necessidade funciona, verdadeiramente, como causa de justificação. 2.5. Aplicação dos requisitos ao CASO CONCRETO e aferir se estão preenchidos e suas variantes. 2.6. CONCLUSÃO: 2.6.1. Preenche todos os requisitos: justificação da conduta do agente pela via da exclusão da sua ilicitude. Conduta lícita. 2.6.2. Não preenche todos os pressupostos: OUTRAS FIGURAS • A lei não contempla expressamente a possibilidade de justificação das condutas de quem aja representando estarem preenchidos os pressupostos do estado de necessidade (geraria um estado de necessidade putativo) ou em excesso de estado de necessidade (que decorreria, tanto da lesão de interesses e valores de ordem superior aos que se procuram salvaguardar, como numa lesão que exceda o necessário para afastar um perigo); • Discussão sobre admissibilidade: i) Pessoa Jorge: nega tal possibilidade. Argumentos contra: Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 18 ü Se o legislador desejasse prevê-la, tê-lo ia feito (cf. artigo 9.º/3 CC); ü O eventual erro poderia ser levado em conta pelo juiz na apreciação equitativa que fizer em sede de artigo 339/2 2a parte pelo que, no fundo, a solução legal de não prever a figura seria acertada; ü Quanto ao excesso de estado de necessidade, a mesma razão levaria a não atropelarmos o silêncio do legislador, ou seja, a circunstância de excesso apenas pode ser considerada na apreciação que o tribunal fizer, de acordo com a equidade, ao abrigo do artigo 339.º/2, 2.ª parte. ii) Menezes Cordeiro: admite. Se se admitir que há excesso e estado de necessidade putativo justificantes, os raciocínios a fazer quanto à exclusão da ilicitude ou da culpa, são os explanados a propósito da legítima defesa. Argumentos a favor: ü Interpretação extensiva ou analogia – aplicando analogicamente as regras relativas ao excesso de legítima defesa (artigo 337.º/2) e o disposto no artigo 338.º relativo ao erro sobre os pressupostos da legítima defesa e da ação direta; ü Apelo às razões subjacentes à figura do erro sobre os pressupostos da legítima defesa e legítima defesa excessiva justificante, que também valeriam para o estado de necessidade – com a vantagem de que admiti-los como possibilidade de justificação não excluía automaticamente o dever de indemnizar, podendo nessa sede fazer-se as ponderações adequadas. EM FALTA- todos, exceto proporcionalidade: aplicação dos mesmos termos expostos na legítima defesa. EM FALTA- proporcionalidade: aplicação dos mesmos termos expostos na legítima defesa. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 19 3. Ação Direta: É mera ameaça 8(há apenas indícios de consumação do dano, sem que este esteja iminente ou em curso) sobre direito do agente? Se sim: 3.1. Noção: figura presente no artigo 336.º/1 do CC. 3.2. Requisitos: a aplicação do regime, presente no artigo 336.º, depende do preenchimento de todos os seus pressupostos, a saber: Importa, nesta fase, o plano objectivo (independentemente do que o agente acha que está a acontecer) a) Ameaça a direito do agente: Reação a ameaça ilícita sobre direito privado próprio – patrimonial (propriedade) ou não patrimonial (integridade física, vida, etc. • Estar em causa a realização ou proteção de um direito do próprio agente • Exclui interesses de terceiros; • Exclui o requisito da atualidade: a ação direta pode começar onde já não houver uma “agressão atual” e, portanto, já não for possível agir em legítima defesa; • Discussão sobre a possibilidade de defesa de direitos de crédito. Santos Júnior- distingue duas situações: Ø O credor, em ação direta, obrigar o devedor a cumprir: doutrina é unânime de que não pode; Ø O credor retira, em ação direta, bens do devedor para assegurar o cumprimento da obrigação: discussão doutrinária; i) Pessoa Jorge: admissível. ii) Menezes Leitão e Santos Júnior: recusa. Argumentos contra: 8 A doutrina discute se a ação direta se aplica apenas aos casos de ameaça ou se abrange também efetivas agressões. Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 20 ü Sendo a ação direta subsidiária, o credor deve recorrer aos meios normais para satisfazer o seu crédito (nomeadamente, ir a tribunal); ü No nosso Direito, o que responde pelo cumprimento de uma dívida de uma pessoa é o seu património. Isto quer dizer que se a pessoa não pagar, o credor pode executar o património: vai a tribunal, os bensdo devedor são penhorados (= apreendidos) e, no limite, vendidos por ordem do tribunal que depois retira do produto da venda o valor da dívida e o dá ao credor; ü Santos Júnior, contudo, admite a seguinte situação: se o devedor estiver a retirar bens do seu património para que não tenha com o que responder pela dívida. b) Impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios normais c) Indispensabilidade da atuação para evitar a inutilização do direito • Só se deve ponderar a eventualidade de aplicação da ação direta, se não se poder aplicar nenhum outro dos outros dois meios de autotutela. d) Atuação estritamente necessária: não se exceder o necessário para evitar o prejuízo [336.º/1 até aqui] e) Não sacrificar interesses superiores aos que o agente vise assegurar [336.º/3] 3.3. Aplicação dos requisitos ao CASO CONCRETO e aferir se estão preenchidos e suas variantes. 3.4. CONCLUSÃO: 3.4.1. Preenche todos os requisitos: justificação da conduta do agente pela via da exclusão da sua ilicitude. Conduta lícita. 3.4.2. Não preenche todos os pressupostos: OUTRAS FIGURAS • Neste caso a lei prevê expressamente a ocorrência putativa (artigo 338.º) mas não o excesso de ação direta; Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 21 • Deve-se fazer os raciocínios quanto à exclusão da ilicitude ou da culpa, explanados a propósito da legítima defesa. EM FALTA- todos, exceto proporcionalidade: aplicação dos mesmos termos expostos na legítima defesa. a) Erro sobre os pressupostos de ação direta / Ação direta putativa (artigo 338.º CC) • pode reportar-se a qualquer requisito, exceto proporcionalidade (à existência do direito, à impossibilidade de recorrer aos meios normais...). As vias de solução são análogas às da legítima defesa putativa. EM FALTA- proporcionalidade: aplicação dos mesmos termos expostos na legítima defesa. b) Excesso de ação direta (só em falta o requisito de proporcionalidade) • Não está previsto; • Menezes Cordeiro admite que possa ser desculpável, se ocorreu em ambiente de especial tensão, mas refere a necessidade de se providenciar quanto à distribuição dos danos (o que sugere a hipótese de, mesmo assim, se poderem imputar alguns danos ao agente). Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 22 ESQUEMA SUMÁRIO: 1. Identificar o sujeito e conduta em análise; 2. Identificar o possível meio de autotutela em causa; 2.1.Explicar o enquadramento dos meios de autotutela; 3. Análise do meio de autotutela: 3.1.Legítima Defesa: 3.1.1. Pressupostos- problemas a considerar nos pressupostos, a saber: • Culpa e inimputáveis (contrariedade à lei); • Direito a ficar (necessidade de defesa); • Requisito da proporcionalidade. 3.1.2. CUMPRE VS. NÃO CUMPRE Conduta lícita! 3.1.2.1.NÃO CUMPRE PRESSUPOSTOS- Outras figuras: a) Legítima defesa putativa: falta de todos os pressupostos, exceto proporcionalidade -requisitos - CUMPRE VS. NÃO CUMPRE Discussão de exclusão da ilicitude ou culpa b) Excesso de legítima defesa: falta pressuposto da proporcionalidade -caracterização (extensivo ou intensivo) -pressupostos -CUMPRE VS. NÃO CUMPRE Discussão de exclusão da ilicitude ou culpa Recurso a outras figuras. Conduta ilícita! Conduta ilícita! Introdução ao Estudo do Direito I Dina Freitas Teixeira 23 3.2.Estado de Necessidade 3.2.1. Pressupostos (problemas a considerar nos pressupostos, a saber: • Danos pessoais- discussão; • Destruição VS. Apropriação- discussão; 3.2.2. Caracterização do Estado de Necessidade (defensivo VS. Agressivo) 3.2.3. Indemnização 3.2.3.1. Culpa VS. não culpa 3.2.3.2. Equidade do tribunal- discussão 3.2.3.3. Fundamento da indemnização 3.2.4. CUMPRE VS. NÃO CUMPRE Conduta lícita! 3.2.4.1.NÃO CUMPRE PRESSUPOSTOS- Outras figuras: 3.2.4.2. Discussão de admissibilidade. SIM: igual à LD 3.3.Ação Direta 3.3.1. Pressupostos (problemas a considerar nos pressupostos, a saber: • Direitos de crédito 3.3.2. CUMPRE VS. NÃO CUMPRE Conduta lícita! Recurso a outras figuras. NÃO: Conduta ilícita. Recurso a outras figuras. (putativa igual à LD; no excesso- discussão)